quarta-feira, 3 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

“Van Gogh”

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O gênio louco em versão comovente

 

Lionel Fischer

 

Um dos maiores gênios da pintura de todos os tempos, ele só vendeu um quadro em vida, comprado pelo irmão. Hoje, suas obras atingem preços astronômicos, como é o caso de “O retrato do dr. Gachet”, adquirido recentemente por US$ 82,9 milhões. Por muitos considerado louco, ele se matou com um tiro no peito aos 37 anos. Tema de filmes e adaptações teatrais, o pintor holandês Vincent Van Gogh (1835-1890) é o personagem único do espetáculo “Van Gogh”, em exibição na Casa da Gávea, com direção de Márcia Abujamra e interpretação de Elias Andreato.

O roteiro da montagem, assinado por Abujamra e Andreato, baseou-se em algumas das centenas de cartaz escritas por Van Gogh a seu irmão Theo. Nelas, o pintor aborda questões que o obcecavam, como a desesperada necessidade de ganhar dinheiro – o que jamais conseguiu -, a razão de ser da arte, a futilidade de se seguir os cânones do academicismo, a paixão pela natureza e a esperança de encontrar um sentido para a vida através do amor, dentre muitos outros temas.

Para evitar que o espetáculo pudesse se reduzir a meros depoimentos, ainda que relevantes como possibilidade de acesso ao universo do pintor, a diretora Márcia Abujamra faz o personagem dirigir-se diretamente à platéia, como se esta fosse o irmão de Van Gogh, com ela estabelecendo  uma espécie de contracena -  Elias Andreato atua sempre levando em consideração as reações que provoca.

A diretora estruturou a montagem valendo-se de poucos elementos: uma cadeira, folhas de papel, velas e um chapéu de palha. E, em parceria com Andreato, ambientou a cena entre paredes pintadas de forma a sugerir o estilo do pintor, idéia excelente porque dá a sensação de que o artista era uma espécie de prisioneiro de sua arte. A partir desta econômica opção, Márcia Abujamra apostou todas as suas fichas na capacidade do intérprete de extrair o máximo de expressividade de sua relação com estes elementos em consonância com o texto articulado. E o resultado acaba sendo de altíssima qualidade.

Os objetos acima relacionados perdem seu caráter de meros acessórios e convertem-se em símbolos capazes de traduzir sentimentos que transcendem as palavras. É o caso, por exemplo, das cartas que o personagem atira em todas as direções e depois, com os pés, empilha num canto: à imagem de aparente renúncia se sucede uma inusitada tentativa de resgatar o gesto tresloucado, dando a entender que o pintor, ainda que relutante, não perdera em definitivo a esperança de ser entendido.

Há também inúmeras imagens de grande força poética, como a que encerra o espetáculo: Van Gogh coloca um chapéu sobre o qual ardem algumas velas, sugerindo não apenas o sol que tanto amava, mas também a luz que desejava para a própria vida, sempre sombria, melancólica e desesperada.

Elias Andreato revela-se um ator perfeito para o papel. Ótima voz, forte presença cênica, expressivo no que diz respeito ao universo gestual e levando às últimas conseqüências tanto o desespero do personagem quanto suas eventuais explosões de alegria e crença no futuro, Andreato, que ganhou o Prêmio Shell de melhor ator paulista de 1993, será sem dúvida uma grata revelação para o público carioca.

Quanto à atuação da equipe técnica, esta também pode ser considerada de altíssimo nível. Tanto a sobriedade do figurino criado por Fernanda Abujamra como a sutil e delicada iluminação de Wagner Freire - estruturada em tons quentes em sintonia com grande parte da obra do pintor - contribuem de forma decisiva para tornar “Van Gogh” uma montagem imperdível.

VAN GOH – Roteiro de Márcia Abujamra e Elias Andreato. Direção de Márcia Abujamra. Com Elias Andreato. Casa da Gávea.

 

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