quinta-feira, 17 de março de 2011

Teatro/CRÍTICA

                      "Shirley Valentine"

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Humor e emoção no CCBB


Lionel Fischer


"Shirley Valentine é uma dona de casa comum que se dá conta do imenso vazio de sua vida e da sua imensa solidão. Com os filhos criados, que vivem fora de casa, e um marido que faz pouco mais do que percebê-la, Shirley literalmente conversa com as paredes para não cair em desespero. As coisas estão nesse pé quando uma amiga a convida para uma viagem à Grécia. Essa viagem muda a vida da protagonista trazendo surpresas inesperadas e uma série de oportunidades que ela aproveita redescobrindo-se como mulher e como pessoa que se apaixona e aprende a conduzir a própria vida".

O texto acima, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o contexto e enredo de "Shirley Valentine", que, após cumprir excelente temporada em São Paulo, em 2009, pode agora ser assistida no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil. De autoria do britânico Willy Russel, a peça chega à cena com direção de Guilherme Leme e interpretação de Betty Faria.

Numa época em que a dramaturgia passa por inúmeras e saudáveis experimentações, há uma tendência generalizada (ainda que velada) de se menosprezar textos escritos, digamos, de uma forma convencional. Mas como sempre encarei o teatro como a mais libertária dentre todas as artes, o que me interessa não é o caráter mais ou menos experimental de um texto, mas sim as idéias e sentimentos que expressa, sua capacidade de me fazer refletir, emocionar ou rir - desde que o riso possua, evidentemente, um teor crítico e não seja apenas fruto de gracinhas inconseqüentes.

Pois bem: estamos diante de um texto formalmente convencional, mas absolutamente cativante, pleno de humor e humanidade, e permeado de reflexões da mais alta pertinência sobre vários temas, dentre eles o amor, a solidão, o desejo e sobretudo sobre a bizarra  capacidade que quase todos nós possuímos de desperdiçar o tempo, consumindo-o com questiúnculas ao invés de canalizar nossa energia no sentido de materializar nossos sonhos.

Assim, quando a protagonista de meia-idade resolve se aventurar numa jornada cujas conseqüências desconhece por completo, está simplesmente dando um crédito a si mesma, apostando, ainda que temerosa, na possibilidade de voltar a ser feliz, de reencontrar a pulsão de vida que há muito já imaginava definitivamente sepultada. E acompanhar essa breve trajetória foi, para mim, uma verdadeira dádiva, e tenho absoluta certeza de que a maioria dos espectadores sentirá algo ao menos parecido.

Com relação ao espetáculo, Guilherme Leme teve o bom senso de perceber que, num texto como este, o essencial passa ao largo de marcações mirabolantes, espetaculares efeitos de luz, imprevistas mudanças de cenário etc. Aqui, o que realmente importa é o trabalho do diretor junto à atriz. E neste aspecto, considero irrepreensível a parceria que o diretor estabeleceu com Betty Faria,  que exibe aqui um dos melhores - senão o melhor - desempenho de sua carreira nos palcos.

Como o texto possui um evidente caráter confessional, Betty Faria estabelece desde o início um fortíssimo canal de comunicação com a platéia. E isto em função de múltiplos fatores, cabendo destacar a forma com que expõe os conflitos da personagem, conseguindo valorizar tanto as passagens mais dramáticas quanto aquelas em que o humor predomina, e isto sem lançar mão de qualquer espécie de "truque".

Muito pelo contrário: estamos diante de uma atriz que entendeu que a personagem não comporta arroubos operísticos, que deve atuar numa chave suave e delicada, mas nem por isso isenta de paixão. E é justamente graças a essa perfeita compreensão que torna-se literalmente impossível não se identificar com a protagonista, não se tornar cúmplice de uma mulher que tem não apenas a coragem de expor todas as suas fragilidades e inseguranças, mas também de arriscar tudo numa empreitada repleta de riscos, que poderia tanto conduzí-la a um beco sem saída como viabilizar sua redenção. Sob todos os aspectos, uma performance brilhante, que espero que conte com a bênção dos sempre caprichosos deuses do teatro.

Na equipe técnica, Euclydes Marinho assina uma tradução fluente, sendo irrepreensíveis a iluminação de Wagner Freire, a cenografia de Aurora dos Campos, o figurino de Tatiana Brescia e a trilha sonora e música incidental de Marcelo H. Quanto à adaptação, feita pelo diretor em parceria com Marinho, me abstenho de julgá-la, já que não li o original.

SHIRLEY VALENTINE - Texto de Willy Russell. Direção de Guilherme Leme. Com Betty Faria. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 20h.  





  

2 comentários:

  1. Tive a oportunidade de assistir à peça em São Paulo e concordo inteiramente com o seu texto. Um espetáculo belo, tocante, com direção e interpretação igualmente sensíveis. É um deleite ver Betty no palco, dona absoluta da cena, emocionante e emocionada. Aplausos de pé!

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  2. Assisti o espetáculo em Santos e foi uma grata surpresa. Quem está acostumado com a Betty Faria da televisão, em personagens exuberantes como Tieta, se surpreende com a sensível composição que a atriz fez para Shirley.
    Mais do que recomendado!

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