quarta-feira, 3 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

“Melodrama”

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Hilário carrossel de clichês

 

Lionel Fischer

 

“A passionalidade latina unida a uma visão contemporânea do estilo melodramático. Assassinatos, incestos, dupla personalidade, suicídios e mocinhas abnegadas, embalados por tangos e boleros, recheiam o universo do espetáculo através de duas histórias”. Assim os realizadores de “Melodrama”, em cartaz no Teatro I do CCBB, definem a montagem de Enrique Diaz, que tem no elenco Drica Moraes, Susana Ribeiro, Marcelo Valle, Bel Garcia, Gustavo Gasparani, César Augusto e Marcelo Olinto, que integram a Cia. Dos Atores. O texto é assinado por Filipe Miguez.

As duas “histórias” em questão possuem estruturas narrativas diferentes. A primeira focaliza a novela radiofônica “Na saúde e na doença”, cujos capítulos vão sendo apresentados paulatinamente, intercalados com a outra história. Esta mostra uma família às voltas com incestos e adultérios, mas em cada uma das cinco seqüências o dramalhão surge com um novo formato – clima rodrigueano, nobres franceses do século XVIII, caipiras americanos, argentinos do início do século e personagens de uma ópera italiana.

Além disso, autor e diretor criaram dois solilóquios que objetivam, ao que parece, conferir um tom realmente melodramático ao espetáculo, já que este se empenha em criticar o gênero: no primeiro, um ébrio tenta se livrar da culpa por ter assassinado injustamente a esposa, possuído de incontrolável ciúme; no segundo, um desmemoriado procura sua identidade, acabando por aceitar a do assassino.

“Melodrama” revela, antes de tudo, um autor de grandes qualidades. Filipe Miguez escreve ótimos diálogos, tem um senso de humor irresistível e uma visão crítica do gênero realmente hilariante. Discordo, apenas, da inserção dos solilóquios, pois estes são de uma seriedade inteiramente deslocada. Fica parecendo, inclusive, que o autor quis enfatizar seu conhecimento do melodrama a fim de calar eventuais rejeições aos exageros que propõe. Tal presunção, se de fato existiu, é totalmente descabida, pois qualquer deformação implica, necessariamente, no pleno domínio da matéria prima que se deseja transformar.

Enrique Diaz leva às últimas conseqüências as propostas do autor, impondo à montagem criatividade, humor e elegância em doses mais do que generosas. Tudo se encaixa nessa espécie de carrossel que gira embalado por uma infinidade de clichês: rubores de donzela, peitos que arfam como a sugerir um iminente rompimento de costelas, trêmulas vozes não raro sufocadas por lágrimas apoteóticas, sobrancelhas que arqueiam como se pretendessem se juntar aos cabelos e assim por diante. Enfim, um completo arsenal de canastrices manipulado com inteligência e que leva a platéia a verdadeiras convulsões de riso.

Quanto ao elenco, este evidencia perfeita sintonia com o delirante universo criado pelo dramaturgo e pelo diretor. Todos, sem exceção, demonstram uma vez mais aquilo que para mim já se tornou óbvio: a excelência dos atores cariocas, invariavelmente confirmada sempre que as condições o permitem. No presente caso, como o talento e a sensibilidade são a tônica, o rendimento do conjunto só poderia ser de altíssimo nível. Ainda assim, gostaria de destacar as performances de Drica Moraes, Susana Ribeiro e Gustavo Gasparani, jovens profissionais que só injustificados caprichos dos deuses do teatro poderão impedir de cumprir belíssima trajetória artística.

Fernando Mello da Costa assina criativa e funcional cenografia, que atende a todas as solicitações do espetáculo. Os figurinos de Marcelo Olinto são tão hilariantes quanto críticos. Maneco Quinderé, para não perder o hábito, criou uma iluminação brilhante, que reforça os climas emocionais propostos pela direção e muitas vezes os determina. É igualmente esplêndida a trilha sonora de Carlos Cardoso, o mesmo podendo ser dito da preparação corporal de Lúcia Aratanha.

MELODRAMA – Texto de Filipe Miguez. Direção de Enrique Diaz. Com a Cia. Dos Atores.

 

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