Teatro/CRÍTICA
"Negrinha"
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Iluminando a História
Lionel Fischer
Em cena, poucos elementos: panelas, grãos, uma boneca, fitas de amarrar cabelo. Em cena, uma única personagem: uma menina sem nome, a quem chamavam de Negrinha em função de sua raça, nascida na senzala e por isso, como não poderia deixar de ser, vítima de contínuos abusos de sua patroa na época anterior à abolição. Fascinada com as cores, sobretudo a das pessoas, a criança nomeia tudo ao seu redor a partir das tonalidades que enxerga. Ao mesmo tempo, e de forma muito sutil, recorda seus sofrimentos e exercita o perdão.
Eis, em resumo, o enredo de "Negrinha", baseado no conto homônimo de Monteiro Lobato. Em cartaz na Casa da Gávea, a montagem chega à cena com direção de Luiz Fernando Marques e dramaturgia e atuação a cargo de Sara Antunes - cumpre ressaltar que o espetáculo já cumpriu temporada em diversas cidades, inclusive aqui no Rio de Janeiro, mas só agora pude assistí-lo.
Enfim...antes tarde do que nunca.
E esta última frase se deve ao fato de que estamos diante de um texto que consegue, ao mesmo tempo, materializar as fantasias, carências e desejos de uma menina, e também empreende uma reflexão (nada erudita, graças a Deus!) sobre o Brasil escravagista. E não sendo tal reflexão, como acaba de ser dito, de natureza erudita, a poesia e o lúdico predominam, facultando ao espectador uma estreita aproximação com uma versão, digamos, não oficial, de um um períodos mais abjetos de nossa história.
Sozinha em cena, Sara Antunes somente pode ser vista através de algumas velas, que ela própria manipula, às vezes apagando-as ou reduzindo drasticamente seu número. Mas isso pouco importa, pois a atriz, mesmo que representasse na mais completa escuridão, haveria de iluminar o espaço e tornar-se visível, graças, por um lado, à beleza e originalidade do texto, mas também à forma como o interpreta, valorizando ao extremo sua sonoridade, os eventuais silêncios, as quebras de ritmo, as modulações que impõe à sua voz.
Mas tudo isto, naturalmente, contou com a preciosa e sensível colaboração do diretor Luiz Fernando Marques, que impõe à cena uma dinâmica feita de delicadeza, humor e permanente interação da intérprete com a platéia. E é certamente por isso que os espectadores permanecem o tempo todo fascinados com o que assistem, inteiramente cúmplices de uma história que evidentemente não viveram, mas que agora passam a enxergar de forma diferente do que lhes foi ensinado nos quase sempre tendenciosos livros escolares.
Com relação à equipe técnica, destaco com o mesmo e irrestrito entusiasmo a direção de arte e cenografia de Renato Bolelli Rebouças e a iluminação, criada pela atriz em parceria com o encenador e o cenógrafo.
NEGRINHA - Texto e interpretação de Sara Antunes. Direção de Luiz Fernando Marques. Casa da Gávea. Sábado, 21h. Domingo, 20h.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
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