segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Calígula"

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A tragédia do impossível


Lionel Fischer


Um dos maiores escritores do século XX, o franco-argelino Albert Camus (1913-1960) também se dedicou ao teatro: "O mal-entendido", Os justos", "Estado de sítio" e "Calígula". E se as três primeiras peças jamais despertaram maiores polêmicas, a última já mereceu inúmeros "tratados", grande parte deles dedicados a demonstrar que se trata de um texto por demais cerebral, que prioriza em excesso o embate de idéias, as questões filosóficas etc. Ou seja: em última instância, uma obra mais adequada à leitura do que ao palco.

Em minha opinião, as objeções levantadas ao texto não deixam de ter sua parcela de razão. Ainda assim, acredito que "Calígula" possa perfeitamente acontecer enquanto fenômeno teatral. Mas para isso, dentre outras coisas, é preciso que o encenador consiga "humanizar" ao máximo os personagens, fazê-los agirem como se realmente as múltiplas questões abordadas não se restrinjam ao universo intelectual, mas também sejam decorrentes dos sentimentos e paixões dos personagens. Aqui, no entanto, o que prevalece quase sempre é o embate de idéias, o que certamente não permite ao espectador uma aproximação mais "humana" com o texto.

Em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, "Calígula" chega à cena com direção de Gabriel Villela, tradução de Dib Carneiro Neto e elenco formado por Thiago Lacerda (Calígula), Mafali Biff (Cesônia), Claudio Fontana (Cherea), César Augusto (Mucius, patrício romano), Rogério Romera (Hélicon), Pedro Henrique Moutinho (Cipião) e Helio Souto Jr. (patrício romano, intendente do tesouro, poeta Lepidus e Mereia).

Para os que desconhecem o enredo da presente obra, aí segue um breve resumo. O imperador romano, filho de Nero, entra em cena após a morte de Drusila, sua irmã e amante, e logo deixa claro seu desejo pelo impossível - a lua, a felicidade ou a vida eterna. Ao constatar esta tripla impossibilidade, conclui ser absurda a existência humana e então passa a negar todos os laços que o prendem a ela, promovendo uma inimaginável série de crueldades, segundo ele fruto do único raciocínio lógico aplicável a um mundo que carece de sentido.

Pelo que já se disse até o momento, fica claro que o texto se presta a múltiplas interpretações, mas abordá-as aqui equivaleria a escrever um ensaio sobre a peça, e não uma crítica do espetáculo - deixo, portanto, ao espectador a tarefa de se posicionar diante de uma obra sem dúvida belíssima, mas ao mesmo tempo controversa.

Enveredando para a montagem, já mencionei o fato de que, dentre muitas outras dificuldades, uma das maiores que o encenador tem que enfrentar diz respeito à humanização dos personagens. E Gabriel Vilella investe bem mais no embate de idéias, com os atores quase sempre dizendo seus textos num tom muito alto e sem maiores nuances, até mesmo rítmicas, como se estivessem numa tribuna. Isto não significa que não estejamos diante de ótimos intérpretes, mas acredito que suas performances seriam bem mais atraentes se fosse outro o tom geral do espetáculo - este, por sinal, tem como melhores passagens aquelas em que a linguagem circense domina a cena.

Ainda assim, cumpre destacar a atuação de Thiago Lacerda na pele do protagonista. E não apenas porque lhe cabe, evidentemente, o papel mais rico em possibilidades. Tal destaque se deve ao fato de que o ator consegue conferir grande humanidade ao imperador, sem com isso abdicar de sua devastadora "lógica" interna.

Na equipe técnica, Dib Carneiro Neto responde por ótima tradução, a mesma eficiência presente na cenografia de J.C. Serroni, nos figurinos de Maria do Carmo Soares e Gabriel Villela, nos adereços de Marcio Vinicius, na preparação corporal de Rosely Fiorelli e na trilha sonora de Cacá Toledo e Daniel Maia, sendo surpreendentemente estática a iluminação do premiadíssimo Domingos Quintiliano, por razões que não cheguei a compreender. Cumpre ainda mencionar o excelente release enviado pela assessoria de imprensa, contendo, inclusive, um texto do próprio Camus falando de sua peça.

CALÍGULA - Texto de Albert Camus. Direção de Gabriel Villela. Com Thiago Lacerda, Magali Biff e outros. Teatro Sesc Ginástico. Quarta a domingo, 19h.

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