Teatro/CRÍTICA
“Eu sou minha própria mulher”
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Emocionado
tributo à integridade
Lionel
Fischer
Colecionar relógios, fonógrafos e móveis antigos
pode ser uma atividade fascinante, mas não confere ao colecionador nenhuma
singularidade especial. Esta, no entanto, passa a existir quando se trata de um
homem que, desde os 15 anos, se veste e se comporta como uma mulher. E que teve
coragem para enfrentar toda a violência, preconceitos e intolerância tanto do
nazismo como do comunismo na Alemanha Oriental, conseguindo não apenas
sobreviver quanto transformar sua vasta coleção em um museu, até hoje
existente.
Esta é, em resumo, a instigante trajetória de Lothar
Berfeld – que ainda muito jovem assumiu a identidade de Charlotte Von Mahlsdorf
– à qual o público teve acesso graças aos depoimentos que prestou ao dramaturgo
norte-americano Doug Wright, que os converteu em uma peça que recebeu os mais
importantes prêmios concedidos a um autor nos Estados Unidos. Em cartaz no
Teatro do Leblon (Sala Tônia Carrero), “Eu sou minha própria mulher” chega à
cena com direção de Herson Capri e Susana Garcia, adaptação de Capri, Garcia e
Edwin Luisi, cabendo a este último dar vida não apenas à protagonista, mas também
a outros vinte e cinco personagens.
Nascida em 1928 e vindo a falecer em 2002, Charlotte
enfrentou a desumanidade dos dois regimes sem renunciar às saias e aos colares
de pérolas, quando a mais elementar prudência indicaria uma atitude oposta.
Portanto, o tema central desta excelente peça é o exemplo que esta mulher nos
deixou: é possível, sim, se manter íntegro em um contexto do qual foram banidos
todos os valores morais e éticos.
Com relação à direção, Herson Capri e Susana Garcia
impõem à cena uma dinâmica em total sintonia com o texto, valorizando de forma
extremamente precisa e sensível todos os conteúdos propostos pelo autor.
Criativa, vigorosa, poética e delicada, a encenação encontrou em Edwin Luisi um
intérprete perfeito.
Senhor absoluto de seus vastos recursos expressivos,
Edwin Luisi é sempre uma presença fascinante em cena. E sua presente atuação,
como tantas outras, só vem reafirmar o que já disse várias vezes: o Brasil pode
carecer de tudo, menos de atores que nada ficam a dever aos melhores do mundo.
Portanto, que o público carioca não desperdice esta oportunidade de se
encontrar com um ator de exceção.
Na equipe técnica, destaco com igual entusiasmo o
irrepreensível trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que
oportuna empreitada teatral – Susana Garcia (tradução), Marcelo Marques
(cenário e figurinos), Paulo César Medeiros (luz) e Jerry Marques (trilha
sonora).
EU
SOU MINHA PRÓPRIA MULHER – Texto de Dough Wright. Direção de Herson Capri e
Susana Garcia. Com Edwin Luisi. Teatro do Leblon (Sala Tônia Carrero).
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