quarta-feira, 3 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

"Uma Ilíada"

 

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Visceral encontro entre palco e platéia

 

 

Lionel Fischer

 

 

Poema épico cuja autoria é atribuída a Homero (poeta grego do século VIII a.C.), a "Ilíada" descreve a Guerra de Tróia em vinte cantos. Na obra, Homero conta o penúltimo ano desta guerra que durou dez anos. Após seqüestrarem a princesa grega Helena, os troianos são atacados pelos gregos. Finalmente os gregos conseguem vencer, após presentearem os troianos com um gigantesco cavalo de madeira, dentro do qual estavam escondidos centenas de soldados – de madrugada, eles saíram da barriga do cavalo e dizimaram a cidade inimiga. Porém, vale lembrar que o episódio do Cavalo de Tróia não aparece nos cantos da "Ilíada", mas apenas na "Odisséia", outro poema de Homero, quando o herói Ulisses apresenta lembranças desta guerra.

 

Baseados nesta que constitui uma das obras mais relevantes da antiguidade, os norte-americanos Lisa Peterson e Denis O'Hare escreveram "An Iliad" ("Uma Ilíada"), em cartaz no Teatro I do CCBB. Bruce Gomlevsky assina a direção do espetáculo e interpreta o único personagem, que talvez possa ser definido como um contador de histórias. A tradução ficou a cargo do poeta Geraldo Carneiro.

 

Escrito há cerca de três mil anos e contendo mais de quinze mil versos, a "Ilíada" é considerada não apenas o mais antigo e extenso documento literário grego que chegou até nossos dias, mas também a obra fundadora da literatura ocidental e uma das mais importantes da literatura mundial. Isto posto, caberia a pergunta: seria possível adaptar a monumental obra para o teatro, condensando-a a ponto de gerar um espetáculo de pouco mais de uma hora? A resposta é um entusiasmado sim! E isto se deve, como explicita Bruce Gomlevsky no release, à capacidade dos autores de produzir "uma escrita acessível e comunicativa para as platéias contemporâneas, sem perder a profundidade e beleza do texto original".

 

Abordando uma série de temas, dentre eles a ganância, a violência e a ferocidade humana, a presente obra propicia ao espectador uma rara oportunidade de refletir sobre algumas de suas questões essenciais e, quem sabe, a partir dessas reflexões, empreender algum movimento no sentido de interromper essa ancestral tendência que não privilegia a vida, mas a morte.

 

Impondo à cena uma dinâmica que, sem deixar de exibir componentes ritualísticos, consegue estabelecer fortíssima comunicação com a platéia, Bruce Gomlevsky valoriza ao máximo o excelente material dramatúrgico, cabendo destacar a forma como explora a excelente cenografia de sua autoria (um grande círculo composto por velas) e também como interage com a dramática trilha sonora original de Mauro Berman, executada de forma primorosa pela contrabaixista Alana Alberg. 

 

Homem de teatro na acepção plena do termo (atua, dirige, produz), Bruce Gomlevsky é um ator de raro talento. E isto se deve não apenas aos seus vastos recursos vocais e corporais, à sua refinada sensibilidade e à inteligência de suas escolhas como intérprete, que jamais descambam para o previsível.  Acredito que existe algo mais em Bruce Gomlevsky do que apenas um talento avassalador para representar: sua profunda compreensão do fenômeno teatral, que pressupõe um visceral encontro entre quem faz e quem assiste. 

 

No complemento da ficha técnica, o poeta Geraldo Carneiro assina, como de hábito, maravilhosa tradução, bem ao seu estilo, mesclando erudição e humor. A destacar também as preciosas colaborações de Daniella Visco (direção de movimento), Carol Lobato (figurino), Derô Martin (efeito especial), Mauricio Grecco (arte e identidade visual) e Thiago Ristow (projeto gráfico).

 

UMA ILÍADA - Texto de Lisa Peterson e Denis O'Hare. Tradução de Geraldo Carneiro. Direção e interpretação de Bruce Gomlevsky. Teatro I do CCBB.

 

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