Teatro/CRÍTICA
“Viagem a Forli”
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Os
fantasmas da juventude
Lionel
Fischer
Após “A cerimônia do adeus” (1987) e “A estrela do
lar” (1989), Mauro Rasi faz retornar à cena o personagem central das peças
anteriores, Juliano, só que em condições especialíssimas: em dose dupla. O
Juliano “real”, na faixa dos 40 anos, está viajando pela Europa com um casal de
meia-idade, e tem como objetivo pricipal ir até Forli, na Itália. Entretanto, o
Juliano jovem que renegava o Estado, a propriedade, a família, a igreja e todos
os valores inerentes à burguesia se agrega ao grupo, com o firme propósito de
impedir a si mesmo de converter-se em sua própria antítese – o Juliano
quarentão, dramaturgo bem- sucedido, sugere haver sepultado definitivamente o
rebelde que pretendia transformar o mundo através da revolução. É esta, em
resumo, a situação básica de “Viagem a Forli”, em cartaz no Teatro Copacabana ,
a partir da qual Rasi parte para uma profunda e comovente auto-análise e também
de toda uma geração que acreditou que maio de 68 seria o marco de uma nova era.
A “viagem” proposta por Rasi ocorre em vários
níveis. Há a viagem “real” – o grupo pretende de fato ir a Forli – mas esta é o
que menos importa, já que em sua maioria, os locais que vão sendo visitados
servem sobretudo como elementos disparadores de recordações e questionamentos.
Na realidade, a verdadeira viagem se dá no tempo e isto a própria encenação se
encarrega de reforçar, à medida que o charmoso DKW que conduz o grupo trafega
invariavelmente no sentido contrário ao movimento dos ponteiros do relógio. Os
dois Julianos não poderiam, obviamente, existir ao mesmo tempo. Fica claro,
portanto, que o que Rasi propõe é um embate entre forças diametralmente opostas
– e aparentemente inconciliáveis – que disputam o monopólio de uma
personalidade.
Uma tal proposta correria sério risco de conduzir a
uma avaliação maniqueísta da realidade: ou a pessoa é revolucionária,
inconformada e portanto disposta a trilhar caminhos distintos dos impostos pela
ordem e moral dominantes – e então estaria fadada ao fracasso - ou se enquadra
ao sistema e só assim teria alguma chance de obter sucesso. Mas Rasi evita a
armadilha ao demonstrar a possibilidade de convivência entre os opostos, ainda
que tal “acordo” só se torne viável às custas de um longo e doloroso processo
de amadurecimento, que aliás jamais se concluirá – os dois Julianos sempre
encontrarão motivos de sobra para exercitar suas divergências.
Dirigida pelo autor, a montagem que encerra a
trilogia possui um desenho cênico que tem como eixo principal a ótima proposta
cenográfica de Hélio Eichbauer, o carro, uma espécie de símbolo capaz de abrigar
múltiplos significados: para o enquadrado casal, ele é conforto, segurança,
quase que uma extensão da dupla; para os Julianos, a possibilidade de juntos
viajarem por um espaço e tempo que só circunstancialmente têm alguma relação
com as estradas vicinais que o outono e o inverno enfeitam com folhas secas ou
flocos de neve. Apoiado pela sensível iluminação de Cibele Forjaz, pelos
impecáveis figurinos de Kalma Murtinho e sobretudo pela ótima trilha sonora de
Marcos Ribas de Faria, que vai de Bach a Pink Floyd, Mauro Rasi conduz a
encenação de forma a valorizar ao máximo o conteúdo de sua reflexões, sendo tal
objetivo também logrado graças à excepcional performance do elenco.
Paulo Betti e Emílio de Mello exibem, salvo engano
de minha parte, os melhores desempenhos de suas carreiras. O primeiro, que
interpreta o Juliano quarentão, é absolutamente convincente tanto nos momentos
em que teoriza acerca de suas opções estéticas, intelectuais ou filosóficas
quanto naqueles em que, acossado pela nostalgia do passado, permite que todas
as suas inseguranças e dúvidas aflorem impregnadas de desespero. Emílio explora
às últimas conseqüências a complexidade do papel: é engraçadíssimo em sua
revolta algo adolescente e niilista e patético quando o personagem deixa
transparecer a tragédia do seu radicalismo. Nathalia Timberg confere a Vitória
um caráter simbólico: em sua confortadora bondade, gentileza e segurança, ela
chega até o público como uma espécie de materialização da grande mãe. Papel
dificílimo, feito de sutilezas e meios-tons, Vitória encontra em Nathalia sua
intérprete ideal. Quanto a Antonio Petrin, o autor paulista tem atuação segura,
embora seus momentos de humor soem um tanto falsos.
VIAGEM
A FORLI – Texto e direção de Mauro Rasi. Com Paulo Betti, Emílio de Mello,
Nathalia Timberg e Antonio Petrin.
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