Teatro/CRITICA
"O livro"
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E a raposa estava certa...
Lionel Fischer
"Numa noite, um homem recebe de seu pai um livro e uma sentença: ele cegará dentro de alguns minutos. O livro é deixado em seu quarto e o rapaz começa a organizar seus últimos momentos de visão, tentanto entender porque aquele objeto que lhe foi entregue lhe trará a escuridão". Este fragmento, extraído do release que me foi enviado, sintetiza com inteira propriedade o, digamos, enredo do espetáculo. Mas este, evidentemente, não pode ser encarado de forma literal, pois ningúém fica cego a partir da leitura de um livro. E se a inevitável cegueira do rapaz fosse fruto, como em um momento é sugerido, de uma doença familiar degenerativa que acomete todos os homens da família, então lendo ou não o tal livro o personagem haveria de ficar cego.
Portanto, tanto o livro, como a inexorável cegueira, não podem ser encarados em seu sentido real e sim metafórico. Mas que metáforas estariam em questão? Bem, a seguir tentarei explicitar minha opinião a respeito, fazendo como sempre a ressalva de que, como toda opinião, a minha pode estar sujeita a todos os enganos. De autoria de Newton Moreno, "O livro" chega à cena (Sala Multiuso do Espaço Sesc) com direção de Christiane Jatahy e interpretação de Du Moscovis.
Numa sociedade que cada vez mais prioriza o visual, perder a visão equivaleria a uma tragédia. No entanto, não custa nada lembrar as imortais palavras de uma sábia raposa, que sustentava que "o essencial é invisível para os olhos". E sendo isto verdadeiro, só restaria ao cego sua visão interior, estando aí implícita a possibilidade de vir a abençoar as trevas, como um dia abençoou a luz. Mas isso só pode se tornar viável desde que esse homem consiga encarar a total escuridão a que foi relegado não como sintoma de irremediável desampararo e sim como um recomeço, ponto de partida para novas percepções, uma espécie de iluminação capaz de alargar sua consciência a respeito de si mesmo e do mundo que o cerca, e então construir uma nova jornada, certamente mais lúcida e enriquecedora do que aquela que anteriormente trilhava.
Com relação ao espetáculo, mais uma vez Crristiane Jatahy dirige seu talento e sensibilidade por um caminho que despreza totalmente as "exigências do mercado", tanto no que diz respeito à temática quanto à forma. Aqui, como já fizera no recente e brilhante "Corte seco", estamos diante de um ator e de um homem - o ator interpreta um personagem, o homem o comenta, assim como ao processo de ensaio. E esse "corte" em nada atrapalha a narrativa, jamais contribui para que o espectador se distancie do que lhe é apresentado. Muito pelo contrário: como teatro e vida caminham sempre de mãos dadas, creio que todos que assistirem a essa montagem sairão do Sesc plenamente convictos de que, ao menos numa certa medida, também estiveram em cena, trabalharam junto com o ator e o homem algumas de suas questões essenciais, e suas reflexões posteriores certamente haverão de contribuir para a iluminação de seus particulares caminhos.
E ainda sobre o espetáculo, cumpre registrar a singularidade desta inquieta encenadora, a inteligência e criatividade de suas escolhas, a originalidade das soluções que encontra, sempre inesperadas, sempre em total sintonia com os mais do que pertinentes conteúdos propostos pelo autor. Sem dúvida, estamos diante de um espetáculo que se insere entre os melhores da presente temporada e que por isso deve ser prestigiado de forma incondicional pelo público carioca. Além disso, cabe enfatizar sua atuação junto ao protagonista.
Ao longo desses 21 anos de exercício ininterrupto de crítica teatral, é possível que tenha trocado com Du Moscovis no máximo dois ou três cumprimentos. Portanto, só o conheço de vê-lo em cena e de alguns de seus trabalhos na televisão. E acho admirável um ator com sólido espaço conquistado na TV jamais tentar se aproveitar de tal sucesso no palco, protagonizando pecinhas digestivas e inexpressivas. Muito pelo contrário: Du Moscovis me dá a sensação de estar cada vez mais empenhado em crescer como intérprete, em aceitar desafios que estrelas televisivas jamais o fariam, sob o ridículo temor de não agradar ao "seu público". E como, além de inegável talento, também possui notável capacidade de entrega e um permanente estado de inquietação, vê-lo em cena está se constituindo, para mim, um privilégio que a cada montagem se renova, assim como meu desejo de que prossiga nesta trajetória, a única, em meu entendimento, que confere a um ator o direito de estar num palco, este sagrado espaço de encontro entre quem faz e quem assiste e no qual o homem discute, há quase três mil anos, suas questões fundamentais.
No tocante à equipe técnica, Rodrigo Marçal assina uma trilha sonora irretocável, o mesmo ocorrendo com a cenografia criada pela diretora e a iluminação de Paulo César Medeiros, determinante para a enfatização dos múltiplos conteúdos emocionais em jogo. Destaco também, e com o mesmo entusiasmo, a preciosa coloboração de Dani Lima na orientação corporal de Du Moscovis e a belíssima programação visual feita por Chris Lima.
O LIVRO - Texto de Newton Moreno. Direção de Crhistiane Jatahy. Com Du Moscovis. Sala Mustioso do Espaço Sesc. Quinta, sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h - no dia 5 de setembro haverá sessão às 19h e 2030h.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
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Lionel, sabe o que acontece? Eu nunca te agradeci!!!
ResponderExcluirCom a reestreia de O Livro, próximo dia 5 de abril em temporada paulista, eu retomei o trabalho de design para atualização das peças gráficas, e retomei também as boas lembranças. E queria te dizer que a sua crítica me cobriu e ainda me cobre de felicidade. Não tenho recordação de menções às peças gráficas em críticas, e achei que o seu olhar foi bastante amplo e cuidadoso, e perceptível ao fato de que design é comunicação. Obrigada muitas vezes. Grande abraço, Chris Lima.
Gostaria do texto da peça, participo de oficinas de teatro na escola, alguém poderia conseguir e me enviar? Ficaria muito grata :)
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