Teatro/CRÍTICA
“Bugiaria”
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O
papel do teatro em destaque
Lionel
Fischer
Dividido em três blocos – o processo inquisitório de
João Cointa, francês que veio com Villegaignon acalentando o sonho de fundar a
França Antártica no Rio, no século XVI; descrições de rituais antropofágicos
dos índios brasileiros (Jean de Läry, “Viagem à terra do Brasil); e relatos de
Auto-de-Fé da Inquisição por vários autores contemporâneos -, “Bugiaria” está
em cartaz no Teatro Glauce Rocha, marcando o início do grupo Péssima Companhia.
Moacir Chaves assina a dramaturgia e a direção, estando o elenco formado por
Alberto Magalhães, Cândido Damm, Cláudio Baltar, Claudio Mendes, Josie Antello
e Orã Figueiredo.
Embora o parágrafo acima possa sugerir que
“Bugiaria” tenha como principal objetivo relatar fatos históricos, a proposta
do grupo visa fundamentalmente estabelecer relações que possibilitem um olhar
crítico. Assim, se por um lado a platéia tem acesso a informações sobre
passagens de nossa História, ao mesmo tempo a forma de narrá-las
invariavelmente contém uma opinião – nem sempre unânime, pois não raro a
postura do narrador é discreta ou acintosamente contestada pelos demais.
Quando se trata de assumir personagens, os atores o
fazem com óbvio distanciamento, deixando evidente que recursos expressivos
estão sendo acionados, muito mais do que uma busca de resultados a partir do
surrado processo de identificação. Na realidade, Moacir Chaves e seu grupo
estão contando uma história, sem dúvida, mas pondo em evidência – e em
discussão – o papel do teatro, do ator contemporâneo e das relações entre palco
e platéia.
Tal objetivo é extremamente oportuno, já que a cena
carioca passa por um momento crítico: ao mesmo tempo em que o público comparece
cada vez menos às casas de espetáculo, quando o faz quase sempre se depara com
um prolongamento da estética televisiva.
Portanto, acredito piamente que a platéia aplaudirá
com entusiasmo o engraçadíssimo e original espetáculo desta irreverente trupe.
E por uma série de razões, a começar pela dinâmica cênica criada por Moacir
Chaves – o diretor exibe criatividade em suas marcações e grande ousadia
rítmica, alternando momentos de grande lentidão com outros de velocidade
desconcertante, sempre de forma imprevisível.
Mas nada seria possível sem a presença de um elenco
excepcionalmente preparado. Nas passagens em que a habilidade e vigor físico
predominam, Alberto Magalhães e Cláudio Baltar fazem prodígios de elasticidade e
precisão. Josie Antello, também muito expressiva corporalmente, dá um show
quando se trata de impor à voz modulações imprevistas. Quanto a Cândido Damm,
Claudio Mendes e Orã Figueiredo, a eles dedico um parágrafo à parte.
Ainda bastante jovens, mas já tendo acumulado grande
experiência profissional, os três evidenciam qualidades que os colocam entre os
melhores de sua geração – vozes disciplinadas, expressividade corporal, aguda
percepção das muitas possibilidades da contracena, presença cênica etc. Por isso
são muitas vezes aplaudidos em cena aberta – o público sabe que está diante de
ATORES e não de robocops fabricados
em academias de musculação, e que cada vez mais têm a pretensão de ocupar um
espaço que definitivamente não lhes pertence.
Na equipe técnica, a mesma eficiência se faz
presente. A instigante cenografia de Fernando Mello sugere, à primeira vista,
um depósito abandonado, repleto de entulhos; mas é possível que ali tenha
existido um teatro, cujos códigos envelhecidos seria preciso negar para então
se criar outro. Bia Salgado, Luciana
Maia e Maysa Braga assinam figurinos divertidos e críticos, cabendo ainda
destacar a diversificada e criativa trilha sonora de Marco Abujamra e,
sobretudo, a luz de Aurélio de Simoni – trabalhando com angulações surpreendentes
e focos com baixa intensidade, Aurélio cria uma atmosfera que sugere a
imperiosa necessidade de se buscar um novo e renovado ar. Aliás, essa nos
parece a finalidade maior deste excelente espetáculo.
BUGIARIA
– Textos de vários autores. Direção de Moacir Chaves. Com a Péssima Companhia.
Teatro Glauce Rocha.
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