Teatro/CRÍTICA
“Comunicação a uma academia”
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Uma
saída para o desespero
Lionel
Fischer
“Escola de bufões” é um marco na carreira do
encenador Moacyr Góes. Não pelo fato de ter sido sua montagem mais premiada,
mas sim porque o diretor se propôs, a partir dali, buscar uma nova estética
teatral. Ao invés de prosseguir criando espetáculos cuja tônica residia na
elaboração de complexos signos visuais, Moacyr anunciou que elegeria o ator e o
texto como principais focos de interesse. E sua primeira experiência neste
sentido obteve pleno êxito. Encenada em janeiro deste ano, “Antigona” encantou
o público e a crítica – fenômeno raríssimo -, além de assinalar o início de uma
parceria com o ator Italo Rossi que dá agora o seu segundo fruto, “Comunicação
a uma academia”, de Franz Kafka, em cartaz no Espaço III do Teatro Villa-Lobos.
Extraído do volume de contos “Um médico rural”,
“Comunicação a uma academia” coloca em cena um ex-símio que, após ser capturado
na Costa do Ouro e ante a possibilidade de permanecer preso o resto da vida resolve,
durante a viagem no navio que o conduz à Europa, transformar-se num homem
europeu, racional e branco. Solicitado por uma assembléia de sábios a relatar
sua espantosa metamorfose, o personagem a descreve em detalhes, fazendo sempre
questão de ressaltar que assim agira apenas para encontrar uma saída para o
próprio desespero. “Se o meu objetivo fosse a liberdade, teria me atirado ao
mar”, afirma.
Entre ir para o zoológico e realizar um brutal
esforço para converter-se em pessoa, o macaco escolhe a segunda opção.
Entretanto, acaba sendo exibido em shows de variedades. Ou seja: mudaram as
grades, mas o aprisionamento persiste.
Com este estratagema, Kafka deixa claro que, da mesma forma que os
homens não conseguem incorporar ao seu mundo um ser capaz de tal proeza,
tratando-o como um igual, também se mostram incapazes de conviver
harmonicamente entre si, tantas são as barreiras que fazem questão de erigir –
ideológicas, culturais, econômicas e afetivas, dentre tantas outras.
Para dar vida a esta extraordinária criação de
Kafka, Moacyr Góes contou com dois preciosos aliados: o cenógrafo José Dias e o
ator Italo Rossi. Dias construiu um gigantesco container, manejado por dois
contra-regras – os atores Leon Góes e Floriano Peixoto – cujas laterais se
abrem para construir o espaço cênico. Esse dispositivo “tipo exportação”, que
sugere uma jaula, contribui para desumanizar o personagem e reforçar a idéia de
que ele jamais será aceito no mundo dos homens. Quanto a Italo Rossi, sua
atuação supera todas as expectativas.
Para começar, Italo elimina toda e qualquer
possibilidade de enveredar por uma linha caricatural. O macaco existe apenas em
sutis movimentos de mãos, discreta inclinação da cabeça e um jeito de olhar
característico do momentâneo alheamento de um animal. No mais, é um ser humano
que se vale de fina ironia para minimizar o próprio desespero diante do
evidente malogro de sua metamorfose. Valorizando ao máximo cada palavra, gesto
ou movimento corporal, Italo Rossi domina completamente o personagem e a cena,
mantendo a platéia magnetizada ao longo dos 50 minutos de duração do espetáculo.
No que se refere à encenação de Moacyr Góes, é
visível que toda ela foi estruturada em função da presença de Italo Rossi. Góes
percebeu, acertadamente, que uma montagem dessa natureza prescinde de
elaboradas marcações, pois tudo repousa no texto e no trabalho do ator,
obrigado pelas circunstâncias a se relacionar diretamente com a platéia. Seu
principal mérito, portanto, foi o de se concentrar em extrair do conto e da
atuação de Italo a maior gama de significados. E dessa dupla tarefa o encenador
se sai plenamente vitorioso, já que a esplêndida interpretação de Italo Rossi
nos permite um emocionante encontro com o pensamento do mais instigante autor
deste século.
COMUNICAÇÃO
A UMA ACADEMIA – Texto de Franz Kafka. Direção de Moacyr Góes. Com Italo Rossi,
Leon Góes e Floriano Peixoto. Espaço III do Teatro Villa-Lobos.
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