Teatro/CRÍTICA
“Kis me, Kate – O beijo da megera”
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Obra-prima
de Cole Porter em versão imperdível
Lionel
Fischer
Ator protagonista e dono de uma companhia teatral,
Fred Graham está remontando “A megera domada”, de Shakespeare. Mas enfrenta
muitos problemas, sendo um deles a conturbada relação com sua ex-esposa, Lilli
Vanessi, no momento noiva de um general. Outra questão, e é ela que dispara a
trama, diz respeito a uma dívida de jogo contraída pelo galã Bill em nome do
patrão – dois gangsteres aparecem no teatro para cobrar a dívida e não se
convencem de que não foi Graham quem perdeu o dinheiro no cassino. Este, então,
propõe um acordo aos marginais: se esperarem até o final de semana, a dívida
será paga com a bilheteria de “A megera domada”. Mas, para isso, a peça precisa
permanecer em cartaz e Lili Vanessi se mostra disposta a ir embora.
Eis, em resumo, o enredo de “Kis me, Kate – O beijo
da megera” (Teatro Bradesco), de autoria de Cole Porter (música e letras) e Sam
e Bella Spewack (texto). Charles Möeller assina a direção do espetáculo, com
Claudio Botelho respondendo pela versão brasileira e supervisão musical.
No elenco, José Mayer (Fred Graham/Petruchio),
Alessandra Verney (Lilli Vanessi/Kate), Fabi Bang (Lois/Bianca), Guilherme
Logullo (Bill/Lucentio), Chico Caruso (gângster 1), Will Anderson (gângster 2),
Léo Wainer (General Harrisson Howell), Jitman Vibranovski (Batista), Ruben
Gabira (Paul), Ivanna Domenyco (Hattie), Igor Pontes (Grêmio), Leo Wagner
(Hortêncio), Marcel Octavio (Ralph) e Beto Vandesteen (Pops), com os demais
interpretando integrantes da companhia teatral – Augusto Arcanjo, Giselle Prattes,
João Paulo de Almeida, Lana Rhodes, Mariana Gallindo, Patrícia Athayde, Thiago
Garça e Tomas Quaresma.
Um dos grandes achados do presente musical diz
respeito à idéia de se criar uma trama em que realidade e ficção se misturam.
No original de Shakespeare, “A megera domada”, Petruchio enfrenta (e vence) o
desafio de domar a intempestiva Catarina. Aqui a protagonista Lilli Vanessi
exibe temperamento muito parecido, o que a leva a travar com Graham embates
semelhantes aos dos personagens shakespeareanos.
Mas é claro que só isso não justificaria o enorme
êxito de “Kis me, Kate”, o mais celebrado musical de Cole Porter, vencedor do
Prêmio Tony de 1949. Além do ótimo libreto de Sam e Bella Spewack, as canções
de Porter são simplesmente deslumbrantes, algumas verdadeiras obras-primas,
como “I hate man” (¨Homens, não”) e “Where is the life that late i led?” (Cadê
a vida que eu vivi?”). E a lista de méritos prossegue, e é extensa.
Com 25 anos de parceria, Charles Möeller e Claudio
Botelho chegam aos seu trigésimo sexto espetáculo. E aqui cabe uma breve
reflexão. Já escutei, inúmeras vezes, invejosos de plantão alegarem que a dupla
faz muito sucesso porque sempre recebe vultosos patrocínios. Em primeiro lugar,
cumpre ressaltar que vultosos patrocínios não garantem nenhum sucesso; e se é
verdade que Möeller e Botelho têm recebido vultosos patrocínios, mais do que
merecidos, não custa nada recordar que seus primeiros espetáculos – “As malvadas”
(1997), “O abre alas” (1998) e “Cole Porter – Ele nunca disse que me amava”
(2.000) – foram realizados com modestos recursos. Ou seja: começaram com muito
pouco e foram progressivamente conquistando a confiança e o apoio de
investidores privados e de órgãos governamentais. Será que isso configuraria
algum sacrilégio? Para os que acham que sim, sugiro que comecem a fazer
análise, de preferência com um profissional da escola lacaniana e no mínimo
cinco vezes por semana. Digressão feita, voltemos ao espetáculo.
Como de hábito, a direção de Möller é impecável,
precisa no tocante aos tempos rítmicos, plena de marcações diversificadas,
imprevistas e criativas, e de intensa e permanente comunicação com o público.
Quanto a Botelho, não há ninguém neste país com a sua capacidade de traduzir
versos e, mais do que isso, encaixá-los no universo de nossa língua de forma a
sugerir que não poderiam ser traduzidos de outra forma – os que dominam o idioma
do fabuloso bardo e mantêm salutar convivência com o português haverão de
concordar comigo.
Com relação ao elenco, José Mayer exibe aqui sua melhor
performance em musicais. Ator completo, Mayer canta maravilhosamente e consegue
materializar todos os conteúdos propostos pelos autores, afora evidenciar, como
sempre, seu imenso carisma. Alessandra Verney também está estupenda, tanto nas
passagens cantadas como naquelas em que o texto predomina. Chico Caruso e Will
Anderson compõem uma dupla de gangsteres irresistível, cabendo ainda destacar
as performances de Ivanna Domenyco e Fabi Bang, e os excelentes dotes de
bailarino de Ruben Gabira. Com relação aos demais, gostaria de enfatizar a
preciosa colaboração de todos, sem a qual o espetáculo jamais teria chegado ao
patamar de excelência que exibe.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as
preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível
empreitada teatral – Marcelo Castro (direção musical e regência), Rogério
Falcão (cenografia), Carol Lobato (figurinos), Alonso Barros (coreografia),
Marcelo Claret (design de som), Paulo Cesar Medeiros (iluminação), Claudia
Costa e Claudio Botelho (tradução dos diálogos) e Beto Caramanhos (visagismo),
cabendo também destacar a maravilhosa performance dos músicos Kelly Davis
(violino 1), Luiz Henrique Lima (violino 2), Saulo Vignoli (cello), Zaida
Valentim (teclado 1), Gustavo Salgado (teclado 2), Raphael Nocchi (Piccolo,
clarineta, flauta e sax alto), Gilson Balbino (clarineta e sax alto), Whatson
Cardozo (clarone, clarineta e sax barítono), Matheus Moraes (trompete e
Flügel), Vítor Costa (trombone), Omar Cavalheiro (contrabaixo) e Marcio Romano
(bateria e percussão).
KIS
ME, KATE – O BEIJO DA MEGERA – Músicas e letras de Cole Porter. Texto de Sam e
Bella Spewack. Direção de Charles Möller. Versão brasileira e supervisão
musical de Claudio Botelho. Com José Mayer, Alessandra Verney e grande elenco.
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