Teatro/CRÍTICA
“A caravana da ilusão”
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Lírica
reflexão sobre a arte
Lionel
Fischer
Ainda não refeitos da morte do pai, líder da trupe,
quatro artistas perambulam pelas estradas. Subitamente se deparam com uma
encruzilhada: qual dos caminhos deve ser trilhado? Paralisados ante a
responsabilidade de tomar uma decisão, resolvem adiá-la, dormindo no local.
Durante a noite, surge uma misteriosa cigana que, voluntária ou
involuntariamente, imporá ao grupo uma transformação. É este, em resumo, o enredo de “A caravana da ilusão”, de
Alcione Araújo, em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues.
Narrado por um personagem que “congela” as
principais cenas num pequeno palco de teatro de bonecos – este personagem, ao
que tudo indica, é o próprio autor -, o espetáculo propõe uma emocionada e
emocionante reflexão sobre a arte e os artistas. Alcione Araújo constrói uma
narrativa poética impregnada de símbolos. A cidade, que a trupe
inconscientemente evita, pode conspurcar os ideais artísticos. A encruzilhada
assume conotações inquietantes porque ninguém ali pretende chegar a um lugar
específico: os caminhos a serem percorridos é que são fundamentais.
No entanto, a bailarina, o bufão, o clown e o músico
evidenciam alguma perplexidade e desânimo, e deixam claro que as pessoas
parecem cada vez menos interessadas em sua arte. Não haverá mais espaço para a
beleza e a poesia? A única saída consistiria, portanto, em renunciar às mais
nobres aspirações artísticas a fim de que caminhos menos tortuosos se
descortinassem?
Alcione Araújo não opina. Apenas sugere, vagamente
insinua. Mas, salvo engano de minha parte, é solidário com aqueles que, mesmo
correndo continuamente o risco de perder-se, talvez cheguem a traçar uma pista.
E se jamais chegarem a desfrutar as benesses dessa incessante busca, pouco
importa: outros a desfrutarão.
Tendo à sua disposição um texto tão belo e rico de
possibilidades, o diretor Luiz Arthur Nunes realizou uma esplêndida montagem. Antes
de mais nada, teve a sagacidade de perceber que o autor conferiu a seu texto uma
estrutura narrativa que tornaria proibitiva uma estética naturalista. Assim,
Nunes optou por uma linha estilizada que utiliza a coreografia, a pantomima e a
música como elementos essenciais.
E o encenador também foi extremamente feliz ao
conduzir o elenco no sentido de buscar a expressividade não só através do que é
dito, mas sobretudo mediante a construção de signos corporais repletos de
significado. Como se fosse um pintor, Nunes cria uma sucessão de quadros
belíssimos, que certamente o espectador levará um bom tempo para esquecer. Um
trabalho irrepreensível, que me leva a desejar que este seja apenas o primeiro
encontro entre Alcione Araújo e Luiz Arthur Nunes.
O elenco da montagem – Marcos Breda, Cláudia
Alencar, Andréa Dantas, Fernando Eiras, Anna Aguiar e Angel Palomero – tem um
rendimento extraordinário. Todos, sem exceção, mergulham de corpo e alma em uma
proposta estilística de grande risco, pois esta pressupõe não apenas corpos
preparados, mas fundamentalmente uma disponibilidade visceral no sentido de
fazer aflorar emoções e sentimentos que não são patrimônio exclusivo de um
determinado personagem, mas de toda a humanidade. E é sempre mais complexo
lidar com arquétipos, já que a história particular do ator e suas referências
têm que passar a um plano secundário.
Quanto à atuação da equipe técnica, são belíssimos o
cenário e figurinos de Alziro Azevedo, expressiva a música composta por João
Carlos Assis Brasil e extremamente poética a iluminação de Aurélio de Simoni,
em perfeita sintonia com o lirismo que caracteriza o texto e a montagem.
Aurélio consegue, em “A caravana da ilusão”, superar tudo que até então já
havia realizado em teatro.
A
CARAVANA DA ILUSÃO – Texto de Alcione Araújo. Direção de Luiz Arthur Nunes. Com
Marcos Breda, Andréa Dantas e outros. Teatro Nelson Rodrigues.
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