sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

“Minha mãe é uma peça”

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As agruras de um hilariante arquétipo

 

Lionel Fischer

 

Se existe algo de inquestionável neste nosso mundo, abundante de questionamentos e contradições, é sem dúvida o amor incondicional de mãe – embora acredite que amor de pai também seja incondicional. No presente caso, estamos diante de dona Hermínia, mãe de um casal já crescido, que simplesmente enlouquece com hábitos e manias típicos da juventude. Mas a apoplexia da protagonista é ampla e diversificada, incluindo a vizinha fofoqueira, outra que vive fazendo obras e uma terceira que passa o tempo todo cantando aos berros – e isso sem falar no ex-marido e em sua atual namorada, dos quais ela tem profundas queixas, e das várias doenças de que padece, reais ou imaginárias.

Eis, em resumo, o caótico universo em que vive dona Hermínia, personagem único de “Minha mãe é uma peça”, texto escrito e interpretado por Paulo Gustavo. A montagem, em cartaz no Teatro Cândido Mendes, leva a assinatura de João Fonseca – o espetáculo conta também com a participação em off de dois atores, não mencionados no programa, e também de Mariana Baldi que, da cabine de luz e sem ser vista, tem pequena e eficiente participação.

Como imagino ter ficado claro no parágrafo inicial, não estamos propriamente diante de um personagem, mas de um arquétipo. Ou seja: dona Hermínia concentra todas as virtudes e todos os pecados inerentes a esta figura tão essencial, que é a da mulher que tem filhos e a eles se dedica – e também atazana – com inimaginável devoção. Mas aqui, como se trata de uma comédia, o autor fez questão de priorizar os aspectos furiosos, magoados, maníacos e estressados de dona Hermínia, criando situações muito engraçadas e que despertam total empatia na platéia.

Diante de tal quadro, João Fonseca teve a sabedoria de impor à cena uma dinâmica simples e divertida, já que evidentemente o sucesso da empreitada estaria a cargo do único ator em cena. E Paulo Gustavo se revela um grande talento, tanto no que diz respeito à impecável composição física quanto ao apurado domínio vocal – afora o fato de exibir um tempo de comédia realmente notável, virtude inata e que tudo indica que ainda possa ser bastante desenvolvida em seus próximos trabalhos.

Com relação à equipe técnica, a cenografia de Nello Marrese atende a todas as necessidades da montagem, sendo extremamente apropriados os figurinos assinados por Patrícia Muniz. São igualmente eficientes a iluminação de Eduardo Nobre, a trilha sonora de Marco Novack e a maquiagem de Josef Chasilew.

MINHA MÃE É UMA PEÇA – Texto e interpretação de Paulo Gustavo. Direção de João Fonseca. Teatro Cândido Mendes.

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