segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Olá Amigos, 

em outubro, vou dar o curso TEATRO DE APRENDIZ, no MIDRASH. Serão 4 palestras sobre o Teatro Carioca (Um breve panorama dos recentes 40 anos). A primeira noite - os anos 70, a segunda - os 80, a terceira - os 90, a quarta – de 2000 até hoje. Ano que vem comemoro 4 décadas de “bons serviços” ao teatro, vou publicar um livro sobre esses tempos e estrear “O Almoxarifado” que trata de espetáculos verdadeiros e falsos que existiram nos nossos palcos. Esse curso no MIDRASH é o primeiro ato desse projeto. Vou palestrar sobre dramaturgia, encenação, interpretação, produção, comunicação e público. Naturalmente, do ponto de vista de um Aprendiz. Vou projetar vídeos e fotos, ler cenas de obras que foram importantes nas últimas temporadas; e, comigo vão estar Débora Bloch, Claudia Abreu, Patricia Pillar, Malu Mader, Patricya Travassos, Perfeito Fortuna e a banda Exército de Bebês. Simpatizem com o projeto, avisem aos amigos e apareçam!
                                                     Hamilton Vaz Pereira


 MIDRASH CENTRO CULTURAL apresenta
TEATRO DE APRENDIZ
Panorama De 40 Anos Do Teatro Carioca 1974 / 2014
Com  HAMILTON VAZ PEREIRA
Quartas 09 / 16 / 23 / 30 OUT -  20 h
Rua General Venâncio Flores 184 Leblon
T 22391800  - 22392222
secretaria@midrash.org.br
www.midrash.org.br 


Teatro/CRÍTICA

"Garagem"

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Texto excessivo minimiza ótima proposta


Lionel Fischer



"A peça conta a história de Juan, um advogado que perde tudo e se vê despejado, recém separado da esposa e seus dois filhos, sem lugar para morar, quando entre recibos antigos e certidões encontra uma escritura de uma vaga de garagem que adquiriu de uma senhora, sua vizinha, quando ainda tinha dois carros. Não pensa duas vezes. Recolhe os móveis que ficaram da mobília do quarto da empregada e se muda para lá".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Garagem", em cartaz no estacionamento G3 do Shopping Rio Sul. Gustavo Paso assina o texto e a direção, estando o elenco formado por Gustavo Falcão, Luciana Fávero, Eduardo Tornaghi, Luis Carlos Mièle, André Poyart, Nina Morena, Thalita Vaz, Thalita Lippi, Antonio Ysmael, Cecília Lage, Daí Bonfim, Dody, Eléa Mercúrio, Ericka Bayert, Felipe Miguel, Jaime Berenguer e Letícia Lobo.

Não resta dúvida de que Gustavo Paso teve uma excelente ideia ao centrar a ação numa garagem. No presente caso, por tratar-se efetivamente de uma garagem real, o que confere ao contexto um caráter ao mesmo tempo naturalista e inusitado. Mas o maior impacto fica por conta do simbolismo da escolha. Não se "mora" numa garagem. Se temos carro, evidentemente, por ela passamos para sair ou quando retornamos. Mas o protagonista vive ali e defende seu direito de ali permanecer, mesmo enfrentando a sarcástica oposição do síndico e a revolta de sua ex-mulher. Em contrapartida, conta com a simpatia dos moradores, com os quais estabelece relações divertidas e fraternas.

Estamos, portanto, diante de uma situação que, dentre muitas leituras possíveis, pode ser encarada como um ato de resistência de um homem arruinado, ex-alcoólatra, mas que ainda assim recusa-se a entregar os pontos e luta desesperadamente para fazer prevalecer os direitos que julga possuir. E se por um lado não enxerga um futuro promissor, por outro luta ferozmente por seu presente.

Como já dito, trata-se de uma excelente ideia. Mas esta acaba um tanto prejudicada por um texto excessivo e um excessivo número de personagens, muitos dos quais meramente episódicos e que em nada contribuem para um possível aprofundamento do tema central, que, em minha opinião, é a luta de um homem contra o sistema - afora outros temas também importantes, como o amor, a solidão, a ausência de perspectivas etc. Se ao invés de duas horas o espetáculo tivesse uns 30 minutos a menos, certamente seu impacto haveria de ser bem maior.

Ainda assim, "Garagem" possui passagens interessantes, alguns diálogos e personagens bem construídos e o espetáculo trabalha muito bem uma atmosfera que gera no espectador um apropriado clima de permanente ansiedade. Esta se deve, fundamentalmente, à total impossibilidade de se saber para onde irá a trama, que imprevistos podem acontecer, se a situação básica acabará mudando ou não e assim por diante.

Com relação ao elenco, torna-se literalmente impossível analisar todas as performances. Ainda assim, gostaria de destacar as atuações seguras e convincentes dos que defendem os papéis mais relevantes - Gustavo Falcão (Juan), Nina Morena (Lara, jovem alcoólatra), Luciana Fávero (Rosa, ex-mulher de Juan) e Eduardo Tornaghi (Sr. Avila, síndico do prédio). Quanto aos demais, todos extraem de seus personagens o melhor que eles permitem.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta curiosa e pertinente empreitada teatral - Teca Fichinski (figurinos), Fichinski e Paso (cenografia), Paulo Cesar Medeiros (iluminação) e Felipe Miguel e André Poyart (trilha sonora).

GARAGEM - Texto e direção de Gustavo Paso. Com Gustavo Falcão, Luciana Fávero e grande elenco. Estacionamento G3 do Shopping Rio Sul. Quarta a sábado, 21h. Domingo, 19h.  

    

sábado, 28 de setembro de 2013

13/09/2013 12h47 - Atualizado em 17/09/2013 20h31
Artigo: Paulo de Moraes fala sobre a trajetória da Armazém Cia de Teatro
Construindo uma lógica interna
Por Globo Teatro publicada em 09/04/2012

Em 2012, o Armazém Companhia de Teatro completa 25 anos de trabalho. Começamos em Londrina, no interior do Paraná, em 1987, e nos transferimos para o Rio de Janeiro no início de 1998. E é curioso como essas efemérides sempre nos levam a revisitar nosso baú de memórias. Se fosse contar a história do Armazém, como num livro de memórias, talvez um capítulo tivesse que falar sobre os encontros que definiram o nosso caminho. O encontro com a obra de Oswald de Andrade, com a encenação e os atores do grupo peruano/alemão La Otra Orilla, com a música de Arrigo Barnabé, com as HQs de Will Eisner, com Paulo Autran e suas histórias e percepção do trabalho do ator. 

Um outro capítulo ainda precisaria ser reservado para relatar as atividades paralelas que fizemos para conseguir manter o grupo: animação de festas, apresentações em shoppings, bares, supermercados,  espetáculos infantis, espetáculos sobre literatura em escolas, organização de shows, desfiles de moda ou festas de fim de ano em nossos espaços. Tudo para conseguir manter acesa a possibilidade de viver do ofício. 

Mais de um capítulo teria que ser escrito sobre as viagens intermináveis pelo interior de Paraná e São Paulo, quase sempre em micro-ônibus fretados caindo aos pedaços, ou todo mundo apertado dentro de um ou dois carros viajando de volta pra casa depois das apresentações pra economizar com hotel, ou ainda quando voltamos de uma apresentação em Piracicaba (depois de um final de semana apresentando dois espetáculos, sem nenhum dinheiro no bolso), numa pequena caminhonete Fiat, com três de nós na boleia e mais três deitados junto com o cenário na carroceria, mortos de medo de uma blitz policial. 

Houve alguns momentos em que pareceu absoluta insanidade a determinação, que alguns de nós tínhamos, de fazer daquele grupo de teatro não só um projeto artístico, mas também um projeto de vida. Apesar de Londrina ter, nas décadas de 80/90, uma vida cultural considerada rica, viver de teatro era difícil demais. Muita gente boa ficou pelo caminho. Outros insistiram o quanto puderam. Éramos um coletivo que moldava corpo, voz e pensamento, trancados numa sala de ensaios durante horas, mas que também tinha que funcionar como produtor e divulgador do próprio trabalho. 

Quando – depois de seis anos de grupo – nós apresentávamos “A Ratoeira é o Gato”, correndo de cidade em cidade pelo interior, havia o desejo de apresentar o trabalho no Rio de Janeiro, já que (a gente entendia assim) havia uma importância no espetáculo e uma maturidade na busca artística da companhia que não podiam ser ignorados. Fiz uma viagem ao Rio, com um dossiê sobre a montagem e algumas fitas VHS debaixo do braço, para tentar a tão sonhada temporada carioca. Visitei todos os teatros públicos da cidade, tentando conversar com os diretores artísticos e mostrar o trabalho. Fiquei dias na cidade, mas não consegui ser recebido por ninguém. O dinheiro estava no fim (sempre estava no fim), precisava voltar à Londrina. Como ninguém me recebia mesmo, resolvi fazer uma carta razoavelmente agressiva e arrogante, falando maravilhas do espetáculo e do grupo, e do equívoco que seria não nos oferecer um espaço. Queria ver se assim, conseguia convencer alguém a, pelo menos, assistir aquela fita com 15 minutos da peça. Nunca soube se a carta teve alguma importância, mas o fato é que Lolly Nunes – que na época dirigia o Teatro Gláucio Gil – gentilmente convidou o grupo para a primeira temporada no Rio de Janeiro. 

Escrevo tudo isso de uma forma meio desencontrada, porque percebo como é difícil reunir num pequeno texto 25 anos de trabalho. Fica uma vontade enorme de que as pessoas realmente entendam como tudo aconteceu. E uma sensação nítida, transparente, de que não tem como isso acontecer. Então, talvez, o que importe sejam alguns fragmentos, alguns fotogramas da história de um grupo que tinha desde seu início uma grande aspiração: reencontrar o poder simbólico que o teatro teve em outros tempos. 

No início de tudo, contaminados pela agitação cultural que tomava conta de Londrina – e que produzia qualidade e vanguarda artística em teatro, música e poesia –, éramos um bando de “canibais contentes”, devorando com imensa alegria e curiosidade todas as informações que eram postas à mesa. Absolutamente influenciados pela obra de Oswald de Andrade, queríamos criar um universo teatral particular a partir de um cruzamento de referências que ia das HQs a Shakespeare, dos filmes de Kurosawa à literatura de Guimarães Rosa, do teatro de Beckett à poesia de Fernando Pessoa. A ideia era “misturar tudo num caldeirão e ver no que vai dar”. Havia um mundo que queríamos refletir, mas a forma de refletir este mundo (e sobre este mundo) tinha para nós a mesma importância. Havia uma necessidade de que forma e conteúdo fossem uma coisa só (o que pressupõe certa arrogância, eu sei). Portanto, para nós, o importante não era tanto o gênero do teatro que fazíamos, mas a aplicação de um estilo próprio. E este estilo, a gente sabia, só seria construído com o tempo, com um espetáculo após o outro. 

Quando ocupamos nossa primeira sede, um barracão de grandes proporções (onde antes havia funcionado, curiosamente, um depósito de cerveja, uma rinha de briga de galo e um rinque de patinação), a questão do espaço cênico começou a ganhar mais importância. Fomos surpreendidos pelo espaço, pela possibilidade de sair do palco tradicional, pelas novas formas que a gente percebeu que poderiam vir dali e pelo jeito diferente de se relacionar com o público que o espaço impunha. Isso criou um verdadeiro impacto para nós. E isso refletia no resultado do nosso trabalho.

Quando saímos de Londrina e nos encontramos na Fundição Progresso, no Rio, o impacto foi parecido. Isso fez surgir espetáculos como “Alice Através do Espelho”, “Da Arte de Subir em Telhados”, “Pessoas Invisíveis”, “Inveja dos Anjos”. A linguagem que a companhia foi construindo durante esse tempo não pode ser considerada estática, ao contrário, é permanentemente afetada pela entrada ou saída de um novo companheiro. Se quando fizemos “A Ratoeira é o Gato” eram seis atores com um trabalho corporal muito homogêneo – talhado durante meses para retratar a temática da violência –, hoje a diversidade é mais nítida, sem que isso esvazie a premissa na qual o grupo sempre acreditou, de um “ator criador”, que vá em busca de seus personagens e que não seja um mero repetidor de movimentos.

Não é viável que um ator com poucos anos na companhia abarque a história e as referências todas que vieram antes dele, mas é possível que trabalhe a partir dos mesmos princípios e contribua dando a sua leitura disso. Assim, a linguagem se desenvolve. Assim, é possível ainda trabalhar muitos anos, sem cair numa fórmula pronta, mas sem abrir mão do que é princípio e síntese. 
Que o Armazém tenha vida longa!
*Paulo de Moraes é diretor artístico do Armazém Companhia de Teatro


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Um novo porto seguro para
o Théâtre du Soleil
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·         Em visita ao Rio, a diretora do Théâtre du Soleil, Ariane Mnouchkine inicia parceria com o Armazém da Utopia que servirá de base a atividades do grupo na cidade
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LUIZ FELIPE REIS (EMAIL·FACEBOOK·TWITTER)
Publicado:22/07/13

Ariane
RIO — Assim que pôs os pés no Armazém da Utopia, o galpão de número 6 localizado na Zona Portuária do Rio, Ariane Mnouchkine passou um bom tempo em silêncio, observando o lugar e antevendo suas possibilidades de ação ali. A amplidão do espaço, o pé direito alto e a estrutura arquitetônica fabril não poderiam deixar de remeter à Cartoucherie, antiga fábrica de armamentos parisiense que, desde 1970, se tornou a sede oficial do Théâtre du Soleil. A convite de Luiz Fernando Lôbo, diretor da Cia. Ensaio Aberto, que ocupa há dois anos e meio o Armazém, Ariane esteve ali na última quinta-feira para estabelecer o início de uma futura parceria entre as duas companhias.

O que ambos planejam é transformar o Armazém da Utopia numa espécie de casa extraoficial do Soleil na cidade. Ao lado da produtora Maria Júlia, responsável pelas duas últimas encenações da companhia no país — “Les éphémères” (2008) e “Os náufragos do Louca Esperança” (2011), que gerou um filme dirigido por Ariane, com lançamento previsto para este ano — Ariane e Lôbo planejam intensificar a presença de artistas do Soleil no Rio para a realização de oficinas, além da encenação de espetáculos do repertório do grupo e também da Aftaab, um grupo-filhote do Soleil criado há dez anos em Kabul, no Afeganistão.

— Aftaab quer dizer sol em afegão, e é o que chamamos de satélite, um grupo integrado à dinâmica do Soleil. Hoje em dia eles têm cinco peças no repertório, e a ideia é trazer uma delas para cá — diz a atriz Juliana Carneiro da Cunha, parceira de Ariane e atriz do Soleil há 22 anos.

— É um grupo de 17 artistas com suas famílias — diz Ariane sobre os afegãos que vivem em trailers nos arredores da sede do Soleil. A companhia ocupou o galpão em Paris em 1970.

Lôbo, que conduz uma série de atividades formativas e encena as peças da Ensaio Aberto no Armazém, acredita que a trajetória dos grupos se relaciona não só teatralmente, mas pelo modo como ambos transformaram espaços públicos ociosos e abandonados em pólos culturais, além de servir como sede de seus grupos.

— Lutamos muito para conseguir ocupar esse galpão, que estava completamente abandonado. Passamos os últimos dois anos e meio transformando-o num espaço de formação e criação. Agora, nosso objetivo é integrá-lo cada vez mais à cidade — diz. — Do mesmo modo que já recebemos diversos festivais, queremos abrir espaço para residências e intercâmbios com companhias internacionais, e o Soleil é a prioridade. Ele vai nos ajudar muito como exemplo. Estamos num momento em que a cidade precisa repensar a questão cultural e formular políticas públicas que mantenham os grupos trabalhando e com suas sedes funcionado.

Prestes a completar 50 anos de atividades, em 2014, o Théâtre du Soleil tem sua história ligada à Cartoucherie desde 1970. Até ali, Ariane Mnouchkine já havia dirigido cinco montagens, mas continuava sem uma sede. Drama de todo grupo que planeja um trabalho contínuo, a busca pela casa própria acabou num ato de ousadia. Ao deparar com diversos galpões abandonados no bosque de Vincennes, em Paris, Ariane escolheu um, entrou e nunca mais saiu de lá.

— Às vezes, os artistas precisam ocupar os espaços. E toda ocupação artística é uma espécie de fertilização. Já o capital, por exemplo, geralmente não pensa em fertilização, mas em comercialização. Então o que fizemos com a Cartoucherie foi um processo de fertilização.

À época, para conseguir encenar o espetáculo “1789” na Cartoucherie, Ariane conseguiu um documento forjado dentro da prefeitura de Paris que “autorizava” a permanência do grupo.

— Não tinha nada de oficial, mas quando vinham tentar nos tirar eu mostrava o papel e eles voltavam para a prefeitura para tentar saber que documento era aquele. Nesse meio tempo, a peça fez tanto sucesso que foi impossível nos tirarem dali. Imagina, eles queriam transformar a Cartoucherie num aquário de tubarões.

Ao lado de Ariane, Lôbo se entusiasma:

— Até hoje é assim, ou a cultura ocupa ou não consegue. O governo não cede.

E Ariane toma a palavra final:

— Desde a primeira vez que vim aqui, em 1993, sempre ouço dos artistas que o país não tem uma política cultural, e aí me pergunto: “Mas como vocês não fazem um movimento tão forte que faça finalmente esse dinheiro existir?” — diz. — É preciso fazer entender que a arte é primordial para o progresso social e para a educação. Falo com veemência, sabendo que venho de um país privilegiado, mas que se mantém deste jeito porque a luta é de todo instante. Artistas precisam sempre lutar pela solidificação do teatro público e pela manutenção da educação artística nas escolas. É fundamental.



A Comédie-Française: 
uma tradição teatral sempre em renovação

Excelência artística, sua história secular e sua trupe unida sob o lema "Simul e singulis (todo e cada um em particular) dão renome mundial à Comédie-Française. Somente no teatro estatal da França localizado no coração de Paris.

Muitas vezes, erroneamente, atribuímos a criação da Comédie-Française (Comédia Francesa) a Molière. No entanto, Jean-Baptiste Poquelin já havia morrido há sete anos, quando, em 1680, Luís XIV impõe às trupes de comédia com sede em Paris que trabalhem juntas. O objetivo era aproveitar o monopólio da representação em francês.

Poucos meses depois, os atores do Hôtel de Bourgogne e do Hotel Guénégaud (trupe Molière liderada pelo seu ex-filho espiritual Charles, disse Jack La Grange) fizeram sua primeira apresentação junto. A Colmeia, um símbolo da criatividade abundante da Comédie-Française, nasceu!

Instalada na rue de Richelieu desde 1799, a Comédie-Française desde então adicionou outros dois lugares: o Théâtre du Vieux Colombier (300 lugares inaugurados em 1993) e o Studio Théâtre (136 lugares inaugurados no interior do Carrousel du Louvre em 1996). Duas estruturas de programas independentes, mas sempre complementares estão na programação da sala Richelieu.

Dirigida desde 2006 por Muriel Mayette, a Comédie-Française conta com 397 profissionais permanentes, inclusive 57 atores. Ha atores societários (pertencem à Sociedade de Atores Franceses) dentre os quais os mais conhecidos são Denis PodalydèsLaurent Stocker e Guillaume Gallienne. Mas também há atores, a maioria moradores, que são do Conservatoire.

Antes de mais nada, o teatro de criação, a Comédie-Française,  também tem a missão de conservação e recuperação de repertório. Um repertório onde Molière ocupa um lugar privilegiado como qualquer outro; desde o nascimento da Comédie-Française, suas obras foram representadas quase 34 mil vezes! 

Queridos parceiros do blog

De 2 a 20 de outubro estarei em Angra dos Reis como jurado da FITA (Festa Internacional de Teatro de Angra). Portanto, neste período não postarei praticamente nada. Assim que retornar, volto ao ritmo habitual de postagens. Nutro a sincera esperança de que não me abandonem...

Um beijo em todos,

Eu

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"O submarino"

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Deliciosa comédia romântica

Lionel Fischer



"Cesar e Rita são casados e se amam, mas tem hábitos e gostos muito diferentes. Tentam ceder um ao outro para que prevaleça um meio termo, mas o que conseguem é brigar e se separar. Mas não agüentam ficar longe um do outro, apesar dos esforços e até das novas relações. Acabam se reencontrando sempre, seu amor sobrevive ao tempo, aos acontecimentos e até mesmo ao embate de personalidades. As diferenças acabam sendo vencidas pela vontade que os dois tem de ficar juntos".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima reproduz o enredo de "O submarino" (Teatro das Artes), de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, já levada à cena no Rio de Janeiro nos anos 90. Victor Garcia Peralta assina a direção, estando o elenco formado por Luciana Braga e Marcius Melhem.

Dizem os sábios que os opostos se atraem. É até possível. Mas, em se tratando de relações amorosas, sendo muitas as oposições é quase impossível que o amor sobreviva. Mas aqui, como já dito no parágrafo inicial, Rita e Cesar continuam se amando, ainda que se engalfinhando por coisas sérias ou bobagens, ainda que juntos ou separados, e mesmo quando ambos estão se relacionando com outras pessoas. É como se ambos dissessem em uníssono: não posso viver com você, mas também não posso viver sem você. Eis um dilema que faria cismar o Príncipe da Dinamarca...

Mas o que importa ressaltar é que os autores escreveram uma comédia romântica deliciosa, repleta de observações mais do que pertinentes sobre as relações amorosas - algumas leves e corriqueiras, outras mais amargas. E criaram dois personagens com os quais o público se identifica totalmente.

Com relação à direção, Victor Garcia Peralta impõe à cena uma dinâmica ágil e extremamente divertida, ainda que sabiamente pontue com sensibilidade alguns momentos mais delicados e tensos.
E teve como parceiros dois intérpretes inteiramente afinados com o contexto.

Comediante por excelência, Marcius Melhem está impecável na pele de Cesar, cabendo registrar o talento do ator no que concerne aos tempos rítmicos e sua notável capacidade de atuar em silêncio. A mesma eficiência se faz presente na performance de Luciana Braga, tanto no que diz respeito ao texto articulado como na expressividade que impõe ao seu corpo. Ambos formam, sem dúvida, uma dupla irretocável, exibindo ótima contracena.

Na equipe técnica, Maneco Quinderé ilumina a cena com a competência habitual, a mesma aplicando-se ao cenário de Miguel Pinto Guimarães, aos figurinos de Rita Murtinho e a trilha sonora de Pablo Paleólogo.

O SUBMARINO - Texto de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa. Direção de Victor Garcia Peralta. Com Luciana Braga e Marcius Melhem. Teatro das Artes. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h30.


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Incêndios"

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Montagem imperdível no Poeira

Lionel Fischer



"A engenhosa carpintaria de Wajdi Mouawad exibe a saga da árabe Nawal, cuja vida é atravessada por décadas de uma guerra civil que parece nunca ter fim. Ela passa seus últimos anos em voluntário exílio no Ocidente, onde morre e deixa em testamento uma difícil missão para seu casal de filhos gêmeos: encontrar o pai e também um irmão perdido em seu remoto passado no Oriente".

Extraído (e levemente editado) do ótimo release que me foi enviado por Canivello/Factoria Comunicação, o trecho acima resume o enredo de "Incêndios", que acaba de estrear no Teatro Poeira. Aderbal Freire-Filho assina a direção do espetáculo, estando o elenco formado por Marieta Severo, Felipe de Carolis, Keli Freitas, Marcio Vito, Kelzy Ecard, Fabiana de Mello e Souza, Julio Machado e Isaac Bernat.

Resumir o enredo desta obra extraordinária é o máximo que me permiti, pois se decidisse estendê-lo um pouco mais privaria o leitor/espectador de ir aos poucos decifrando o intrincado e fascinante quebra-cabeça proposto pelo autor. Reunindo elementos épicos e igualmente trágicos, Mouawad (libanês de origem que vive no Canadá) constrói uma narrativa que, segundo ele próprio, "não é propriamente uma peça sobre a guerra, mas sobre promessas que não são cumpridas, sobre tentativas desesperadas de consolo, sobre maneiras de se permanecer humano em um contexto desumano. É a história de três destinos que buscam suas origens, em uma tentativa de solucionar a equação de suas existências".

Como já dito, estamos diante de uma obra extraordinária, tanto por sua original estrutura narrativa como pela relevância dos temas que aborda, afora a capacidade do autor de criar personagens maravilhosamente estruturados e valer-se de uma linguagem ao mesmo tempo áspera e impregnada de poesia. 

Com relação ao espetáculo, este é sem dúvida um dos melhores já assinados por Aderbal Freire-Filho. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico - exasperante, trágica, de uma objetividade angustiante e implacável -, o encenador evidencia seu enorme talento até mesmo nas transições entre as cenas, de magnífica teatralidade. E gostaria de citar apenas um exemplo de um momento que ficará marcado para sempre em minha memória: a passagem em que os gêmeos, entrelaçados, realizam uma espécie de dança lenta e aparentemente irreal, mas que provavelmente retrata suas vidas antes do nascimento.

No que diz respeito ao elenco, a escolha dos atores não poderia ter sido mais feliz. Na pele do tabelião Lebel, Marcio Vito defende com brilhantismo o único personagem que exibe algum humor. Felipe de Carolis (Simon) e Keli Freitas (Jeane) interpretam os gêmeos deles extraindo seu máximo potencial - a atriz está particularmente brilhante nas passagens em que apenas escuta e reage sutilmente ao que está sendo dito.

Julio Machado exibe atuação segura e convincente nos três personagens que interpreta (Ralph/ Miliciano/ Nihad), o mesmo aplicando-se a Fabianna de Mello e Souza (Jihane/ Elhame/ Nazira / Marie/ Fotógrafa. Vivendo Savvda, Kelzy Ecard evidencia uma estupenda força expressiva, cabendo registrar a passagem em que pinta ferozmente seu rosto com uma tinta de camuflagem. Isaac Bernat dá vida a sete personagens e a todos valoriza com a mesma intensidade, exibindo acertadas variações vocais e corporais, sem jamais investir no intento de criar meros tipos.

Finalmente, Marieta Severo. Vivendo a protagonista Navval em variadas idades, em todas elas a atriz consegue valorizar ao máximo todos os conteúdos propostos pelo autor. Por tratar-se de uma profissional completa, seria uma perda de tempo aqui enumerar seus vastíssimos recursos expressivos. Portanto, me contento em afirmar que estamos diante de uma atriz que, dentre seus muitos predicados, evidencia notável inteligência cênica (fruto de suas escolhas) e uma visceral capacidade de entrega, o que confere a seu desempenho um patamar de excelência só constatável em intérpretes de exceção. 

Na equipe técnica, Fernando Mello da Costa responde por uma cenografia funcional e altamente expressiva, com Luiz Paulo Nenen iluminando a cena com a indispensável dramaticidade exigida tanto pelo texto como pela encenação. Antonio Medeiros assina figurinos irretocáveis, em total consonância com o caráter dos personagens e os contextos que habitam. A mesma excelência se faz presente na dramática trilha sonora de Tato Taborda, o mesmo aplicando-se à maravilhosa tradução de Angela Leite Lopes.

INCÊNDIOS - Texto de Wajdi Mouawad. Direção de Aderbal Freire-Filho. Com Marieta Severo, Felipe de Carolis, Keli Freitas, Marcio Vito, Kelzy Ecard, Fabianna de Mello e Souza, Julio Machado e Isaac bernat. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.







quarta-feira, 18 de setembro de 2013

OFICINA PARA ATORES – MOACIR CHAVES

Curso prático para atores e estudantes de teatro ministrado por Moacir Chaves, no qual será trabalhado o texto REI LEAR, de Shakespeare, na tradução de Oscar Mendes e F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros.

Pede-se aos participantes que decorem um trecho do texto, de livre escolha.

Quando: dias 05, sábado, 12, sábado, 13, domingo e 19, sábado. Das 10h e 30m às 14h e 30m.

Onde: Teatro Ipanema – Rua Prudente de Moraes, 824.

Valor: R$ 250,00

Para se inscrever: preencha a ficha abaixo, confirmando o interesse em participar da oficina, e a encaminhe para o e-mail comissão-financas@googlegroups.com. Você receberá, a seguir, a confirmação de sua inscrição e o número da conta para depósito, cujo recibo deverá ser enviado para o endereço eletrônico acima. VAGAS LIMITADAS!
Ficha de inscrição:
Nome:
Data de nascimento:
Endereço eletrônico:
Pequenas informações sobre formação profissional ou principais trabalhos realizados:

A RENDA DA OFICINA SERÁ INTEGRALMENTE REVERTIDA À SBAT – SOCIEDADE BRASILEIRA DE AUTORES.





terça-feira, 17 de setembro de 2013

ENTREVISTA

Aderbal Freire-Filho
“Explosão poética do palco - o teatro para todos os autores”

Por Maria Helena Esteban


Como você definiria o papel do autor no teatro que se faz hoje? 
O século XX foi o século de todos os teatros. Este será possivelmente o século de todos os autores. Gerd Bornheim chamava a atenção para o fato de que nunca o teatro de todos os tempos foi tão encenado como no século XX. Os clássicos gregos, os elizabetanos, os neo-clássicos, os românticos, etc, estavam em cena ao mesmo tempo, como nunca tinham estado. E junto com a dramaturgia do próprio século XX, que, por sua vez, teve todas as formas, realista, absurda, inomináveis… de Brecht a Heiner Müller, para não sair da mesma companhia. Foi fundamental para a existência desse fenômeno a explosão da poética do palco, que pôde assim conter todas as dramaturgias. Com o palco aberto, caminhamos em duas direções. Uma, a que oferece aos autores possibilidades infinitas de expressão. Para entender a diferença: lembrem do palco que se oferecia aos autores brasileiros do começo do século passado, que os constrangia a uma sala, três atos… E a outra direção é a que amplia o sentido de autoria, a dramaturgia concebida no palco.

Você acredita que a "era dos diretores" é coisa do passado? Autores e diretores vivenciam uma trégua ou há uma reconciliação definitiva?
Nenhuma "era" é. E se houve uma "era" dos diretores, ela será cada vez mais. Explico: quem nomeou o período em que houve um aparente protagonismo dos diretores de "era dos diretores", não percebeu que eles criavam para os autores, não contra os autores. A primeira prova disso: foram os diretores que resgataram a dramaturgia de todas as eras, o fenômeno que marcou o século XX. Assim como alguém resolveu chamar isso de "era dos diretores", eu poderia chamar, portanto, de "era dos autores de todos os tempos". Para falar em trégua ou reconciliação é preciso falar em conflito: o conflito foi benéfico, pois aumentou ao infinito as possibilidades do palco, ofereceu aos autores a possibilidade de voltar ao palco ilimitado que um autor genial, Shakespeare, já conhecia. Em outras palavras, a era dos diretores começa com Shakespeare, genial diretor, ou com os gregos, que dirigiam suas próprias tragédias. Depois de um hiato longo, volta com os diretores que re-inventam o teatro no século passado, a partir de textos de autores de todas as eras. O que talvez esteja sendo visto como uma trégua, é que agora os autores estão explorando o palco aberto pelos diretores e muitas vezes forçando, eles próprios, e mais ainda, suas fronteiras. Enfim, não é uma trégua, é uma nova etapa do bom conflito.

Você é considerado o "mestre" do romance-em-cena. Muitas de suas peças são romances levados à cena sem nenhuma adaptação para o gênero dramático. Estamos falando de A Mulher Carioca aos 22 Anos, O que diz Molero, Moby Dick, entre outras. A forma dramática tornou-se desnecessária no teatro contemporâneo? 
Só assim posso ser considerado mestre de alguma coisa: dando um nome ao que faço (romance-em-cena), deixando o nome pegar e depois falando disso com uma cara bem séria, como se fosse uma "disciplina" que tivesse outros seguidores. Indo direto à pergunta final (depois eu volto): muito pelo contrário, o drama (a forma dramática) precisa ser muito forte para absorver todas as formas. Vou historiar, ainda dentro do século XX (e final do XIX). Quando Tchekhov quis mostrar o que seus personagens não diziam, sendo a forma dramática baseada no diálogo, isto é, no que os personagens dizem, começou a nascer uma dramaturgia de ruptura. Salto para Brecht, definindo aristotélico e não-aristotélico, ou teatro dramático e teatro narrativo. Passamos por todas as experiências dramatúrgicas e chegamos ao teatro ilimitado. Olho para o teatro ilimitado pelo aspecto que me levou até ele: o teatro que hoje faz a síntese da dialética brechtiana, isto é, que encontra o equilíbrio perfeito entre narrativo e dramático. É minha obsessão. Quando faço um romance sem adaptação – o que chamei de romance-em-cena: A mulher cariocaO que diz Molero e O púcaro búlgaro – não faço qualquer adaptação literária (de narrativa a drama), o que me obriga a construção de uma dramaturgia na cena, a uma profundíssima adaptação cênica desses romances originais. Um ponto de partida é pedir aos atores que atuem em primeira pessoa, mesmo falando em terceira pessoa. Ou seja: usando originalmente o texto narrativo, dou a ele uma forma dramática. E então trato de buscar essa síntese na encenação, o que me leva a "escrever" na cena a adaptação: a dramaturgia. Tudo fica claro desde que se entenda que não separo texto e cena, que quando falo em forma dramática não estou falando só de literatura dramática, mas do conjunto idealmente inseparável texto-cena. Em Moby Dick fiz uma adaptação literária, o que não faço nos romances-em-cena. Mas, claro, combinei também fortemente a forma narrativa original e a forma dramática.

 A que você atribui o fato de jovens dramaturgos - e até mesmo de dramaturgos consagrados - estarem escrevendo a quatro mãos ou se reunindo em coletivos de autores, em grupos de trabalho? 
O fenômeno mais interessante é o que está levando grupos de teatro a escreverem a dez, vinte mãos, isto é, o fenômeno das criações coletivas dramatúrgicas. O que não é mais do que o desenvolvimento natural desse processo de reinvenção do teatro, de que falei acima: os diretores ampliam a poética da cena, surge o palco ilimitado, os dramaturgos passam a dispor de novos horizontes expressivos e, passo seguinte, surge uma dramaturgia nascida no palco, com a participação de todos os seus artistas. O teatro de todos os autores, de que falei. Para mim, o risco é o de desconhecer e recusar o poeta. O autor final do texto (ou do texto final) deve ser um escritor, um poeta.

Os grupos de trabalho seriam uma consequência das equipes que escrevem teledramaturgia?
Acho que essas equipes de teledramaturgia surgem pela pressa, pela necessidade industrial de cumprir prazos. Como o teatro não é industrial, isso não tem nada a ver com as colaborações na escrita do texto teatral.

Há uma carência de cursos de dramaturgia que preparem os autores para a jornada solitária ou o que estamos testemunhando é uma nova era, com uma nova forma de se escrever teatro?
A jornada solitária vai existir sempre, é a necessidade de um poeta, um escritor escrever um texto dramático. Foi assim que ela se impôs em outras eras em que o teatro era escrito por um comediante (Molière), por um ator-diretor-produtor (Shakespeare), etc. E os cursos continuam preparando dramaturgos, assim como dramaturgos experientes que gostam de refletir sobre as "leis" da literatura dramática dão workshops para dramaturgos. Cito o exemplo admirável do espanhol José Sanchis Sinisterra. Se os dramaturgos aprendizes escreverão sozinhos ou em grupo é opção deles. Ou fruto de certas circunstâncias.


Como você vê o atual momento da dramaturgia brasileira?
Para uma boa crítica, esse tema pode dar pano pras mangas. Principalmente pela complexidade desse momento. Existem muitos autores jovens escrevendo e essa dramaturgia não é toda nova. Existem muitas experiências de criações coletivas, mas elas merecem ser vistas na sua diversidade. Vale um olhar sobre como os autores experientes estão explorando a cena contemporânea, o palco aberto. E muitas outras indagações: quais processos dramatúrgicos se revelam nas adaptações; que diferenças existem entre adaptações de outros gêneros e adaptações de textos originalmente dramáticos, os chamados espetáculos "a partir de". E muito mais. Em geral o olhar sobre a dramaturgia brasileira de hoje é simplificador e ela é muito mais rica.

Quais autores poderiam ser considerados paradigma para a nova geração de dramaturgos? 
Em primeiro lugar, um inglês que barbariza, de cabelos compridos e brinco na orelha, chamado Bill Shakespeare. No Brasil, nosso modelo máximo é, com toda justiça, Nelson Rodrigues. Mas como paradigma ele deve ser visto menos por seu estilo e mais por sua liberdade. E muitos dos contemporâneos podem nos servir de modelo nesses tempos de re-invenção do teatro. Como estamos falando de paradigma para a nova geração, para jovens, aponto o mais jovem autor francês, na minha opinião: Michel Vinaver, hoje com 85 anos. Um teatro novo, vivo. Mas muitos autores desde Beckett, um iluminado, podem ser apontados. 

Você tem uma estreita ligação com o Uruguai, dirigiu muitas peças naquele país. Quais são as principais semelhanças e diferenças entre a dramaturgia brasileira e a dos demais países da América Latina?
Na pergunta já está uma parte da resposta. Isto é, do Uruguai posso ver a dramaturgia hispano-americana, que do Brasil não vemos. E esse conhecimento da dramaturgia continental, que não temos, é uma grande diferença. É verdade que agora esse isolamento começa a ser quebrado, autores jovens sobretudo argentinos têm chegado aqui, como Daniel Veronese, Rafael Spregelburd. Os argentinos, aliás, têm ótimos dramaturgos, pouco montados no Brasil. O teatro de Roberto Cossa, o grande autor da geração dos anos 60/70, atualmente à frente da Argentores, é profundamente marcado por seu caráter social. Há uma espécie de herança de uma temática social, que vem desde a origem desse teatro, desde o uruguaio Florencio Sanchez. Hoje, admiramos muito o cinema argentino, especialmente por seus roteiros. Eles são herdeiros da boa dramaturgia argentina. A temática social também está muito presente na dramaturgia chilena, na colombiana, etc.

Entre os dramaturgos latino-americanos, quais você destacaria por apontarem os novos caminhos da dramaturgia no continente?
Esses argentinos que já citei, certamente. E Griselda Gambaro, Pavlovski. Um dramaturgo admirável, referência de novos caminhos, é o chileno Marco Antonio de La Parra. Montei uma peça dele, El continente negro, uma dramaturgia feita de fragmentos, surpreendente. Outras peças suas, como La vida privada, apontam caminhos maravilhosos, para campos férteis. Sou admirador de um dramaturgo equatoriano, Aristides Vargas, do grupo Malayerba, sua peça Pluma é uma espécie de Macunaíma já escrita para a cena. Aristides nasceu também na Argentina, mas construiu praticamente todo o seu teatro no Equador. Poderia citar vários, assim como poderia falar da minha ignorância, o teatro do continente é vasto e rico. O Uruguai, por exemplo, que conheço melhor, oferece desde seus autores mais celebrados (Langsner, Maggi) até um teatro em construção (Blanco) e me perco nesses labirintos.

Você transparece ser um artista inquieto: mais conhecido como diretor, porém com trabalhos como ator, em cinema e teatro. Recentemente, inclusive, dirigiu e atuou em uma peça de sua autoria, "Depois do Filme". Como você descreve as inquietações do "Aderbal-autor"? 
Meu mal, eu acho, é que eu me aquietei na direção. Quero dizer, não me acomodei, não deixei de ser um diretor experimentador, obsessivo, forçando os limites do meu teatro. Digo que me aquietei na direção porque se pudesse voltar no tempo eu atuaria muito mais e escreveria muito mais. Eu nasci para o teatro como ator. E queria ter crescido autor. O diretor foi um acidente. É verdade que esse acidente foi providencial, descobri na direção um potencial expressivo incrível e por isso mesmo dediquei minha vida a essa arte, a arte da encenação. Mas devia ter equilibrado melhor esses três desejos. Acabei sendo um ator bissexto, que substituiu atores que dirigi, quando eles se afastavam do espetáculo por doença, para compromissos com a tv ou por outra razão. Poucas vezes estreei um espetáculo como ator. Agora, no tempo que me resta, penso em atuar mais. E escrever mais. É verdade que escrevi um número bem razoável de peças, mas minha cara de diretor é tão mais insistente, que esconde o autor.

Tradução é um tema sempre capaz de gerar polêmica. E você recentemente traduziu duas obras conhecidíssimas de Shakespeare: Hamlet e Macbeth. Quanto de criação há em uma tradução? 
Numa tradução, você, no máximo, consegue dizer quase a mesma coisa que o autor, para usar a expressão que dá título ao livro sobre tradução do Umberto Eco. Vejo uma identidade essencial nas funções do tradutor e do encenador: ambos re-escrevem o texto original e, quanto mais fiéis querem ser, mais autorais resultam. Considero minhas traduções de Shakespeare tão fiéis quanto minhas encenações. E minhas encenações são necessariamente "criações originais". O que quero de Hamlet é a força que a peça teria quando foi montada a primeira vez na Inglaterra. Uma pintura genial do renascimento mantém até hoje sua potência e por isso ir a um museu é estar vivo. Já o teatro é vivo nos atores de hoje. E só quando eles recuperam o presente, não quando expõem o passado. Da mesma forma a tradução: o tratamento usado por Shakespeare, seu vocabulário, suas imagens, mesmo sua poesia seriam, em seu tempo, altamente comunicativos. É preciso recuperar essa força de comunicação. Por outro lado, está o desejo de alcançar a grandeza daquela poesia, daquele drama. Essa combinação dá ao trabalho do tradutor um prazer irresistível, de ser ao mesmo tempo extremamente fiel e atual, isto é, re-criador. O melhor nome para isso talvez seja mesmo recriação. É preciso fazer escolhas, também. Em Shakespeare, o que é melhor preservar da sua poesia: as metáforas, os usos sonoros da língua e o sentimento do "poético" ou a métrica? E por outro lado está a clareza. Bom, minhas traduções de Hamlet Macbeth, minhas e de meus parceiros (Barbara Harrington, Wagner Moura, João Dantas), podem falar por elas, mais do que meus espetáculos, que já viraram cinzas.

Quais são os seus projetos em relação a escrever e traduzir?
Estou com um projeto de texto, para repetir a aventura de Depois do Filme. Digo, para escrever, dirigir e atuar. Quero encontrar esse tempo. Tenho também um roteiro de cinema esboçado, que pretendo desenvolver e filmar. E estou sempre adiando um projeto de escrever umas reflexões sobre minha prática como diretor. Quanto às traduções, neste momento, só a vontade de publicar as duas de Shakespeare e a tradução de Na selva das cidades, do Brecht, que fiz com o Patrick Pessoa, com a colaboração da Nehle e do Roberto Frank.

O que o levou a se engajar na luta pela revitalização da SBAT?
Estou na SBAT como um autor de teatro perplexo, como artista de teatro perplexo. A história do teatro brasileira foi escrita aqui, por Chiquinha Gonzaga, por João do Rio, que foi o primeiro presidente, por Gastão Tojeiro, Manuel Bandeira, Nelson Rodrigues, Joracy Camargo, Vianinha, por tantos mais. Esse clube, essa academia vai fazer 100 anos. Sabe o que é isso em um país sem muitas tradições como o Brasil? Em uma tarde de outubro de 1917, um grupo de autores, liderados por Chiquinha Gonzaga, fundou a Sociedade Brasileira de Autores de Teatro. Esse clube fala do meu passado. Minha perplexidade: como é possível que um autor de hoje despreze essa representação do seu passado? Eu estou aqui, esperando que os outros venham. Não sou herói, nem quero ser, mas não consigo sair daqui enquanto os outros não chegarem. Não sou administrador, talento zero, não tenho vocação para a prática política, nunca me candidataria a qualquer cargo de diretoria da SBAT. Um dia a SBAT ficou sem diretoria. E uma Assembléia convocou uns sócios antigos para que a sociedade dos autores de teatro não desabasse, como mais um prédio antigo que desaba no centro da cidade. Sou um desses autores. Mas não sou herói, repito. Se uns juízes (juízes mesmo, funcionários do poder judiciário) entendem que esses antigos sócios que estão aqui para salvar a SBAT devem ser punidos por isso, volto ao princípio: sou um autor de teatro perplexo. Não entendo a lógica dessa justiça, não tenho forças para lutar contra ela, e talvez não tenha mais tempo, nem tenha talento para escrever contra essa "justiça", não no tribunal, mas em um palco. Sou um autor de teatro com uma última ilusão.

Muitos autores importantes que eram associados da SBAT hoje recebem seus direitos autorais diretamente dos produtores ou de outras sociedades. Por que você defende com tanta veemência que SBAT é a verdadeira Casa do Autor Brasileiro?
Os direitos dos autores de teatro são muito mais fáceis de receber do que os direitos dos compositores, por exemplo. A música toca nas rádios, nos bailes, nas tvs, na internet, o compositor não tem como sair pessoalmente atrás disso tudo. A peça de teatro tem endereço certo, está em cartaz no teatro tal, nos dias tais, às horas tantas. O próprio autor pode ir lá receber. Mas ter uma casa é muito mais do que ter quem vá ao banco por você. Os autores continuam cheios de pleitos e vão continuar sempre, o mercado do teatro vai estar sempre em movimento, com novas questões, novas demandas. Nosso movimento é, por acaso, ao contrário? Queremos ser sem-teto? Nos países onde o teatro mantém uma importância grande na sociedade, os autores têm associações fortes. É o caso da Argentina, da Espanha, da França, para dar poucos e variados exemplos. Queremos contribuir para a desimportância do teatro, ou para a recuperação da importância que já tivemos? 

O que a SBAT pode oferecer aos autores? Qual o sentido dessa revitalização?
Agora, com algumas ações, damos uma pequena amostra do que pode significar ter uma casa. A Revista da SBAT novamente publicada, traz uma peça por número e é um meio de discussão dos temas que nos interessam. Cursos de dramaturgia que podem se transformar em um laboratório permanente, tanto de formação, quanto de troca, de discussão de temas específicos, de reciclagem. Concursos de dramaturgia, encontros com artistas de outras áreas. Este site, a divulgação dos nossos autores, a ampliação da nossa capacidade de comunicação. E a possibilidade de conquistar novos direitos: na Argentina, por exemplo, os autores que recebem seus direitos através da Argentores estão isentos de IVA, o imposto único de lá. Uma sociedade forte pode fazer conquistas assim. As leis de patrocínio estão mudando, é importante termos instrumentos nossos, para termos mais alternativas de viabilizar nossas criações. Assim como está em processo de transformação a relação dos autores com a cena, é preciso uma sociedade arrecadadora que tenha história e, consequentemente, conhecimento e sensibilidade para se adaptar aos novos tempos. Eu comecei dizendo que provavelmente os anos que estão por vir serão os anos de todos os autores. A SBAT, dirigida por autores, só ela saberá como entender as novas relações, como abrigar todos os autores. 
  

Aderbal Freire-Filho Diretor, autor e ator. Fundou em 1973 o Grêmio Dramático Brasileiro e em 1989 o Centro de Construção e Demolição do Espetáculo. Assinou, entre outras direções: Apareceu a Margarida; A Mulher Carioca aos 22 Anos; O Tiro que Mudou a História;  Tiradentes; Senhora dos Afogados; Lima Barreto - Terceiro Dia; O Carteiro e O Poeta; A Prova; Tio Vânia; O que diz Molero; O Púcaro Búlgaro; Moby Dick. Privilegia nos ensaios com os atores o minucioso estudo do texto para a criação da linguagem de cada espetáculo. Seus projetos cênicos caracterizam-se pela ênfase à função questionadora do processo de criação teatral. Como diretor recebeu os Prêmios Molière (81); Mambembe (83, 84, 85); Shell (90, 2002 e 2003). Traduziu alguns dos clássicos da dramaturgia universal que dirigiu como A Morte de Danton, de Georg Büchner; Na Selva das Cidades, de Bertold Brech; Hamlet e Macbeth de William Shakespeare. É autor das peças Cão coisa e coisa homem; Instruções de Uso; Vem quem tem vem quem não tem; No Verão de 1996 e Depois do Filme - texto que dirigiu e no qual atuou em 2012.