sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

“Eu sou minha própria mulher”

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Emocionado tributo à integridade

 

Lionel Fischer

 

Colecionar relógios, fonógrafos e móveis antigos pode ser uma atividade fascinante, mas não confere ao colecionador nenhuma singularidade especial. Esta, no entanto, passa a existir quando se trata de um homem que, desde os 15 anos, se veste e se comporta como uma mulher. E que teve coragem para enfrentar toda a violência, preconceitos e intolerância tanto do nazismo como do comunismo na Alemanha Oriental, conseguindo não apenas sobreviver quanto transformar sua vasta coleção em um museu, até hoje existente.

Esta é, em resumo, a instigante trajetória de Lothar Berfeld – que ainda muito jovem assumiu a identidade de Charlotte Von Mahlsdorf – à qual o público teve acesso graças aos depoimentos que prestou ao dramaturgo norte-americano Doug Wright, que os converteu em uma peça que recebeu os mais importantes prêmios concedidos a um autor nos Estados Unidos. Em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Tônia Carrero), “Eu sou minha própria mulher” chega à cena com direção de Herson Capri e Susana Garcia, adaptação de Capri, Garcia e Edwin Luisi, cabendo a este último dar vida não apenas à protagonista, mas também a outros vinte e cinco  personagens.

Nascida em 1928 e vindo a falecer em 2002, Charlotte enfrentou a desumanidade dos dois regimes sem renunciar às saias e aos colares de pérolas, quando a mais elementar prudência indicaria uma atitude oposta. Portanto, o tema central desta excelente peça é o exemplo que esta mulher nos deixou: é possível, sim, se manter íntegro em um contexto do qual foram banidos todos os valores morais e éticos.

Com relação à direção, Herson Capri e Susana Garcia impõem à cena uma dinâmica em total sintonia com o texto, valorizando de forma extremamente precisa e sensível todos os conteúdos propostos pelo autor. Criativa, vigorosa, poética e delicada, a encenação encontrou em Edwin Luisi um intérprete perfeito.

Senhor absoluto de seus vastos recursos expressivos, Edwin Luisi é sempre uma presença fascinante em cena. E sua presente atuação, como tantas outras, só vem reafirmar o que já disse várias vezes: o Brasil pode carecer de tudo, menos de atores que nada ficam a dever aos melhores do mundo. Portanto, que o público carioca não desperdice esta oportunidade de se encontrar com um ator de exceção.

Na equipe técnica, destaco com igual entusiasmo o irrepreensível trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral – Susana Garcia (tradução), Marcelo Marques (cenário e figurinos), Paulo César Medeiros (luz) e Jerry Marques (trilha sonora).

EU SOU MINHA PRÓPRIA MULHER – Texto de Dough Wright. Direção de Herson Capri e Susana Garcia. Com Edwin Luisi. Teatro do Leblon (Sala Tônia Carrero).

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