Teatro/CRÍTICA
"Epheitos kolaterais"
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Humor e tragicidade no Sesc
Lionel Fischer
No release que me foi enviado, consta o seguinte: "Epheitos Kolaterais (Novas Metamorfoses) pretende investigar e expandir todas as possibilidades apontadas a partir da obra Metamorfose, de Franz Kafka". Diante de tal frase, só me restava duas alternativas: levá-la a sério e portanto acreditar que seria testemunha de uma investigação que expandiria "todas as possibilidades" apontadas a partir de Metamorfose - obra extremamente complexa e já sujeita a verdadeiros tratatos interpretativos - ou então julgar que a dita frase seria fruto bem mais de uma aspiração impregnada de arroubo e paixão, mas sem dúvida um tanto pretensiosa.
Sim, pois me parece literalmente impossível "expandir todas as possibilidades" da referida obra, que por si só já contém enorme grau de complexidade, como já foi dito. Seja como for, e guardadas as devidas proporções, há de fato no presente texto um evidente esforço no sentido de se criar um contexto kafkiano, na medida em que os fatos exibidos não deixam de abordar alguns temas recorrentes na obra de Kafka, dentre eles a solidão, a falta de comunicabilidade e a alienação.
Com texto e direção assinados por Henrique Tavares, "Epheitos kolaterais" pode ser assistida no Mezanino do Espaço Sesc. No elenco, Rita Elmôr, Charles Friks, Anderson Cunha e Carla Faour - no espetáculo que assisti, Carla foi substituída pela atriz Fernanda Esteves.
A montagem divide-se em quatro solos, aparentemente autônomos. Em "O sofá", Rita Elmôr vive uma mulher deprimida que se transformou no sofá da sala de espera de um consultório de dentista. "Robson Crusoé da Guanabara", protagonizado por Charles Friks, gira em torno de um homem que, vítima de um naufrágio, vive durante anos numa pequena ilha da citada baía. Em "Morte aos pombos", tomamos conhecimento da história de uma atleta (Fernanda Esteves) que se converte numa estátua. Finalmente, "Pet shop" nos põe em contato com um homem (Anderson Cunha) que virou um cachorro da raça Cocker Spaniel.
Como dito acima, tais solos aparentam ser autõnomos. Mas não o são, efetivamente, embora não caiba aqui revelar por quê, pois isso privaria o espectador de uma curiosa surpresa ao final. Seja como for, o fato é que Tavares, valendo-se de situações tão díspares, consegue uma real aproximação com o universo de Kafka, na medida em que todos os personagens evidenciam total inadequação com a vida que levam, além de conseguirem empreender reflexões sempre pertinentes, ainda que as mesmas não sejam capazes de promover as desejadas transformações. Há que ressaltar, ainda, a mescla de humor e tragicidade do texto, em especial o humor, pois este sempre foi um elemento fundamental na obra de Kafka, mesmo que negado durante muito tempo.
Com relação ao espetáculo, este está estruturado de forma bastante simples: os quatro personagens estabelecem um diálogo permanente com a platéia, só ocasionalmente interagindo entre si. E isto gera uma curiosa sensação de estranheza, pois os espectadores, de certa forma, são colocados na posição de atentos confidentes, mas ao mesmo tempo não lhes é facultada a possibilidade de intervir - caso isso ocorresse, evidentemente, o isolamento dos personagens seria rompido, o que entraria em choque com as premissas básicas de Kafka. Não havendo socorro possível, a solidão e o desamparo permanecem inalterados.
No que diz respeito ao elenco, são irrepreensíveis as atuações de Rita Elmôr e Anderson Cunha, que defendem as passagens mais engraçadas, com Charles Friks conseguindo valorizar ao extremo a dramaticidade de seu personagem. Na pele da estátua, Fernanda Esteves tem atuação correta, o que não deixa de ser meritório, já que apenas substituía a excelente Carla Faour.
Na equipe técnica, Aurélio de Simoni ilumina a cena alternando apropriadamente uma luz "chapada" com eventuais e expressivos efeitos de contra-luz, sendo corretas a cenografia de José Dias e os figurinos de Clara Rocha.
EPHEITOS KOLATERAIS - Texto e direção de Henrique Tavares. Com Carla Faour (Fernanda Esteves), Rita Elmôr, Anderson Cunha e Charles Friks. Espaço Sesc. Quinta e domingo, 20h. Sexta e sábado, 21h30.
sábado, 14 de agosto de 2010
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