Teatro/CRÍTICA
“Como diria Montaigne”
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Obra-prima
finalmente encenada
Lionel
Fischer
Parecendo ter saído de um filme hollywoodiano da
década de 40, a mulher de cerca de 60 anos intrigava os moradores de Copacabana
dos anos 70. Sapatos forrados, laquê nos cabelos, muitas rendas e cetins,
maquiagem peculiar, ela deslizava seu bizarro glamour pelo bairro. Um dia, como
que por encanto, desapareceu. Mas não da memória de Wilson Sayão, que a seguira
inúmeras vezes em seus passeios sem rumo. Batizando-a de Irene, o dramaturgo a
converteu em protagonista de “Como diria Montaigne”, em cartaz no Teatro de
Arena. A montagem é assinada por Luiz Arthur Nunes e tem no elenco Ivone
Hoffman, Bianca Byington, Maria Adélia, Angel Palomero e Marcos Breda, este
revezando com Leonardo Netto.
Premiada em 1979 no Concurso Nacional de Dramaturgia
do extinto SNT, “Como diria Montaigne” ainda não havia sido montada por um
desses mistérios típicos do teatro brasileiro, já que se trata de uma obra que,
se encenada em qualquer país do Primeiro Mundo, consagraria imediatamente seu
autor. Mas como Sayão nasceu aqui e, obviamente, escreve em português, teve que
esperar 15 anos para ver no palco uma de suas melhores peças, que sem dúvida
será prestigiada de forma incondicional pelo público.
O texto gira em torno dos esforços de Irene para
descobrir os possíveis e ocultos sonhos de cada um de seus três filhos.
Inconformada com o lerdo escoar de existências que julga medíocres, ela parte
para uma investigação que cada vez mais assume contornos trágicos, pois a
dureza de seus questionamentos traz à tona frustrações e infelicidades que
normalmente permaneceriam adormecidas.
E se durante esta investigação a platéia muitas
vezes explode em gargalhadas, isto se deve, fundamentalmente, à capacidade do
autor de criar imprevistos contrastes e fazer observações mais do que
pertinentes sobre certas fragilidades inerentes à condição humana,
características sempre presentes em sua obra.
Mas o riso também traduz uma necessidade coletiva de
alívio em face da inevitável identificação. Não necessariamente com os
personagens e seus conflitos específicos, mas com a essência da obra, criada
com a expressa finalidade de nos propor uma reflexão sobre os trechos ermos que
todos possuímos e dos quais nem sempre conseguimos nos livrar.
Escrita de forma impecável e otimamente estruturada
do ponto de vista dramático, “Como diria Montaigne” recebeu excelente versão
cênica de Luiz Arthur Nunes. Abstendo-se de estéries elocubrações formais, o
diretor criou uma dinâmica cuja austeridade em nenhum momento sacrifica o humor
do texto. Aliás, um dos maiores méritos da direção de Nunes é justamente o
equilíbrio entre temas e emoções contrastantes, afora o fato de ter feito um
trabalho primoroso junto ao elenco, cujo rendimento merece ser considerado
irrepreensível e é um dos destaques desta brilhante empreitada.
Atriz de méritos incontestáveis, por razões
insondáveis Ivone Hoffman quase sempre atuou como coadjuvante. Mas agora, tendo
à disposição um personagem deslumbrante, a intérprete encontra campo para dar
vazão a todo o seu potencial criativo. Está simplesmente irretocável na pele de
Irene, conseguindo trazer à tona sua virulência, ternura e insanidade. Bianca
Byington transmite toda sensualidade e tédio de Nádia, bancária que nada faz
além de se entregar aos seus superiores. Marcos Breda comove como o homossexual
Ney, enquanto Maria Adélia transmite a mediocridade inerente a uma dona-de-casa
classe média. Angel Palomero exibe grande versatilidade e eficiência nos três
papéis que interpreta.
Quanto à equipe técnica, a correção é a tônica. O
cenário e figurinos de Rosa Magalhães atendem às exigências do texto e da
montagem, mas não exibem nenhum trabalho de criação que mereça ser destacado. O
mesmo pode ser dito da iluminação de Paulo César Medeiros, que poderia ter
enfatizado de forma mais criativa os múltiplos climas propostos pelo autor e
diretor. A trilha sonora de Andréa Zeni incorre em limitações parecidas com as
verificadas na iluminação.
COMO
DIRIA MONTAIGNE – Texto de Wilson Sayão. Direção de Luiz Arthur Nunes. Com
Ivone Hoffman, Bianca Byington, Marcos Breda e outros. Teatro de Arena.
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