quinta-feira, 10 de março de 2011

Sartre
nos palcos brasileiros

Daniel Schenker


          Porta-voz do existencialismo, Jean-Paul Sartre considerava que o homem estava essencialmente comprometido com a própria vida. É óbvio que tudo o que aconteceu na sua trajetória contribuiu para a consolidação de sua visão de mundo, marcada pela independência. 

            Nascido em Paris, em 1905, Sartre não usufruiu do contato com o pai, que morreu apenas seis anos depois. Na adolescência, ingressou no curso de filosofia da Escola Normal Superior, onde conheceu Simone de Beauvoir. Estudou fenomenologia e deu partida à sua obra literária com A náusea.

          Foi levado para um campo de concentração e, quando conseguiu se libertar, filiou-se à Resistência. Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, encenou sua primeira peça teatral, As moscas, seguida de Entre quatro paredes, e, no imediato pós-guerra, A prostituta respeitosa e Mortos sem sepultura.

          O teatro brasileiro não esqueceu Jean-Paul Sartre, mesmo que seus textos não desembarquem nos palcos com tanta freqüência. A primeira montagem de uma peça de Sartre no Brasil foi a do Teatro Popular de Arte (TPA) para A prostituta respeitosa, em 1948, ano da fundação da companhia capitaneada por Sandro Pollonio e Maria Della Costa. A direção ficou a cargo de Itália Fausta. No elenco original despontava o nome de Olga Navarro.

          Na peça, abientada numa cidade do sul dos Estados Unidos, um negro refugia-se na casa da personagem-título. Motivo: está sendo perseguido sob a acusação de ter abusado de uma mulher branca. O que aconteceu, porém, foi uma briga que resultou na morte de um rapaz negro, assassinado pelo filho de um senador. 

           O teatro Brasileiro de Comédia (TBC) seguiu prestigiando Sartre e, em 1950, apresentou a célebre Entre quatro paredes, centrada no relacionamento entre Inês (interpretada por Cacilda Becker), Estela (Nydia Lycia) e Garcin (Sergio Cardoso), personagens já falecidos que encontram em cada um dos parceiros de infortúnio seu próprio inferno.

          Sob a condução de Adolfo Celi, o espetáculo (encenado junto com Um pedido de casamento, de Anton Tchecov) suscitou polêmica. A Cúria Metropolitana de São Paulo e o Partido Comunista Brasileiro marcaram oposição.

          E a companhia de Franco Zampari retornou, em 1954, a Sartre na versão de Flamínio Bollini Serri para Mortos sem sepultura, peça que narra a história de um grupo de partidários que, durante a Segunda Guerra Mundial, atacou um vilarejo francês, matou pessoas consideradas inocentes e foi preso pela milícia. No elenco, nomes como Cleyde Yáconis e Paulo Autran.

          O texto voltaria a ser evocado, em 1977, por Fernando Peixoto, antigo integrante do Grupo Oficina. A companhia de José Celso Martinez Corrêa havia montado, em 1960, com direção de Augusto Boal, A engrenagem, peça focada na figura de Jean Aguerra, antigo revolucionário que se transformou num ditador.

          Foi no início dos anos 60 que Sartre e Simone vieram ao Brasil. Inspirado pela lembrança da chegada de figuras tão célebres a Araraquara, Mauro Rasi, que cresceu em outra cidade do interior de São Paulo, Bauru, escreveu, muito tempo depois, A cerimônia do adeus, a mais notável de suas peças autobiográficas, apresentada em meio ao refinado repertório do Teatro dos 4.

           Nesta, especificamente, contrastou a passional relação cotidiana com a mãe com o convívio apaixonado entre Sartre e Simone, personagens de sua imaginação que surgiram materializados nas interpretações de Nathalia Timberg e Sergio Britto.
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Artigo extraído da Revista de Teatro da SBAT (Sociedade Brasileira d Autores), nº 521, setembro/outubro 2010

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