sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Navalha na carne"
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Versão ousada de um clássico
Lionel Fischer
Por tratar-se de uma obra por demais conhecida e freqüentemente encenada, não creio ser necessário resumir o enredo de "Navalha na carne". Assim, vamos diretamente à avaliação da presente montagem, em cartaz no Hotel Paris (Avenida Passos nº 7, esquina com a Praça Tiradentes). Rubens Camelo responde pela direção, estando o elenco formado por Marta Paret (Neusa Suely, a prostituta), Rogério Barros (Vado, o cafetão) e Rubens Queiroz, que encarna o homossexual Veludo.
Já assisti a inúmeras versões desta peça absolutamente genial de Plínio Marcos. Mas esta foge por completo a todas as demais. E tal singularidade decorre do seguinte fato: não estando em cartaz em um teatro convencional e sim no quarto de um hotel destinado à prostituição, com os espectadores sentados a poucos metros dos intérpretes, o diretor Rubens Camelo optou por uma linha totalmente naturalista, assim pretendendo mostrar a trágica realidade do contexto evitando ao máximo "teatralizá-lo".
Assim, a violência das relações entre os personagens, seja física ou verbal, é levada às últimas conseqüências - sobretudo a violência física. Tal opção revela-se perfeitamente coerente com a proposta da encenação, o que certamente gera um desconcertante e desconfortável impacto sobre a platéia. No entanto, e mesmo reconhecendo a coragem da equipe no sentido de fazer com que o texto de Plínio Marcos se afigure como a exibição de algo que estaria acontecendo efetivamente naquele momento e, portanto, mais do que personagens envolvendo pessoas reais, em contrapartida tal opção minimiza algumas sutilezas e contrastes da peça.
No aspecto violência, por exemplo, se ela é mais sugerida do que efetivamente materializada,
a platéia tem um tempo maior para ir gradativamente compreendendo as razões de sua existência, sob todos os aspectos aterradora. Afora isso, se os embates verbais ocorressem em um ritmo menos acelerado, os espectadores também teriam maior condição de apreender o caráter dos personagens.
Seja como for, estamos diante de uma proposta ousada e corajosa, que se encarada a partir de suas premissas básicas, se concretiza plenamente. Rubens Camelo cria marcas virulentas e expressivas, assim como extrai ótimas atuações do elenco - ainda que, como já foi sugerido, minimizando o potencial dos personagens.
Na pele de Neusa Suely, Marta Paret consegue transmitir as principais facetas da prostituta: sua paixão pelo homem que a maltrata, seu dilacerante desamparo e sua comovente amargura por ser obrigada a levar uma vida que abomina. Rogério Barros trabalha bem o cinismo, a violência e a evidente psicopatia de Vado. Quanto a Rubens Queiroz, este também exibe atuação impecável, construindo um homossexual que mescla, em dose precisa, arrogância e masoquismo.
Na equipe técnica, Paulo Denizot responde por uma iluminação em perfeita consonância com o ambiente, sendo igualmente apropriados os figurinos assinados por Jackie Sperandio. Quanto à cenografia, uma criação coletiva do grupo, esta consegue o pretendido, ou seja, colocar o espectador num ambiente decadente e deplorável.
NAVALHA NA CARNE - Texto de Plínio Marcos. Direção de Rubens Camelo. Com Marta Paret, Rogério Barros e Rubens Queiroz. Hotel Paris. Quinta e sexta, 20h.

Um comentário:

  1. Perfeita sua crítica ♫ extraiu meu sentimento ♫ marcou detalhes que não tinha percebido.♫ O momento de cada espectador, pelo menos o meu, ao entrar no hotel (aperta o peito)já reproduz realismo, ♫ fez com que um silêncio ensurdecedor ♫ projetasse meu sentimento e de minha companheira ♫ pelo puro realismo que ali estariamos vivendo ♫

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