Teatro/CRÍTICA
“Max”
...................................................................
Uma
atriz prodigiosa e inesquecível
Lionel
Fischer
Ao perceber que seu companheiro não conseguirá
sobreviver por muito tempo ao câncer que o devasta, Ella Gerrick toma a
seguinte decisão: tão logo o marido baixar à sepultura assumirá sua identidade
e o substituirá no trabalho que ele, apesar de suas precárias condições
físicas, ainda continua exercendo – o de operador de guindaste numa fábrica. As
razões que a levam a arquitetar o mirabolante plano podem ser resumidas ao
temor de se ver reduzida à miséria, sentimento comum a todos os alemães
obrigados a conviver com a violência, recessão e inflação galopante na Alemanha
pré-nazista.
Uma vez consumada sua metamorfose, Ella Gerrick
triunfa sobre a fome, mas em contrapartida sua personalidade vai sendo
progressiva e irremediavelmente esfacelada, num processo inexorável como o
câncer que vitimara seu marido, com a diferença de que, no seu caso, ao invés
da vida a personagem perde sua identidade. É este, em resumo, o enredo de
“Max”, de autoria do ator e diretor alemão Manfred Karge. Em cartaz no Teatro
Gláucio Gill, a montagem leva a assinatura de Val Folly e tem como única
intérprete a atriz paulista Walderez de Barros, que conquistou com esse
trabalho o Prêmio Molière de 1990.
Único texto teatral de Manfred Karge, “Max” se
estrutura a partir de um duplo absurdo. Em primeiro lugar, torna-se
rigorosamente impossível acreditar que uma mulher possa assumir a identidade do
marido sem jamais despertar a mínima suspeita, ainda que usando os ternos do
finado e copiando seu bigode. Outro fator que provoca assombro é a desenvoltura
com que a personagem, que até então se limitara às prendas do lar, opera o tal
guindaste, como se essa função pudesse ser exercida sem qualquer preparo
prévio.
Mas é possível que o autor tenha pretendido, em
última instância, criar uma metáfora da Alemanha atual, que após a queda do
muro de Berlim deveria assumir uma única identidade. Pode ser, mas ainda assim
os recursos de que se valeu, de tão estapafúrdios e arbitrários, diminuem
consideravelmente o impacto de denúncia pretendido.
Responsável por todos os aspectos concernentes à
encenação – cenografia, figurinos, iluminação e direção -, Val Folly,
recentemente falecido, criou uma cena propositadamente despojada, dando apenas
um especial destaque a uma poltrona que, dependendo das circunstâncias, é
utilizada como guindaste ou como máquina que a personagem manipula numa outra
fábrica.
O caráter grotesco e dramático das marcações é
bastante valorizado por uma iluminação que se estrutura em cima de efeitos de
luz e sombra, o que reforça a sensação de que a personagem vive imersa num
pesadelo do qual parece que jamais irá libertar-se. Outro aspecto positivo da
montagem é a precisão dos tempos rítmicos, fundamental quando se trata de um
monólogo.
Já detentora de dois outros prêmios Molière –
através de “Abajur lilás” e “Madame Blavatsky”, ambas de autoria de seu
ex-marido, o dramaturgo Plínio Marcos -, Walderez de Barros pertence ao seleto
rol de intérpretes capazes de conferir credibilidade até mesmo a personagens
pouco consistentes ou arbitrariamente estruturados, como é o caso desta Ella
Gewrrick. Possuidora de uma voz prodigiosa – cuja extensão chega a causar
espanto -, de uma expressividade corporal só raramente encontrada no teatro
brasileiro e também incapaz de qualquer concessão no sentido de facilitar a
tarefa do público no que concerne à apreensão das idéias e sentimentos que
procura materializar no palco, a atriz consegue transcender as limitações do
texto e valorizar ao máximo a sensível direção de Val Folly. Um trabalho
inesquecível, que o público carioca certamente haverá de prestigiar.
MAX
– Texto de Manfred Karge. Direção de Val Folly. Com Walderez de Barros. Teatro
Gláucio Gill.
Nenhum comentário:
Postar um comentário