quarta-feira, 3 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

“Três mulheres altas”

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Uma versão digna e inesquecível

 

Lionel Fischer

 

Após um longo período relegado ao esquecimento, o dramaturgo norte-americano Edward Albee – “Zoo story”, “Quem tem medo de Virgínia Wolf”, “Um equilíbrio delicado” – literalmente ressurgiu das cinzas no ano passado: ganhou o Prêmio Pulitzer de Teatro de 1994 com “Três mulheres altas”, considerada pela crítica como a melhor peça americana das últimas décadas. Agora, após cumprir ótima temporada em São Paulo, a montagem dirigida por José Possi Neto está em cartaz no Teatro do Sesi com elenco formado por Beatriz Segall, Nathalia Timberg, Marisa Orth e Marcos Pecci.

Assumidamente autobiográfico, o texto gira em torno da figura da mãe adotiva do autor, com quem ele viveu até os 18 anos, quando foi expulso de casa sob a acusação de ser homossexual e possuir idéias políticas excessivamente liberais para os padrões de sua família. Escrita em dois atos, no primeiro a peça se concentra nas recordações algo desconexas de A (Segall), autoritária e amargurada matriarca de 92 anos. Junto dela estão B (Timberg), uma espécie de dama de companhia sarcástica e desiludida, e C (Orth), jovem e vaidosa advogada que representa o escritório que cuida dos interesses financeiros da caquética milionária – por razões que ficarão claras no segundo ato, Albee não dá nome às suas personagens.

Na segunda parte, o autor promove o que os franceses chamam de “coup de théâtre”, uma surpresa tão desconcertante que aclará-la equivaleria a privar o espectador de um impacto realmente avassalador. Em todo o caso, cumpre dizer que o brilhante recurso contribui para conferir um peso ainda maior às sensíveis reflexões sobre a vida, com todas as suas variantes e infinitas possibilidades, e fundamentalmente sobre a condição feminina. Trata-se, sem a menor dúvida, de uma das maiores obras-primas do teatro contemporâneo.

O diretor José Posse Neto impõe à cena uma dinâmica que traz algumas de suas marcas registradas: sobriedade, elegância e uma notável capacidade de extrair o máximo dos intérpretes. Abstendo-se de dispensáveis firulas formais, concentrando-se quase que tão somente em explicitar todos os conteúdos propostos pelo autor através de um mergulho profundo nas contradições e psicologia dos riquíssimos personagens, Possi consegue criar uma encenação de altíssimo nível.

Mas é óbvio que, numa peça dessa natureza, seu alcance e maior significado estão condicionados ao desempenho do elenco. Só intérpretes de exceção seriam capazes de, por um lado, fazer aflorar uma infinidade de sentimentos, em geral dolorosos; e por outro, mergulhar profundamente em seu próprio universo afetivo – não acredito que um resultado tão expressivo possa ter sido obtido apenas com técnica e experiência. E Beatriz Segall, Nathalia Timberg e Marisa Orth superam todos os desafios artísticos e humanos propostos por Albee.

Na melhor atuação de sua carreira, Beatriz Segall está simplesmente perfeita em todos os momentos, tanto no que diz respeito à composição física de sua personagem como na forma como explicita seu rico e contraditório mundo interior. O mesmo pode ser dito de Nathalia Timberg e Marisa Orth, igualmente fascinantes, o que só contribui para reforçar minha crença de que as atrizes brasileiras – ao menos as mais brilhantes – nada ficam a dever às melhores intérpretes do mundo. Marcos Pecci tem breve e correta participação na pele do autor.

O trabalho da equipe técnica também pode ser considerado excepcional. Tanto a cenografia de Felippe Crescenti como os figurinos de Maria Cândida Sarmento retratam de forma impecável o ambiente e as personalidades criadas por Albee. Quanto à iluminação, parceria entre o diretor e Wagner Freire, cabe destacar as sutis alterações de cor e incidência dos feixes luminísticos, invariavelmente associadas ao estado emocional dos personagens.

TRÊS MULHERES ALTAS – Texto de Edward Albee. Direção de José Possi Neto. Com Beatriz Segall, Nathalia Timberg , Marisa Orth e Marcos Pecci.

 

 

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