Teatro/CRÍTICA
“A rua da amargura – 14 passos lacrimosos sobre a
vida de Jesus”
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Paixão,
lágrimas e sorrisos
Lionel
Fischer
Durante 20 minutos, o foyer do Centro Cultural Banco
do Brasil teve a decorá-lo sorrisos e olhares de criança deslumbrada daqueles
que assistiam à estréia de “A rua da amargura – 14 passos lacrimosos sobre a
vida de Jesus”, segunda parceria do diretor Gabriel Villela com o Grupo Galpão,
de Minas – a outra foi “Romeu e Julieta”. Embalados por canções religiosas e
populares, magnetizados pelos belíssimos figurinos que remetem tanto ao Oriente
Médio à época de Jesus como a qualquer lugar onde a imaginação tenha feito sua
morada, todos se renderam à magia deste breve aperitivo, findo o qual ninguém
parecia duvidar de que as iguarias que seriam servidas a seguir, no palco do
Teatro I, seriam tanto ou mais saborosas.
Na segunda parte, a vida de Jesus é contada através
do anacrônico e pomposo texto de Eduardo Garrido – adaptado por Arildo de
Barros -, infinitamente representado nos circos desde o início do século. Mas
tal pomposidade e anacronismo se encaixam perfeitamente dentro da proposta da
encenação, que é a de explorar as possibilidades do circo-teatro a partir do
melodrama religioso. É claro que católicos ortodoxos discordarão de eventuais e
propositais exageros, assim como do humor de algumas passagens. Mas não se pode
esquecer que o gênero pressupõe não só paixões exacerbadas e, portanto, algo
risíveis, como um certo tom de paródia, típico das representações circenses. Em
todo caso, é provável que até mesmo hipotéticos detentores do monopólio da
“verdade” religiosa se rendam ao encantamento desta montagem extraordinária.
São tantos os méritos de “A rua da amargura...” que
justificá-los a todos demandaria um espaço ainda mais generoso do que este que
disponho. Mas vamos tentar resumi-los. Inicialmente, cabe destacar a singela e
deslumbrante cenografia do próprio diretor. Emoldurando a boca de cena,
ex-votos reforçam o clima de religiosidade, também valorizado pelo estilizado
presépio colocado ao fundo. O chão, uma grossa espuma pintada de azul, dá a
sensação de que o céu coloriu as areis de um deserto. E não poderia deixar de
mencionar a maleta carregada por Jesus de onde emerge, subitamente, uma maquete
de Jerusalém, como a indicar a consciência do personagem a respeito do trágico
destino que o aguardava.
Os figurinos de Maria Castilho e Wanda Sgarbi talvez
sejam os mais criativos já vistos em palcos nacionais. Confeccionados com
incomparável esmero a partir de materiais variados, os deslumbrantes trajes
expressam todos os significados contidos no texto ou propostos pela montagem.
Também merecem ser destacados os arranjos musicais de Fernando Muzzi e Hernâni
Maleta, alguns para várias vozes, que além de belíssimos são esplendidamente
cantados pelo grupo, assim como a expressividade da iluminação de Maneco
Quinderé.
Quanto à encenação propriamente dita, ela traz a
marca inconfundível deste diretor de exceção que é Gabriel Villela, cuja
capacidade de nos fazer sonhar ou reviver emoções que imaginávamos sepultadas
para sempre parece inesgotável. Seria pueril, a esta altura dos acontecimentos,
tentar explicar este fenômeno através de uma análise rigorosa da forma como Villela
combina os elementos que elege. Preferimos acreditar que ele, quem sabe por
contar com a bênção dos sempre caprichosos deuses do teatro, deles tenha
recebido o dom de nos falar diretamente ao coração, sem jamais desprezar nossa
inteligência ou vulgarizar nossa sensibilidade. Talvez seja por isso que nos
entregamos sem reservas a esta inesquecível aventura, feita de risos e
eventuais lágrimas, que este poeta ora nos oferta.
Os atores do Galpão se entregam de corpo e alma às
propostas da encenação, valorizando-as com uma sinceridade e competência que
reforçam nossa crença que o grupo já pode ser considerado um dos melhores do
país. Estão de parabéns os onze intérpretes que o compõem, pela tenacidade e
coerência de sua bela trajetória artística e por sua contribuição inestimável a
esta imperdível montagem.
A
RUA DA AMARGURA – 14 PASSOS LACRIMOSOS SOBRE A VIDA DE JESUS. Texto de Eduardo
Garrido. Adaptação de Arildo de Barros. Direção de Gabriel Villela. Com o Grupo
Galpão.
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