sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

“Louro, alto, solteiro, procura...”

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Hilariantes panes telepáticas

 

Lionel Fischer

 

Autor de alguns dos maiores sucessos de público do teatro carioca, como “A partilha” e “Como encher um biquíni selvagem”, Miguel Falabella, em parceria com Maria Carmem Barbosa, escreveu e é o único intérprete de “Louro, alto, solteiro, procura...”, comédia dirigida por Jacqueline Laurence em cartaz no Teatro Casa Grande.

Neste monólogo de natureza telepática, tudo acontece a partir de uma espécie de pane na mente do pai Adamastor, sensitivo que localiza, a pedidos, pessoas desaparecidas. Entretanto, em virtude de uma “sapatada cósmica”, desferida por uma senhora que desejava encontrar o marido, vozes aflitas entram ao mesmo tempo no “circuito”. Daí em diante, pai Adamastor incorpora múltiplos personagens e se empenha em evitar o caos absoluto.

Falabella sempre se caracterizou como um homem de teatro essencialmente empenhado em se divertir e divertir o público. Por muitos considerado um autor superficial, opinião que atribuo a um nem sempre assumido sentimento de inveja, o fato é que Falabella possui inúmeras e nada desprezíveis qualidades como dramaturgo, sendo as mais significativas seu acurado senso de humor – jamais dissociado de uma visão crítica do fato retratado – e uma excepcional capacidade para criar diálogos ágeis e extremamente engraçados.

E tais virtudes estão presentes em “Louro, alto, solteiro, procura...”. Embora a peça seja um monólogo, os sucessivos personagens incorporados por pai Adamastor estão sempre discutindo, trocando ofensas ou confissões, estabelecendo alianças ou procurando destruí-las. E tudo é feito com tamanho grau de competência e num ritmo tão vertiginoso que a platéia mal tem tempo de se recuperar de uma convulsão de riso, pois outra já se delineia.

A fim de não estragar o fator surpresa, vou me abster de mencionar a extensa galeria de tipos e situações que se encadeiam de forma extremamente hábil. Mas é claro que não deixarei de enfatizar a fantástica atuação de Falabella: perfeito na composição das propositais caricaturas, tanto em termos vocais quanto físicos, e possuidor de um carisma que deixa os espectadores literalmente magnetizados, Falabella dá um show de interpretação nesta que é, sem qualquer margem de erro, a melhor atuação de sua carreira. E é por isso que, ao final da montagem, a platéia o aplaude  de pé e demoradamente. 

A direção de Jacqueline Laurence acompanha de perto a eficiência do texto e da atuação do solista. Suas marcações são precisas, criativas, de uma ironia que é uma das marcas registradas da encenadora. E é lógico que grande parte do êxito do ator deve ser creditado às orientações de Jacqueline, ela mesma uma ótima atriz e que já dirigiu Falabella em “Sereias da zona sul” e foi por ele dirigida em “Tupã, a vingança” e “No coração do Brasil”. Com tantas afinidades e conhecimento mútuo, o resultado só poderia ser um dos mais cativantes espetáculos da atual temporada.

Quanto à equipe técnica, esta tem atuação igualmente brilhante. A iluminação de Maneco Quinderé é tão eficiente quanto bem-humorada. A cenografia de Marlise Storchi entulha o palco com uma infinidade de objetos levados pelos que desejam encontrar os desaparecidos, e sua multiplicidade, assim como disposição cênica, são extremamente cômicas. O único figurino, assinado por Silvia Sangirardi, é de extrema elegância, sugerindo o altíssimo padrão de vida daqueles que se dedicam a práticas que repousam na crença cega dos que se sentem desamparados.

LOURO, ALTO, SOLTEIRO, PROCURA...- Texto de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa. Direção de Jacqueline Laurence. Com Miguel Falabella. Teatro Casa Grande.

 

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