sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

“Como diria Montaigne”

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Obra-prima finalmente encenada

 

Lionel Fischer

 

Parecendo ter saído de um filme hollywoodiano da década de 40, a mulher de cerca de 60 anos intrigava os moradores de Copacabana dos anos 70. Sapatos forrados, laquê nos cabelos, muitas rendas e cetins, maquiagem peculiar, ela deslizava seu bizarro glamour pelo bairro. Um dia, como que por encanto, desapareceu. Mas não da memória de Wilson Sayão, que a seguira inúmeras vezes em seus passeios sem rumo. Batizando-a de Irene, o dramaturgo a converteu em protagonista de “Como diria Montaigne”, em cartaz no Teatro de Arena. A montagem é assinada por Luiz Arthur Nunes e tem no elenco Ivone Hoffman, Bianca Byington, Maria Adélia, Angel Palomero e Marcos Breda, este revezando com Leonardo Netto.

Premiada em 1979 no Concurso Nacional de Dramaturgia do extinto SNT, “Como diria Montaigne” ainda não havia sido montada por um desses mistérios típicos do teatro brasileiro, já que se trata de uma obra que, se encenada em qualquer país do Primeiro Mundo, consagraria imediatamente seu autor. Mas como Sayão nasceu aqui e, obviamente, escreve em português, teve que esperar 15 anos para ver no palco uma de suas melhores peças, que sem dúvida será prestigiada de forma incondicional pelo público.

O texto gira em torno dos esforços de Irene para descobrir os possíveis e ocultos sonhos de cada um de seus três filhos. Inconformada com o lerdo escoar de existências que julga medíocres, ela parte para uma investigação que cada vez mais assume contornos trágicos, pois a dureza de seus questionamentos traz à tona frustrações e infelicidades que normalmente permaneceriam adormecidas.

E se durante esta investigação a platéia muitas vezes explode em gargalhadas, isto se deve, fundamentalmente, à capacidade do autor de criar imprevistos contrastes e fazer observações mais do que pertinentes sobre certas fragilidades inerentes à condição humana, características sempre presentes em sua obra.

Mas o riso também traduz uma necessidade coletiva de alívio em face da inevitável identificação. Não necessariamente com os personagens e seus conflitos específicos, mas com a essência da obra, criada com a expressa finalidade de nos propor uma reflexão sobre os trechos ermos que todos possuímos e dos quais nem sempre conseguimos nos livrar.

Escrita de forma impecável e otimamente estruturada do ponto de vista dramático, “Como diria Montaigne” recebeu excelente versão cênica de Luiz Arthur Nunes. Abstendo-se de estéries elocubrações formais, o diretor criou uma dinâmica cuja austeridade em nenhum momento sacrifica o humor do texto. Aliás, um dos maiores méritos da direção de Nunes é justamente o equilíbrio entre temas e emoções contrastantes, afora o fato de ter feito um trabalho primoroso junto ao elenco, cujo rendimento merece ser considerado irrepreensível e é um dos destaques desta brilhante empreitada.

Atriz de méritos incontestáveis, por razões insondáveis Ivone Hoffman quase sempre atuou como coadjuvante. Mas agora, tendo à disposição um personagem deslumbrante, a intérprete encontra campo para dar vazão a todo o seu potencial criativo. Está simplesmente irretocável na pele de Irene, conseguindo trazer à tona sua virulência, ternura e insanidade. Bianca Byington transmite toda sensualidade e tédio de Nádia, bancária que nada faz além de se entregar aos seus superiores. Marcos Breda comove como o homossexual Ney, enquanto Maria Adélia transmite a mediocridade inerente a uma dona-de-casa classe média. Angel Palomero exibe grande versatilidade e eficiência nos três papéis que interpreta.

Quanto à equipe técnica, a correção é a tônica. O cenário e figurinos de Rosa Magalhães atendem às exigências do texto e da montagem, mas não exibem nenhum trabalho de criação que mereça ser destacado. O mesmo pode ser dito da iluminação de Paulo César Medeiros, que poderia ter enfatizado de forma mais criativa os múltiplos climas propostos pelo autor e diretor. A trilha sonora de Andréa Zeni incorre em limitações parecidas com as verificadas na iluminação.

COMO DIRIA MONTAIGNE – Texto de Wilson Sayão. Direção de Luiz Arthur Nunes. Com Ivone Hoffman, Bianca Byington, Marcos Breda e outros. Teatro de Arena.

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