Alexandre amigo (e a todos os amigos do blog):
Meu e-mail é: lionelfischer54@hotmail.com
Abraços,
Lionel
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Respondendo a um comentário
Após a crítica de "Cândida", consta o seguinte comentário de pfmaterial_pt (não sei se seguidora ou seguidor dste blog):
"A tradução é da Bárbara Heliodora, vamos dar crédito a quem merece".
Pois bem: gostaria de esclarecer a quem fez o comentário que jamais me passaria pela cabeça retirar o crédito de quem merece, sobretudo em se tratando de Bárbara Heliodora, por sinal minha amiga. Infelizmente, porém, o nome de Zé Henrique de Paula consta do programa como reponsável não apenas pela direção, como também pela tradução. Se engano houve, não foi de minha parte.
Lionel Fischer
Após a crítica de "Cândida", consta o seguinte comentário de pfmaterial_pt (não sei se seguidora ou seguidor dste blog):
"A tradução é da Bárbara Heliodora, vamos dar crédito a quem merece".
Pois bem: gostaria de esclarecer a quem fez o comentário que jamais me passaria pela cabeça retirar o crédito de quem merece, sobretudo em se tratando de Bárbara Heliodora, por sinal minha amiga. Infelizmente, porém, o nome de Zé Henrique de Paula consta do programa como reponsável não apenas pela direção, como também pela tradução. Se engano houve, não foi de minha parte.
Lionel Fischer
Heiner Müller:
Um espinho no olho
Irene Brietzske
1.
Heiner Müller, 64 anos, alemão, dramaturgo e diretor de teatro. Figura instigante do mundo das artes cênicas. Feio, magro, míope, bebedor de whisky. No mínimo, o maior escritor vivo do teatro alemão. Talvez do mundo inteiro. Dono de uma obra poderosa, magistral e controvertida. Um nome que causa impacto cada vez que pronunciado. Uma espécie de vampiro, que suga o sangue do passado e retira dos clássicos a sua substância: Sófocles, Shakespeare, Kleist, Lessing, Laclos.
J.G. Ballard chamou Heiner Müller de "um canibal, comedor de clássicos, que ataca o coração da decadência cultural". Sua obra é uma desmontagem e uma desconstrução respeitosa da cultura ocidental. Em sua peça Quartett, uma releitura de Ligações perigosas, de Laclos, a certa altura o personagem Valmont diz: "Veja que nos restou conviver com o refugo dos nossos anos. Pirâmides de imundície. Até que alguém rebente a fita da linha de chegada".
O teatro de Heiner Müller é o do fim do milênio. Apocalíptico, arrasador, aniquilador. Ele toma por empréstimo personagens do passado da cultura ocidental e os expõe à luminosidade crua e cáustica do presente e do futuro. Acredita que nossa sociedade sofre de um defeito de canalização e afirma que uma das funções da arte hoje é a reciclagem dos mortos. "Para conhecê-los é preciso aspirá-los para em seguida extirpar suas partículas vivas".
As imagens de Heiner Müller são compactadas e se encravam como o osso fraturado transpassa a carne. São imagens-palavras que expõem o nervo ótico. "Um espinho no olho". (Heiner Müller sobre Pina Bausch).
2.
Heiner Müller nasceu em Eppendorf, na Saxônia, em 1929, de pai empregado, membro do Partido Socialista, e mãe operária da indústria têxtil. Em 1933 seu pai foi preso pelos nazistas e em 1941 enviado à França num batalhão disciplinar. Em 1944 Heiner Müller foi recrutado para serviços do Reich e em seguida passou três dias como prisioneiro dos americanos. Em 1951 foi viver em Berlim trabalhando como jornalista e colaborador do Sindicato dos Escritores.
Em 19556, ano da morte de Brecht, Heiner Müller publicou seus primeiros escritos breves, com o título A cruz de ferro. Em 1958 foi contratado como colaborador do Teatro Maximo Gorki, de Berlim. Sua mulher, Inge Müller, foi a grande colaboradora desta época. Em 1959 os dois receberam o prêmio "Heinrich Mann" pela peça Der Lohndrücker.
Em 1966 Inge se suicidou, marcando substancialmente a obra do marido, tornando-a mais amarga e niilista. Entre 1970 e 1976, Heiner Müller foi conselheiro artístico do Teatro Berliner Ensemble, em Berlim Oriental. Em 1971 a publicação de sua versão de Macbeth provocou um ataque veemente contra seu "pessimismo histórico" em toda a Alemanha Oriental.
Em 1975 viajou aos Estados Unidos e junto com Robert Wilson encenou sua peça Mauser em Austin, no Texas. Desde 1958 sua obra é encenada e publicada na Alemanha e desde 1969 no mundo inteiro. Em 1988, em Berlim Oriental, houve um grande festival de teatro e um colóquio internacional consagrados à sua obra.
3.
As principais peças de Heiner Müller são:
Der Lohndrücker (1957)
Filocteto (1958-64), baseada em Sófocles
Édipo Tirano (1965-66), baseada em Sófocles
Prometeu (1967-68), baseada em Ésquilo
Mauser (1970)
Germania Morte em Berlim (1971)
Macbeht (1971), baseada em Shakespeare
Hamletmachine (1978), baseada em Shakespeare
A missão (1978-9), baseada em Anna Seghers
Quartett (1980), baseada em Laclos
Medea-Material (1982), baseada em Eurípedes
Wolokolmsker Chaussée (1984)
Descrição de uma viagem (1984)
A ferida Woyzeck (1985), baseada em Büchner
4.
O teatro de Hainer Müller ultrapassou o drama. E esta é a grande ruptura do fim do século. O que ele escreve não pode mais ser chamado de "peça dramática", mas sim de "peça teatral". Foi rompida a barreira condicionante do texto convencional que conhecíamos até então. O texto dramático, com suas indicações, distribuição de falas, ambientação, conflitos, relação dramática explícita ou implícita, determinam a encenação, condicionam o diretor, oferecem-lhe uma liberdade vigiada. Müller, ao contrário, nos oferece um material aberto. Aliás, ele próprio prefere chamar suas peças de "materiais teatrais". E isto tem azucrinado os conservadores. Sentem-se perdidos frente à grande abertura que sua obra propõe.
O que às vezes acontece mundo afora com aqueles que trabalham com suas peças é que as pessoas buscam uma interpretação literária e não teatral de suas idéias. Consideram suas peças tomadas de posição e não um material aberto a partir do qual deverá se realizar a criação do espetáculo. A leitura da obra de Heiner Müller não é uma experiência ordinária. As peças são mutáveis, abertas e inexoráveis ao mesmo tempo. Variam os ângulos, mas para melhor atacar. Para desmascarar e aniquilar cada mentira.
Somos obrigados a desistir de "interpretar" suas peças. Para melhor encená-las é preciso encontrar a posição exata de se relacionar com o texto. Müller não recompõe as obras que reescreve. Ele as decompõe, corta e retalha como um cirurgião. Seu enfoque não é crítico, é cirúrgico. Quartett, por exemplo, é uma variação irônica sobre a visão pós-moderna do fim do mundo, inspirada na decadência aristocrática do século XVIII. Assim ele retorna a Sófocles, Shakespeare, Laclos e os incorpora à sua escritura. Talvez isto não seja extamente o retorno aos mortos, mas é incontestavelmente o retorno de alguma coisa.
5.
Em Descrição de uma imagem não há indicações cênicas, nenhuma ação, nenhum personagem ou papel, não há drama. A diferença entre texto dramático e texto teatral é um dado prévio indispensável à análise dos textos recentes de Heiner Müller. E este é um texto de 1984. Müller tem uma profunda admiração por dois encenadores contemporâneos: Pina Bausch e Robert Wilson. Com a primeira nunca trabalhou; com o segundo vem trabalhando desde 1975.
A influência estética de Wilson sobre os últimos textos de Heiner Müller é flagrante. A tentativa e aproximação do quadro animado: o teatro sem drama de Wilson corresponde à estética pós-dramática de Müller.
Em Descrição de uma viagem ele faz desaparecer as últimas concessões que vinha conferindo ao drama (monólogo, discurso dirigido, ação). Adotando o gênero descritivo, o autor descobriu uma possibilidade nova: não se trata de um monólogo face a uma imagem, mas de um encontro tenso e surpreendente entre um olhar e uma imagem.
O olhar vê e descreve uma paisagem "nem bem uma estepe, nem bem uma savana, o céu um azul-da-Prússia". A paisagem é repleta de imagens de mortos, esqueletos, carne podre, restos, signos de uma violência anterior. Um homem-caçador, um pássaro (abutre com cabeça de pavão) e uma mulhe que brota da terra, de uma tumba lamacenta, para encontrar o homem que vai assassiná-la para que ela possa ressuscitar, remorrer, ressuscitar. Mais uma vez Shakespeare: os mortos não são mortos e continuam a agir como "ressuscitados". Assim segue o erro histórico acumulado, os vivos caregando o fardo do erro crasso cometido no passado. Terão os sobreviventes consciência disso?
6.
Hoje Heinner Müller lamenta a queda do Muro de Berlim e o fim da antiga República Democrática Alemã e, por isso, tem sido muito criticado e atacado. Sempre achou que primeiramente deveria ter sido alcançada uma confederação entre os dois Estados alemães para, em seguida, através de uma transmissão lenta, chegar à reunificação.
Em 1992 lançou sua autobiografia Guerra sem batalhas: vida entre duas ditaduras, onde narra sua trajetória entre as ditaduras nazista e comunista. Atualmente está instalado em Bayreuth, uma pequena cidade bávara onde está encenando a ópera Tristão e Isolda, de Wagner. Casado pela quarta vez com a fotógrafa Brigitte Mayer, confessa-se fascinado com a experiência de ser pai, novamente, da menina Anna, de seis meses. Seu próximo trabalho teatral já está em elaboração. Será um texto cujos personagens principais são Hitler e Stalin, ainda sem título. A ação começará na Segunda Guerra e vai terminar com a queda do Muro de Berlim.
7.
Os críticos o chamam de "reinventor de Brecht" ou "especialista da escuridão". Ele diz que buscou e sempre buscará "um novo caminho". Hoje Heiner Müller é famoso no mundo inteiro pela linguagem arrebatada e brutal de suas peças, que chegam ao espectador como um soco no estômago. Suas peças falam sempre de sangue, sexo e morte e por sobre elas paira sua terrível definição: "O homem é o alimento dos cemitérios".
_________________________________
Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 136/1994
Um espinho no olho
Irene Brietzske
1.
Heiner Müller, 64 anos, alemão, dramaturgo e diretor de teatro. Figura instigante do mundo das artes cênicas. Feio, magro, míope, bebedor de whisky. No mínimo, o maior escritor vivo do teatro alemão. Talvez do mundo inteiro. Dono de uma obra poderosa, magistral e controvertida. Um nome que causa impacto cada vez que pronunciado. Uma espécie de vampiro, que suga o sangue do passado e retira dos clássicos a sua substância: Sófocles, Shakespeare, Kleist, Lessing, Laclos.
J.G. Ballard chamou Heiner Müller de "um canibal, comedor de clássicos, que ataca o coração da decadência cultural". Sua obra é uma desmontagem e uma desconstrução respeitosa da cultura ocidental. Em sua peça Quartett, uma releitura de Ligações perigosas, de Laclos, a certa altura o personagem Valmont diz: "Veja que nos restou conviver com o refugo dos nossos anos. Pirâmides de imundície. Até que alguém rebente a fita da linha de chegada".
O teatro de Heiner Müller é o do fim do milênio. Apocalíptico, arrasador, aniquilador. Ele toma por empréstimo personagens do passado da cultura ocidental e os expõe à luminosidade crua e cáustica do presente e do futuro. Acredita que nossa sociedade sofre de um defeito de canalização e afirma que uma das funções da arte hoje é a reciclagem dos mortos. "Para conhecê-los é preciso aspirá-los para em seguida extirpar suas partículas vivas".
As imagens de Heiner Müller são compactadas e se encravam como o osso fraturado transpassa a carne. São imagens-palavras que expõem o nervo ótico. "Um espinho no olho". (Heiner Müller sobre Pina Bausch).
2.
Heiner Müller nasceu em Eppendorf, na Saxônia, em 1929, de pai empregado, membro do Partido Socialista, e mãe operária da indústria têxtil. Em 1933 seu pai foi preso pelos nazistas e em 1941 enviado à França num batalhão disciplinar. Em 1944 Heiner Müller foi recrutado para serviços do Reich e em seguida passou três dias como prisioneiro dos americanos. Em 1951 foi viver em Berlim trabalhando como jornalista e colaborador do Sindicato dos Escritores.
Em 19556, ano da morte de Brecht, Heiner Müller publicou seus primeiros escritos breves, com o título A cruz de ferro. Em 1958 foi contratado como colaborador do Teatro Maximo Gorki, de Berlim. Sua mulher, Inge Müller, foi a grande colaboradora desta época. Em 1959 os dois receberam o prêmio "Heinrich Mann" pela peça Der Lohndrücker.
Em 1966 Inge se suicidou, marcando substancialmente a obra do marido, tornando-a mais amarga e niilista. Entre 1970 e 1976, Heiner Müller foi conselheiro artístico do Teatro Berliner Ensemble, em Berlim Oriental. Em 1971 a publicação de sua versão de Macbeth provocou um ataque veemente contra seu "pessimismo histórico" em toda a Alemanha Oriental.
Em 1975 viajou aos Estados Unidos e junto com Robert Wilson encenou sua peça Mauser em Austin, no Texas. Desde 1958 sua obra é encenada e publicada na Alemanha e desde 1969 no mundo inteiro. Em 1988, em Berlim Oriental, houve um grande festival de teatro e um colóquio internacional consagrados à sua obra.
3.
As principais peças de Heiner Müller são:
Der Lohndrücker (1957)
Filocteto (1958-64), baseada em Sófocles
Édipo Tirano (1965-66), baseada em Sófocles
Prometeu (1967-68), baseada em Ésquilo
Mauser (1970)
Germania Morte em Berlim (1971)
Macbeht (1971), baseada em Shakespeare
Hamletmachine (1978), baseada em Shakespeare
A missão (1978-9), baseada em Anna Seghers
Quartett (1980), baseada em Laclos
Medea-Material (1982), baseada em Eurípedes
Wolokolmsker Chaussée (1984)
Descrição de uma viagem (1984)
A ferida Woyzeck (1985), baseada em Büchner
4.
O teatro de Hainer Müller ultrapassou o drama. E esta é a grande ruptura do fim do século. O que ele escreve não pode mais ser chamado de "peça dramática", mas sim de "peça teatral". Foi rompida a barreira condicionante do texto convencional que conhecíamos até então. O texto dramático, com suas indicações, distribuição de falas, ambientação, conflitos, relação dramática explícita ou implícita, determinam a encenação, condicionam o diretor, oferecem-lhe uma liberdade vigiada. Müller, ao contrário, nos oferece um material aberto. Aliás, ele próprio prefere chamar suas peças de "materiais teatrais". E isto tem azucrinado os conservadores. Sentem-se perdidos frente à grande abertura que sua obra propõe.
O que às vezes acontece mundo afora com aqueles que trabalham com suas peças é que as pessoas buscam uma interpretação literária e não teatral de suas idéias. Consideram suas peças tomadas de posição e não um material aberto a partir do qual deverá se realizar a criação do espetáculo. A leitura da obra de Heiner Müller não é uma experiência ordinária. As peças são mutáveis, abertas e inexoráveis ao mesmo tempo. Variam os ângulos, mas para melhor atacar. Para desmascarar e aniquilar cada mentira.
Somos obrigados a desistir de "interpretar" suas peças. Para melhor encená-las é preciso encontrar a posição exata de se relacionar com o texto. Müller não recompõe as obras que reescreve. Ele as decompõe, corta e retalha como um cirurgião. Seu enfoque não é crítico, é cirúrgico. Quartett, por exemplo, é uma variação irônica sobre a visão pós-moderna do fim do mundo, inspirada na decadência aristocrática do século XVIII. Assim ele retorna a Sófocles, Shakespeare, Laclos e os incorpora à sua escritura. Talvez isto não seja extamente o retorno aos mortos, mas é incontestavelmente o retorno de alguma coisa.
5.
Em Descrição de uma imagem não há indicações cênicas, nenhuma ação, nenhum personagem ou papel, não há drama. A diferença entre texto dramático e texto teatral é um dado prévio indispensável à análise dos textos recentes de Heiner Müller. E este é um texto de 1984. Müller tem uma profunda admiração por dois encenadores contemporâneos: Pina Bausch e Robert Wilson. Com a primeira nunca trabalhou; com o segundo vem trabalhando desde 1975.
A influência estética de Wilson sobre os últimos textos de Heiner Müller é flagrante. A tentativa e aproximação do quadro animado: o teatro sem drama de Wilson corresponde à estética pós-dramática de Müller.
Em Descrição de uma viagem ele faz desaparecer as últimas concessões que vinha conferindo ao drama (monólogo, discurso dirigido, ação). Adotando o gênero descritivo, o autor descobriu uma possibilidade nova: não se trata de um monólogo face a uma imagem, mas de um encontro tenso e surpreendente entre um olhar e uma imagem.
O olhar vê e descreve uma paisagem "nem bem uma estepe, nem bem uma savana, o céu um azul-da-Prússia". A paisagem é repleta de imagens de mortos, esqueletos, carne podre, restos, signos de uma violência anterior. Um homem-caçador, um pássaro (abutre com cabeça de pavão) e uma mulhe que brota da terra, de uma tumba lamacenta, para encontrar o homem que vai assassiná-la para que ela possa ressuscitar, remorrer, ressuscitar. Mais uma vez Shakespeare: os mortos não são mortos e continuam a agir como "ressuscitados". Assim segue o erro histórico acumulado, os vivos caregando o fardo do erro crasso cometido no passado. Terão os sobreviventes consciência disso?
6.
Hoje Heinner Müller lamenta a queda do Muro de Berlim e o fim da antiga República Democrática Alemã e, por isso, tem sido muito criticado e atacado. Sempre achou que primeiramente deveria ter sido alcançada uma confederação entre os dois Estados alemães para, em seguida, através de uma transmissão lenta, chegar à reunificação.
Em 1992 lançou sua autobiografia Guerra sem batalhas: vida entre duas ditaduras, onde narra sua trajetória entre as ditaduras nazista e comunista. Atualmente está instalado em Bayreuth, uma pequena cidade bávara onde está encenando a ópera Tristão e Isolda, de Wagner. Casado pela quarta vez com a fotógrafa Brigitte Mayer, confessa-se fascinado com a experiência de ser pai, novamente, da menina Anna, de seis meses. Seu próximo trabalho teatral já está em elaboração. Será um texto cujos personagens principais são Hitler e Stalin, ainda sem título. A ação começará na Segunda Guerra e vai terminar com a queda do Muro de Berlim.
7.
Os críticos o chamam de "reinventor de Brecht" ou "especialista da escuridão". Ele diz que buscou e sempre buscará "um novo caminho". Hoje Heiner Müller é famoso no mundo inteiro pela linguagem arrebatada e brutal de suas peças, que chegam ao espectador como um soco no estômago. Suas peças falam sempre de sangue, sexo e morte e por sobre elas paira sua terrível definição: "O homem é o alimento dos cemitérios".
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 136/1994
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
SHAW, George Bernard
(1856-1950)
Autor dramático irlandês. Seguidor de Ibsen e de seu teatro, visava fundamentalmente desmascarar a hipocrisia, os tabus e as injustiças da sociedade burguesa. Shaw propôs um teatro moralista e polêmico. Morando em Londres desde os 20 anos, iniciou sua vida profissional como crítico de música e de teatro. Suas principais peças são:
A profissão da senhora Warren
Cândida
Homem e Super-homem
Major Bárbara
Androcles e o leão
Pigmaleão
Retorno a Matsulém
Santa Joana
Aproveitando a crítica postada hoje sobre o espetáculo "Candida", e a pedido de alguns queridos seguidores deste blog, aí seguem algumas frases célebres do imortal ensaísta e dramaturgo - algumas já estão inseridas no blog, mas não sei onde.
> O que realmente deixa um homem lisonjeado é o fato de você o considerar digno de adulação.
> A vida é oferecida a mim como a condição de comer bife, mas a morte é melhor que o canibalismo.
> Quando um homem quer matar um tigre, chama a isto desporto; quando é o tigre que quer matá-lo, chama a isso ferocidade. A distinção entre crime e justiça não é muito grande.
> Alguns homens vêem as coisas como são, e perguntam: "Por quê?". Eu sonho com coisas que nunca existiram e pergunto: "Por que não?"
> Muito cuidado com o homem que não devolve uma bofetada.
> O castigo do mentiroso, além de ninguém acreditar nele, é ele não poder mais acreditar nos outros.
> Presume-se que a mulher deve esperar, imóvel, até ser cortejada. Mais ou menos como a aranha espera a mosca.
> Patriotismo é a convicção de que nosso país é superior a todos os outros porque nascemos nele.
> Cuidado com o homem cujo Deus está no céu.
> Não faças aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti. Os seus gostos podem ser diferentes dos teus.
> Os capazes criam, os incapazes ensinam.
> Do modo como a concebemos, a vida em família não é mais natural para nós do que uma gaiola é natural para um papagaio.
> Não há satisfação em enforcar um homem que não faz objeção a isso.
> O pior pecado contra nosso semelhante não é o de odiá-lo, mas de ser indiferente para com ele.
> O fato de um crente ser mais feliz que um cético não é mais pertinente que o fato de um homem bêbado ser mais feliz que um sóbrio.
> Ao ler uma biografia, lembrai-vos que a verdade não se enquadra bem numa publicação.
> Todas as grandes verdades começaram por ser blasfêmias.
> De uma pequena tolice e uma enorme curiosidade resultam muitos casamentos.
> Ninguém ousará dizer o que pensa do casamento enquanto sua esposa existir.
> Ele não sabe nada e pensa que sabe tudo. Isso aponta claramente para uma carreira política.
> Idéias são como pulgas: saltam de uns para os outros, mas não mordem a todos.
> Gosto tanto da covalescença! É a parte que faz a doença valer a pena!
> Ficar jovem leva tempo.
(1856-1950)
Autor dramático irlandês. Seguidor de Ibsen e de seu teatro, visava fundamentalmente desmascarar a hipocrisia, os tabus e as injustiças da sociedade burguesa. Shaw propôs um teatro moralista e polêmico. Morando em Londres desde os 20 anos, iniciou sua vida profissional como crítico de música e de teatro. Suas principais peças são:
A profissão da senhora Warren
Cândida
Homem e Super-homem
Major Bárbara
Androcles e o leão
Pigmaleão
Retorno a Matsulém
Santa Joana
Aproveitando a crítica postada hoje sobre o espetáculo "Candida", e a pedido de alguns queridos seguidores deste blog, aí seguem algumas frases célebres do imortal ensaísta e dramaturgo - algumas já estão inseridas no blog, mas não sei onde.
> O que realmente deixa um homem lisonjeado é o fato de você o considerar digno de adulação.
> A vida é oferecida a mim como a condição de comer bife, mas a morte é melhor que o canibalismo.
> Quando um homem quer matar um tigre, chama a isto desporto; quando é o tigre que quer matá-lo, chama a isso ferocidade. A distinção entre crime e justiça não é muito grande.
> Alguns homens vêem as coisas como são, e perguntam: "Por quê?". Eu sonho com coisas que nunca existiram e pergunto: "Por que não?"
> Muito cuidado com o homem que não devolve uma bofetada.
> O castigo do mentiroso, além de ninguém acreditar nele, é ele não poder mais acreditar nos outros.
> Presume-se que a mulher deve esperar, imóvel, até ser cortejada. Mais ou menos como a aranha espera a mosca.
> Patriotismo é a convicção de que nosso país é superior a todos os outros porque nascemos nele.
> Cuidado com o homem cujo Deus está no céu.
> Não faças aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti. Os seus gostos podem ser diferentes dos teus.
> Os capazes criam, os incapazes ensinam.
> Do modo como a concebemos, a vida em família não é mais natural para nós do que uma gaiola é natural para um papagaio.
> Não há satisfação em enforcar um homem que não faz objeção a isso.
> O pior pecado contra nosso semelhante não é o de odiá-lo, mas de ser indiferente para com ele.
> O fato de um crente ser mais feliz que um cético não é mais pertinente que o fato de um homem bêbado ser mais feliz que um sóbrio.
> Ao ler uma biografia, lembrai-vos que a verdade não se enquadra bem numa publicação.
> Todas as grandes verdades começaram por ser blasfêmias.
> De uma pequena tolice e uma enorme curiosidade resultam muitos casamentos.
> Ninguém ousará dizer o que pensa do casamento enquanto sua esposa existir.
> Ele não sabe nada e pensa que sabe tudo. Isso aponta claramente para uma carreira política.
> Idéias são como pulgas: saltam de uns para os outros, mas não mordem a todos.
> Gosto tanto da covalescença! É a parte que faz a doença valer a pena!
> Ficar jovem leva tempo.
Teatro/CRÍTICA
"Cândida"
...................................
Amor, idéias e maçãs
Lionel Fischer
"Se você tem uma maçã e eu tenho uma maçã, e nós resolvermos trocar as maçãs, cada um continuará tendo uma maçã. Mas se você tem uma idéia e eu tenho uma idéia, e nós resolvermos trocar as idéias, cada um terá, ao final, duas idéias". A frase, extraída do programa, é obviamente de autoria de Bernard Shaw. E ali foi inserida pelo diretor Zé Henrique de Paula, conforme declara logo em seguida, para informar ao público que jamais um trabalho por ele dirigido foi tão debatido, discutido, tantas idéias foram trocadas entre todos os participantes. E nada mais aconselhável, posto que o teatro de Shaw é essencialmente um teatro de idéias - e aqui o debate se dá entre socialismo e capitalismo, a decadência da nobreza, a fé religiosa e o amor, dentre outros temas. E já que falamos em amor, voltemos às maçãs.
A protagonista Cândida se vê diante de um impasse. Devotada esposa do reverendo Morell, pastor anglicano de ideologia socialista, tem com ele uma relação serena, porém completamente isenta de paixão. O reverendo seria, metaforicamente, uma maçã verde é ácida. Ao mesmo tempo, encanta-se profundamente por um jovem poeta de 18 anos, com quem ela tem, segundo declara, "epifanias na relva". Marchbanks poderia, então, ser encarado com uma maçã vermelha e calorosa. Entretanto, o impasse acaba sendo solucionado de maneira previsível, como em geral ocorre em todas as épocas, salvo em raríssimas ocasiões.
Em cartaz no Tearo Municipal do Jockey, "Cândida" chega à cena com direção do já citado Zé Henrique de Paula e elenco formado por Bia Seidl (Cândida), Sergio Mastropasqua (Morell), Thiago Carreira (Marchbanks), João Bourbonnais (Sr. Burgess, capitalista insaciável e pai de Cândida), Fernanda Maia (Srta. Prosérpina, secretária do reverendo) e Thiago Ledier( reverendo Lexy Mill, assistente do pastor)
Como já foi dito, Bernard Shaw (1856-1950) estruturou sua obra teatral em cima de idéias, muito influenciado por Ibsen. E por tratar-se de um gênio, todos os pontos de vista que levanta são da maior pertinência, ainda que eventualmente polêmicos ou questionáveis. Ocorre, no entanto, que a extensão de seus textos é tamanha que, mesmo quando um tanto reduzidos, como no presente caso, seria preciso que o ritmo fosse um pouco menos acelerado, para que o espectador tivesse um mínimo de tranquilidade para apreender os conteúdos em jogo. E cumpre registrar que todo o elenco fala com absoluta clareza e perfeita compreensão do que está dizendo. Seja como for, certamente algumas idéias deverão ficar registradas na memória dos que comparecerem ao Teatro do Jokey.
Quanto ao espetáculo, Zé Henrique de Paula impõe à cena uma dinâmica austera e que sabiamente privilegia a palavra e as relações entre os personagens. Só não fica muita clara sua opção por determinadas marcas - evidentemente que fruto de uma decisão estudada -, que levam a reações corporais extremadas e que, em nosso entendimento, não se coadunam com o universo proposto pelo autor, ainda que tais marcas sejam executadas com precisão e convicção pelos intérpretes, que exibem atuações seguras e convincentes, só cabendo lamentar que o rendimento geral seria ainda melhor não fosse a excessiva velocidade da contracena.
Na equipe técnica, Zé Henrique de Paula assina ótima tradução, sendo corretos os figurinos e cenografia também de sua autoria, a mesma correção aplicando-se à direção musical e trilha sonora de Fernanda Maia, e à luz de Fran Barros. Só não entendemos a função desempenhada por Inês Aranha: preparação de atores. Mas preparação em que sentido? Vocal? Corporal? Ou será que coube a Inês ensaiar os atores, como está agora em voga no cinema nacional, com o diretor preocupando-se com outros aspectos da produção?
CÂNDIDA - Texto de Bernard Shaw. Direção de Zé Henrique de Paula. Realização do Núcleo Experimental. Teatro do Jokey. Sextas e sábado, 21h30. Domingo, 21h.
"Cândida"
...................................
Amor, idéias e maçãs
Lionel Fischer
"Se você tem uma maçã e eu tenho uma maçã, e nós resolvermos trocar as maçãs, cada um continuará tendo uma maçã. Mas se você tem uma idéia e eu tenho uma idéia, e nós resolvermos trocar as idéias, cada um terá, ao final, duas idéias". A frase, extraída do programa, é obviamente de autoria de Bernard Shaw. E ali foi inserida pelo diretor Zé Henrique de Paula, conforme declara logo em seguida, para informar ao público que jamais um trabalho por ele dirigido foi tão debatido, discutido, tantas idéias foram trocadas entre todos os participantes. E nada mais aconselhável, posto que o teatro de Shaw é essencialmente um teatro de idéias - e aqui o debate se dá entre socialismo e capitalismo, a decadência da nobreza, a fé religiosa e o amor, dentre outros temas. E já que falamos em amor, voltemos às maçãs.
A protagonista Cândida se vê diante de um impasse. Devotada esposa do reverendo Morell, pastor anglicano de ideologia socialista, tem com ele uma relação serena, porém completamente isenta de paixão. O reverendo seria, metaforicamente, uma maçã verde é ácida. Ao mesmo tempo, encanta-se profundamente por um jovem poeta de 18 anos, com quem ela tem, segundo declara, "epifanias na relva". Marchbanks poderia, então, ser encarado com uma maçã vermelha e calorosa. Entretanto, o impasse acaba sendo solucionado de maneira previsível, como em geral ocorre em todas as épocas, salvo em raríssimas ocasiões.
Em cartaz no Tearo Municipal do Jockey, "Cândida" chega à cena com direção do já citado Zé Henrique de Paula e elenco formado por Bia Seidl (Cândida), Sergio Mastropasqua (Morell), Thiago Carreira (Marchbanks), João Bourbonnais (Sr. Burgess, capitalista insaciável e pai de Cândida), Fernanda Maia (Srta. Prosérpina, secretária do reverendo) e Thiago Ledier( reverendo Lexy Mill, assistente do pastor)
Como já foi dito, Bernard Shaw (1856-1950) estruturou sua obra teatral em cima de idéias, muito influenciado por Ibsen. E por tratar-se de um gênio, todos os pontos de vista que levanta são da maior pertinência, ainda que eventualmente polêmicos ou questionáveis. Ocorre, no entanto, que a extensão de seus textos é tamanha que, mesmo quando um tanto reduzidos, como no presente caso, seria preciso que o ritmo fosse um pouco menos acelerado, para que o espectador tivesse um mínimo de tranquilidade para apreender os conteúdos em jogo. E cumpre registrar que todo o elenco fala com absoluta clareza e perfeita compreensão do que está dizendo. Seja como for, certamente algumas idéias deverão ficar registradas na memória dos que comparecerem ao Teatro do Jokey.
Quanto ao espetáculo, Zé Henrique de Paula impõe à cena uma dinâmica austera e que sabiamente privilegia a palavra e as relações entre os personagens. Só não fica muita clara sua opção por determinadas marcas - evidentemente que fruto de uma decisão estudada -, que levam a reações corporais extremadas e que, em nosso entendimento, não se coadunam com o universo proposto pelo autor, ainda que tais marcas sejam executadas com precisão e convicção pelos intérpretes, que exibem atuações seguras e convincentes, só cabendo lamentar que o rendimento geral seria ainda melhor não fosse a excessiva velocidade da contracena.
Na equipe técnica, Zé Henrique de Paula assina ótima tradução, sendo corretos os figurinos e cenografia também de sua autoria, a mesma correção aplicando-se à direção musical e trilha sonora de Fernanda Maia, e à luz de Fran Barros. Só não entendemos a função desempenhada por Inês Aranha: preparação de atores. Mas preparação em que sentido? Vocal? Corporal? Ou será que coube a Inês ensaiar os atores, como está agora em voga no cinema nacional, com o diretor preocupando-se com outros aspectos da produção?
CÂNDIDA - Texto de Bernard Shaw. Direção de Zé Henrique de Paula. Realização do Núcleo Experimental. Teatro do Jokey. Sextas e sábado, 21h30. Domingo, 21h.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
A claque
Virginia Valli
A claque é uma instituição tão estável que, quando se pensa que desapareceu, ressurge vitoriosa sob novas vestes: agora há a claque da televisão, que não precisa ter profissionais pagos como antigamente. Basta uma gravação de estrondosas palmas e gargalhadas para fazer crer ao tele-ouvinte que as piadas de nossos engraçadíssimos cômicos televisivos são mesmo engraçadíssimas. Os mais ingênuos chegam a supor que o auditório (que às vezes nem existe, pois tudo se passa em um acanhado estúdio) está repleto de fãs e fanzocas que aplaudem delirantemente o ídolo.
Como toda instituição gagá, a claque é uma instituição que resiste aos maiores esforços extirpatórios, pois suas raízes estão não só em hábitos seculares, maus por sinal, como na própria consciência das pessoas. Segundo Renzo Massarani, o diretor do Teatro Stabile de Gênova tentou dar um golpe mortal nos profissionais da claque retirando-lhes os ingressos gratuitos.
A razão da claque deve estar numa espécie de rivalidade e luta entre concorrentes de uma mesmo ramo dramático ou lírico que, por esse meio, tentariam retirar os fãs do adversário, fazendo crer através das palmas e gargalhadas que ele é mesmo o maior. E todo ator inseguro ou principiante, e vaidoso ainda por cima, deve ser um fator de claque, pois enche o teatro com parentes e amigos pedindo-lhes aplausos e outras manifestações de apoio à sua performance. São as ditas panelinhas que não são apenas de teatro, mas de todas as outras manifestações artísticas. Recursos ilícitos a que recorrem artistas desonestos e sem platéia que desejam fazer nome a qualquer preço.
A claque é uma verdadeira praga que vicia não só o ator como o público, pois as pessoas já riem, às vezes, à simples entrada ou esboço de gesto do cômico que se acostumou a pensar que é engraçado mesmo. Suas graças, porém, já são cacoetes rançosos, piadas da geração do balança-mas-não-cai e as platéias - ainda bem que se renovaram - não chegam a entender nada. O vazio se faz, então, em torno desses geniais cômicos da claque paga.
Plauto já denunciava a existência desses profissionais parasitas do teatro, chamados fautores. Fautor - segundo o dicionário - é aquele que favorece, promove ou determina. Quer dizer que as próprias empresas promotoras de espetáculos se tornam claques organizadas comercialmente, registradas e pagando impostos. Muitas vezes, os produtores, em seus anúncios nos jornais na seção de teatro, louvam prodigamente determinado espetáculo que todos viram e acharam uma bomba. E quando a peça passa de uma praça para outra, do Rio para São Paulo, por exemplo, acontece o pior. Lê-se o seguinte nos diários locais: "Tal peça...o maior sucesso de gargalhada do Rio de Janeiro no corrente ano".
É resignar-se...Os fautores são uma organização, e aquele que não pode pagar o seu preço faz um sucesso limitado em seus trabalho, pois não pode anunciar aos quatro ventos as mil e tantas gargalhadas da platéia. Segundo alguns autores, o próprio Nero contava com cinco mil fautores ou propagandistas das delícias de sua Roma, profissionais estes preparados tecnicamente por professores contratados em Alexandria.
Na Idade Média, as Sacras Representações, produtoras de espetáculos edificantes e moralistas, pagavam seus profissionais claqueurs em comida e bebidas. Molière, que fazia sucesso por si, sem necessitar de claque, não apreciava a classe...
Na Inglaterra, eles existiam e tinham as palmas das mãos duras feito pau. Dizem...E na Espanha, eram chamados mosqueteiros, pois seus aplausos soavam como tiros de mosquete.
Mas o apogeu da claque aconteceu na Itália. Nos aluguéis dos teatros estava incluída uma taxa adicional para os garzoni que ajudavam ruidosamente no sucesso de alguma empreitada, e esses profissionais adquiriram tal prestígio e poder que interrompiam espetáculos que não fossem aplaudidos por eles. Chegavam a dar palpites quanto à escolha do repertório lírico de alguns teatros.
Na França, a claque se desenvolveu a ponto de comportar diversas especializações: bisseurs (que pediam bis), pleureurs (que choravam), pateadores e outras, a tabela de preços variando conforme os tipos de claque pedidos pelo autor.
Também o Carnegie Hall, de Nova York, tem sua claque, paga em dólares conforme a vedete. Eddie Barclay teria pago milhares de dólares pelos aplausos da claque a Aznavour.
Por tudo isso - perdão! - concluímos que a claque não é uma instituição gagá, como pensávamos ao iniciar esta pesquisa. Viva a claque!
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 59/1973, edição já esgotada.
Virginia Valli
A claque é uma instituição tão estável que, quando se pensa que desapareceu, ressurge vitoriosa sob novas vestes: agora há a claque da televisão, que não precisa ter profissionais pagos como antigamente. Basta uma gravação de estrondosas palmas e gargalhadas para fazer crer ao tele-ouvinte que as piadas de nossos engraçadíssimos cômicos televisivos são mesmo engraçadíssimas. Os mais ingênuos chegam a supor que o auditório (que às vezes nem existe, pois tudo se passa em um acanhado estúdio) está repleto de fãs e fanzocas que aplaudem delirantemente o ídolo.
Como toda instituição gagá, a claque é uma instituição que resiste aos maiores esforços extirpatórios, pois suas raízes estão não só em hábitos seculares, maus por sinal, como na própria consciência das pessoas. Segundo Renzo Massarani, o diretor do Teatro Stabile de Gênova tentou dar um golpe mortal nos profissionais da claque retirando-lhes os ingressos gratuitos.
A razão da claque deve estar numa espécie de rivalidade e luta entre concorrentes de uma mesmo ramo dramático ou lírico que, por esse meio, tentariam retirar os fãs do adversário, fazendo crer através das palmas e gargalhadas que ele é mesmo o maior. E todo ator inseguro ou principiante, e vaidoso ainda por cima, deve ser um fator de claque, pois enche o teatro com parentes e amigos pedindo-lhes aplausos e outras manifestações de apoio à sua performance. São as ditas panelinhas que não são apenas de teatro, mas de todas as outras manifestações artísticas. Recursos ilícitos a que recorrem artistas desonestos e sem platéia que desejam fazer nome a qualquer preço.
A claque é uma verdadeira praga que vicia não só o ator como o público, pois as pessoas já riem, às vezes, à simples entrada ou esboço de gesto do cômico que se acostumou a pensar que é engraçado mesmo. Suas graças, porém, já são cacoetes rançosos, piadas da geração do balança-mas-não-cai e as platéias - ainda bem que se renovaram - não chegam a entender nada. O vazio se faz, então, em torno desses geniais cômicos da claque paga.
Plauto já denunciava a existência desses profissionais parasitas do teatro, chamados fautores. Fautor - segundo o dicionário - é aquele que favorece, promove ou determina. Quer dizer que as próprias empresas promotoras de espetáculos se tornam claques organizadas comercialmente, registradas e pagando impostos. Muitas vezes, os produtores, em seus anúncios nos jornais na seção de teatro, louvam prodigamente determinado espetáculo que todos viram e acharam uma bomba. E quando a peça passa de uma praça para outra, do Rio para São Paulo, por exemplo, acontece o pior. Lê-se o seguinte nos diários locais: "Tal peça...o maior sucesso de gargalhada do Rio de Janeiro no corrente ano".
É resignar-se...Os fautores são uma organização, e aquele que não pode pagar o seu preço faz um sucesso limitado em seus trabalho, pois não pode anunciar aos quatro ventos as mil e tantas gargalhadas da platéia. Segundo alguns autores, o próprio Nero contava com cinco mil fautores ou propagandistas das delícias de sua Roma, profissionais estes preparados tecnicamente por professores contratados em Alexandria.
Na Idade Média, as Sacras Representações, produtoras de espetáculos edificantes e moralistas, pagavam seus profissionais claqueurs em comida e bebidas. Molière, que fazia sucesso por si, sem necessitar de claque, não apreciava a classe...
Na Inglaterra, eles existiam e tinham as palmas das mãos duras feito pau. Dizem...E na Espanha, eram chamados mosqueteiros, pois seus aplausos soavam como tiros de mosquete.
Mas o apogeu da claque aconteceu na Itália. Nos aluguéis dos teatros estava incluída uma taxa adicional para os garzoni que ajudavam ruidosamente no sucesso de alguma empreitada, e esses profissionais adquiriram tal prestígio e poder que interrompiam espetáculos que não fossem aplaudidos por eles. Chegavam a dar palpites quanto à escolha do repertório lírico de alguns teatros.
Na França, a claque se desenvolveu a ponto de comportar diversas especializações: bisseurs (que pediam bis), pleureurs (que choravam), pateadores e outras, a tabela de preços variando conforme os tipos de claque pedidos pelo autor.
Também o Carnegie Hall, de Nova York, tem sua claque, paga em dólares conforme a vedete. Eddie Barclay teria pago milhares de dólares pelos aplausos da claque a Aznavour.
Por tudo isso - perdão! - concluímos que a claque não é uma instituição gagá, como pensávamos ao iniciar esta pesquisa. Viva a claque!
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 59/1973, edição já esgotada.
Estudo de um papel
Bertolt Brecht
1. O mundo do autor não é o único mundo. Há muitos autores. O ator não deve identificar totalmente o mundo com o mundo do autor. Deve fazer distinção entre seu mundo e o do autor, e deve acentuar a diferença. Isto influi sobre sua conduta em relação à estrutura da peça. A estrutura da obra é o mecanismo que determina o que deve ser causa e efeito, o que deve ser efeito de uma causa e assim sucessivamente. Essa maneira de desenvolver o enredo, enfatizando determinadas situações, revela os pontos de vista do autor a respeito do mundo, e o ator deve mostrar seu desacordo com esses pontos de vista.
2. Como o ator descobre os pontos de vista do autor, esses pontos de vista que constituem a base da engrenagem da obra? Descobre-os ao pesquisar aquilo que gera contradição. Porque nem todos os pontos de vista do autor merecem o desacordo do ator. Devem ser ponto de discussão apenas aqueles que revelam o interesse do autor pelo mundo real. O ator deve descobrir esse interesse partindo da estrutura da obra, e deve estabelecer a que interesses de grupos humanos se assemelha ou serve (porque somente esses interesses podem ser considerados importantes) e a que grupos se opõem. O ator deve identificar-se com os interesses de grandes grupos para representar bem o seu papel e esses interesses, como os do ator, estão apoiados por conceitos decisivos.
3. Ao mostrar o desacordo com o mundo do autor, o ator tem a possibilidade de assinalar os limites desse mundo, suas características, e demonstrar que é combatível. Sua atitude "géstica" é a que deve ser transmitida ao espectador.
4. Permite-se que o ator se mostre atônito diante da engrenagem da peça, mas também ante seu próprio personagem (o que ele deve representar) e até diante das palavras que deve pronunciar. Mostra, atônito, aquilo com que está familiarizado. Ao falar, contradiz o que está dizendo.
5. Para representar um personagem, o ator deve estar ligado a ele por interesses, e por interesses importantes, isto é, interesses que provoquem uma transformação do personagem. O personagem terá dois eus e um deles será o do ator. O ator, como tal, deve participar da educação (transformação planificada) de seu personagem, educação que estará a cargo dos espectadores. É ele que deve estimular o público. Ele próprio é um espectador e esse espectador é um personagem a mais que o ator deve esboçar; é o segundo personagem a desenvolver. Mas, para começar, como deve delinear o primeiro personagem?
6. O personagem surge como resultado de suas relações com outros personagens. Na arte dramática da velha escola, o ator criava o personagem e em seguida estabelecia suas relações com as demais figuras. Desse personagem inventado extraía em seguida os gestos e a forma de pronunciar as palavras. O personagem surgia da visão panorâmica da peça. O ator épico não se preocupa com o personagem. Parte do zero. Conduz todas as situações da maneira mais espontânea e pronuncia as orações umas depois das outras, mas como se cada uma delas fosse a última. Para encontrar o gestus - isto é, a atitude essencial que está subjacente em cada frase ou alocução - que apoia as frases, as mais vulgares, que não dizem exatamente o mesmo que diz o texto, mas que contêm o gestus...
7. Quando o ator, já no papel que lhe coube representar, explorou todas as relações que a obra propõe, pronunciou as frases com a maior espontaneidade que lhe seja possível e as acompanhou com os gestos mais apropriados a elas, ele terá recriado o mundo do autor. Cabe-lhe, então, estabelecer a diferença entre esse mundo e o seu próprio e pôr em destaque essa contradição. Agora, como se depara com as contradições mais importantes?
Em toda obra teatral há uma opção por uma determinada seleção de relações que cada personagem deve manter. Quando as situações foram criadas apenas para proporcionar ocasião para o brilho do personagem, já está evidenciado um critério de seleção das possíveis situações. O ator não tem que estar de inteiro acordo com essa seleção. Se tem que representar uma situação que mostre a coragem do herói, o ator pode acrescentar um matiz diferente daquele proposto pelo autor. Essa coragem - que o ator vai modelando através da exata realização dos gestos que correspondem à atitude mais lógica diante das frases postas em sua boca - pode adquirir outra acentuação, graças a uma cena muito breve de mímica, a um determinado gesto com o qual se subtrai algumas frases do texto, por exemplo, alguma que indique a crueldade do herói em relação ao seu criado.
Ao mesmo tempo que mostra a fidelidade de um personagem, pode mostrar sua ambição; pode conferir um traço de sabedoria ao egoísmo de outro; pode expor as limitações do amor à liberdade de um terceiro. Do mesmo modo, ao construir o personagem, vai criando os pontos de contradição de que ele necessita.
Se, ao contrário, o personagem fosse criado pelo autor para possibilitar uma situação, nunca faltarão outros personagens que dêem verossimilhança a essa situação. Os atos qualificados como atos de valor nem sempre são executados por pessoas corajosas e - ainda que o acontecimento não o exija - qualquer personagem requer, para ser verossímil, que se possam apresentar manifestações e atitudes que não foram provocadas por esse acontecimento particular.
Por exemplo, um determinado acontecimento só é verossímil quando um pobre faz determinada coisa; mas o pobre não se tornou pobre através desse acontecimento particular. Para ser pobre tem que ter feito outra coisa. O quê? Ter lutado contra a exploração ou se deixado explorar. Tem que haver se mostrado solidário ou então se negado a sê-lo. Ele participou de muitas situações, portanto, sua atitude tem que ser uma soma de elementos, muitos deles não necessários para conferir verossimilhança ao acontecimento em questão e algum que conspire contra essa verossimilhança. Desse modo é que se obtém o ponto de apoio importante para contradizer.
8. Ao desempenhar seu papel, o ator deveria seguir o exemplo dos técnicos ou dos condutores de veículos familiarizados com a máquina: tratam com brandura o motor, fazem as mudanças com agilidade e elegância, enquanto suas mandíbulas trituram com displicência a goma de mascar. Se o ator descobre que essa maneira de atuar (que de resto se aplica a marcar a ação, momento em que os movimentos apenas se esboçam e os tons são apenas insinuados) não o satisfaz ou não é eficiente, pode estar certo de que as idéias que fundamentam sua atuação carecem de significação ou são imprecisas. Em tal caso, sua entrega pessoal, sua identificação privada com o personagem, pode salvar o ator, mas nunca a cena.
A entrega pessoal, a utilização do temperamento como substituto põe quase sempre em perigo a estrutura intelectual da cena. Torna demasiado compreensível qualquer conduta e, portanto, descarta toda surpresa provocada por ela. Esta é a razão pela qual as peças modernas costumam encontrar ótimos intérpretes nos atores que não estão de acordo com a sua forma ou conteúdo e que consideram falsas todas as suas réplicas. Nas representações contemporâneas, muito poucas vezes são obtidos os efeitos tão freqüentes nos ensaios, quando os atores estão desanimados ou cansados.
9. O ator deve ser econômico no uso de sua fantasia. Avançando de fala em fala, explorando o personagem através das palavras que pronuncia e das que escuta ou recebe, recolhendo - cena por cena - configurações e contradições, assim ele constrói o pesonagem. Vai memorizando esse processo de lenta progressão, esse passo a passo, a fim de que, concluído o estudo, esteja em condições de reproduzir diante do espectador a evolução do personagem passo a passo. Esse passo a passo deve se aplicar não só às transformações que o personagem experimenta em virtude das situações e acontecimentos da trama, como da própria construção do personagem em toda a sua nudez, ante os olhos do espectador.
Esse processo paulatino de construir o personagem é melhor que o dedutivo; neste se começa dando uma rápida olhadela no papel e se cria uma imagem global do tipo a representar, para em seguida extrair do texto os dados e oportunidades que permitirão modelá-lo. Desperdiça-se, assim, muito material e a maior parte se adultera e debilita.
10. Apesar de tudo os atores preferem a forma dedutiva, sem dúvida porque antes de tudo lhes permite desde o primeiro ensaio se exibirem como atores, isto é, esse tipo de ator que consideram ideal e que sonham encarnar. Sim, sonham mais com o personificar esse ator do que o personagem concreto que lhes toca representar.
Quando a fantasia intervém desse modo, ela pode ser prejudicial. Já no processo indutivo e paulatino, ao contrário, seu emprego é indispensável. Ao estudar o papel, caminhando de fala em fala, ele apela constantemente para a fantasia. Todas as questões que se propõe ao construir o personagem devem orientar-se - com o auxílio da fantasia e da comprovação dos fatos - até a indagação e representação da figura como unidade concreta em evolução.
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 61/1974, edição já esgotada.
Bertolt Brecht
1. O mundo do autor não é o único mundo. Há muitos autores. O ator não deve identificar totalmente o mundo com o mundo do autor. Deve fazer distinção entre seu mundo e o do autor, e deve acentuar a diferença. Isto influi sobre sua conduta em relação à estrutura da peça. A estrutura da obra é o mecanismo que determina o que deve ser causa e efeito, o que deve ser efeito de uma causa e assim sucessivamente. Essa maneira de desenvolver o enredo, enfatizando determinadas situações, revela os pontos de vista do autor a respeito do mundo, e o ator deve mostrar seu desacordo com esses pontos de vista.
2. Como o ator descobre os pontos de vista do autor, esses pontos de vista que constituem a base da engrenagem da obra? Descobre-os ao pesquisar aquilo que gera contradição. Porque nem todos os pontos de vista do autor merecem o desacordo do ator. Devem ser ponto de discussão apenas aqueles que revelam o interesse do autor pelo mundo real. O ator deve descobrir esse interesse partindo da estrutura da obra, e deve estabelecer a que interesses de grupos humanos se assemelha ou serve (porque somente esses interesses podem ser considerados importantes) e a que grupos se opõem. O ator deve identificar-se com os interesses de grandes grupos para representar bem o seu papel e esses interesses, como os do ator, estão apoiados por conceitos decisivos.
3. Ao mostrar o desacordo com o mundo do autor, o ator tem a possibilidade de assinalar os limites desse mundo, suas características, e demonstrar que é combatível. Sua atitude "géstica" é a que deve ser transmitida ao espectador.
4. Permite-se que o ator se mostre atônito diante da engrenagem da peça, mas também ante seu próprio personagem (o que ele deve representar) e até diante das palavras que deve pronunciar. Mostra, atônito, aquilo com que está familiarizado. Ao falar, contradiz o que está dizendo.
5. Para representar um personagem, o ator deve estar ligado a ele por interesses, e por interesses importantes, isto é, interesses que provoquem uma transformação do personagem. O personagem terá dois eus e um deles será o do ator. O ator, como tal, deve participar da educação (transformação planificada) de seu personagem, educação que estará a cargo dos espectadores. É ele que deve estimular o público. Ele próprio é um espectador e esse espectador é um personagem a mais que o ator deve esboçar; é o segundo personagem a desenvolver. Mas, para começar, como deve delinear o primeiro personagem?
6. O personagem surge como resultado de suas relações com outros personagens. Na arte dramática da velha escola, o ator criava o personagem e em seguida estabelecia suas relações com as demais figuras. Desse personagem inventado extraía em seguida os gestos e a forma de pronunciar as palavras. O personagem surgia da visão panorâmica da peça. O ator épico não se preocupa com o personagem. Parte do zero. Conduz todas as situações da maneira mais espontânea e pronuncia as orações umas depois das outras, mas como se cada uma delas fosse a última. Para encontrar o gestus - isto é, a atitude essencial que está subjacente em cada frase ou alocução - que apoia as frases, as mais vulgares, que não dizem exatamente o mesmo que diz o texto, mas que contêm o gestus...
7. Quando o ator, já no papel que lhe coube representar, explorou todas as relações que a obra propõe, pronunciou as frases com a maior espontaneidade que lhe seja possível e as acompanhou com os gestos mais apropriados a elas, ele terá recriado o mundo do autor. Cabe-lhe, então, estabelecer a diferença entre esse mundo e o seu próprio e pôr em destaque essa contradição. Agora, como se depara com as contradições mais importantes?
Em toda obra teatral há uma opção por uma determinada seleção de relações que cada personagem deve manter. Quando as situações foram criadas apenas para proporcionar ocasião para o brilho do personagem, já está evidenciado um critério de seleção das possíveis situações. O ator não tem que estar de inteiro acordo com essa seleção. Se tem que representar uma situação que mostre a coragem do herói, o ator pode acrescentar um matiz diferente daquele proposto pelo autor. Essa coragem - que o ator vai modelando através da exata realização dos gestos que correspondem à atitude mais lógica diante das frases postas em sua boca - pode adquirir outra acentuação, graças a uma cena muito breve de mímica, a um determinado gesto com o qual se subtrai algumas frases do texto, por exemplo, alguma que indique a crueldade do herói em relação ao seu criado.
Ao mesmo tempo que mostra a fidelidade de um personagem, pode mostrar sua ambição; pode conferir um traço de sabedoria ao egoísmo de outro; pode expor as limitações do amor à liberdade de um terceiro. Do mesmo modo, ao construir o personagem, vai criando os pontos de contradição de que ele necessita.
Se, ao contrário, o personagem fosse criado pelo autor para possibilitar uma situação, nunca faltarão outros personagens que dêem verossimilhança a essa situação. Os atos qualificados como atos de valor nem sempre são executados por pessoas corajosas e - ainda que o acontecimento não o exija - qualquer personagem requer, para ser verossímil, que se possam apresentar manifestações e atitudes que não foram provocadas por esse acontecimento particular.
Por exemplo, um determinado acontecimento só é verossímil quando um pobre faz determinada coisa; mas o pobre não se tornou pobre através desse acontecimento particular. Para ser pobre tem que ter feito outra coisa. O quê? Ter lutado contra a exploração ou se deixado explorar. Tem que haver se mostrado solidário ou então se negado a sê-lo. Ele participou de muitas situações, portanto, sua atitude tem que ser uma soma de elementos, muitos deles não necessários para conferir verossimilhança ao acontecimento em questão e algum que conspire contra essa verossimilhança. Desse modo é que se obtém o ponto de apoio importante para contradizer.
8. Ao desempenhar seu papel, o ator deveria seguir o exemplo dos técnicos ou dos condutores de veículos familiarizados com a máquina: tratam com brandura o motor, fazem as mudanças com agilidade e elegância, enquanto suas mandíbulas trituram com displicência a goma de mascar. Se o ator descobre que essa maneira de atuar (que de resto se aplica a marcar a ação, momento em que os movimentos apenas se esboçam e os tons são apenas insinuados) não o satisfaz ou não é eficiente, pode estar certo de que as idéias que fundamentam sua atuação carecem de significação ou são imprecisas. Em tal caso, sua entrega pessoal, sua identificação privada com o personagem, pode salvar o ator, mas nunca a cena.
A entrega pessoal, a utilização do temperamento como substituto põe quase sempre em perigo a estrutura intelectual da cena. Torna demasiado compreensível qualquer conduta e, portanto, descarta toda surpresa provocada por ela. Esta é a razão pela qual as peças modernas costumam encontrar ótimos intérpretes nos atores que não estão de acordo com a sua forma ou conteúdo e que consideram falsas todas as suas réplicas. Nas representações contemporâneas, muito poucas vezes são obtidos os efeitos tão freqüentes nos ensaios, quando os atores estão desanimados ou cansados.
9. O ator deve ser econômico no uso de sua fantasia. Avançando de fala em fala, explorando o personagem através das palavras que pronuncia e das que escuta ou recebe, recolhendo - cena por cena - configurações e contradições, assim ele constrói o pesonagem. Vai memorizando esse processo de lenta progressão, esse passo a passo, a fim de que, concluído o estudo, esteja em condições de reproduzir diante do espectador a evolução do personagem passo a passo. Esse passo a passo deve se aplicar não só às transformações que o personagem experimenta em virtude das situações e acontecimentos da trama, como da própria construção do personagem em toda a sua nudez, ante os olhos do espectador.
Esse processo paulatino de construir o personagem é melhor que o dedutivo; neste se começa dando uma rápida olhadela no papel e se cria uma imagem global do tipo a representar, para em seguida extrair do texto os dados e oportunidades que permitirão modelá-lo. Desperdiça-se, assim, muito material e a maior parte se adultera e debilita.
10. Apesar de tudo os atores preferem a forma dedutiva, sem dúvida porque antes de tudo lhes permite desde o primeiro ensaio se exibirem como atores, isto é, esse tipo de ator que consideram ideal e que sonham encarnar. Sim, sonham mais com o personificar esse ator do que o personagem concreto que lhes toca representar.
Quando a fantasia intervém desse modo, ela pode ser prejudicial. Já no processo indutivo e paulatino, ao contrário, seu emprego é indispensável. Ao estudar o papel, caminhando de fala em fala, ele apela constantemente para a fantasia. Todas as questões que se propõe ao construir o personagem devem orientar-se - com o auxílio da fantasia e da comprovação dos fatos - até a indagação e representação da figura como unidade concreta em evolução.
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 61/1974, edição já esgotada.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
A expressão corporal
na Arte e na Vida (2)
Nelly Laport
A Expressão Corporal, desde os primórdios da vida do homem em sociedade, vem servindo a vários objetivos diferentes, conforme ela seja utilizada para as seguintes finalidades:
1) Comunicação - isto é, como forma de demonstrar estados anímicos, tais como raiva, medo, tristeza, alegria, amor etc.
Quando uma pessoa fecha a cara para alguém, vira o rosto, dá as costas, eis aí algumas expressões inequívocas de que esse alguém não é bem vindo. Pelo contrário, quando o olhar se ilumina, vem um sorriso espontâneo aos lábios e a mão se estende para a saudação, fica claro que o aparecimento dessa pessoa nos é agradável. É claro que, na vida social, muitas vezes é necessário agir de forma simulada abrindo-se em sorrisos para o inimigo e fingindo frieza ao bem amado. Mas estamos nos referindo às expressões autênticas e não à imitação para fins de prática social.
2) Cerimonial (Rito) - expressão destinada a conseguir benefícios para si mesmo ou para a comunidade, através da magia, de rituais.
Todos sabemos o que significa a Expressão Corporal para finalidades mágicas. Os rituais de saudação ao Ano Novo que se desenrolam nas praias e que são, anualmente, documentados em fotos, filmes e video-tapes, são exemplos típicos. Em outro plano, temos o ritual cristão do padre no mistério da missa e dos fiéis na adoração dos seus santos.
Alguns atos de nossa vida cotidiana, aliás, não passam de rituais herdados de cerimônias mágicas ancestrais. Por exemplo, os banquetes, os aniversários, as festas de casamento, as comemorações, em geral, guardam traços de antigos rituais. As pompas fúnebres copiam outras cerimônias que são comuns a todos os povos, em todos os tempos.
Inconscientemente acompanhamos em nossos atos de todos os dias a tradição que nos foi transmitida através dos tempos, de forma tal que dificilmente poderíamos distinguir aqueles gestos que são realmente espontâneos e criadores daqueles que são mera repetição de um ritual de nossa ancestralidade.
Aliás, o simbolismo da linguagem primitiva, tanto verbal como corporal, composta de símbolos arcaicos em forma de fantasias é considerado, pela psicanálise, um aspecto biologicamente hereditário da natureza humana, um legado da horda primitiva e do homem tribal. É esta linguagem ancestral simbólica que permite ao analista, antropólogo ou estudioso do folclore, a tradução e interpretação dos sonhos e outros supostos fenômenos do inconsciente.
Mais recentemente certas correntes da psicanálise e da psiquiatria têm criado certos tipos de técnica em que o corpo é tão usado quanto a mente para cura dos estados neuróticos. Trata-se das técnicas de grupo, denominadas sensitivity training e group encounter, que incluem psicodrama, maratonas e outras técnicas.
3) Distinção Social - incluímos aqui as forma de Expressão Corporal que denotam posição social, a autoridade, a especificidade da atuação do indivíduo dentro do grupo.
4) Arte como diversão - a Expressão Corporal exigida para atividades como dança, os esportes, o relacionamento para o gasto das energias supérfluas no lazer.
A festa é uma manifestação da necessidade de aliviar tensões provenientes do esforço cotidiano no trabalho, uma forma de modificar o comportamento rígido que se tem que observar no dia-a-dia, um encontro de pessoas com a finalidade de se divertirem, isto é, atuarem de uma maneira diferente daquela que as exigências diárias impõem.
Entre essas festas destaca-se o Carnaval, certamente a mais livre manifestação do lúdico. Sua origem parece ligar-se a certos ritos agrícolas de fases imemoriais da história do homem. Resistiu, transformou-se e persiste em seu caráter de expressão de tendências normalmente reprimidas. O Carnaval é uma festa em que a Expressão Corporal tende a se manifestar livremente e a liberar o indivíduo do seu status, do seu papel. A própria fantasia, forma de renunciar aos emblemas de sua posição social, vestindo um traje diverso do habitual, facilita essa liberação. Fantasias de cigana, odalisca, pirata, havaiana ou simplesmente um biquini, denotam o caráter de fantasia liberatória da personalidade comum do folião.
O jogo, o esporte, é outra forma de Expressão Corporal de caráter lúdico. Como dizia Huizinga em seu "Homo ludens", a primeira característica do jogo é o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. A segunda característica é que o jogo não é vida corrente nem vida real. Trata-se de uma evasão da vida real para uma esfera temporária de atividade com orientação própria.
5) Arte como Expressão Simbólica - a dança como expressão artística maior, o teatro e outras representações e a escultura.
A dança, uma das formas supremas da Expressão Corporal, parece ter sido a primeira das artes. Tudo leva a crer isto. Não apenas pelas evidências recolhidas pelos antropóloos e estudiosos dos costumes entre os chamados "primitivos contemporâneos", isto é, os povos selvagens ainda sobreviventes modernamente, como pela própria lógica dos fatos. É que a dança exige como instrumento de sua arte apenas o próprio corpo humano, matéria moldável às expressões requeridas para os gestos propiciatórios dos cultos. Tanto quanto se saiba, as artes nasceram em função de ritos propiciatórios, ligados à magia pela boa caça, pela boa colheita.
Posteriormente, a dança, como as outras formas de arte ligadas inicialmente aos cultos mágicos e religiosos, desprendeu-se desse contexto, tornou-se independente de um conteúdo sensual imediato e foi além da diversão mundana ou do passatempo social para tornar-se uma arte autônoma.
Como bem diz Paul Valéry: "A dança é, na minha opinião, muito mais do que um exercício, uma diversão, um ornamento, um passatempo social; ela é uma coisa séria e, sob certos aspectos, até uma coisa sagrada. Toda época que entendeu o corpo humano ou, ao menos, sentiu algo do mistério de sua estrutura, de seus recursos, de suas limitações, das combinações de energia e de sensibilidade que contém, cultivou e venerou a Dança".
Desde que por intermédio dos movimentos da dança cria-se a possibilidade de expressão de tensões emocionais, já é larga a utilização da dança como uma forma de psicoterapia, baseada nos seguintes princípios: os movimentos corporais são um meio fundamental de autoexpessão e um meio básico, primário, de comunicação. Muitas pessoas estão mais aptas à expressão dos conflitos emocionais através do movimento do que da verbalização. A dança oferece oportunidade para a expressão de emoções de uma forma sublimada e socialmente aceitável e pode servir como meio de relaxar tensões.
Em resumo, a dança representa a expressão do ser com os recursos do próprio corpo. Quem aspira a uma Expressão Corporal criativa não pode deixar de amar a dança, sua suprema realização. No que diz respeito à Expressão Corporal no teatro, gostaríamos de fazer ainda algumas observações que consideramos de interesse no que se relaciona aos gêneros teatrais.
Tragédia - a tragédia clássica, segundo Aristóteles, tem por objetivo "suscitar a compaixão e o terror, obter a purgação dessas emoções". Assim, por princípio, a tragédia é um acúmulo de tensões que somente obtêm sua descarga, seu afrouxamento, no final trágico de seu entrecho, com a morte de seu protagonista ou de seus protagonistas. E, dessa forma, suscitada a compaixão e o terror, a purgação dessas emoções se dá pelo que se chamava de "catarse", termo que passou do teatro para a psicanálise.
Como a tragédia clássica estava presa ainda às suas raízes religiosas, assim como o público a que se destinava também acreditava em seus fundamentos místicos, tais peculiaridades ajudam a tornar extremamente difícil encontrar a empostação adequada à representação dessas peças para platéias modernas. Não somente no que diz respeito à Expressão Corporal dos atores como na forma adequada de expressão das palavras. Por esta razão, algumas das principais tragédias clássicas têm sido adaptadas para representações atuais. Por vezes atualizando até mesmo a ação, como no caso de Antígona, adaptada por Anouil para trajes modernos, atualizando-se também sua significação política de luta contra a tirania.
Comédia - se a tragédia se caracteriza pela tensão, que se acumula para um final que suscita compaixão e terror, a comédia poderia ser caracterizada pela distensão. Não que aqui não haja, até certo momento, um acúmulo de tensões, embora que de outra categoria. Mas a comédia acumula tensões com a finalidade de distendê-las pelo riso. E o riso, segundo os fisiólogos, é uma descarga, um desprendimento de energia nervosa posta bruscamente em liberdade.
O perigo da Expressão Corporal na comédia é o da facilidade, da esteriotipia, da imitação fácil das características do tipo. Alguns atores populares conseguem enorme êxito junto a platéias menos exigentes, justamente pela exploração exagerada dos aspectos exteriores da comicidade. Em vez de comporem tipos eles apenas se preocupam em alcançar a caricatura. E acabam se transfomando, eles mesmos, em simples caricaturas. Seja qual for o papel que pretendam desempenhar eles não fazem mais do que repetir tiques que se tornaram marcas registradas de suas personalidades artísticas. A própria distensão da comédia exige uma seriedade e uma disciplina que é a dignidade da arte.
Drama - é a forma mais recente entre os gêneros teatrais. Embora tenha se desenvolvido a partir dos auto sacramentais e dramas litúrgicos medievais, ele adquiriu caráter próprio a partir do romantismo e alcançou seu desenvolvimento, na forma que perdura até hoje, com o realismo e o naturalismo, tendo como expressão máxima dessa nova dramaturgia o nome de Henrik Ibsen.
Para expressar esse novo estilo, esse novo gênero, era indispensável o aparecimento de uma nova técnica teatral, o que realmente aconteceu, quase que simultaneamente, na França com o Teatro Livre, fundado por Antoine, e na Rússia com o Teatro de Arte de Moscou, criado por Stanislavski.
A expressão requerida para levar à cena as peças de Ibsen ou de Tchecov deveria opor-se radicalmente às técnicas de representação em uso até então. Não se tratava mais de representar no sentido heróico em vigência, com as grandes tiradas à boca de cena, com os efeitos de voz, o declamatório, a gesticulação excessiva, a falta de naturalidade.
Para interpretar Tchecov, cuja peça, A gaivota, foi montada por Stanislavski, era mister viver o papel. É que o drama moderno abandonara os príncipes, os barões e os seres de exceção e passara a retratar a vida de outras camadas da população; desde a problemática social com Os tecelões, de Gerard Hauptmann, à intimidade dos lares dos estratos da alta e média burguesia, com Ibsen, e a análise psicológica dos contrastes sociais como em Senhorita Júlia, de Strindberg. Três correntes de um imenso repertório, ainda não esgotado em sua temática até hoje.
Mas se o que caracteriza a Tragédia é a tensão, cuja descarga final representa a purgação das emoções, através da catarse; e na Comédia a finalidade é a distensão, através do riso, o drama foge a essas características. É que no drama, o problema apresentado, mesmo que o desfecho seja violento ou trágico e o pano desça simbolizando o final, na verdade não teve solução. O drama continua e o espectador tem que carregá-lo consigo de volta à sua casa. A problemática do drama é o impasse, é a questão levantada e não respondida, é o desafio ao espectador para que ele colabore como ser humano, como parte de uma sociedade, na modificação de certos aspectos da realidade.
A tensão dramática não é solucionada pela catarse nem pela distensão jovial do riso. A solução para a tensão dramática é a catarse social. Para a obtenção da Expressão Corporal correspondente ao drama moderno, é que foram criados os métodos de Stanislavski, de Meyerhod, de Brecht e de Grotowski, dentre outros.
_________________________________________
Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 67/1975, edição já esgotada.
na Arte e na Vida (2)
Nelly Laport
A Expressão Corporal, desde os primórdios da vida do homem em sociedade, vem servindo a vários objetivos diferentes, conforme ela seja utilizada para as seguintes finalidades:
1) Comunicação - isto é, como forma de demonstrar estados anímicos, tais como raiva, medo, tristeza, alegria, amor etc.
Quando uma pessoa fecha a cara para alguém, vira o rosto, dá as costas, eis aí algumas expressões inequívocas de que esse alguém não é bem vindo. Pelo contrário, quando o olhar se ilumina, vem um sorriso espontâneo aos lábios e a mão se estende para a saudação, fica claro que o aparecimento dessa pessoa nos é agradável. É claro que, na vida social, muitas vezes é necessário agir de forma simulada abrindo-se em sorrisos para o inimigo e fingindo frieza ao bem amado. Mas estamos nos referindo às expressões autênticas e não à imitação para fins de prática social.
2) Cerimonial (Rito) - expressão destinada a conseguir benefícios para si mesmo ou para a comunidade, através da magia, de rituais.
Todos sabemos o que significa a Expressão Corporal para finalidades mágicas. Os rituais de saudação ao Ano Novo que se desenrolam nas praias e que são, anualmente, documentados em fotos, filmes e video-tapes, são exemplos típicos. Em outro plano, temos o ritual cristão do padre no mistério da missa e dos fiéis na adoração dos seus santos.
Alguns atos de nossa vida cotidiana, aliás, não passam de rituais herdados de cerimônias mágicas ancestrais. Por exemplo, os banquetes, os aniversários, as festas de casamento, as comemorações, em geral, guardam traços de antigos rituais. As pompas fúnebres copiam outras cerimônias que são comuns a todos os povos, em todos os tempos.
Inconscientemente acompanhamos em nossos atos de todos os dias a tradição que nos foi transmitida através dos tempos, de forma tal que dificilmente poderíamos distinguir aqueles gestos que são realmente espontâneos e criadores daqueles que são mera repetição de um ritual de nossa ancestralidade.
Aliás, o simbolismo da linguagem primitiva, tanto verbal como corporal, composta de símbolos arcaicos em forma de fantasias é considerado, pela psicanálise, um aspecto biologicamente hereditário da natureza humana, um legado da horda primitiva e do homem tribal. É esta linguagem ancestral simbólica que permite ao analista, antropólogo ou estudioso do folclore, a tradução e interpretação dos sonhos e outros supostos fenômenos do inconsciente.
Mais recentemente certas correntes da psicanálise e da psiquiatria têm criado certos tipos de técnica em que o corpo é tão usado quanto a mente para cura dos estados neuróticos. Trata-se das técnicas de grupo, denominadas sensitivity training e group encounter, que incluem psicodrama, maratonas e outras técnicas.
3) Distinção Social - incluímos aqui as forma de Expressão Corporal que denotam posição social, a autoridade, a especificidade da atuação do indivíduo dentro do grupo.
4) Arte como diversão - a Expressão Corporal exigida para atividades como dança, os esportes, o relacionamento para o gasto das energias supérfluas no lazer.
A festa é uma manifestação da necessidade de aliviar tensões provenientes do esforço cotidiano no trabalho, uma forma de modificar o comportamento rígido que se tem que observar no dia-a-dia, um encontro de pessoas com a finalidade de se divertirem, isto é, atuarem de uma maneira diferente daquela que as exigências diárias impõem.
Entre essas festas destaca-se o Carnaval, certamente a mais livre manifestação do lúdico. Sua origem parece ligar-se a certos ritos agrícolas de fases imemoriais da história do homem. Resistiu, transformou-se e persiste em seu caráter de expressão de tendências normalmente reprimidas. O Carnaval é uma festa em que a Expressão Corporal tende a se manifestar livremente e a liberar o indivíduo do seu status, do seu papel. A própria fantasia, forma de renunciar aos emblemas de sua posição social, vestindo um traje diverso do habitual, facilita essa liberação. Fantasias de cigana, odalisca, pirata, havaiana ou simplesmente um biquini, denotam o caráter de fantasia liberatória da personalidade comum do folião.
O jogo, o esporte, é outra forma de Expressão Corporal de caráter lúdico. Como dizia Huizinga em seu "Homo ludens", a primeira característica do jogo é o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. A segunda característica é que o jogo não é vida corrente nem vida real. Trata-se de uma evasão da vida real para uma esfera temporária de atividade com orientação própria.
5) Arte como Expressão Simbólica - a dança como expressão artística maior, o teatro e outras representações e a escultura.
A dança, uma das formas supremas da Expressão Corporal, parece ter sido a primeira das artes. Tudo leva a crer isto. Não apenas pelas evidências recolhidas pelos antropóloos e estudiosos dos costumes entre os chamados "primitivos contemporâneos", isto é, os povos selvagens ainda sobreviventes modernamente, como pela própria lógica dos fatos. É que a dança exige como instrumento de sua arte apenas o próprio corpo humano, matéria moldável às expressões requeridas para os gestos propiciatórios dos cultos. Tanto quanto se saiba, as artes nasceram em função de ritos propiciatórios, ligados à magia pela boa caça, pela boa colheita.
Posteriormente, a dança, como as outras formas de arte ligadas inicialmente aos cultos mágicos e religiosos, desprendeu-se desse contexto, tornou-se independente de um conteúdo sensual imediato e foi além da diversão mundana ou do passatempo social para tornar-se uma arte autônoma.
Como bem diz Paul Valéry: "A dança é, na minha opinião, muito mais do que um exercício, uma diversão, um ornamento, um passatempo social; ela é uma coisa séria e, sob certos aspectos, até uma coisa sagrada. Toda época que entendeu o corpo humano ou, ao menos, sentiu algo do mistério de sua estrutura, de seus recursos, de suas limitações, das combinações de energia e de sensibilidade que contém, cultivou e venerou a Dança".
Desde que por intermédio dos movimentos da dança cria-se a possibilidade de expressão de tensões emocionais, já é larga a utilização da dança como uma forma de psicoterapia, baseada nos seguintes princípios: os movimentos corporais são um meio fundamental de autoexpessão e um meio básico, primário, de comunicação. Muitas pessoas estão mais aptas à expressão dos conflitos emocionais através do movimento do que da verbalização. A dança oferece oportunidade para a expressão de emoções de uma forma sublimada e socialmente aceitável e pode servir como meio de relaxar tensões.
Em resumo, a dança representa a expressão do ser com os recursos do próprio corpo. Quem aspira a uma Expressão Corporal criativa não pode deixar de amar a dança, sua suprema realização. No que diz respeito à Expressão Corporal no teatro, gostaríamos de fazer ainda algumas observações que consideramos de interesse no que se relaciona aos gêneros teatrais.
Tragédia - a tragédia clássica, segundo Aristóteles, tem por objetivo "suscitar a compaixão e o terror, obter a purgação dessas emoções". Assim, por princípio, a tragédia é um acúmulo de tensões que somente obtêm sua descarga, seu afrouxamento, no final trágico de seu entrecho, com a morte de seu protagonista ou de seus protagonistas. E, dessa forma, suscitada a compaixão e o terror, a purgação dessas emoções se dá pelo que se chamava de "catarse", termo que passou do teatro para a psicanálise.
Como a tragédia clássica estava presa ainda às suas raízes religiosas, assim como o público a que se destinava também acreditava em seus fundamentos místicos, tais peculiaridades ajudam a tornar extremamente difícil encontrar a empostação adequada à representação dessas peças para platéias modernas. Não somente no que diz respeito à Expressão Corporal dos atores como na forma adequada de expressão das palavras. Por esta razão, algumas das principais tragédias clássicas têm sido adaptadas para representações atuais. Por vezes atualizando até mesmo a ação, como no caso de Antígona, adaptada por Anouil para trajes modernos, atualizando-se também sua significação política de luta contra a tirania.
Comédia - se a tragédia se caracteriza pela tensão, que se acumula para um final que suscita compaixão e terror, a comédia poderia ser caracterizada pela distensão. Não que aqui não haja, até certo momento, um acúmulo de tensões, embora que de outra categoria. Mas a comédia acumula tensões com a finalidade de distendê-las pelo riso. E o riso, segundo os fisiólogos, é uma descarga, um desprendimento de energia nervosa posta bruscamente em liberdade.
O perigo da Expressão Corporal na comédia é o da facilidade, da esteriotipia, da imitação fácil das características do tipo. Alguns atores populares conseguem enorme êxito junto a platéias menos exigentes, justamente pela exploração exagerada dos aspectos exteriores da comicidade. Em vez de comporem tipos eles apenas se preocupam em alcançar a caricatura. E acabam se transfomando, eles mesmos, em simples caricaturas. Seja qual for o papel que pretendam desempenhar eles não fazem mais do que repetir tiques que se tornaram marcas registradas de suas personalidades artísticas. A própria distensão da comédia exige uma seriedade e uma disciplina que é a dignidade da arte.
Drama - é a forma mais recente entre os gêneros teatrais. Embora tenha se desenvolvido a partir dos auto sacramentais e dramas litúrgicos medievais, ele adquiriu caráter próprio a partir do romantismo e alcançou seu desenvolvimento, na forma que perdura até hoje, com o realismo e o naturalismo, tendo como expressão máxima dessa nova dramaturgia o nome de Henrik Ibsen.
Para expressar esse novo estilo, esse novo gênero, era indispensável o aparecimento de uma nova técnica teatral, o que realmente aconteceu, quase que simultaneamente, na França com o Teatro Livre, fundado por Antoine, e na Rússia com o Teatro de Arte de Moscou, criado por Stanislavski.
A expressão requerida para levar à cena as peças de Ibsen ou de Tchecov deveria opor-se radicalmente às técnicas de representação em uso até então. Não se tratava mais de representar no sentido heróico em vigência, com as grandes tiradas à boca de cena, com os efeitos de voz, o declamatório, a gesticulação excessiva, a falta de naturalidade.
Para interpretar Tchecov, cuja peça, A gaivota, foi montada por Stanislavski, era mister viver o papel. É que o drama moderno abandonara os príncipes, os barões e os seres de exceção e passara a retratar a vida de outras camadas da população; desde a problemática social com Os tecelões, de Gerard Hauptmann, à intimidade dos lares dos estratos da alta e média burguesia, com Ibsen, e a análise psicológica dos contrastes sociais como em Senhorita Júlia, de Strindberg. Três correntes de um imenso repertório, ainda não esgotado em sua temática até hoje.
Mas se o que caracteriza a Tragédia é a tensão, cuja descarga final representa a purgação das emoções, através da catarse; e na Comédia a finalidade é a distensão, através do riso, o drama foge a essas características. É que no drama, o problema apresentado, mesmo que o desfecho seja violento ou trágico e o pano desça simbolizando o final, na verdade não teve solução. O drama continua e o espectador tem que carregá-lo consigo de volta à sua casa. A problemática do drama é o impasse, é a questão levantada e não respondida, é o desafio ao espectador para que ele colabore como ser humano, como parte de uma sociedade, na modificação de certos aspectos da realidade.
A tensão dramática não é solucionada pela catarse nem pela distensão jovial do riso. A solução para a tensão dramática é a catarse social. Para a obtenção da Expressão Corporal correspondente ao drama moderno, é que foram criados os métodos de Stanislavski, de Meyerhod, de Brecht e de Grotowski, dentre outros.
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 67/1975, edição já esgotada.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Teatro/CRÍTICA
"Adorável desgraçada"
...................................
Maravilhoso retorno
Lionel Fischer
No belíssimo programa criado por Marcella Garbo (também responsável pelas expressivas fotos), que também exibe ótimo texto de Izabel Aleixo, em dado momento lê-se a relação de personagens: Guta Mello Santos (de 40 a 50 anos. Tímida introvertida. Ingênua. Apagada e "pequena"), Maribel (melhor amiga de Guta. Extrovertida e interessante, segura), Silveirinha (bonito, distante, inatingível), Teresa (chefe de Guta e amiga de infância), Seu Simão (o porteiro do prédio de Guta), Padre e Casal de vizinhos. Pois bem: de posse do programa, um espectador desatento ou com poucas informações sobre o espetáculo poderia achar que o mesmo contaria com um elenco de oito intérpretes. Mas não: trata-se de um monólogo e em cena vemos apenas Débora Duarte, desdobrando-se nos vários papéis.
De autoria de Leilah Assumpção (Boca molhada de paixão calada, Fala baixo, senão eu grito e Intimidade indecente, dentre outros sucessos), que ora completa 40 anos de carreira, o monólogo teve sua primeira versão em São Paulo, em 1994, rendendo à autora o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), e agora volta à cena com direção de Otávio Müller, estando em cartaz no Centro Cultural Solar de Botafogo.
"O monólogo retrata a vida de uma mulher de meia idade, trancada no mundo criado por ela mesma e imposto pela sociedade, no qual oscila entre a loucura e a sanidade, o ódio e o amor, a depressão e a felicidade extrema, a ternura e a vingança. A personagem relembra a vida marcada pela repressão, em contraponto à figura da mulher dos dias de hoje, personificada pela amiga Maribel". Extraído do ótimo release que nos foi enviado, este trecho retrata com exatidão o enredo da peça, assim como explicita algumas das principais características da personalidade da protagonista, cabendo acrescentar sua extrema religiosidade. No entanto, o que mais nos fascinou no texto é forma como Leilah Assumpção trabalha o tema da inveja.
É óbvio que todos sentimos eventuais invejas, mas isto não constitui problema desde que as mesmas não se convertam em obsessão. No presente caso, a inveja de Guta com relação a Maribel invade o terreno da patologia, pois no fundo ela como que abdica de sua singularidade para tentar ser o outro, no caso, a outra, para tornar-se aquilo que não é e jamais será. E como tal tentativa atravessa toda uma vida, nada mais natural que aos poucos a personagem vá perdendo sua lucidez e concentrando no objeto de seu desejo sentimentos tão antagônicos, certamente responsáveis pelo trágico desfecho.
Bem escrito, repleto de reflexões mais do que pertinentes sobre a vida, a amizade, o amor e a solidão, dentre outros temas, o belíssimo, pungente e ao mesmo tempo muito engraçado texto de Leilah Assumpção recebeu irrepreensível versão cênica de Otávio Müller, que, sem abdicar de marcações diversificadas e expressivas, teve o bom senso de perceber o óbvio: a maior parcela de sucesso da montagem estaria atrelada à atuação da atriz. E Débora Duarte retorna aos palcos, após longa ausência, de forma esplendorosa.
Possuidodora de vastos recursos expressivos, carisma, presença e grande inteligência cênica, Débora Duarte convence em todos os momentos, tanto nos mais dramáticos como naqueles em que o humor predomina. Estamos diante de uma atriz completa, que aqui se entrega com coragem, paixão e ousadia à árdua tarefa de materializar na cena uma personalidae tão complexa. Aos amantes do teatro - e em particular da dificílima arte de representar - torna-se obrigatória uma ida ao Solar de Botafogo. Em caso contrário, se verão privados de testemunhar uma das mais emocionantes performances da atual temporada.
Na ficha técnica, destacamos com enorme entusiasmo a direção de arte, figurino e cenografia de Bia Lessa, em especial esta última, que converte o pequeno apartamento da protagonista numa espécie de extensão dela própria, de retrato de uma personalidade massacrada e claustrofóbica, aprisonada dentro de sua patologia. Lauro Escorel assina uma iluminação muito expressiva, que em muito contribui para ressaltar os múltiplos climas emocionais em jogo, sendo igualmente irretocável a trilha sonora de Dany Roland.
ADORÁVEL DESGRAÇADA - Texto de Leilah Assumpção. Direção de Otávio Müller. Com Débora Duarte. Centro Cultural Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h30.
"Adorável desgraçada"
...................................
Maravilhoso retorno
Lionel Fischer
No belíssimo programa criado por Marcella Garbo (também responsável pelas expressivas fotos), que também exibe ótimo texto de Izabel Aleixo, em dado momento lê-se a relação de personagens: Guta Mello Santos (de 40 a 50 anos. Tímida introvertida. Ingênua. Apagada e "pequena"), Maribel (melhor amiga de Guta. Extrovertida e interessante, segura), Silveirinha (bonito, distante, inatingível), Teresa (chefe de Guta e amiga de infância), Seu Simão (o porteiro do prédio de Guta), Padre e Casal de vizinhos. Pois bem: de posse do programa, um espectador desatento ou com poucas informações sobre o espetáculo poderia achar que o mesmo contaria com um elenco de oito intérpretes. Mas não: trata-se de um monólogo e em cena vemos apenas Débora Duarte, desdobrando-se nos vários papéis.
De autoria de Leilah Assumpção (Boca molhada de paixão calada, Fala baixo, senão eu grito e Intimidade indecente, dentre outros sucessos), que ora completa 40 anos de carreira, o monólogo teve sua primeira versão em São Paulo, em 1994, rendendo à autora o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), e agora volta à cena com direção de Otávio Müller, estando em cartaz no Centro Cultural Solar de Botafogo.
"O monólogo retrata a vida de uma mulher de meia idade, trancada no mundo criado por ela mesma e imposto pela sociedade, no qual oscila entre a loucura e a sanidade, o ódio e o amor, a depressão e a felicidade extrema, a ternura e a vingança. A personagem relembra a vida marcada pela repressão, em contraponto à figura da mulher dos dias de hoje, personificada pela amiga Maribel". Extraído do ótimo release que nos foi enviado, este trecho retrata com exatidão o enredo da peça, assim como explicita algumas das principais características da personalidade da protagonista, cabendo acrescentar sua extrema religiosidade. No entanto, o que mais nos fascinou no texto é forma como Leilah Assumpção trabalha o tema da inveja.
É óbvio que todos sentimos eventuais invejas, mas isto não constitui problema desde que as mesmas não se convertam em obsessão. No presente caso, a inveja de Guta com relação a Maribel invade o terreno da patologia, pois no fundo ela como que abdica de sua singularidade para tentar ser o outro, no caso, a outra, para tornar-se aquilo que não é e jamais será. E como tal tentativa atravessa toda uma vida, nada mais natural que aos poucos a personagem vá perdendo sua lucidez e concentrando no objeto de seu desejo sentimentos tão antagônicos, certamente responsáveis pelo trágico desfecho.
Bem escrito, repleto de reflexões mais do que pertinentes sobre a vida, a amizade, o amor e a solidão, dentre outros temas, o belíssimo, pungente e ao mesmo tempo muito engraçado texto de Leilah Assumpção recebeu irrepreensível versão cênica de Otávio Müller, que, sem abdicar de marcações diversificadas e expressivas, teve o bom senso de perceber o óbvio: a maior parcela de sucesso da montagem estaria atrelada à atuação da atriz. E Débora Duarte retorna aos palcos, após longa ausência, de forma esplendorosa.
Possuidodora de vastos recursos expressivos, carisma, presença e grande inteligência cênica, Débora Duarte convence em todos os momentos, tanto nos mais dramáticos como naqueles em que o humor predomina. Estamos diante de uma atriz completa, que aqui se entrega com coragem, paixão e ousadia à árdua tarefa de materializar na cena uma personalidae tão complexa. Aos amantes do teatro - e em particular da dificílima arte de representar - torna-se obrigatória uma ida ao Solar de Botafogo. Em caso contrário, se verão privados de testemunhar uma das mais emocionantes performances da atual temporada.
Na ficha técnica, destacamos com enorme entusiasmo a direção de arte, figurino e cenografia de Bia Lessa, em especial esta última, que converte o pequeno apartamento da protagonista numa espécie de extensão dela própria, de retrato de uma personalidade massacrada e claustrofóbica, aprisonada dentro de sua patologia. Lauro Escorel assina uma iluminação muito expressiva, que em muito contribui para ressaltar os múltiplos climas emocionais em jogo, sendo igualmente irretocável a trilha sonora de Dany Roland.
ADORÁVEL DESGRAÇADA - Texto de Leilah Assumpção. Direção de Otávio Müller. Com Débora Duarte. Centro Cultural Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h30.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Perdão pela pausa...
Lionel Fischer
Acho que devo uma explicação aos queridos seguidores deste blog. Desde sua criação, tenho aqui colocado no mínimo um artigo ou crítica todos os dias. Acontece, porém, que fiz um teste (como ator) para participar da novela "Viver a vida", do Manoel Carlos. Fui aprovado e comecei a gravar pra valer esta semana, na pele do Dr. Moretti - personagem super legal e que apareceu em todas as novelas do Maneco, assim como Helena. Desde então, tenho gravado em média 12 horas por dia e não me sobra mais tempo para nada. Mas a partir de agora as coisas vão se acalmar um pouco e aí retomo o ritmo habitual - assim espero.
No mais, espero que gostem de minha atuação. E caso não gostem, adoraria que me dissessem por quê, para que eu possa ao menos tentar corrigir possíveis defeitos.
Beijos em todos,
Lionel
Lionel Fischer
Acho que devo uma explicação aos queridos seguidores deste blog. Desde sua criação, tenho aqui colocado no mínimo um artigo ou crítica todos os dias. Acontece, porém, que fiz um teste (como ator) para participar da novela "Viver a vida", do Manoel Carlos. Fui aprovado e comecei a gravar pra valer esta semana, na pele do Dr. Moretti - personagem super legal e que apareceu em todas as novelas do Maneco, assim como Helena. Desde então, tenho gravado em média 12 horas por dia e não me sobra mais tempo para nada. Mas a partir de agora as coisas vão se acalmar um pouco e aí retomo o ritmo habitual - assim espero.
No mais, espero que gostem de minha atuação. E caso não gostem, adoraria que me dissessem por quê, para que eu possa ao menos tentar corrigir possíveis defeitos.
Beijos em todos,
Lionel
sábado, 7 de novembro de 2009
Iluminação
Alguns teóricos e suas idéias
Hamilton F. Saraiva
Bom profissional de iluminação deverá se interessar um pouco mais pelas teorias e idéias dos chamados teóricos, pelo menos os destes últimos dois séculos, dos quais enfocaremos os que se detiveram em observações notáveis para a iluminação. Não se trata aqui de elaborar um "receituário" de pretensões estéticas ou de uma condensação reducionista. Talvez esta linha deva funcionar como um "abridor de apetites" para a leitura de outras obras que tratam individualmente cada um deles, em profundidade.
Eu havia pensado em citá-los de outra forma, arrolando-os em grupos de ilusionistas e não ilusionistas, mesclando-os em experiências semelhantes ou destacando as antagônicas, comparando-os quando algo em comum se apresentasse para as idéias que expediam. Mas acabei desistindo, por achar que o entendimento se faria menos claro.
ANTOINE, André (1858-1943). Francês.
Sua teoria é a do Teatro Naturalista. Imaginou uma "quarta parede", colocando-a simbolicamente diante do palco, no lugar do pano de boca, através da qual o espectador iria surpreender a vida como se estivesse espiando por um buraco de fechadura. Antoine elimina as anti-naturais falas quilométricas e usa cenários e luzes realistas. Em 1885, ele cria em Paris o Théâtre Libre, no início da fase naturalista.
A pesquisa de Antoine é inseparável da introdução da eletricidade na prática teatral. Ele teve consciência imediata da utilidade da luz como meio de acentuar o efeito real e, tomando essa diretriz, revelou o potencial dessa nova ferramenta. A iluminação de Antoine não pretendia nada de subjetivo, não desejava criar clima emocional e as cores só eram usadas quando representavam as cores da realidade. Não havia setorizações, nem focos independentes e, muito menos, luzes de baixo para cima, anti-naturais, que eram as luzes da ribalta, usadas até aquela época.
APPIA, Adolphe (1862-1928). Suíço.
Foi cenógrafo, diretor e crítico de arte. Criador do cenário tridimensional, anti-realista, de jogos complexos de planos inclinados, que modificam o volume da cena e permitem grande flexibilidade de evoluções, em substituição ao cenário clássico de duas dimensões, o que conseguiu com o uso perfeito de trainéis e praticáveis. Appia jogava com a formas, as luzes e as sombras, como Craig viria a fazer mais tarde. Visava dar relevo à figura do ator porque o achava o principal elemento do teatro. Suprimiu a ribalta para o espectador se sentir incluído no espetáculo, inclusive com o movimento das luzes.
Appia queria um ritmo musical em cena e chegou a publicar Músicas da mise-en-scène. Em 1891, apresentou as obras de Wagner e, em 1895, escreveu A encenação do drama wagneriano, verdadeiro tratado das técnicas de iluminação cênica moderna, sendo considerado o grande mago da luz. Há uma afirmação da estética simbolista de Appia a respeito da luz: "Ela pode substituir o cenário; é o meio dinâmico da expressão emocional e é, no espaço, o que os sons são no tempo: expressão perfeita da vida".
O inglês Gordon Crag foi seu colaborador direto, absorvendo com propriedade as idéias do mestre. Dentro delas, alinhamos também o pensamento de Robert Edmond Jones (1887-1954), cenógrafo e diretor norte-americano que foi aluno de Reinhardt:
"Um texto é um organismo vivo e a luz faz parte dessa vida. Iluminar consiste não só em projetar luz sobre o objeto, mas, sobretudo, sobre o sujeito. Os objetos que se iluminam têm linhas, volumes, contornos e portanto correspondem à forma física do drama. O Subjeto (ou subtexto, se nos socorrermos em Stanislavski) que se ilumina é a própria essência, o espírito do drama. Iluminar-se os atores e a cena é necessário, mas precisamos também iluminar o próprio texto. revelá-lo. Usa-se a luz como se usam as palavras (e portanto ela adquire, como arte de duração, o relevo rítmico da música) para elucidar idéias e emoções. A luz torna-se elemento de expressão. A luz tem de ser lúcida".
Appia não chegou a conhecer os fantásticos recursos da técnica moderna de iluminação, mas previu-os, teorizando uma estética nova para uma nova luz, lembrando que na pintura não existe uma luz verdadeira. Para o grande teórico suíço, a cena poderia ser assim definida: "A cena é um espaço vazio e de dimensões arbitrárias. É mais ou menos iluminada. Os objetos que lá se colocam esperam uma luz que os torne visíveis. Esse espaço não está, portanto, senão em potência (latente) tanto para o espaço como para a a luz - eis dois elementos essensiais de nossa síntese, o espaço e a luz, que a cena contém em potência e por definição".
ARTAUD, Antonin (1896-1948). Francês.
"O espírito do texto sim, mas a sua letra não". Assim Artaud queria um texto: antiliterário, o espelho do inconsciente coletivo. Segundo ele, o espectador deveria ficar ofegante, sentir na pele, gritar, mas não por um texto produzir sentido ou mensagem. As sensações deveriam emergir do acontecimento teatral, sobretudo no Teatro da Crueldade, sendo o fato apoiado na direção. Artaud era adepto da teoria da catarse (envolvimento emocional). Ele exigia a substituição do palco por uma grande sala sem divisão entre público e atores, num mágico ritual de integração. Afirmava, em 1920, que "os equipamentos luminosos de hoje em uso nos teatros não bastam mais". De suas teorias, poderíamos dizer que, mais tarde, surgiu o que Grotowski denominou "encontro".
No seu Primeiro Manifesto sobre o Teatro da Crueldade, Artaud pede que, para o espetáculo ritualístico, haja um deslumbramento da luz; mudanças bruscas da iluminação e uma maior ação física da luz, que possa despertar calor e frio. No ítem A luz - As iluminações, Artaud especifica o que deseja: "Os aparelhos luminosos dos teatros não bastam mais. Como a ação particular da luz sobre o espírito passa a fazer parte do jogo dramático, novos efeitos e vibrações luminosas devem ser procurados, novos modos de difundir a iluminação em ondas, ou por camadas, ou uma fusilaria de flechas incendiárias. A gama colorida dos aparelhos em uso deve ser revista de cabo a rabo. A fim de produzir qualidade de tons particulares, deve-se reintroduzir na luz elementos de corpo, densidade, opacidade, com o objetivo de produzir calor, frio, raiva, medo etc.".
Qual seria esse equipamento, tão especial, requerido por Artaud? O laser atenderia em parte às suas pretensões ou haveria necessidade de uma luz estroboscópica em vibrações tais a provocar uma reação mediúnica especial? Ou seria a holografia? Assim como Artaud desejava que os atores dessem gritos sobre-humanos, talvez estivesse em suas cogitações uma luz que transcendesse a percepção normal do ser humano.
__________________________________
Artigo extraído - e aqui reduzido - da revista Cadernos de Teatro nº 152/1998.
Alguns teóricos e suas idéias
Hamilton F. Saraiva
Bom profissional de iluminação deverá se interessar um pouco mais pelas teorias e idéias dos chamados teóricos, pelo menos os destes últimos dois séculos, dos quais enfocaremos os que se detiveram em observações notáveis para a iluminação. Não se trata aqui de elaborar um "receituário" de pretensões estéticas ou de uma condensação reducionista. Talvez esta linha deva funcionar como um "abridor de apetites" para a leitura de outras obras que tratam individualmente cada um deles, em profundidade.
Eu havia pensado em citá-los de outra forma, arrolando-os em grupos de ilusionistas e não ilusionistas, mesclando-os em experiências semelhantes ou destacando as antagônicas, comparando-os quando algo em comum se apresentasse para as idéias que expediam. Mas acabei desistindo, por achar que o entendimento se faria menos claro.
ANTOINE, André (1858-1943). Francês.
Sua teoria é a do Teatro Naturalista. Imaginou uma "quarta parede", colocando-a simbolicamente diante do palco, no lugar do pano de boca, através da qual o espectador iria surpreender a vida como se estivesse espiando por um buraco de fechadura. Antoine elimina as anti-naturais falas quilométricas e usa cenários e luzes realistas. Em 1885, ele cria em Paris o Théâtre Libre, no início da fase naturalista.
A pesquisa de Antoine é inseparável da introdução da eletricidade na prática teatral. Ele teve consciência imediata da utilidade da luz como meio de acentuar o efeito real e, tomando essa diretriz, revelou o potencial dessa nova ferramenta. A iluminação de Antoine não pretendia nada de subjetivo, não desejava criar clima emocional e as cores só eram usadas quando representavam as cores da realidade. Não havia setorizações, nem focos independentes e, muito menos, luzes de baixo para cima, anti-naturais, que eram as luzes da ribalta, usadas até aquela época.
APPIA, Adolphe (1862-1928). Suíço.
Foi cenógrafo, diretor e crítico de arte. Criador do cenário tridimensional, anti-realista, de jogos complexos de planos inclinados, que modificam o volume da cena e permitem grande flexibilidade de evoluções, em substituição ao cenário clássico de duas dimensões, o que conseguiu com o uso perfeito de trainéis e praticáveis. Appia jogava com a formas, as luzes e as sombras, como Craig viria a fazer mais tarde. Visava dar relevo à figura do ator porque o achava o principal elemento do teatro. Suprimiu a ribalta para o espectador se sentir incluído no espetáculo, inclusive com o movimento das luzes.
Appia queria um ritmo musical em cena e chegou a publicar Músicas da mise-en-scène. Em 1891, apresentou as obras de Wagner e, em 1895, escreveu A encenação do drama wagneriano, verdadeiro tratado das técnicas de iluminação cênica moderna, sendo considerado o grande mago da luz. Há uma afirmação da estética simbolista de Appia a respeito da luz: "Ela pode substituir o cenário; é o meio dinâmico da expressão emocional e é, no espaço, o que os sons são no tempo: expressão perfeita da vida".
O inglês Gordon Crag foi seu colaborador direto, absorvendo com propriedade as idéias do mestre. Dentro delas, alinhamos também o pensamento de Robert Edmond Jones (1887-1954), cenógrafo e diretor norte-americano que foi aluno de Reinhardt:
"Um texto é um organismo vivo e a luz faz parte dessa vida. Iluminar consiste não só em projetar luz sobre o objeto, mas, sobretudo, sobre o sujeito. Os objetos que se iluminam têm linhas, volumes, contornos e portanto correspondem à forma física do drama. O Subjeto (ou subtexto, se nos socorrermos em Stanislavski) que se ilumina é a própria essência, o espírito do drama. Iluminar-se os atores e a cena é necessário, mas precisamos também iluminar o próprio texto. revelá-lo. Usa-se a luz como se usam as palavras (e portanto ela adquire, como arte de duração, o relevo rítmico da música) para elucidar idéias e emoções. A luz torna-se elemento de expressão. A luz tem de ser lúcida".
Appia não chegou a conhecer os fantásticos recursos da técnica moderna de iluminação, mas previu-os, teorizando uma estética nova para uma nova luz, lembrando que na pintura não existe uma luz verdadeira. Para o grande teórico suíço, a cena poderia ser assim definida: "A cena é um espaço vazio e de dimensões arbitrárias. É mais ou menos iluminada. Os objetos que lá se colocam esperam uma luz que os torne visíveis. Esse espaço não está, portanto, senão em potência (latente) tanto para o espaço como para a a luz - eis dois elementos essensiais de nossa síntese, o espaço e a luz, que a cena contém em potência e por definição".
ARTAUD, Antonin (1896-1948). Francês.
"O espírito do texto sim, mas a sua letra não". Assim Artaud queria um texto: antiliterário, o espelho do inconsciente coletivo. Segundo ele, o espectador deveria ficar ofegante, sentir na pele, gritar, mas não por um texto produzir sentido ou mensagem. As sensações deveriam emergir do acontecimento teatral, sobretudo no Teatro da Crueldade, sendo o fato apoiado na direção. Artaud era adepto da teoria da catarse (envolvimento emocional). Ele exigia a substituição do palco por uma grande sala sem divisão entre público e atores, num mágico ritual de integração. Afirmava, em 1920, que "os equipamentos luminosos de hoje em uso nos teatros não bastam mais". De suas teorias, poderíamos dizer que, mais tarde, surgiu o que Grotowski denominou "encontro".
No seu Primeiro Manifesto sobre o Teatro da Crueldade, Artaud pede que, para o espetáculo ritualístico, haja um deslumbramento da luz; mudanças bruscas da iluminação e uma maior ação física da luz, que possa despertar calor e frio. No ítem A luz - As iluminações, Artaud especifica o que deseja: "Os aparelhos luminosos dos teatros não bastam mais. Como a ação particular da luz sobre o espírito passa a fazer parte do jogo dramático, novos efeitos e vibrações luminosas devem ser procurados, novos modos de difundir a iluminação em ondas, ou por camadas, ou uma fusilaria de flechas incendiárias. A gama colorida dos aparelhos em uso deve ser revista de cabo a rabo. A fim de produzir qualidade de tons particulares, deve-se reintroduzir na luz elementos de corpo, densidade, opacidade, com o objetivo de produzir calor, frio, raiva, medo etc.".
Qual seria esse equipamento, tão especial, requerido por Artaud? O laser atenderia em parte às suas pretensões ou haveria necessidade de uma luz estroboscópica em vibrações tais a provocar uma reação mediúnica especial? Ou seria a holografia? Assim como Artaud desejava que os atores dessem gritos sobre-humanos, talvez estivesse em suas cogitações uma luz que transcendesse a percepção normal do ser humano.
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Artigo extraído - e aqui reduzido - da revista Cadernos de Teatro nº 152/1998.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
É preciso ser coerente!!!
Lionel Fischer
Como vocês sabem - queridos seguidores deste modesto blog - já inseri aqui diversos artigos sobre crítica teatral. Mas jamais falei em meu nome, o que passo a fazer agora, provavelmente motivado pela longa entrevista que concedi, ontem, a um jovem estudante cuja tese de mestrado aborda este tema. Mas não repetirei aqui o que disse ao tal jovem, apenas falarei brevemente sobre uma questão que considero essencial: a coerência.
Suponhamos, apenas como hipótese, que exista aqui (ou em qualquer outro lugar) um crítico (ou crítica) que escreva em um veículo de grande circulação.
Suponhamos que este crítico (ou crítica) cultive o hábito de "detonar" a maioria dos espetáculos que assiste, valendo-se de expressões ofensivas e inaceitáveis.
Suponhamos que ele (ela) não tenha a capacidade de renovar seu olhar sobre a cena.
Suponhamos que tenha se petrificado em conceitos completamente superados.
Suponhamos que saia de sua casa impregnado (a) de preconceitos ou ainda de referências que exige ver confirmadas na cena - se ele (ela) assistiu, por exemplo, a uma montagem que considera "definitiva" sobre um clássico, em geral encenada em algum país que não o nosso, passa a encarar como um "sacrilégio" qualquer outra visão da mesma peça, sem se dar conta de que seu olhar, seus sentimentos, sua possível inteligência e sensibilidade já se encontram há muito engessados.
Isto posto, cabe então a seguinte reflexão.
Se eu, enquanto artista ligado ao teatro, desprezo por completo a opinião deste crítico (ou crítica), por que será que quando ele (ela) escreve algo favorável à montagem de que estou participando, minha primeira providência é a de inserir no anúncio do jornal um trecho do que ele (ela) escreveu?
E mais: por que produzo com velocidade supersônica um banner, que coloco na entrada do teatro, contendo a tal crítica elogiosa do tal crítico ou crítica? Se ele (ela) e suas opiniões não me interessam, se realmente desprezo sua postura frente ao fenômeno teatral, então não deveria levar em conta nem os elogios nem as pauladas que recebo!?
Mas, como todos sabemos, as coisas não se passam exatamente assim...
Em minha opinião, falta coerência. E, sobretudo, coragem.
E para finalizar: nenhum crítico detém poder algum, por si mesmo.
Ele passa a deter algum poder na medida em que a ele o outorgamos.
Lionel Fischer
Como vocês sabem - queridos seguidores deste modesto blog - já inseri aqui diversos artigos sobre crítica teatral. Mas jamais falei em meu nome, o que passo a fazer agora, provavelmente motivado pela longa entrevista que concedi, ontem, a um jovem estudante cuja tese de mestrado aborda este tema. Mas não repetirei aqui o que disse ao tal jovem, apenas falarei brevemente sobre uma questão que considero essencial: a coerência.
Suponhamos, apenas como hipótese, que exista aqui (ou em qualquer outro lugar) um crítico (ou crítica) que escreva em um veículo de grande circulação.
Suponhamos que este crítico (ou crítica) cultive o hábito de "detonar" a maioria dos espetáculos que assiste, valendo-se de expressões ofensivas e inaceitáveis.
Suponhamos que ele (ela) não tenha a capacidade de renovar seu olhar sobre a cena.
Suponhamos que tenha se petrificado em conceitos completamente superados.
Suponhamos que saia de sua casa impregnado (a) de preconceitos ou ainda de referências que exige ver confirmadas na cena - se ele (ela) assistiu, por exemplo, a uma montagem que considera "definitiva" sobre um clássico, em geral encenada em algum país que não o nosso, passa a encarar como um "sacrilégio" qualquer outra visão da mesma peça, sem se dar conta de que seu olhar, seus sentimentos, sua possível inteligência e sensibilidade já se encontram há muito engessados.
Isto posto, cabe então a seguinte reflexão.
Se eu, enquanto artista ligado ao teatro, desprezo por completo a opinião deste crítico (ou crítica), por que será que quando ele (ela) escreve algo favorável à montagem de que estou participando, minha primeira providência é a de inserir no anúncio do jornal um trecho do que ele (ela) escreveu?
E mais: por que produzo com velocidade supersônica um banner, que coloco na entrada do teatro, contendo a tal crítica elogiosa do tal crítico ou crítica? Se ele (ela) e suas opiniões não me interessam, se realmente desprezo sua postura frente ao fenômeno teatral, então não deveria levar em conta nem os elogios nem as pauladas que recebo!?
Mas, como todos sabemos, as coisas não se passam exatamente assim...
Em minha opinião, falta coerência. E, sobretudo, coragem.
E para finalizar: nenhum crítico detém poder algum, por si mesmo.
Ele passa a deter algum poder na medida em que a ele o outorgamos.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Teatro/CRÍTICA
"A geração Trianon"
...............................................
Deliciosa comédia na Laura
Lionel Fischer
"O empresário de uma companhia teatral de sucesso se vê em apuros financeiros com uma bilheteria de somente 106 espectadores. Resolve então tirar a peça de cartaz e substituí-la em uma semana por uma outra, escrita dentro deste mesmo prazo, por um jovem autor ainda desconhecido. O texto relata com muito humor, através de uma peça dentro da peça, os desafios e peripécias necessários para levar a cabo esta estréia em que atores entrarão em cena sem mesmo ter lido sua última cena na peça". Este trecho, extraído do ótimo release que nos foi enviado, resume exatamente o que é A geração Trianon.
De autoria de Anamaria Nunes, que, com este texto, ganhou o Prêmio Shell de Melhor Autor em 1998, A geração Trianon é o atual cartaz da Casa de Cultura Laura Alvim. Luiz Antônio Pilar e Cristina Bethencourt assinam a direção do espetáculo, que tem elenco formado por Licurgo (Primeiro Ator), Marília Medina (Primeira Atriz), Marta Paret (Segunda Atriz), Rogério Barros (Segundo Ator), Marcio Vito (Mota), Rodolfo Mesquita (Aprígio), Tracy Segal (Isolda), Rubens Camelo (Empresário), Rael Barja (Avisador), Marcos Damigo (Ensaiador), Antônio Alves (Ponto), Julia Deccache (Mocinha), Alex Reis (Autor), André Rocha (Mestre Quintino) e Christian Bizotto (Pianista).
Encenada (brilhantemente) uma única vez no Rio de Janeiro - em termos profissionais - pelo Grupo Tapa, direção de Eduardo Wotzik, A geração Trianon é uma peça deliciosa, uma espécie de vaudeville alucinado que mostra tanto o caos dos bastidores de uma companhia teatral dos anos 20 como, mais adiante, o resultado dos atabalhoados ensaios. E os méritos do texto não se resumem ao retrato de uma época, mas também à maestria com que a autora estrutura a narrativa, repleta de situações hilariantes e personagens muito bem construídos.
Quanto à montagem, esta exibe, sem dúvida, muitos méritos. De uma maneira geral, as marcações são quase sempre divertidas e inventivas, e o vertiginoso ritmo está em total sintonia com o material dramatúrgico. Como ressalva à direção, acreditamos que no "primeiro ato" os atores poderiam falar em um tom um pouco mais baixo, sem com isso diminuir a aflição generalizada.
Com relação ao elenco, seria aqui impossível detalhar todos os desempenhos. Ainda assim, destacamos as performances de Licurgo, Marta Paret, Rogério Barros, Rubens Camelo, Rael Barja, Marcio Vito e Marcos Damigo, com os demais exibindo performances cuja tônica é a correção.
Na equipe técnica, José Dias assina uma cenografia irrepreensível, o mesmo aplicando-se aos figurinos de Ney Madeira, à luz de Paulo César Medeiros e à música de Alexandre Elias. Cumpre também destacar as importantes participações de Rose Gonçalves (preparação vocal) e Toni Rodrigues (preparação corporal).
A GERAÇÃO TRIANON - Texto de Anamaria Nunes. Direção de Luiz Antônio Pilar e Cristina Bethencourt. Com grande elenco. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
"A geração Trianon"
...............................................
Deliciosa comédia na Laura
Lionel Fischer
"O empresário de uma companhia teatral de sucesso se vê em apuros financeiros com uma bilheteria de somente 106 espectadores. Resolve então tirar a peça de cartaz e substituí-la em uma semana por uma outra, escrita dentro deste mesmo prazo, por um jovem autor ainda desconhecido. O texto relata com muito humor, através de uma peça dentro da peça, os desafios e peripécias necessários para levar a cabo esta estréia em que atores entrarão em cena sem mesmo ter lido sua última cena na peça". Este trecho, extraído do ótimo release que nos foi enviado, resume exatamente o que é A geração Trianon.
De autoria de Anamaria Nunes, que, com este texto, ganhou o Prêmio Shell de Melhor Autor em 1998, A geração Trianon é o atual cartaz da Casa de Cultura Laura Alvim. Luiz Antônio Pilar e Cristina Bethencourt assinam a direção do espetáculo, que tem elenco formado por Licurgo (Primeiro Ator), Marília Medina (Primeira Atriz), Marta Paret (Segunda Atriz), Rogério Barros (Segundo Ator), Marcio Vito (Mota), Rodolfo Mesquita (Aprígio), Tracy Segal (Isolda), Rubens Camelo (Empresário), Rael Barja (Avisador), Marcos Damigo (Ensaiador), Antônio Alves (Ponto), Julia Deccache (Mocinha), Alex Reis (Autor), André Rocha (Mestre Quintino) e Christian Bizotto (Pianista).
Encenada (brilhantemente) uma única vez no Rio de Janeiro - em termos profissionais - pelo Grupo Tapa, direção de Eduardo Wotzik, A geração Trianon é uma peça deliciosa, uma espécie de vaudeville alucinado que mostra tanto o caos dos bastidores de uma companhia teatral dos anos 20 como, mais adiante, o resultado dos atabalhoados ensaios. E os méritos do texto não se resumem ao retrato de uma época, mas também à maestria com que a autora estrutura a narrativa, repleta de situações hilariantes e personagens muito bem construídos.
Quanto à montagem, esta exibe, sem dúvida, muitos méritos. De uma maneira geral, as marcações são quase sempre divertidas e inventivas, e o vertiginoso ritmo está em total sintonia com o material dramatúrgico. Como ressalva à direção, acreditamos que no "primeiro ato" os atores poderiam falar em um tom um pouco mais baixo, sem com isso diminuir a aflição generalizada.
Com relação ao elenco, seria aqui impossível detalhar todos os desempenhos. Ainda assim, destacamos as performances de Licurgo, Marta Paret, Rogério Barros, Rubens Camelo, Rael Barja, Marcio Vito e Marcos Damigo, com os demais exibindo performances cuja tônica é a correção.
Na equipe técnica, José Dias assina uma cenografia irrepreensível, o mesmo aplicando-se aos figurinos de Ney Madeira, à luz de Paulo César Medeiros e à música de Alexandre Elias. Cumpre também destacar as importantes participações de Rose Gonçalves (preparação vocal) e Toni Rodrigues (preparação corporal).
A GERAÇÃO TRIANON - Texto de Anamaria Nunes. Direção de Luiz Antônio Pilar e Cristina Bethencourt. Com grande elenco. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
Teatro/CRÍTICA
"Kabul"
...............................................
Tragédia, lucidez e loucura
Lionel Fischer
Criada em 1988, a premiada Cia. Amok Teatro vem marcando forte presença na cena carioca, tanto pela excelência de seus espetáculos como pela pertinência dos temas abordados. Após estrear com Cartas de Rodez (1988), seguiram-se O carrasco (2001), Macbeth (2004), Savina (2006) e O dragão (2008). Este último inicia uma trilogia sobre o tema da guerra, que agora tem prosseguimento com Kabul, inspirado no livro As andorinhas de Cabul, do escritor argelino Yasmina Kadra, e num fato real: uma mulher coberta por uma burca azul, executada publicamente a pedradas no estádio de Cabul, em 1999.
Em cartaz no Espaço Sesc, Kabul chega à cena com direção, texto e concepção de Ana Teixeira e Stephane Brodt, estando o elenco formado por Brodt, Fabiana de Mello e Souza, Kely Brito e Marcus Pina, que dividem o palco com Beto Lemos, responsável pela criação e execução das músicas com instrumentos originais - santour, saz kumbuz, tombak, kamantché e daf.
Em termos de enredo, a peça nos mostra dois casais que vivem numa Cabul devastada pela guerra - Madji (Marcus Pina), comerciante que perdeu sua posição social -, Zunaira (Keli Brito), sua mulher, proibida de exercer sua profissão -, Tariq (Stephane Brodt), moudjahid mutilado que se tornou carcereiro em uma prisão feminina - e a esposa deste, Maryam (Fabiana de Mello e Souza), que padece de uma doença incurável. E os quatro personagens, inseridos em um contexto absolutamente trágico, ainda tentam encontrar alternativas que lhes permitam sobreviver com um mínimo de dignidade e alimentar algum tipo de esperança. No entanto, tudo se revela inútil, exceção feita ao momento final da peça - que evidentemente não explicitaremos - quando em meio às trevas emerge uma tênue luz, uma possibiliade de ao menos minimizar o que parecia irremediável.
Como todos sabemos, os horrores de uma guerra produzem sofrimentos indescritíveis, seja qual for o cenário em que ocorra. Portanto, me parece redundante explicitá-los. Mas o que me chamou mais atenção no espetáculo - e nem posso imaginar que tenha sido essa a motivação de seus realizadores - foi a de expor o contraste entre o masculino e o feminino. Mesmo numa sociedade dominada pelo fundamentalismo, em que as mulheres praticamente não passam de servas de seus maridos, ainda assim revelam-se mais fortes do que eles. Aqui todos padecem do mesmo horror, mas enquanto as mulheres ainda conservam sua lucidez, os homens enlouquecem. Não deixa de ser curioso este aparente paradoxo, mas foi justamente ele o que mais me fascinou no texto.
Quanto ao espetáculo, este exibe o habitual apuro técnico e a grande expressividade da Amok Teatro, tanto no que diz respeito ao texto articulado como aos gestos e movimentos. Mas as constantes trocas de cenário, executadas com precisão militar e que se resumem às residências dos casais - exceção feita à cena final, ambientada na já mencionada prisão - me geraram uma série de especulações. Sim, pois ao menos teoricamente, poderia ter sido encontrada uma solução que dispensasse tantas mudanças. Entretanto, como não cheguei a uma conclusão definitiva, ouso supor que a mecanicidade das trocas talvez possa ser encarada como uma metáfora de um regime tão fechado que nada mais permite além de uma obessiva compulsão à repetição dos mesmos rituais, aparentemente imutáveis, castradores e claustrofóbicos.
Com relação ao elenco, todos os atores exibem atuações notáveis, cabendo registrar não apenas a apurada técnica de cada um, mas também - e sobretudo - a paixão com que se entregam à amarga tarefa de materilizar temas, idéias e sentimentos tão dilacerantes. E o quinto personagem é sem dúvida a música, determinante para estabelecer e enfatizar os muitos climas emocionais em jogo - torna-se imperioso mencionar a inestimável participação de Beto Lemos, tanto na criação como na execução das músicas. A mesma excelência se faz presente nos trabalhos de toda a equipe técnica - Renato Machado (iluminação), Stephane Brodt (figurinos) e Ana Teixeira (cenografia).
KABUL - Texto, direção e concepção de Ana Teixeira e Stephane Brodt. Com a Cia. Amok Teatro. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.
"Kabul"
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Tragédia, lucidez e loucura
Lionel Fischer
Criada em 1988, a premiada Cia. Amok Teatro vem marcando forte presença na cena carioca, tanto pela excelência de seus espetáculos como pela pertinência dos temas abordados. Após estrear com Cartas de Rodez (1988), seguiram-se O carrasco (2001), Macbeth (2004), Savina (2006) e O dragão (2008). Este último inicia uma trilogia sobre o tema da guerra, que agora tem prosseguimento com Kabul, inspirado no livro As andorinhas de Cabul, do escritor argelino Yasmina Kadra, e num fato real: uma mulher coberta por uma burca azul, executada publicamente a pedradas no estádio de Cabul, em 1999.
Em cartaz no Espaço Sesc, Kabul chega à cena com direção, texto e concepção de Ana Teixeira e Stephane Brodt, estando o elenco formado por Brodt, Fabiana de Mello e Souza, Kely Brito e Marcus Pina, que dividem o palco com Beto Lemos, responsável pela criação e execução das músicas com instrumentos originais - santour, saz kumbuz, tombak, kamantché e daf.
Em termos de enredo, a peça nos mostra dois casais que vivem numa Cabul devastada pela guerra - Madji (Marcus Pina), comerciante que perdeu sua posição social -, Zunaira (Keli Brito), sua mulher, proibida de exercer sua profissão -, Tariq (Stephane Brodt), moudjahid mutilado que se tornou carcereiro em uma prisão feminina - e a esposa deste, Maryam (Fabiana de Mello e Souza), que padece de uma doença incurável. E os quatro personagens, inseridos em um contexto absolutamente trágico, ainda tentam encontrar alternativas que lhes permitam sobreviver com um mínimo de dignidade e alimentar algum tipo de esperança. No entanto, tudo se revela inútil, exceção feita ao momento final da peça - que evidentemente não explicitaremos - quando em meio às trevas emerge uma tênue luz, uma possibiliade de ao menos minimizar o que parecia irremediável.
Como todos sabemos, os horrores de uma guerra produzem sofrimentos indescritíveis, seja qual for o cenário em que ocorra. Portanto, me parece redundante explicitá-los. Mas o que me chamou mais atenção no espetáculo - e nem posso imaginar que tenha sido essa a motivação de seus realizadores - foi a de expor o contraste entre o masculino e o feminino. Mesmo numa sociedade dominada pelo fundamentalismo, em que as mulheres praticamente não passam de servas de seus maridos, ainda assim revelam-se mais fortes do que eles. Aqui todos padecem do mesmo horror, mas enquanto as mulheres ainda conservam sua lucidez, os homens enlouquecem. Não deixa de ser curioso este aparente paradoxo, mas foi justamente ele o que mais me fascinou no texto.
Quanto ao espetáculo, este exibe o habitual apuro técnico e a grande expressividade da Amok Teatro, tanto no que diz respeito ao texto articulado como aos gestos e movimentos. Mas as constantes trocas de cenário, executadas com precisão militar e que se resumem às residências dos casais - exceção feita à cena final, ambientada na já mencionada prisão - me geraram uma série de especulações. Sim, pois ao menos teoricamente, poderia ter sido encontrada uma solução que dispensasse tantas mudanças. Entretanto, como não cheguei a uma conclusão definitiva, ouso supor que a mecanicidade das trocas talvez possa ser encarada como uma metáfora de um regime tão fechado que nada mais permite além de uma obessiva compulsão à repetição dos mesmos rituais, aparentemente imutáveis, castradores e claustrofóbicos.
Com relação ao elenco, todos os atores exibem atuações notáveis, cabendo registrar não apenas a apurada técnica de cada um, mas também - e sobretudo - a paixão com que se entregam à amarga tarefa de materilizar temas, idéias e sentimentos tão dilacerantes. E o quinto personagem é sem dúvida a música, determinante para estabelecer e enfatizar os muitos climas emocionais em jogo - torna-se imperioso mencionar a inestimável participação de Beto Lemos, tanto na criação como na execução das músicas. A mesma excelência se faz presente nos trabalhos de toda a equipe técnica - Renato Machado (iluminação), Stephane Brodt (figurinos) e Ana Teixeira (cenografia).
KABUL - Texto, direção e concepção de Ana Teixeira e Stephane Brodt. Com a Cia. Amok Teatro. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.
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