sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

“A caravana da ilusão”

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Lírica reflexão sobre a arte

 

Lionel Fischer

 

Ainda não refeitos da morte do pai, líder da trupe, quatro artistas perambulam pelas estradas. Subitamente se deparam com uma encruzilhada: qual dos caminhos deve ser trilhado? Paralisados ante a responsabilidade de tomar uma decisão, resolvem adiá-la, dormindo no local. Durante a noite, surge uma misteriosa cigana que, voluntária ou involuntariamente, imporá ao grupo uma transformação. É este, em  resumo, o enredo de “A caravana da ilusão”, de Alcione Araújo, em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues.

Narrado por um personagem que “congela” as principais cenas num pequeno palco de teatro de bonecos – este personagem, ao que tudo indica, é o próprio autor -, o espetáculo propõe uma emocionada e emocionante reflexão sobre a arte e os artistas. Alcione Araújo constrói uma narrativa poética impregnada de símbolos. A cidade, que a trupe inconscientemente evita, pode conspurcar os ideais artísticos. A encruzilhada assume conotações inquietantes porque ninguém ali pretende chegar a um lugar específico: os caminhos a serem percorridos é que são fundamentais.

No entanto, a bailarina, o bufão, o clown e o músico evidenciam alguma perplexidade e desânimo, e deixam claro que as pessoas parecem cada vez menos interessadas em sua arte. Não haverá mais espaço para a beleza e a poesia? A única saída consistiria, portanto, em renunciar às mais nobres aspirações artísticas a fim de que caminhos menos tortuosos se descortinassem?

Alcione Araújo não opina. Apenas sugere, vagamente insinua. Mas, salvo engano de minha parte, é solidário com aqueles que, mesmo correndo continuamente o risco de perder-se, talvez cheguem a traçar uma pista. E se jamais chegarem a desfrutar as benesses dessa incessante busca, pouco importa: outros a desfrutarão.

Tendo à sua disposição um texto tão belo e rico de possibilidades, o diretor Luiz Arthur Nunes realizou uma esplêndida montagem. Antes de mais nada, teve a sagacidade de perceber que o autor conferiu a seu texto uma estrutura narrativa que tornaria proibitiva uma estética naturalista. Assim, Nunes optou por uma linha estilizada que utiliza a coreografia, a pantomima e a música como elementos essenciais.

E o encenador também foi extremamente feliz ao conduzir o elenco no sentido de buscar a expressividade não só através do que é dito, mas sobretudo mediante a construção de signos corporais repletos de significado. Como se fosse um pintor, Nunes cria uma sucessão de quadros belíssimos, que certamente o espectador levará um bom tempo para esquecer. Um trabalho irrepreensível, que me leva a desejar que este seja apenas o primeiro encontro entre Alcione Araújo e Luiz Arthur Nunes.

O elenco da montagem – Marcos Breda, Cláudia Alencar, Andréa Dantas, Fernando Eiras, Anna Aguiar e Angel Palomero – tem um rendimento extraordinário. Todos, sem exceção, mergulham de corpo e alma em uma proposta estilística de grande risco, pois esta pressupõe não apenas corpos preparados, mas fundamentalmente uma disponibilidade visceral no sentido de fazer aflorar emoções e sentimentos que não são patrimônio exclusivo de um determinado personagem, mas de toda a humanidade. E é sempre mais complexo lidar com arquétipos, já que a história particular do ator e suas referências têm que passar a um plano secundário.

Quanto à atuação da equipe técnica, são belíssimos o cenário e figurinos de Alziro Azevedo, expressiva a música composta por João Carlos Assis Brasil e extremamente poética a iluminação de Aurélio de Simoni, em perfeita sintonia com o lirismo que caracteriza o texto e a montagem. Aurélio consegue, em “A caravana da ilusão”, superar tudo que até então já havia realizado em teatro.

A CARAVANA DA ILUSÃO – Texto de Alcione Araújo. Direção de Luiz Arthur Nunes. Com Marcos Breda, Andréa Dantas e outros. Teatro Nelson Rodrigues.

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