quinta-feira, 10 de março de 2011

Camus,
o dramaturgo

Alcione Araújo


          Albert Camus (1913-1960) nasceu em Argel, então colônia francesa, filho de um operário de vinha e mãe analfabeta. Mais tarde vai a Liceu. Freqüenta o teatro e adquire o costume de ler peças. Sonha em ser ator, diretor e autor. Inteligência iluminada de apaixonada vocação literária, percebeu no jornalismo seu único caminho na província. Fez seu tudo o que havia a aprender. Obtém a licenciatura, e candidata-se à agrégation. Vai para Paris. Medo tinha - estávamos na Segunda Guerra Mundial! - mas tinha coragem de ir com medo.

          Sem ter alisado bancos universitários, na então capital cultural do mundo, em pleno século dos intelectuais, transitou do jornalismo à militância política, do romance ao ensaio literário, da revista cultural à Resistência Francesa, do ensaio filosófico ao apoio aos republicanos da Guerra Civil espanhola. Em pouco tempo, circula pelo demi-monde intelectual.

          Sua amizade com Sartre e Simone é profunda e verdadeira - o que inclui rigorosa sinceridade na avaliação do trabalho de um pelo outro, críticas ardorosas sobre as posições políticas e filosóficas numa França ocupada pelos nazistas, dilacerada por comunistas e opositores, e humilhada pelo colaboracionismo, por Petain e Vichy. Se não bastasse, a guerra da Argélia e, mais tarde, da Indochina. E como se comportar quem não acredita em Deus nem na razão? A saída está na arte e no humanismo obstinado.

          Em 1943, Sartre publica A náusea, elogiado por Camus, que, por sua vez, publica O estrangeiro, que entusiasma Sartre. Além da amizade cresce mútua admiração. Tornam-se os mentores da geração pós-guerra. Isso talvez tenha criado uma confusão que incomodava Camus: arrolavam-no entre os existencialistas, o que ele negou sempre: "Não sou filósofo. Muito menos existencialista".

          Como romancista e ensaísta, Camus tem seu talento consagrado e esforço reconhecido. Obras como O estrangeiro - o livro mais vendido da Editora Gallimard desde que ela foi criada -, A peste, O homem revoltado, A queda, O último homem, obtiveram tal repercussão que obscureceram seu trabalho em teatro - talvez sua maior e verdadeira paixão.

          Além de escrever peças e fazer adaptações, dirige - conhece bem as teorias de encenação - e, algumas vezes, representa. Encenou peças de Eugene O'Neill, Ben Johnson, Tolstoi, Pirandello, Strindberg, Kleist. Entre outras adaptações, Os possessos, de Dostoievski. Seu amigo Jean-Louis Barrault tentou montar O castelo, de Kafka, adaptado por Camus.

          Suas peças mais conhecidas são Calígula, uma profunda discussão do poder e da sanidade, e Os justos, que discute a legitimidade do terrorismo como arma dos fracos e oprimidos. Estado de sítio, dupla metáfora da ocupação alemã e da Guerra Civil espanhola, dá a idéia do quanto eram avançadas, para a época, suas concepções cênicas - foge do realismo, abre o horizonte cênico e dá toda liberdade ao diretor.
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Artigo extraído da Revista de Teatro da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores), nº 521, setembro/outubro 2010

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