sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Teatro/CRÍTICA

"O matador de santas"

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Impecável versão de ótimo texto


Lionel Fischer


Caso Freud tivesse comparecido à estréia do presente espetáculo e estimulado a emitir um diagnóstico sobre a protagonista Jorgina, talvez não hesitasse em afirmar que se trata de uma histérica com fortes traços paranóicos - sempre à beira de um ataque de nervos, ela também alimenta sérias suspeitas com relação a um vizinho, que afirma ter arranhado seu carro e julga ser o serial killer que vem matando jovens com nome de santas.

Casada com Baltazar - um senhor que praticamente nada faz além de arrastar seus chinelos pela casa - e mãe de Queridinha - uma jovem retraída e melancólica em vias de se casar com Diego, um jovem médico de angelical aparência -, a dispneica senhora de meia-idade cultiva ao menos dois curiosos hábitos: não escuta ninguém e tem absoluta certeza de deter o monopólio da verdade. No entanto, finalmente se verá que todas as suas especulações são totalmente infundadas...

Eis, em resumo, o contexto em que se dá "O matador de santas", de autoria de Jô Bilac. Em cartaz no Teatro Oi Futuro, a peça chega à cena com direção de Guilherme Leme e elenco formado por Angela Vieira (Jorgina), Izabella Bicalho (Queridinha), Rafael Sieg (médico) e Tonico Pereira (Baltazar).

De acordo com o release que me foi enviado, o texto seria um melodrama tragicômico. E talvez o seja mesmo, embora cada vez mais relute em definir o gênero a que pertence qualquer peça que assisto, já que antigas categorias, perfeitamente reconhecíveis e dissociadas - drama, comédia, tragédia etc. - hoje em dia muitas vezes se mesclam, sendo não raro impossível nomeá-las.

Seja como for, o que ralmente importa é a inegável qualidade de "O matador de santas", pois o autor Jô Bilac conseguiu criar um texto que, predominantemente engraçado em função da desvairada personalidade da protagonista, ainda assim não deixa de exibir temas da maior pertinência, com especial ênfase na falta de comunicabilidade entre as pessoas, que gera inevitavelmente uma exasperante sensação de solidão.

Com relação ao espetáculo, Guilherme Leme trabalha a cena de forma a ressaltar, em igual medida e com idêntico sucesso, os componentes humorísticos e trágicos do texto, para tanto valendo-se de marcas ora impregnadas de elegância, ora propositadamente exageradas e passionais. Além disso, cabe ao encenador o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações de todo o elenco. A começar pela de Angela Vieira.

Na pele de Jorgina, a atriz exibe aqui um dos melhores trabalhos de sua carreira, conseguindo valorizar ao máximo, tanto em termos vocais como corporais, a bizarra personalidade da protagonista - ao mesmo tempo em que mostra-se capaz de arrancar incontáveis gargalhadas do público através da forma como articula o texto ou apenas em função de um olhar ou de uma pausa, o inverso se dá quando a verdade dos fatos vem à tona, e então a intérprete converte-se em algo que poderia definir como a materialização da angústia e do desamparo.

Izabella Bicalho também exibe performance irretocável, convencendo tanto nas passagens mais angustiadas quanto naquelas em que sua personagem vislumbra a possibilidade de escapar do inferno em que vive e vir a ser feliz. A mesma eficiência se faz presente na atuação de Rafael Sieg, ainda que seu personagem não comporte muitas nuances. Finalmente, Tonico Pereira demonstra o que só os néscios insistem em negar: o que importa não é o tamanho de um papel, mas o "tamanho" do ator que o intepreta. E aqui, em pequena e quase sempre muda participação, Tonico Pereira reafirma o óbvio: trata-se de um dos maiores intérpretes deste país. E por isso vê-lo em cena é sempre um privilégio.

Na equipe técnica, Maneco Quinderé ilumina a cena com grande sensibilidade, sempre em sintonia com os múltiplos climas emocionais em jogo. Leopoldo Pacheco assina cenografia e figurinos em total sintonia com a classe social e personalidades retratadas, sendo totalmente apropriada a trilha sonora de Vulgue Tostoi (Marcello H. e Jr Tostoi).

O MATADOR DE SANTAS - Texto de Jô Bilac. Direção de Guilherme Leme. Com Angela Vieira, Izabella Bicalho, Rafael Sieg e Tonico Pereira. Teatro Oi Futuro. Sexta a domingo, 19h30.

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