Teatro/CRÍTICA
“Melodrama”
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Hilário
carrossel de clichês
Lionel
Fischer
“A passionalidade latina unida a uma visão
contemporânea do estilo melodramático. Assassinatos, incestos, dupla
personalidade, suicídios e mocinhas abnegadas, embalados por tangos e boleros,
recheiam o universo do espetáculo através de duas histórias”. Assim os
realizadores de “Melodrama”, em cartaz no Teatro I do CCBB, definem a montagem
de Enrique Diaz, que tem no elenco Drica Moraes, Susana Ribeiro, Marcelo Valle,
Bel Garcia, Gustavo Gasparani, César Augusto e Marcelo Olinto, que integram a
Cia. Dos Atores. O texto é assinado por Filipe Miguez.
As duas “histórias” em questão possuem estruturas
narrativas diferentes. A primeira focaliza a novela radiofônica “Na saúde e na
doença”, cujos capítulos vão sendo apresentados paulatinamente, intercalados
com a outra história. Esta mostra uma família às voltas com incestos e
adultérios, mas em cada uma das cinco seqüências o dramalhão surge com um novo
formato – clima rodrigueano, nobres franceses do século XVIII, caipiras
americanos, argentinos do início do século e personagens de uma ópera italiana.
Além disso, autor e diretor criaram dois solilóquios
que objetivam, ao que parece, conferir um tom realmente melodramático ao
espetáculo, já que este se empenha em criticar o gênero: no primeiro, um ébrio
tenta se livrar da culpa por ter assassinado injustamente a esposa, possuído de
incontrolável ciúme; no segundo, um desmemoriado procura sua identidade,
acabando por aceitar a do assassino.
“Melodrama” revela, antes de tudo, um autor de
grandes qualidades. Filipe Miguez escreve ótimos diálogos, tem um senso de
humor irresistível e uma visão crítica do gênero realmente hilariante.
Discordo, apenas, da inserção dos solilóquios, pois estes são de uma seriedade
inteiramente deslocada. Fica parecendo, inclusive, que o autor quis enfatizar
seu conhecimento do melodrama a fim de calar eventuais rejeições aos exageros
que propõe. Tal presunção, se de fato existiu, é totalmente descabida, pois
qualquer deformação implica, necessariamente, no pleno domínio da matéria prima
que se deseja transformar.
Enrique Diaz leva às últimas conseqüências as
propostas do autor, impondo à montagem criatividade, humor e elegância em doses
mais do que generosas. Tudo se encaixa nessa espécie de carrossel que gira
embalado por uma infinidade de clichês: rubores de donzela, peitos que arfam
como a sugerir um iminente rompimento de costelas, trêmulas vozes não raro
sufocadas por lágrimas apoteóticas, sobrancelhas que arqueiam como se
pretendessem se juntar aos cabelos e assim por diante. Enfim, um completo
arsenal de canastrices manipulado com inteligência e que leva a platéia a
verdadeiras convulsões de riso.
Quanto ao elenco, este evidencia perfeita sintonia
com o delirante universo criado pelo dramaturgo e pelo diretor. Todos, sem
exceção, demonstram uma vez mais aquilo que para mim já se tornou óbvio: a
excelência dos atores cariocas, invariavelmente confirmada sempre que as condições
o permitem. No presente caso, como o talento e a sensibilidade são a tônica, o
rendimento do conjunto só poderia ser de altíssimo nível. Ainda assim, gostaria
de destacar as performances de Drica Moraes, Susana Ribeiro e Gustavo
Gasparani, jovens profissionais que só injustificados caprichos dos deuses do
teatro poderão impedir de cumprir belíssima trajetória artística.
Fernando Mello da Costa assina criativa e funcional
cenografia, que atende a todas as solicitações do espetáculo. Os figurinos de
Marcelo Olinto são tão hilariantes quanto críticos. Maneco Quinderé, para não
perder o hábito, criou uma iluminação brilhante, que reforça os climas
emocionais propostos pela direção e muitas vezes os determina. É igualmente
esplêndida a trilha sonora de Carlos Cardoso, o mesmo podendo ser dito da
preparação corporal de Lúcia Aratanha.
MELODRAMA
– Texto de Filipe Miguez. Direção de Enrique Diaz. Com a Cia. Dos Atores.
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