Teatro/CRÍTICA
“Três mulheres altas”
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Uma
versão digna e inesquecível
Lionel
Fischer
Após um longo período relegado ao esquecimento, o
dramaturgo norte-americano Edward Albee – “Zoo story”, “Quem tem medo de
Virgínia Wolf”, “Um equilíbrio delicado” – literalmente ressurgiu das cinzas no
ano passado: ganhou o Prêmio Pulitzer de Teatro de 1994 com “Três mulheres
altas”, considerada pela crítica como a melhor peça americana das últimas décadas.
Agora, após cumprir ótima temporada em São Paulo, a montagem dirigida por José
Possi Neto está em cartaz no Teatro do Sesi com elenco formado por Beatriz
Segall, Nathalia Timberg, Marisa Orth e Marcos Pecci.
Assumidamente autobiográfico, o texto gira em torno
da figura da mãe adotiva do autor, com quem ele viveu até os 18 anos, quando
foi expulso de casa sob a acusação de ser homossexual e possuir idéias
políticas excessivamente liberais para os padrões de sua família. Escrita em
dois atos, no primeiro a peça se concentra nas recordações algo desconexas de A
(Segall), autoritária e amargurada matriarca de 92 anos. Junto dela estão B
(Timberg), uma espécie de dama de companhia sarcástica e desiludida, e C
(Orth), jovem e vaidosa advogada que representa o escritório que cuida dos
interesses financeiros da caquética milionária – por razões que ficarão claras
no segundo ato, Albee não dá nome às suas personagens.
Na segunda parte, o autor promove o que os franceses
chamam de “coup de théâtre”, uma surpresa tão desconcertante que aclará-la
equivaleria a privar o espectador de um impacto realmente avassalador. Em todo
o caso, cumpre dizer que o brilhante recurso contribui para conferir um peso
ainda maior às sensíveis reflexões sobre a vida, com todas as suas variantes e
infinitas possibilidades, e fundamentalmente sobre a condição feminina.
Trata-se, sem a menor dúvida, de uma das maiores obras-primas do teatro
contemporâneo.
O diretor José Posse Neto impõe à cena uma dinâmica que
traz algumas de suas marcas registradas: sobriedade, elegância e uma notável
capacidade de extrair o máximo dos intérpretes. Abstendo-se de dispensáveis
firulas formais, concentrando-se quase que tão somente em explicitar todos os
conteúdos propostos pelo autor através de um mergulho profundo nas contradições
e psicologia dos riquíssimos personagens, Possi consegue criar uma encenação de
altíssimo nível.
Mas é óbvio que, numa peça dessa natureza, seu
alcance e maior significado estão condicionados ao desempenho do elenco. Só
intérpretes de exceção seriam capazes de, por um lado, fazer aflorar uma
infinidade de sentimentos, em geral dolorosos; e por outro, mergulhar
profundamente em seu próprio universo afetivo – não acredito que um resultado
tão expressivo possa ter sido obtido apenas com técnica e experiência. E
Beatriz Segall, Nathalia Timberg e Marisa Orth superam todos os desafios
artísticos e humanos propostos por Albee.
Na melhor atuação de sua carreira, Beatriz Segall
está simplesmente perfeita em todos os momentos, tanto no que diz respeito à
composição física de sua personagem como na forma como explicita seu rico e
contraditório mundo interior. O mesmo pode ser dito de Nathalia Timberg e
Marisa Orth, igualmente fascinantes, o que só contribui para reforçar minha
crença de que as atrizes brasileiras – ao menos as mais brilhantes – nada ficam
a dever às melhores intérpretes do mundo. Marcos Pecci tem breve e correta
participação na pele do autor.
O trabalho da equipe técnica também pode ser
considerado excepcional. Tanto a cenografia de Felippe Crescenti como os
figurinos de Maria Cândida Sarmento retratam de forma impecável o ambiente e as
personalidades criadas por Albee. Quanto à iluminação, parceria entre o diretor
e Wagner Freire, cabe destacar as sutis alterações de cor e incidência dos
feixes luminísticos, invariavelmente associadas ao estado emocional dos
personagens.
TRÊS
MULHERES ALTAS – Texto de Edward Albee. Direção de José Possi Neto. Com Beatriz
Segall, Nathalia Timberg , Marisa Orth e Marcos Pecci.
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