Teatro/CRÍTICA
“Pérola”
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Um
carinhoso mosaico afetivo
Lionel
Fischer
Na hipótese de que Mauro Rasi carecesse de outras
qualidades, pelo menos uma não lhe poderia ser negada: a fidelidade. A si mesmo
e às próprias recordações, de onde sempre extraiu a matéria-prima que lhe
permitiu criar uma obra da mais alta significação. Portanto, nada mais natural que
em “Pérola”, em cartaz no Teatro do Leblon, o dramaturgo tenha mais uma vez
empreendido uma devassa em sua memória a fim de trazer à tona personagens e
situações determinantes em sua vida. Dirigida pelo autor, a montagem tem elenco
formado por Vera Holtz, Anna Aguiar, Sergio Mamberti, Emílio de Mello, Sonia
Guedes e Edgar Amorim.
Ao eleger como protagonista sua própria mãe,
falecida recentemente, Rasi poderia apenas estar pretendendo homenagear uma
mulher de fascinante personalidade, que acreditava poder conciliar as prosaicas
exigências do dia-a-dia com um enredo hollywoodiano. E embora isto esteja
presente na peça, seu principal mérito reside na abordagem hilariante e terna
que o dramaturgo faz de seu universo familiar, de inegável potencial melodramático
e não raro operístico.
Exibindo uma estrutura narrativa semelhante à
utilizada por Tennesee Williams em “À margem da vida”, Rasi está em cena na
pele de Emílio, que participa da ação ao mesmo tempo em que a comenta – ou
seja, ele conta uma história para a platéia de acordo com sua ótica, que pode
ou não ser rigorosamente verdadeira. Mas a verossimilhança é o que menos
importa, pois o que está em causa não é uma mera descrição de fatos e sim a
impressão por eles causada, a forma como o autor os vivenciou e as
conseqüências que provocaram, estas sim determinantes na construção deste
emocionado e carinhoso mosaico afetivo.
Escrita com extraordinária competência, “Pérola”
cativa o espectador desde o início. Isto se deve a uma série de fatores, dentre
os quais posso destacar a vivacidade dos diálogos, as tiradas e observações
surpreendentes, o humor e ternura do autor em relação aos personagens mesmo
quando passíveis de críticas. Em resumo: uma peça admirável deste dramaturgo de
exceção que é Mauro Rasi, que consegue atingir o coração da platéia e
simultaneamente diverti-la, possibilitando a salutar convivência entre risos e
lágrimas.
A montagem se organiza de forma a impor um clima
cinematográfico às lembranças materializadas. Tudo sugere a realidade, mas ao
mesmo tempo a fantasia a deforma propositadamente, num constante oscilar de
inegável poder de sedução. À leveza e agilidade das marcações se somam a
progressiva transformação do ótimo cenário de Gringo Cardia, que acaba
convertendo o palco numa gigantesca piscina, de evidente caráter simbólico; a
luz de Maneco Quinderé, que banha a cena de luminosidades que remetem aos
filmes de Fellini; a trilha sonora de Marcos Ribas de Faria, que tem como eixo
central composições de Nino Rota e irresistíveis mambos, boleros e citações de
Roberto Carlos. E também aos figurinos de Beth Filipeck, impecáveis no retrato
da moda interiorana dos anos 1950.
Mas todo este acúmulo de competências se revelaria
vão se “Pérola” não contasse com um elenco capaz de valorizar ao máximo os excepcionais
personagens criados por Rasi. Felizmente, os profissionais escolhidos têm
desempenhos que demonstram, uma vez mais, a excelência de nossos atores. A
começar por Vera Holtz. Na pele da protagonista, a atriz está simplesmente
irretocável, conseguindo transmitir todas as facetas de uma personalidade que
combinava, em igual medida, sedução, despotismo, irritabilidade e desmedida
capacidade de sonhar.
Sergio Maberti também está excelente como Vado
(marido de Pérola), homem bonachão e emotivo, completamente apaixonado e
dominado pela mulher. Sonia Guedes
convence plenamente como a tia chantagista e invejosa, o mesmo podendo ser dito
de Emílio de Mello, que impõe ao narrador uma incrível diversidade de climas
emocionais. Anna Aguiar (irmã) e Edgar Amorim (cunhado) fazem um casal
hilariante em seu fanatismo evangélico.
PÉROLA
– Texto e direção de Mauro Rasi. Com Vera Holtz, Emílo de Mello, Sergio
Mamberti e outros.
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