Meyerhold
idéias e reflexões
Ator e diretor russo, Vsevolod Meyerhold (1874-1942) entrou para a história do teatro sobretudo por ter concebido uma nova, revolucionária e polêmica forma de encenação, que batizou de Construtivismo. Este consistia, basicamente, na negação de toda
tendência
figurativa, no emprego de materiais em estado bruto e
na busca de uma
arte antiestética, utilitária, em consonância com
a alma e o ideal
dos operários. O presente artigo exibe fragmentos
do livro O teatro de Meyerhold (tradução,
apresentação e organização
de Aldomar
Conrado. Editora Civilização Brasileira, 1969; coleção
Teatro de Hoje, direção de Dias Gomes)
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Perfeição
É
obtida quando o “por quê” e o “como” coincidem.
O bom ator
Diferencia-se
do mau porque no sábado não interpreta do mesmo modo que no domingo.
Espelho
O
ator deve possuir a virtude de ver-se mentalmente como num espelho. Em forma
embrionária, todos possuem esta propriedade. Mas no ator isto deve ser
desenvolvido.
Música no circo
Vocês
já pensaram por que tocam sempre música nos números acrobáticos do circo? Se me
responderem que é para manter um ar de festa, deram-me uma resposta
superficial. Os artistas de circo necessitam da música como apoio rítmico, como
ajuda para calcular o tempo. Seu trabalho baseia-se num cálculo sutilíssimo e o
menor desvio pode conduzir a uma catástrofe. Apoiado numa música bem conhecida,
o cálculo é infalível. Mas se a orquestra tocasse, de repente, uma música à
qual o acrobata não estivesse acostumado, isso ocasionaria sua morte.
Improviso
O
ator só é capaz de improvisar quando se sentir alegre interiormente. Fora da
atmosfera da alegria criadora, do júbilo artístico, o ator não se descobre
nunca em toda a sua plenitude.
Irritação
A
irritação do diretor paralisa imediatamente o ator, é tão inadmissível como o
silêncio. Quem não for capaz de sentir o olhar inquieto do ator não é, na
realidade, um diretor.
Encanto
No
Teatro Madeleine, em Paris, fiquei encantado com um ator e fui até o seu
camarim. Imaginem que, depois do espetáculo, por sinal complicadíssimo, ao
invés de estar descansando ele ensaiava uma cena que não lhe parecera boa!?.
Não era obrigado a isto; mas sentia a necessidade interior de fazê-lo. Entre
nós anda debilitada a inquietação profissional, deixamo-nos levar, não nos entusiasmamos
com as representações nem com os ensaios e vamos para eles com inércia, para
não usar uma palavra mais dura. Considero que nas nossas companhias a apatia é
o inimigo número um.
Estréia
O
trabalho do ator, em sua substância, começa depois da estréia. Eu afirmo que,
no dia da estréia, o espetáculo ainda não está pronto. Salvini afirmava que só
compreendera Othelo depois de 200 representações.Acho que os críticos só devem
nos julgar depois de 20 representações.
Só então os personagens encontrarão nos atores as ressonâncias que exigem.
Dostoiévski
Um
dramaturgo inato. Em suas novelas transluzem fragmentos de tragédias a serem
escritas.
Tchecov
Tinha
o hábito de escutar seu interlocutor e rir, de repente, em momentos que nada
tinham de cômicos. A pessoa, de início, estranhava. Somente depois compreendia
que, ao mesmo tempo em que ouvia seu relato, Tchecov o transformava
mentalmente, acentuava situações e completava-o extraindo as possibilidades
humorísticas, gozando-as. Escutava, pensava e imaginava com mais rapidez que
seus interlocutores. O trabalho paralelo de seu cérebro alimentava-se da
conversa, porém tornava-a muito mais impetuosa e convincente.
Críticos
Para
eles seria encantador que a maturação do artista se produzisse numa espécie de
laboratório, com as cortinas cerradas e as portas trancadas. Porém, crescemos,
amadurecemos, buscamos, enganamo-nos e encontramo-nos diante dos olhos de todos
e em colaboração com o espectador. Aos chefes militares mostra-se o sangue
derramado no campo de batalha. Mas o artista mostra seu próprio sangue...Além
do mais, o que é um equívoco? Do equívoco de hoje nasce, às vezes, o êxito de
amanhã.
Decisões
Em
minha vida tenho sentido, antes de cada novo sucesso, umas pausas trágicas,
cheias de reflexões e dúvidas, chegando às vezes ao limiar do desespero.
Somente duas decisões (e de enorme transcendência) adotei em minha vida sem
vacilar. A primeira: recusei, ao terminar meus estudos, duas propostas
lisonjeadoras e vantajosas de ricos diretores de teatro da província, para
trabalhar, com pequeno salário, no Teatro de Arte de Moscou, que então se
inaugurava. A segunda: lançar-me à Revolução quando percebi o significado de
Outubro.
Árvores
Quando
vocês vêem, no outono, uma árvore que perde as folhas, têm a impressão de que
ela morreu. Porém, não é verdade; apenas prepara-se para o reflorescimento
futuro. Não há árvores que floresçam todo o ano, nem artista que não atravesse
momentos de crise, de queda, de dúvidas. Mas, que diriam vocês de um jardineiro
que quisesse cortar, no outono, as árvores que perdem as folhas? Então não se
pode tratar os artistas com a mesma paciência e carinho com que tratamos as
árvores?
Aprendizado
Quando
assisto a espetáculos montados pelos mais jovens dos meus alunos, noto que me
perturbam as mudanças e as transições constantes. E me pergunto assustado: será
possível que tenham ensaiado isto? Mas logo me tranqüilizo: não! Isto é porque
a juventude e a inexperiência fazem-lhes exagerar os meus defeitos, os quais
assimilaram muito bem. E depois sinto o desejo de montar os espetáculos com
mais calma e mais domínio. Desta maneira aprendo com meus alunos.
Oscar Wilde
Gosto
dele, mas detesto as pessoas para as quais Oscar Wilde é o autor predileto.
Inexperiência
A
inexperiência de um diretor se nota, sobretudo, na pouca preocupação em dar
clareza à exposição da obra. Se não se faz a exposição com clareza absoluta, o
espectador não compreenderá nada.
Fracasso
Sempre
sei onde fracassei. Por exemplo, Pedido
de casamento, de Tchecov, foi uma experiência que o espectador não aceitou,
embora tivéssemos trabalhado nela com muito carinho. Mas avançamos os limites,
fomos muito rebuscados e assim perdemos o humor.
Obrigação
O
diretor tem obrigação de saber montar qualquer obra. Não pode parecer-se aos médicos
que se especializam somente em enfermidades infantis, venéreas ou em
otorrinolaringologia. O diretor que pretenda montar somente tragédias, sem
saber montar comédias ou esquetes, fracassará irremediavelmente, porque na
verdadeira arte sempre estão emparelhados o alto e o baixo, o triste e o
cômico, o luminoso e o obscuro.
Associações
Procurem
inspirar as associações de idéias. Trabalhem com elas. No teatro, eu não faço
mais do que me aproximar da compreensão da enorme força que têm as associações
de imagens. Aqui há um tesouro infinito de possibilidades.
Pressa
O
espectador que tem pressa é inimigo do teatro. Os remédios amargos nós os
tomamos de um só gole, mas em troca saboreamos lentamente um prato bem
preparado. É claro que não se deve abusar da paciência do espectador, mas
tampouco deve se satisfazer ao que tem pressa. Se o teatro não pode obrigar o
espectador a esquecer que tem pressa, terá esse teatro o direito de existir?
Postura
Estou
convencido de que o ator, ao adotar uma postura física acertada, pronuncia bem
o texto. Mas a eleição de um plano acertado é um ato consciente, um ato do
pensamento criador. Pode haver planos errôneos, aproximativos, fortuitos,
exatos etc. A gama para eleger-se é imensa. Mas, da mesma maneira que o
escritor busca a palavra exata, eu também busco o plano mais exato.
Caçadores
Os
críticos que me visaram pouco me atingiram. E não porque fossem poucos os
caçadores que dispararam, mas porque sou um alvo que se move muito depressa.
Individualidade
O
que o ator tem de mais precioso é a sua individualidade. É preciso que ela
brilhe através de cada uma de suas encarnações, por mais hábeis que sejam.
Houve um ator chamado Petróvski que possuía uma espantosa técnica de
metamorfose. Mas como não possuía personalidade, nunca se transformou num
grande ator.
Equívoco
Só
os maus diretores acreditam que as peças de Ibsen são calmas. Leiam com atenção
e verão que são tão movimentadas quanto as montanhas russas.
Vaudeville
Não
admite personagens desagradáveis. Mesmo o vilão tem um certo encanto. É uma lei
do gênero.
Grotesco
A
noção do “grotesco” não tem nada de misteriosa. Trata-se simplesmente de um estilo cênico que joga com contrastes
e não cessa de deslocar os planos de percepção. O nariz, de Gogol, por exemplo. Não pode haver, em arte, métodos
proibidos; existem somente métodos mal empregados.
Artista
A
vida de todo artista autêntico é sempre a de um homem constantemente dilacerado
pela insatisfação. Somente os amadores estão sempre satisfeitos e não se
atormentam. A vida de um artista tem a alegria de um só dia, quando ele coloca
a última pincelada na tela, e tem a dor de muitos outros dias, quando percebe
seus erros.
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