Teatro/CRÍTICA
“A Vida é sonho”
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Ritual
feito de encantamento
Lionel
Fischer
Impressionado com as profecias que diziam que seu
filho se tornaria um tirano quando assumisse o poder, o rei Basílio manda encerrar
Segismundo numa torre, logo após seu nascimento, onde permanece até completar
20 anos. Mas um dia, quem sabe temendo a proximidade da morte, o monarca
resolve libertar o filho por 24 horas, exigindo que todos o tratem como se
fosse o verdadeiro rei – com este estratagema, Basílio imagina poder checar a
veracidade das profecias, que estariam confirmadas caso Segismundo agisse como
se temia que fizesse. E é o que acontece, o que determina sua volta à clausura.
É este, em resumo, o enredo de “A vida é sonho”, de
Calderón de La Barca, em cartaz no Teatro Glória. Gabriel Villela assina a
direção da montagem, que tem numeroso elenco encabeçado por Celso André
Monteiro, Wagner de Miranda e Silvio Kaviski.
Ambientada numa Polônia medieval fictícia, a peça tem
como temas básicos a fugacidade da vida e o caráter ilusório das aparências. O
autor também trabalha a complexa relação entre sonho e realidade, não raro
sugerindo ser praticamente impossível dissociá-los. Diante disto, qualquer
encenação de “A vida é sonho” encara um desafio nada desprezível, que consiste
em conferir veracidade a uma atmosfera que a todo momento oscila entre pólos
opostos.
Com uma sensibilidade nitidamente voltada para o
onírico, Gabriel Villela encontra no texto rico manancial para dar vazão a sua
permanente busca de conferir transcendência à realidade. E embora nesta
montagem explore menos o caráter religioso do texto – o contrário do que fez em
1991, quando encenou a peça com Regina Duarte, em São Paulo – ainda assim é
visível um clima ritualístico, reforçado tanto pela presença da ótima cantora
Nábia Villela – que entoa cânticos ciganos iugoslavos e numa certa medida
comenta a cena e determina seus rumos – como pelo refinamento dos gestos e proposital
lentidão com que são executados, ao menos em grande parte do espetáculo.
Explorando com a habitual competência sua expressiva
cenografia – tudo se passa no interior de um curral, clara alusão aos
“currales” espanhóis do século XVII, onde se davam as apresentações teatrais
profanas – e os belíssimos figurinos que criou, confeccionados com retalhos e
panos coloridos de sáris indianos, Villela mais uma vez proporciona momentos de
intensa beleza e encantamento. E também exercita um lado novo em seu trabalho,
que é a exploração do humor como elemento do jogo teatral – no presente caso,
isto se dá através da conhecida brincadeira infantil da “estátua”.
As únicas ressalvas que podem ser feitas a este belo
espetáculo ficam por conta de duas marcações insatisfatórias – a luta de
espadas e a posterior utilização delas como arcos de violino -, assim como o
entoar de “Luar do sertão”, que fica inteiramente deslocado no contexto.
Quanto ao elenco, Celso André Monteiro (Basílio) e
Wagner de Miranda (Clotaldo) – este último o único que tem contato com o
príncipe enclausurado – tem atuações seguras, mas quase sempre ditadas por um
mesmo ritmo, o que as torna um tanto previsíveis. O mesmo não ocorre com Silvio
Kaviski (Segismundo), Maurício Souza Lima (Astolfo), Fabiano Medeiros (Rosaura)
e Maurício Grecco (Clarim), que impõem a seus personagens uma permanente
vivacidade, além de exibirem inegável capacidade de materializar múltiplos
climas emocionais.
João Petry (Estrela) é mais convincente em seu jogo
corporal, não conseguindo o mesmo resultado ao tentar falar com o pretendido
sotaque lusitano. Sérgio Abreu (Luz) e Rogério Faria (Sombra) dão vida a
alegorias criadas pelo diretor para reforçar a idéia de constante dualidade,
tendo ambos atuações corretas em papéis de poucas possibilidades, sobretudo o
primeiro.
A
VIDA É SONHO – Texto de Calderón de La Barca. Direção de Gabriel Villela. Com
Silvio Kaviski, Celso André Monteiro e outros. Teatro Glóia.
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