A vida e a obra de um curioso pensador
Lionel Fischer
O artigo que se segue é uma resenha literária que fiz quando trabalhava no jornal O Globo. Trata-se de uma apreciação do ensaio intitulado Montesquieu, escrito por Jean Starobinski, traduzido por Tomás Rosa Bueno e editado pela Companhia das Letras. Não sei se o livro consta ainda do catálogo da editora, mas caso possa ser obtido merece ser lido, tanto pela sensibilidade do ensaísta quanto pela importância do "biografado".
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Nascido Charles Louis de Secondat, Barão de La Brède, Montesquieu (1689-1755) deixou uma obra vasta e diversificada. Mas se tivesse escrito "apenas" Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e sua decadência e O espírito das leis já poderia ser considerado um dos mais significativos escritores de todos os tempos. Com a primeira destas obras, lançou os fundamentos da filosofia da História; com a segunda, estabeleceu as bases sociais do Direito, sobretudo do Direito Constitucional. Portanto, nada mais natural que um historiador como Jean Starobinski se debruçar sobre a obra do renomado pensador, o que resultou num ensaio, Montesquieu, escrito em 1953, e que a Companhia das Letras coloca agora à disposição do leitor brasileiro.
Autor de um clássico - Jean-Jacques Rousseau: la transparence et l'obstacle (1957) - e de dois outros livros já publicados no Brasil - As palavras sob as palavras: os anagramas de Ferdinand de Saussure (1974) e 1978: os emblemas da razão (1989)-, Jean Starobinski aborda com evidente emoção a produção literária de Montesquieu, assim como não se furta à análise de sua personalidade, a seu ver curiosíssima. O grande charme do livro, por sinal, é a sua estrutura narrativa, pois Starobinski consegue falar do homem Montesquieu a partir de seus escritos e não de enfadonhos dados biográficos.
Na primeira das três partes do livro o autor realiza seu ensaio. Na segunda, transcreve pensamentos de Montesquieu e, na terceira, apresenta uma série de ilustrações bastante interessantes, entre elas retratos do escritor, alguns de seus aposentos, locais por onde viajou e reproduções de alguns trechos de seus originais.
"Quando chego a uma cidade, vou sempre ao campanário mais alto, ou à mais alta torre, para ver o conjunto". Essa passagem, que Starobinski extraiu do Diário de viagem, revela a necessidade de Mostesquieu de observar da forma mais ampla possível o conjunto que pretende retratar. E essa postura não se limita, naturalmente, a paisagens. Antes de começar a escrever O espírito das leis, por exemplo, Montesquieu refletiu profundamente sobre a questão da liberdade, analisou-a através da História e só então se auto-formulou a pergunta que engendraria uma das mais brilhantes obras já escritas: "Por que os homens desobedecem?"
A partir daí, desenvolve todo um raciocínio que mais tarde o ajudaria na formulação de seus postulados constitucionais. Para Montesquieu, os homens só desobedecem porque são livres, o que conferiria à liberdade uma conotação de imperfeição. Essa perspectiva, no entanto, deve ser entendida em função da crença do autor de que o universo é regido por leis imutáveis de uma razão eterna. Transposta para o plano social, essa crença pressupõe, então, que a definição da lei preceda a definição de liberdade. Os homens teriam que ajustar-se a determinadas normas, pois, do contrário, pouco fariam além de cometer atos arbitrários, o que entraria em choque não apenas com os interesses de toda a sociedade, mas fundamentalmente com as diretrizes traçadas por Deus, a quem o autor costumava referir-se como a "Razão Primitiva".
Embora relativamente curto, esse ensaio de Starobinski consegue fornecer uma visão abrangente do pensamento de Montesquieu, que também pode ser apreciado, como já foi dito, através de muitas de suas opiniões, sendo que algumas delas são tão curiosas que merecem ser transcritas:
"Todos os maridos são feios".
"Um fundo de modéstia rende juros enormes".
"Existem duas espécies de homens: os que pensam e os que se divertem".
"A amizade é um contrato pelo qual nos comprometemos a fazer pequenos favores a alguém, para que ele nos faça grandes favores".
"A Europa é um Estado composto de diversas províncias".
"Todo cidadão é obrigado a morrer pela pátria; pessoalmente, não é obrigado a mentir por ela".
"Voltaire nunca escreverá uma boa história: ele é como os monges, que não escrevem para o tema que estão tratando, mas para a glória de sua Ordem: Voltaire escreve para o seu convento".
"Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas as que há, pois há boas leis em toda a parte".
"Discute-se sobre o Dogma e não se pratica a Moral. É que é difícil praticar a Moral e muito cômodo discutir sobre o Dogma".
"Os jesuítas são uma sociedade vestida de negro e que não se casa".
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quarta-feira, 4 de agosto de 2010
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