Teatro/CRÍTICA
“Segundas histórias”
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Poesia
de Tonheta volta à cena
Lionel
Fischer
Para os que imaginaram que só poderiam rever o
saltimbanco Tonheta numa remontagem de “Brincante”, Antônio Nóbrega reservou
uma surpresa: o personagem está de volta em uma montagem ainda mais encantadora
do que a anterior. Com texto do mesmo autor, Bráulio Tavares, e direção do
próprio Nóbrega, que divide novamente a cena com Rosane Almeida, “Segundas
histórias” converte o Teatro II do CCBB num espaço impregnado de humor, lirismo
e poesia.
“Segundas histórias” é a continuação da narrativa
das proezas de um personagem que sintetiza a magia dos verdadeiros cômicos
populares, ou seja, profissionais que exibem sua arte nas esquinas e praças,
nos circos e tablados, tendo como referência componentes da realidade imediata
mesclada a mais delirante fantasia. No presente caso, as aventuras de Tonheta
são contadas por um casal de artistas ambulantes, João Sidurino (Nóbrega) e sua
parceira Rosalina de Jesus (Rosane), utilizando recursos de dança, música,
mímica, canto, circo e jogo de máscaras.
Na primeira parte do espetáculo, sempre apresentado
por Rosalina com aquele absurdo sotaque espanholado que, por razões um tanto
misteriosas, caracteriza os mestres de cerimônia dos circos nacionais, vemos
Tonheta envolvido em uma série de situações que servem de trampolim para a
anunciada saga: o personagem recebera a promessa de Deus de que, se conseguisse
vencer os desafios propostos, poderia rever a amada morta.
“Segundas histórias”, escrita alternadamente em
prosa e verso com extrema competência, não importa tanto enquanto enredo, pois
o que de fato assume relevância é a forma como são construídas as cenas e
resolvidas as questões interpretativas. Nóbrega e Rosane, sobretudo o primeiro,
são excepcionalmente dotados de técnica e sensibilidade, o que lhes permite
extrair poesia, lirismo e humor de fatos banais, como o rodopiar de peões.
Além disso, conseguem conduzir o espectador a um
contexto que nada tem com sua idade ou realidade imediata, já que povoado de
mistérios e encantos que normalmente só as crianças compreendem. Aliás, o
sorriso constante, o fascínio expresso em todos os rostos mostra que a platéia
embarca sem defesa numa jornada que resgata o que talvez o homem possua de mais
precioso: sua faculdade de sonhar.
A direção de Antônio Nóbrega é de uma simplicidade
enganosa. Por trás de tanta singeleza, existe uma estética rigorosa, precisa,
que valoriza a expressividade dos movimentos, a inflexão das vozes, a
diversidade dos ritmos, o vigor dos contrastes. E a poesia, naturalmente,
visível em todos os momentos. Como na estrela que brilha solitária, sugerindo
que há sempre um caminho capaz de transcender o breu de todas as noites.
Mas a beleza do texto, criatividade da direção e
excelência interpretativa não poderiam ser devidamente apreciadas na ausência
de uma equipe técnica de qualidade. Felizmente, a de “Segundas histórias” é de
primeiríssima linha. A figurinista Luciana Buarque criou trajes multicoloridos,
plenos de fantasia e lirismo, inteiramente em consonância com o universo em que
transitam os personagens. O mesmo pode ser dito do trabalho cenográfico da
Companhia Brincante, feito essencialmente de trapos e retalhos, como se sonhos
novos e antigos estivessem ali costurados.
Igualmente fascinantes são os bonecos e figuras
criados por Mestre Saúba, assim como a sensível iluminação de Marisa Bentivegna
em parceria com o grupo. A trilha sonora de Antônio Nóbrega, em parte executada
por ele próprio em vários instrumentos (violão, violino, percussão), reforça a
certeza de que “Segundas histórias” é um dos mais brilhantes espetáculos em
cartaz na cidade e que merece ser prestigiado de forma incondicional pela
platéia carioca.
SEGUNDAS
HISTÓRIAS – Criação e direção de Antônio Nóbrega. Diálogos de Bráulio Tavares.
Com Antônio Nóbrega e Rosane Almeida. Teatro II do CCBB.
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