Piadas:
breve reflexão sobre o horror
que nutro sobre o tema
Lionel Fischer
Tudo começou em minha mais tenra infância. Tinha um tio, que por sinal adorava, que cultivava o implacável hábito de, sempre que em encontrava, "me contar a última". É óbvio que o fazia com o intuito de me divertir, mas ignorava por completo o pânico que me gerava.
Este se devia, basicamente, a três fatores:
1) Total incapacidade de concentrar-me na breve narrativa.
2) Temor de rir na hora errada.
3) Temor de não rir ao término da piada.
Numa ocasião, ele me pegou pelo braço - a exemplo de Fernando Pessoa, detesto que me peguem pelo braço, mas meu tio o fazia, como aliás o fazem todos aqueles que contam piadas. Mas, enfim: num dado momento, e muito antes do desfecho, deixei escapar uma escandalosa gargalhada, completamente fora do contexto. Pois bem: ele me olhou por um momento, silencioso e grave, e preferiu a seguinte sentença, o que me gerou profundo alívio: "Nunca mais te conto uma piada". E tendo cumprido o que prometera, tornou-me mais feliz do que já era aos oito anos. Mas, prossigamos.
Os três tópicos mencionados têm me acompanhado desde então. Só que, ao tornar-me adulto, tomei consciência de que deveria empreender um colossal esforço no sentido de não frustrar os inúmeros amigos que amam contar piadas - aliás, e por mais incrível que pareça, já que tenho amigos de personalidades, idades e profissões completamente díspares, todos eles possuem um infinito arsenal de piadas e, por razões que a razão desconhece, nutrem singular prazer em me contá-las.
Pois bem: quando um deles me pega pelo braço, sinto-me como que diante de um juiz capaz de me condenar à prisão perpétua, caso minhas reações não correspondam à sua expectativa. E, convenhamos, trata-se de tarefa extremamente complexa. Dentre outras razões, porque certos contadores de piadas dão pausas tchecovianas, com o óbvio intuito de checar tua reação. E esta deve ser progressiva: inicialmente, um discretíssimo sorriso; mais adiante, a este discretíssimo sorriso tem que ser adicionado um certo brilho no olhar, signo de que a coisa está funcionando. E, finalmente, é mister contorcer-se de riso, de preferência espasmódico, como se a pessoa padecesse de malária. Caso este roteiro não seja seguido à risca, corre-se o risco de magoar uma pessoa querida.
E eu tenho horror de magoar quem quer que seja, sobretudo pessoas que amo. Donde se conclui que, ao menos no meu caso, ouvir piadas converte-se num martírio só comparável aos de Jó - sabedores disso, meus amigos não perdem uma única oportunidade de me impor este breve flagelo auditivo.
Mas antes de concluir esta breve reflexão, julgo oportuno insistir no terceiro tópico: temor de não rir ao término da piada, seja porque não achei a menor graça, seja porque não a compreendi. No entanto, o efeito sobre quem a contou é o mesmo, como já foi dito: uma mágoa profunda, um sentimento de rejeição tão absoluto que só pedidos de desculpas - de joelhos! - talvez tenham o poder de ao menos minimizar a imperdoável falha cometida.
Enfim...desejo a todos os queridos parceiros deste blog um sábado esplendoroso. E agradeço a atenção devotada a esta breve e, convenhamos, inconseqüente reflexão - mas acalento a esperança de que ao menos um, dentre vocês, sinta o mesmo que eu quando se depara com a sinistra perspectiva de ouvir uma piada.
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sábado, 19 de março de 2011
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