Tchékhov e o Teatro de Arte de Moscou
Jovan Hristic*
Comecemos por alguns fatos bem conhecidos. A 17 de Setembro de 1896, A Gaivota conhece um estrondoso insucesso em
São Petersburgo. É o terceiro drama de Tchékhov representado num teatro. O primeiro, Ivánov, teve um certo sucesso em Moscou, no ano de 1887. O segundo, O Selvagem, levado à cena em 1889, só teve três representações. Tchékhov não era, portanto, um autor dramático principiante.
A Gaivota não foi montada por amadores, nem por uma companhia fabricada às pressas num teatro comercial em São Petersburgo. Foi encenada no Teatro Imperial, por atores famosos na época. O papel de Nina Zaretchna era interpretado por Vera Kommissarjévskaia, uma jovem atriz que a seguir se tornará uma das mais célebres atrizes russas. Além disso, ao que parece, conseguiu ser a melhor Nina de todas as que pisaram os palcos da Rússia.
Se deixarmos de lado as consequências psicológicas que terá para o autor, este fracasso de A Gaivota é interessante por dois motivos. A acreditar nos testemunhos que nos restam, A Gaivota foi encenada como se encenava qualquer drama realista do fim do século XIX: ou seja, como um enredo de amores entre uma rapariga, um escritor famoso, amante de uma atriz famosa e mais velha, e o filho desta última que pretende, também ele, tornar-se escritor. Não admira que a peça tenha sido vaiada: A Gaivota constituía um passo decisivo rumo a uma dramaturgia absolutamente nova, para a qual o teatro da época não estava, é mais do que óbvio, ainda preparado. É preciso lembrar também que Tchékhov não era um autor particularmente apreciado nos meios intelectuais da Rússia.
Sobretudo no seio dos intelectuais de São Petersburgo, que se queriam liberais. A seu ver, ele não se comprometia suficientemente.
Encontramos em Tchékhov um testemunho acerca do modo como na altura se concebia o engajamento literário. No seu conto No Carrinho de Bebé, de 1883, o barão Donkel (Tchékhov gostava de colocar afirmações na boca da qual menos se esperavam) diz, a propósito de Turguéniev: “Ontem, fui expressamente buscar os Relatos de um Caçador à biblioteca; li-os duma ponta à outra e não encontrei nada de especial... Nem consciência de si, nem liberdade de imprensa... nem ideias de nenhuma espécie! E nem sequer se aprende nada sobre a caça!”. A crítica russa dos anos 80 e 90 do século XIX comparava frequentemente Tchékhov com Turguéniev: eram ambos considerados artistas inúteis à sociedade. É tudo isto
que devemos ter em conta quando falamos das relações entre Tchékhov e o Teatro de Arte de Moscou.
O Teatro de Arte de Moscou encenou A Gaivota dois anos mais tarde, com estreia a 17 de Dezembro de 1898. Foi o primeiro
sucesso de um teatro que acabara de ser fundado e, diga-se o que se disser acerca das relações com Tchékhov, uma coisa pelo menos é certa: com essa representação, um escritor encontrara finalmente o seu teatro e um teatro encontrara o seu escritor. O Teatro de Arte de Moscou estava pois fundado, como o antigo Khoudojestvienni opchedostoupni Teatr, sendo que o termo “opchedostoupni” (universalmente acessível) deve ser compreendido no sentido que atualmente atribuímos à palavra “popular”. O que tem grande relevância para o que vou dizer a seguir.
Podemos perguntar-nos se Stanislavski e Nemiróvitch-Dántchenko, fundadores e encenadores do Teatro de Arte, percebiam bem os dramas de Tchékhov. Neste ponto, as opiniões divergem, mesmo na Rússia soviética, onde a teoria idílica de um acordo perfeito entre o grande encenador Stanislavski e o grande escritor Tchékhov é, digamos, uma versão oficial. Assim, A. Roskine afirma, no seu estudo As Três Irmãs no Palco do Teatro de Arte, que Tchékhov e o Teatro de Arte “se encontraram no mesmo caminho, mas seguindo em direcções diferentes. Numa época em que o teatro de Stanislavski ia do pathos teatral para o realismo de todos os dias, Tchékhov, pelo seu lado, dirigia-se da vida de todos os dias para uma poesia e uma utilização mais livre da matéria da vida”.
Hoje, a maioria dos críticos subscreveriam a opinião de Roskine. Em todos os debates sobre Tchékhov, a seguinte constatação transformou-se num lugar-comum: o naturalismo de Stanislavski era demasiado estreito para abarcar a visão da vida humana com que nos deparamos nos dramas tchekhovianos. No entanto, as coisas não são tão simples como por vezes podem parecer. Por isso, convém recordar alguns outros fatos.
Antes de mais, Tchékhov estava longe de se sentir entusiasmado com as representações que vira das suas peças no Teatro de Arte. Só assistira à representação de A Gaivota na Primavera de 1899, quando os médicos o autorizaram a deixar Ialta para uma curta estada em Moscou. E, como escreve Stanislavski no seu livro A Minha Vida na Arte, “a cada fim de ato, Anton Pávlovitch subia ao palco e o seu rosto andava longe de refletir uma satisfação intensa”. Alguns dias depois da representação, Tchékhov escreve a Máximo Górki que “A Gaivota estava horrivelmente representada” e que Trigorin (papel desempenhado por Stanislavski) “percorria o palco a falar como um paralítico”. No conjunto “não está mal, achei interessante”, mas aqui e ali “não conseguia acreditar que fosse eu o autor”.
Quando, em 1900, o Teatro de Arte monta As Três Irmãs, Tchékhov escreve emocionado e como que ofegante a Olga Knipper: “Preciso ir assistir aos ensaios, preciso! Não posso deixar a Alexeev [Stanislavski] a responsabilidade de quatro papéis femininos, quatro jovens mulheres inteligentes, por muito grande que seja a minha confiança e a sua inteligência”. Mas o verdadeiro conflito rebenta em torno de O Cerejal. Tchékhov estava convencido de que tinha escrito uma comédia, e mesmo um vaudeville, quando o Teatro de Arte representava a peça como um drama. Assim, escreve ele a Olga Knipper (que então já era sua esposa): “Manifestamente, o Nemiróvitch e o Alexeev vêem algo na peça que lá não está e eu era capaz de jurar que não a leram atentamente”.
Todavia, os testemunhos não são concordantes. Uns dias depois de ver a representação de A Gaivota e de ter escrito a Górki que lhe custava a acreditar ser o autor da peça, Tchékhov escreve a Iordanov, médico de Taganrog, que “a representação foi excelente”. Claro que as declarações dos autores acerca das representações das suas próprias peças nem sempre devem ser tomadas à letra; mas isto mostra, em todo o caso, que as relações de Tchékhov com o Teatro de Arte não eram simples.
Embora teime em escrever que Alexeev e Nemiróvitch atraiçoam os seus dramas, não os confia a nenhum outro teatro; além disso, o seu período de criação mais intenso começa precisamente após o sucesso de A Gaivota no Teatro de Arte de Moscou: em menos de quatro anos, escreve dois dos seus dramas maiores, As Três Irmãs e O Cerejal. Até aí, as fases em que não escrevia para teatro eram muito mais longas. O que tende a provar que, apesar dos desacordos e dos mal-entendidos, Tchékhov sabia perfeitamente que o Teatro de Arte era a companhia que melhor podia interpretar os seus dramas e exprimir melhor o que distinguia a sua dramaturgia do drama realista clássico.
Obviamente que o Teatro de Arte tinha uma postura marcadamente naturalista e que Stanislavski gostava de sobrecarregar a encenação de detalhes que hoje podem parecer-nos ridículos. Assim, por exemplo, no início de A Gaivota – a acreditar num diário de bordo de Stanislavski – ouve-se uma série de sons destinados a fazer com que o espectador se sinta à beira de um lago rodeado de propriedades rurais: o canto de um bêbedo, o ladrar de um cão, o grasnar das rãs, o grito de um pássaro dos pântanos, os sinos de uma igreja, a queda de uma faísca, o ribombar de um trovão... Stanislavski prepara- se para oferecer ao público uma orgia de sons realistas semelhante, no segundo ato de O Cerejal; Tchékhov escreve-lhe ironicamente: “A colheita dos fenos teve lugar entre 20 e 25 de Junho; nesse período, as águas pararam de cantar e as
rãs também perderam o pio. Já só resta o verdelhão”.
No mesmo ato de O Cerejal, Stanislavski quer fazer passar um comboio ao fundo da cena. Tchékhov aceita o comboio, “se
o comboio puder passar sem fazer barulho”. No primeiro ato de O Tio Vânia, a personagem de Voinítski [Vânia] tem de usar uma espécie de rede de mosquiteiro na cabeça, enquanto as outras personagens devem estar sempre a dar palmadas na cara e nas mãos, a coçar-se, a fumar e bufar nuvens de fumo em seu redor para se protegerem dos insetos invasores. Graças a Nemiróvitch-Dántchenko, os mosquitos deixam de atormentar os heróis de Tchékhov, que podem finalmente entregar-se a tarefas mais importantes.
Por outro lado, com o seu gosto pelos efeitos e pela sobrecarga, Stanislavski arrastava por vezes os dramas tchekhovianos para o terreno do melodrama. Na encenação de A Gaivota, Trigorin era um dandy elegante, um grande sedutor melodramático, devastador dos corações femininos. Tchékhov lembrou a Stanislavski que o seu Trigorin usava umas calças aos quadrados e tinha um buraco na sola. Stanislavski confessa em A Minha Vida na Arte que precisou de vários anos para perceber o sentido da intervenção de Tchékhov: Trigorin é um medíocre e anda desajeitadamente vestido; a ingênua e provinciana Nina não se apaixona por um playboy irresistível, mas sim pela sua visão idealizada de um escritor famoso.
No quarto ato de As Três Irmãs, Stanislavski queria que carregassem com o cadáver em cena; isso provocou um verdadeiro
conflito com Tchékhov, que acabou por triunfar – o cadáver não apareceu em palco. O terceiro ato de O Cerejal também era encenado à maneira do melodrama por Stanislavski: uma Ranévskaia desesperada, um Gáev despreocupado, um Lopákhin grosseiro e fanfarrão que derrubava um candelabro, num gesto de teatralidade já caído em desuso.
Que poderíamos, hoje, censurar a Stanislavski? Decerto o fato de ter, no nosso entender, socializado (para não dizer politizado)
exageradamente os dramas de Tchékhov. Tornou-os muito mais comprometidos politicamente do que o são, transformou-os não apenas numa crítica aberta da sociedade como numa espécie de melodramas sociais repletos de ideias progressistas. Nos dramas de Tchékhov, Stanislavski viu sobretudo indivíduos excepcionais, confrontados com uma vida quotidiana sufocante, com uma realidade brutal aniquiladora dos bons sentimentos e das ambições nobres; homens de valor, vítimas de um meio que não permite a plena realização das suas aspirações. E, em O Cerejal, a visão de uma vida nova que advirá e já emerge nos escombros do velho mundo.
Numa palavra, dir-se-ia que Stanislavski ignorou completamente todas as ambiguidades e as nuances que hoje descobrimos nos dramas de Tchékhov, tudo aquilo que o incitou – e ele sabia
muito bem o que fazia – a chamar “comédias” a A Gaivota e a O Cerejal. Se é verdade que os heróis tchekhovianos se encontram minados por uma vida cinzenta e monótona e por uma sociedade estéril, não é menos certo que Voinítski nunca teria chegado a ser um Schopenhauer ou um Dostoievski, assim como o mano das três irmãs nunca teria chegado a ser um sábio; as questões levantadas por estes dramas não dizem respeito às qualidades de uma determinada sociedade, são inequivocamente problemas da existência humana.
Tudo isto é verdade. Há no entanto outra coisa que não deve ser negligenciada. Com efeito, não há dúvida que Stanislavski
e Nemiróvitch-Dántchenko encontraram a verdadeira chave do jogo dos dramas tchekhovianos. Durante os ensaios de A Gaivota, no Teatro Imperial de São Petersburgo, Tchékhov dizia que, em cena, não se devia representar, devia-se viver. Ora, isso tornar-se-á precisamente a ideia-chave da representação das peças no Teatro de Arte, o imperativo do método seguido por Stanislavski nas suas encenações. Claro que o “viver em cena” de Tchékhov só pode ser compreendido num contexto histórico perfeitamente preciso; o que o Teatro de Arte pretendia era descobrir umas tantas verdades psicológicas e outros tantos valores humanos que não podiam ser expressos pelo velho teatro.
Na maneira como Stanislavski encenava Tchékhov, hoje vemos um naturalismo psicológico e cênico disseminado numa infinidade de pormenores que já não se nos afiguram indispensáveis. E os tempos de pausa, demasiado longos, parecem-nos lentidões inadmissíveis mais do que propriamente a expressão eficaz de emoções profundas.
Porém, acho que esta maneira de representar, com todos os seus limites, hoje evidentes, fez precisamente compreender, pelo menos em parte, a verdadeira natureza da dramaturgia de Tchékhov.
Também não há dúvida de que o naturalismo do Teatro de Arte se revelou um quadro demasiado estreito para os dramas tchekhovianos, em que a imagem da vida não passa de um primeiro nível de leitura, um princípio e de modo nenhum um fim. Mas não é menos certo que, nos finais do século XIX, o teatro naturalista era o único teatro que discutia seriamente o homem, a sua vida e os seus valores. Os dramas de Tchékhov não eram bem compreendidos nesse teatro, mas convém não esquecer que no teatro que precedeu o naturalismo, e contra o qual este foi uma reação inevitável, o eram ainda menos.
Por último, as representações teatrais não se fazem no espaço vazio da análise literária ou estética, fazem-se no espaço que aqueles que vão ao teatro esperam. O Teatro de Arte fora fundado com a intenção de ser um teatro popular que oferecesse aos espectadores não apenas uma imagem mas também uma crítica da vida. Uma das primeiras peças que Stanislavski e Nemiróvitch-Dántchenko tinham inscrito no seu repertório era Hanneles Himmelfahrt, de Gerhart Hauptmann, que não chegou a estrear-se por ter sido proibida pela censura. Se A Gaivota de Tchékhov entrou para o repertório do Teatro de Arte, foi porque Nemiróvitch-Dántchenko achou que “nela batia a pulsação da vida russa”. De resto, teriam os dramas de Tchékhov podido ser diversamente encenados, num clima em que a necessidade de mudanças sociais radicais roçava a explosão?
Se hoje criticamos o naturalismo do Teatro de Arte e o seu desejo de nos mostrar os dramas de Tchékhov como sendo mais engajados do que realmente são – mediante uma espécie de simplificação da sua dramaturgia, que todavia contém verdades mais profundas e mais importantes –, não devemos perder de vista que, na época, um Tchékhov diferente, mais complexo, mais irônico e mais ambíguo, pura e simplesmente não teria sido percebido. E é bem possível que tivesse sido vaiado, como foi vaiado o Tchékhov melodramático de São Petersburgo, em 1896.
Atualmente, vemos outra coisa em Tchékhov e julgamos ter razão. Em O Cerejal, a cerejeira tornou-se para nós um símbolo, tal como o armário centenário ao qual Gáev dirige o seu célebre discurso. Mas o Teatro de Arte representava os dramas tchekhovianos numa época em que nem a cerejeira nem o armário eram puros símbolos, já que se tratavam de realidades palpáveis: todos os dias se vendiam cerejeiras, tal como centenas de velhos armários. Não será inútil pois recordar as palavras de T.S. Eliot: “A propósito de um escritor tão grande como Shakespeare, provavelmente nunca teremos razão; por conseguinte, talvez seja preciso mudar, de vez em quando, a nossa maneira de não termos razão”.
* “Tchekhov et le Théâtre d’Art de Moscou”. Théâtre en Europe. Nº 2 (Avr. 1984). p. 26-30.
Trad. Regina Guimarães.
Publicado em:
O Tio Vânia: [Programa]. Porto: Teatro Nacional São João, 2005. (Cadernos Tchékhov; vol. 1
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017
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Improvisação, uma necessidade
Marcelo LAZZARATTO1
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
A improvisação me interessa como o lugar do encontro
de um objeto estrangeiro, exterior ao jogador, com o imaginário deste.
Ela provoca o sujeito a reagir, seja no interior da proposta que lhe é feita,
seja em torno da proposta, explorando amplamente a zona que se
desenha para ele, segundo o modo como sua imaginação é convocada.
(RYNGAERT, 2009, p. 90)
Os artistas envolvidos na criação teatral, principalmente atores e diretores, utilizam em alguma etapa do processo criativo a Improvisação. Para a desinibição dos atores, para o estímulo à espontaneidade, para a análise ativa das relações e dos objetivos dos personagens, para a descoberta de possível material criativo que não é oferecido a priori pelo texto a ser encenado, para conquistar interação entre os atores envolvidos no jogo teatral, para desenvolver rapidez de raciocínio e prontidão, para colocar-se em uma situação buscando envolvimento, para oferecer aos atores a possibilidade de descoberta pessoal, para verificação das características dos personagens e para tantas outras coisas que a lista seria quase que infindável.
A Improvisação se presta a qualquer momento do processo. Cabe aos artistas envolvidos perceberem a sua utilidade a partir de suas necessidades. De Stanislavski a Peter Brook, passando por Brecht, Barba, Viola Spolin, Stela Adler, Michail Checov, Boal e Grotovski, todos em algum momento de suas criações e de seus sistemas de trabalho usam a Improvisação de acordo com suas teorias. Cada um ao seu modo propõe aos atores que improvisem oferecendo limites seja de linguagem, de objetivos, ou de traços estilísticos que pertençam à sua proposta estética.
Assim, nunca se falou e nem é possível falar em um método de Improvisação, pois traria em si uma contradição incontornável. Um método traz em sua essência uma ideia de finitude, acabada, uma fórmula pela qual se chega a um resultado já comprovado e verificado. Ora, a Improvisação é exatamente o oposto. Ela nunca será um fim e sim um meio. Não é possível dizer que se você fizer de tal e tal maneira num improviso você chegará a tal resultado, pois ela abre, durante seu acontecer, inúmeras possibilidades, que uma vez desenvolvidas, podem chegar
1 Marcelo Lazzaratto é ator, diretor, pesquisador teatral e Doutor em Artes. Leciona no Depto. de Artes Cênicas da Unicamp e é diretor artístico da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico. Publicou em 2011 o livro O campo de visão: exercício e linguagem cênica. E-mail: marevi@uol.com.br.
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a resultados diversos, tantas vezes quantas for realizada. Nunca se saberá ao certo qual será o fim de um Improviso. Ele dependerá de inúmeras variantes subjetivas que dizem respeito somente aos artistas que o executam.
É por isso que cada artista, cada diretor de teatro, estimula seus atores a sua maneira e encontra na Improvisação uma aliada que se adequa muito bem às suas características. Um diretor nem sempre se adequa à Improvisação, mas a Improvisação sempre se adequa ao diretor. Essa adequação ocorre devido ao fato de a Improvisação, além de ser um procedimento de treinamento, se constituir também como linguagem. Assim, ela cabe muito bem, por ser tão maleável, às exigências estéticas da encenação.
Mas os autores de maneira geral não se dedicam em seus textos à Improvisação como poderiam ou deveriam. Em seus livros se preocupam em conceituar princípios estéticos inovadores que tragam uma nova luz à cena, sentindo a necessidade do ponto final e da comprovação de sua investigação; e a Improvisação, por ser um meio e não um fim, não se presta a essa finalidade. Por ser muito difundida, utilizada por todos em todos os processos, é como se fosse um lugar-comum óbvio demais (a redundância aqui é necessária) para se prestar à inovação pretendida.
Ao contrário, creio que é por isso que deva ser valorizada e muito.
Mas como falar de Improvisação, oferecer seu real valor se ela em si é efêmera? Usar que metodologia para destrinchá-la?
Se o Teatro é efêmero, o Improviso é sua potencialização máxima. Tanto que requer muita disciplina e concentração para que os artistas recuperem momentos enriquecedores descobertos em uma Improvisação. Não há registro, como no improviso jazzístico. O vídeo, como todos sabem, não guarda sensorialidades que somente o calor da execução oferece. Sensorialidades advindas de um processo intuitivo de apreensão.
A intuição, além de ser algo extremamente valioso para qualquer artista, já que se refere a um conhecimento existente, imediato, mas não elaborado como discurso, traz à luz percepções apreendidas em algum momento que, ao se tomar partido delas, o ator lança-se em um terreno movediço que certamente será transformador. O ator, por ser alguém que encontra na prática sua razão de ser, seu entendimento, necessita da experimentação para compreender seus processos criativos. Ele não é um teórico que encontra unicamente no pensar a chave de seu ofício: não é somente o conhecimento lógico-racional que é válido para ele. Ele também está sujeito à experiência, levando em conta os sentimentos e as vontades frentes a ela. Seu
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Pitágoras, 500 – vol. 2 – Abr. 2012
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conhecimento não é, portanto, somente do tipo racional-discursivo, mas também, do tipo irracional-intuitivo. A experiência o transforma, pois o desequilibra. É no desequilíbrio que se descobre novos prumos, novas possibilidades inventivas. A Improvisação promove um desequilíbrio do “já conhecido”, já que opera, e muito, segundo e seguindo a intuição. Faz com que o ator ande na corda bamba em busca de um novo eixo, que se estabelecerá a cada dia e sempre sendo um novo eixo, sujeito às necessidades e variáveis da criação.
Na questão metodológica o problema se mostra com muita clareza, mas com pouca resolução. Que método abarcará as inúmeras variáveis proporcionadas por um procedimento que traz em sua essência processos intuitivos? Como já dito acima, a Improvisação não se adequa a um método. Brincando com termos da Física Quântica, ela está mais para onda do que para partícula. Pode estar nesse e/ou naquele registro. Servir a tal e/ou tal estilo. É capaz de multifacetar-se, está mais para reticências do que para ponto final.
Então, como demonstrá-la, como dar validade científica?
Se levarmos em consideração que a Improvisação é uma prática e os atores seres humanos que querem e sentem em busca do conhecimento, a intuição será sua grande aliada. Johannes Hessen em seu livro Teoria do conhecimento ao discutir sobre os problemas do intuicionismo diz:
(...) devemos fazer uma distinção. Trata-se da distinção entre o comportamento teórico e o prático. No campo teórico, a intuição não pode reclamar o direito de ser um meio de conhecimento autônomo, emparelhado ao conhecimento racional – discursivo. Nesse campo, o intelecto está com a palavra final. Toda intuição deve, aqui, legitimar-se perante o tribunal da razão. O opositor do intuicionismo está certo em fazer essa exigência. Mas as coisas já não se passam do mesmo modo no campo prático. A intuição possui, nesse terreno, uma importância autônoma. Enquanto seres que sentem e querem, a intuição é, para nós, o verdadeiro órgão do conhecimento. Se o que o intuicionismo ensina não é nada mais do que isso, a razão está do seu lado. (HESSEN, 2000, p. 110)
Acredito que o melhor método para investigar a Improvisação não é um método e sim um sistema, um sistema dinâmico que leva em conta as variáveis. Tal sistematização leva em conta a ideia de repetição, não fechando portas, mas permitindo a existência de lacunas originadas nas repetições, detectando e analisando as variáveis para que ocorra nova sistematização, num processo constante e ininterrupto. É por isso que há a necessidade de treinamento, elaboração e reflexão constantes.
Em uma época onde a ideia de arquétipo e inconsciente coletivo já tem mais de meio século e a ciência através da Física Quântica leva em conta a incerteza como dado científico, a
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probabilidade como certeza, o insight quântico como um dado inerente à criatividade, acredito que a Improvisação no teatro é o meio potencial para a verificação dessas características: lugar onde a incerteza é benéfica e transformadora, onde o a priori não tem espaço, as probabilidades verificadas, a sensorialidade estimulada até o insight e, em sintonia, a coletividade criadora instaurando uma atmosfera poética para trazer à luz ideias latentes no inconsciente.
Improvisar é alcançar a liberdade. Não uma liberdade utópica, romântica, mas sim, instaurar-se em um plano poético onde a impossibilidade não existe. A sensação dessa possibilidade leva o ator a conectar-se com prazeres até então não revelados, abrindo potencialidades de significação e compreensão que não advêm necessariamente da racionalidade. Improvisar faz o corpo pensar. Abole a divisão corpo/mente. Razão e sensibilidade juntas processando os mais variados estímulos e respondendo a eles de maneira criativa; pois nesse estado (corpo pensando), não há certo e errado, não há juízo de valor, muito menos maniqueísmos e dicotomias; o que há é o processo da dualidade, constante, entrelaçando-se em espiral como o DNA, como o anel de Moebius, onde figura e fundo coexistem, significando e dependendo um do outro.
Improvisar é abrir-se à inspiração e ao acaso. Inspiração no sentido de conexão, conexão com uma supra-consciência geradora da qual fazemos parte e que nos tira do estado de consciência cotidiano, banal e viciado para nos colocar em um estado poético de consciência, transgressor e atuante. Sentir-se inspirado é perceber a inexistência de obstáculos. É perceber a fluência em lugar do tranco. Ou melhor, levar em consideração o tranco como fluência.
Fayga Ostrower, em seu livro Acasos e criação artística, relacionando acaso e inspiração, nos diz que os acasos de alguma forma são esperados ainda que numa “expectativa inconsciente” e continua dizendo que:
é importante levar em consideração este ponto: o de uma expectativa latente em nós, em termos de mobilização psíquica e receptividade. Iluminará certas questões de inspiração. Mostrará a distinção a ser feita entre passividade e receptividade. As pessoas não são passivas frente aos estímulos – e não é qualquer estímulo que poderá tornar-se “acaso” ou “inspiração”. As pessoas estão é receptivas; receptivas, a partir de algo que já existe nela de forma potencial e que encontra no acaso como que uma oportunidade concreta de se manifestar. Por mais surpreendentes que sejam os acasos, eles nunca surgem de modo arbitrário e sim dentro de um padrão de ordenações, em que as expectativas latentes da pessoa e os termos de seu engajamento interior representam um elo vital na cadeia causa e efeito. (OSTROWER, 1999, p. 4)
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Somente nesse ponto é que chegamos ao estado de improviso. E para chegar a ele é necessário improvisar. Chega-se ao estado de improviso improvisando. Improvisação é matéria vivida. Ela faz com que não nos esqueçamos que o homem é constituído de carne, ossos, sangue e emoções. Ela nos alia, nós, atores e espectadores, novamente a forças vitais, reinstaurando-nos Dioniso. Canal aberto para o entusiasmo, no sentido que a Antiguidade nos legou: arrebatamento extraordinário daqueles que estavam sob inspiração divina. Caminho da espontaneidade que nos leva ao humor e à leveza, alargando e aprofundando as possibilidades criativas.
Por outro lado o “vale tudo” da Improvisação pode nos levar ao “qualquer coisa”. Um dos motivos pelos quais a Improvisação cai em descrédito é essa sua queda pela falta de rigor quando utilizada com incompetência. Por ser algo dinâmico, repleto de variáveis, que não visa exatamente um fim, mas entende que o caminho é a questão, a Improvisação exige que os atores e diretores processem seu fazer operando de uma outra forma. Uma reflexão mecanicista não suporta as variáveis do Improviso. Esse tipo de pensamento tende a querer resultados específicos e imediatos, tende a equacionar todas as coisas visando finais certeiros e reprodutíveis. A Improvisação exige uma mudança de paradigma. Ela nos ajuda a compreender que a arte do ator não é fixa, que a ação que ele fará amanhã em cena não é (mesmo) a mesma de hoje. Que sua reprodução é dependente de variáveis ao mesmo tempo objetivas e subjetivas, racionais e sensoriais, previstas e irremediavelmente ligadas ao acaso. Por isso deve-se adquirir uma nova forma de processar a Improvisação tanto no momento de seu acontecimento quanto no momento de sua reflexão.
O compositor, regente e educador Hans-Joachin Koellreutter a respeito da Improvisação em música e que se estende a qualquer Improvisação artística diz:
Não há nada que precise ser mais planejado do que uma Improvisação. Para improvisar é preciso definir claramente os objetivos que se pretende atingir. É preciso ter um roteiro, e a partir daí trabalhar muito: ensaiar, experimentar, refazer, avaliar, criticar, etc.. O resto é vale-tudismo! (BRITO, 2001, pp. 45-6)
Acrescentaria ao planejamento que os artistas envolvidos em uma Improvisação devam também estar abertos a compreenderem/sentirem a ideia/sensação de fluência, dinâmica, mobilidade, impregnação, aleatoriedade. Planejar para lançar-se. Saber que planejamos a vela, o mastro, as cordas, mas não o vento. Prevemos o vento, mas não o dominamos. A Improvisação
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ensina-nos a controlar sem controle. Por isso sua potência. Por isso ela desestabiliza e oferece o inesperado, o “novo”.
Improvisação é coisa séria. Não pode ser entendida apenas como “gambiarra”, como mascaramento de um erro, mas sim como meio de acesso à criatividade. É através dela que o ator encontrará o meio pelo qual expressará suas necessidades e desejos. O ator que não se lança ao improviso deixa de perceber que é através dele que sua necessidade de expressão pode se manifestar. Porque a Improvisação é o seu território, um território vivo. Ele pode, assim, subjugar-se à necessidade do autor e do diretor. Deixa de estabelecer um diálogo com tais necessidades. Ele deixa de ser artista e passa a ser um mero executor de tarefas. Ele perde contato consigo, deixa de perceber-se como homem inserido em um contexto em que todas as vozes devem ser ouvidas e compartilhadas. Impede seu grito.
Michael Chechov, em seu livro Para o ator, a respeito de Improvisação diz que:
Pensadores profundos, impelidos a expressarem-se, criaram seus próprios sistemas filosóficos. Do mesmo modo, um artista que se esforça por expressar suas convicções mais íntimas trata de aperfeiçoar seus próprios instrumentos de expressão, sua forma particular de arte. O mesmo, sem exceção, deve ser dito da arte do ator: seu desejo irrefreável e seu mais alto propósito também só podem ser satisfeitos por meio da livre Improvisação (CHECOV, 1986, p. 39).
Embora a Improvisação seja um procedimento que sempre existiu, às vezes com mais intensidade, como nos autos medievais e na Comédia dell’arte, outras vezes de maneira mais sutil como no Classicismo francês, é no século XX, com a modernidade, que ela ganha espaço definitivo nas manifestações artísticas: na música dita erudita de Stravinsky a Koellreutter passando por Cage; na popular com o aparecimento do Jazz nos Estados Unidos, onde a Improvisação é o próprio jazz, ou nos repentes nordestinos; nas artes plásticas através do conceito de Instalação levando em conta o visitante, relacionando-se com a obra de maneira improvisada e aleatória, os Parangolés de Hélio Oiticica sendo um exemplo próximo; e no teatro, a ideia de Performance Teatral advinda dos anos 60 com o Living Theatre.
Na contemporaneidade, neste momento em que o ator passa a ser o centro das atenções, onde o conceito ator-criador é amplamente divulgado (embora o considere uma redundância), em que o diálogo ator/encenador se dá de maneira mais franca e democrática, a Improvisação é o melhor instrumento de pesquisa para que esse ator possa se manifestar,
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A improvisação me interessa como o lugar do encontro
de um objeto estrangeiro, exterior ao jogador, com o imaginário deste.
Ela provoca o sujeito a reagir, seja no interior da proposta que lhe é feita,
seja em torno da proposta, explorando amplamente a zona que se
desenha para ele, segundo o modo como sua imaginação é convocada.
(RYNGAERT, 2009, p. 90)
Os artistas envolvidos na criação teatral, principalmente atores e diretores, utilizam em alguma etapa do processo criativo a Improvisação. Para a desinibição dos atores, para o estímulo à espontaneidade, para a análise ativa das relações e dos objetivos dos personagens, para a descoberta de possível material criativo que não é oferecido a priori pelo texto a ser encenado, para conquistar interação entre os atores envolvidos no jogo teatral, para desenvolver rapidez de raciocínio e prontidão, para colocar-se em uma situação buscando envolvimento, para oferecer aos atores a possibilidade de descoberta pessoal, para verificação das características dos personagens e para tantas outras coisas que a lista seria quase que infindável.
A Improvisação se presta a qualquer momento do processo. Cabe aos artistas envolvidos perceberem a sua utilidade a partir de suas necessidades. De Stanislavski a Peter Brook, passando por Brecht, Barba, Viola Spolin, Stela Adler, Michail Checov, Boal e Grotovski, todos em algum momento de suas criações e de seus sistemas de trabalho usam a Improvisação de acordo com suas teorias. Cada um ao seu modo propõe aos atores que improvisem oferecendo limites seja de linguagem, de objetivos, ou de traços estilísticos que pertençam à sua proposta estética.
Assim, nunca se falou e nem é possível falar em um método de Improvisação, pois traria em si uma contradição incontornável. Um método traz em sua essência uma ideia de finitude, acabada, uma fórmula pela qual se chega a um resultado já comprovado e verificado. Ora, a Improvisação é exatamente o oposto. Ela nunca será um fim e sim um meio. Não é possível dizer que se você fizer de tal e tal maneira num improviso você chegará a tal resultado, pois ela abre, durante seu acontecer, inúmeras possibilidades, que uma vez desenvolvidas, podem chegar
1 Marcelo Lazzaratto é ator, diretor, pesquisador teatral e Doutor em Artes. Leciona no Depto. de Artes Cênicas da Unicamp e é diretor artístico da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico. Publicou em 2011 o livro O campo de visão: exercício e linguagem cênica. E-mail: marevi@uol.com.br.
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a resultados diversos, tantas vezes quantas for realizada. Nunca se saberá ao certo qual será o fim de um Improviso. Ele dependerá de inúmeras variantes subjetivas que dizem respeito somente aos artistas que o executam.
É por isso que cada artista, cada diretor de teatro, estimula seus atores a sua maneira e encontra na Improvisação uma aliada que se adequa muito bem às suas características. Um diretor nem sempre se adequa à Improvisação, mas a Improvisação sempre se adequa ao diretor. Essa adequação ocorre devido ao fato de a Improvisação, além de ser um procedimento de treinamento, se constituir também como linguagem. Assim, ela cabe muito bem, por ser tão maleável, às exigências estéticas da encenação.
Mas os autores de maneira geral não se dedicam em seus textos à Improvisação como poderiam ou deveriam. Em seus livros se preocupam em conceituar princípios estéticos inovadores que tragam uma nova luz à cena, sentindo a necessidade do ponto final e da comprovação de sua investigação; e a Improvisação, por ser um meio e não um fim, não se presta a essa finalidade. Por ser muito difundida, utilizada por todos em todos os processos, é como se fosse um lugar-comum óbvio demais (a redundância aqui é necessária) para se prestar à inovação pretendida.
Ao contrário, creio que é por isso que deva ser valorizada e muito.
Mas como falar de Improvisação, oferecer seu real valor se ela em si é efêmera? Usar que metodologia para destrinchá-la?
Se o Teatro é efêmero, o Improviso é sua potencialização máxima. Tanto que requer muita disciplina e concentração para que os artistas recuperem momentos enriquecedores descobertos em uma Improvisação. Não há registro, como no improviso jazzístico. O vídeo, como todos sabem, não guarda sensorialidades que somente o calor da execução oferece. Sensorialidades advindas de um processo intuitivo de apreensão.
A intuição, além de ser algo extremamente valioso para qualquer artista, já que se refere a um conhecimento existente, imediato, mas não elaborado como discurso, traz à luz percepções apreendidas em algum momento que, ao se tomar partido delas, o ator lança-se em um terreno movediço que certamente será transformador. O ator, por ser alguém que encontra na prática sua razão de ser, seu entendimento, necessita da experimentação para compreender seus processos criativos. Ele não é um teórico que encontra unicamente no pensar a chave de seu ofício: não é somente o conhecimento lógico-racional que é válido para ele. Ele também está sujeito à experiência, levando em conta os sentimentos e as vontades frentes a ela. Seu
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conhecimento não é, portanto, somente do tipo racional-discursivo, mas também, do tipo irracional-intuitivo. A experiência o transforma, pois o desequilibra. É no desequilíbrio que se descobre novos prumos, novas possibilidades inventivas. A Improvisação promove um desequilíbrio do “já conhecido”, já que opera, e muito, segundo e seguindo a intuição. Faz com que o ator ande na corda bamba em busca de um novo eixo, que se estabelecerá a cada dia e sempre sendo um novo eixo, sujeito às necessidades e variáveis da criação.
Na questão metodológica o problema se mostra com muita clareza, mas com pouca resolução. Que método abarcará as inúmeras variáveis proporcionadas por um procedimento que traz em sua essência processos intuitivos? Como já dito acima, a Improvisação não se adequa a um método. Brincando com termos da Física Quântica, ela está mais para onda do que para partícula. Pode estar nesse e/ou naquele registro. Servir a tal e/ou tal estilo. É capaz de multifacetar-se, está mais para reticências do que para ponto final.
Então, como demonstrá-la, como dar validade científica?
Se levarmos em consideração que a Improvisação é uma prática e os atores seres humanos que querem e sentem em busca do conhecimento, a intuição será sua grande aliada. Johannes Hessen em seu livro Teoria do conhecimento ao discutir sobre os problemas do intuicionismo diz:
(...) devemos fazer uma distinção. Trata-se da distinção entre o comportamento teórico e o prático. No campo teórico, a intuição não pode reclamar o direito de ser um meio de conhecimento autônomo, emparelhado ao conhecimento racional – discursivo. Nesse campo, o intelecto está com a palavra final. Toda intuição deve, aqui, legitimar-se perante o tribunal da razão. O opositor do intuicionismo está certo em fazer essa exigência. Mas as coisas já não se passam do mesmo modo no campo prático. A intuição possui, nesse terreno, uma importância autônoma. Enquanto seres que sentem e querem, a intuição é, para nós, o verdadeiro órgão do conhecimento. Se o que o intuicionismo ensina não é nada mais do que isso, a razão está do seu lado. (HESSEN, 2000, p. 110)
Acredito que o melhor método para investigar a Improvisação não é um método e sim um sistema, um sistema dinâmico que leva em conta as variáveis. Tal sistematização leva em conta a ideia de repetição, não fechando portas, mas permitindo a existência de lacunas originadas nas repetições, detectando e analisando as variáveis para que ocorra nova sistematização, num processo constante e ininterrupto. É por isso que há a necessidade de treinamento, elaboração e reflexão constantes.
Em uma época onde a ideia de arquétipo e inconsciente coletivo já tem mais de meio século e a ciência através da Física Quântica leva em conta a incerteza como dado científico, a
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probabilidade como certeza, o insight quântico como um dado inerente à criatividade, acredito que a Improvisação no teatro é o meio potencial para a verificação dessas características: lugar onde a incerteza é benéfica e transformadora, onde o a priori não tem espaço, as probabilidades verificadas, a sensorialidade estimulada até o insight e, em sintonia, a coletividade criadora instaurando uma atmosfera poética para trazer à luz ideias latentes no inconsciente.
Improvisar é alcançar a liberdade. Não uma liberdade utópica, romântica, mas sim, instaurar-se em um plano poético onde a impossibilidade não existe. A sensação dessa possibilidade leva o ator a conectar-se com prazeres até então não revelados, abrindo potencialidades de significação e compreensão que não advêm necessariamente da racionalidade. Improvisar faz o corpo pensar. Abole a divisão corpo/mente. Razão e sensibilidade juntas processando os mais variados estímulos e respondendo a eles de maneira criativa; pois nesse estado (corpo pensando), não há certo e errado, não há juízo de valor, muito menos maniqueísmos e dicotomias; o que há é o processo da dualidade, constante, entrelaçando-se em espiral como o DNA, como o anel de Moebius, onde figura e fundo coexistem, significando e dependendo um do outro.
Improvisar é abrir-se à inspiração e ao acaso. Inspiração no sentido de conexão, conexão com uma supra-consciência geradora da qual fazemos parte e que nos tira do estado de consciência cotidiano, banal e viciado para nos colocar em um estado poético de consciência, transgressor e atuante. Sentir-se inspirado é perceber a inexistência de obstáculos. É perceber a fluência em lugar do tranco. Ou melhor, levar em consideração o tranco como fluência.
Fayga Ostrower, em seu livro Acasos e criação artística, relacionando acaso e inspiração, nos diz que os acasos de alguma forma são esperados ainda que numa “expectativa inconsciente” e continua dizendo que:
é importante levar em consideração este ponto: o de uma expectativa latente em nós, em termos de mobilização psíquica e receptividade. Iluminará certas questões de inspiração. Mostrará a distinção a ser feita entre passividade e receptividade. As pessoas não são passivas frente aos estímulos – e não é qualquer estímulo que poderá tornar-se “acaso” ou “inspiração”. As pessoas estão é receptivas; receptivas, a partir de algo que já existe nela de forma potencial e que encontra no acaso como que uma oportunidade concreta de se manifestar. Por mais surpreendentes que sejam os acasos, eles nunca surgem de modo arbitrário e sim dentro de um padrão de ordenações, em que as expectativas latentes da pessoa e os termos de seu engajamento interior representam um elo vital na cadeia causa e efeito. (OSTROWER, 1999, p. 4)
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Somente nesse ponto é que chegamos ao estado de improviso. E para chegar a ele é necessário improvisar. Chega-se ao estado de improviso improvisando. Improvisação é matéria vivida. Ela faz com que não nos esqueçamos que o homem é constituído de carne, ossos, sangue e emoções. Ela nos alia, nós, atores e espectadores, novamente a forças vitais, reinstaurando-nos Dioniso. Canal aberto para o entusiasmo, no sentido que a Antiguidade nos legou: arrebatamento extraordinário daqueles que estavam sob inspiração divina. Caminho da espontaneidade que nos leva ao humor e à leveza, alargando e aprofundando as possibilidades criativas.
Por outro lado o “vale tudo” da Improvisação pode nos levar ao “qualquer coisa”. Um dos motivos pelos quais a Improvisação cai em descrédito é essa sua queda pela falta de rigor quando utilizada com incompetência. Por ser algo dinâmico, repleto de variáveis, que não visa exatamente um fim, mas entende que o caminho é a questão, a Improvisação exige que os atores e diretores processem seu fazer operando de uma outra forma. Uma reflexão mecanicista não suporta as variáveis do Improviso. Esse tipo de pensamento tende a querer resultados específicos e imediatos, tende a equacionar todas as coisas visando finais certeiros e reprodutíveis. A Improvisação exige uma mudança de paradigma. Ela nos ajuda a compreender que a arte do ator não é fixa, que a ação que ele fará amanhã em cena não é (mesmo) a mesma de hoje. Que sua reprodução é dependente de variáveis ao mesmo tempo objetivas e subjetivas, racionais e sensoriais, previstas e irremediavelmente ligadas ao acaso. Por isso deve-se adquirir uma nova forma de processar a Improvisação tanto no momento de seu acontecimento quanto no momento de sua reflexão.
O compositor, regente e educador Hans-Joachin Koellreutter a respeito da Improvisação em música e que se estende a qualquer Improvisação artística diz:
Não há nada que precise ser mais planejado do que uma Improvisação. Para improvisar é preciso definir claramente os objetivos que se pretende atingir. É preciso ter um roteiro, e a partir daí trabalhar muito: ensaiar, experimentar, refazer, avaliar, criticar, etc.. O resto é vale-tudismo! (BRITO, 2001, pp. 45-6)
Acrescentaria ao planejamento que os artistas envolvidos em uma Improvisação devam também estar abertos a compreenderem/sentirem a ideia/sensação de fluência, dinâmica, mobilidade, impregnação, aleatoriedade. Planejar para lançar-se. Saber que planejamos a vela, o mastro, as cordas, mas não o vento. Prevemos o vento, mas não o dominamos. A Improvisação
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ensina-nos a controlar sem controle. Por isso sua potência. Por isso ela desestabiliza e oferece o inesperado, o “novo”.
Improvisação é coisa séria. Não pode ser entendida apenas como “gambiarra”, como mascaramento de um erro, mas sim como meio de acesso à criatividade. É através dela que o ator encontrará o meio pelo qual expressará suas necessidades e desejos. O ator que não se lança ao improviso deixa de perceber que é através dele que sua necessidade de expressão pode se manifestar. Porque a Improvisação é o seu território, um território vivo. Ele pode, assim, subjugar-se à necessidade do autor e do diretor. Deixa de estabelecer um diálogo com tais necessidades. Ele deixa de ser artista e passa a ser um mero executor de tarefas. Ele perde contato consigo, deixa de perceber-se como homem inserido em um contexto em que todas as vozes devem ser ouvidas e compartilhadas. Impede seu grito.
Michael Chechov, em seu livro Para o ator, a respeito de Improvisação diz que:
Pensadores profundos, impelidos a expressarem-se, criaram seus próprios sistemas filosóficos. Do mesmo modo, um artista que se esforça por expressar suas convicções mais íntimas trata de aperfeiçoar seus próprios instrumentos de expressão, sua forma particular de arte. O mesmo, sem exceção, deve ser dito da arte do ator: seu desejo irrefreável e seu mais alto propósito também só podem ser satisfeitos por meio da livre Improvisação (CHECOV, 1986, p. 39).
Embora a Improvisação seja um procedimento que sempre existiu, às vezes com mais intensidade, como nos autos medievais e na Comédia dell’arte, outras vezes de maneira mais sutil como no Classicismo francês, é no século XX, com a modernidade, que ela ganha espaço definitivo nas manifestações artísticas: na música dita erudita de Stravinsky a Koellreutter passando por Cage; na popular com o aparecimento do Jazz nos Estados Unidos, onde a Improvisação é o próprio jazz, ou nos repentes nordestinos; nas artes plásticas através do conceito de Instalação levando em conta o visitante, relacionando-se com a obra de maneira improvisada e aleatória, os Parangolés de Hélio Oiticica sendo um exemplo próximo; e no teatro, a ideia de Performance Teatral advinda dos anos 60 com o Living Theatre.
Na contemporaneidade, neste momento em que o ator passa a ser o centro das atenções, onde o conceito ator-criador é amplamente divulgado (embora o considere uma redundância), em que o diálogo ator/encenador se dá de maneira mais franca e democrática, a Improvisação é o melhor instrumento de pesquisa para que esse ator possa se manifestar,
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