segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Para onde ir"

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Belíssimo encontro na Laura Alvim

Lionel Fischer


"O monólogo é construído a partir do personagem Marmieládov, da obra Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), e de Uma Temporada no Inferno, de Arthur Rimbaud (1854-1891), ambas fazendo uma homenagem à poesia crítica A infanticida Maria Farrar, de Bertold Brecht (1898-1956). Alcoolismo, desemprego, pobreza, miséria, violência contra a mulher, prostituição infantil, infanticídio e autodestruição estão entre os temas abordados. A ação se passa em uma taverna. Marmieládov bebe em uma mesa. Ao ver que o ambiente começa a ficar cheio de fregueses, aproxima-se ora de um, ora de outro, para contar-lhes as dificuldades que passa por causa do vício, a necessidade de sustentar sua família e as desventuras de sua vida".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, "Para onde ir" é o segundo projeto da Te-Un Teatro (o primeiro foi "Blackbird"). Em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, o texto foi adaptado por Yashar Zambuzzi, também intérprete do monólogo, cabendo a Viviani Rayes a direção do espetáculo. 

Embora não seja o protagonista de "Crime e Castigo" (talvez a obra que analisou de forma mais profunda o sentimento de culpa), nem por isso deixam de ser extremamente pertinentes as considerações que Marmieládov faz sobre os temas mencionados no parágrafo inicial, dentre elas as que envolvem sua filha Sônia, forçada pela miséria a se prostituir ainda na adolescência e que mais adiante estabelece profunda relação com o protagonista Raskólnikov, a quem aponta o caminho da redenção. 

Durante a primeira parte do espetáculo, volta e meia o personagem diz: "Os senhores, por favor, não fiquem indignados, pois todos nós precisamos da ajuda dos outros, coitados". Este trecho foi extraído do poema "A infanticida Maria Farrar", de Brecht, que narra a tragédia de uma jovem que engravida, é abandonada, tem seu filho e sem nenhuma condição de criá-lo sozinha, mata o bebê e é condenada. Finalmente, na parte final, o personagem se apropria dos dilacerados e devastadores pensamentos de Rimbaud, expostos em "Uma temporada no inferno", furioso libelo de um jovem poeta contra a hipocrisia - dentre muitos outros temas, naturalmente.

Diante do exposto, uma questão poderia ser colocada: teria Yashar Zambuzzi conseguido criar uma unidade entre textos tão diversos a ponto de conferir verossimilhança ao contexto em que se dá "Para onde ir"?. Em minha opinião, sim, e de forma brilhante. E não me refiro apenas à escolha do que é dito, mas também à forma com que o ator trabalha os conteúdos propostos - quando encarna o bêbado Marmieládov na taverna e se dirige aos espectadores, o ritmo é intenso, mas cadenciado; no entanto, quando parece incorporar o jovem Rimbaud, e mesmo que ainda na taverna, o ator parece estar possuído pelo furor das grandes tempestades, impondo um ritmo vertiginoso às suas falas e praticamente sem estabelecer uma relação mais direta com a plateia, ainda que sem ignorá-la. Sem dúvida, uma performance extraordinária, que certamente constituirá um marco na atual temporada.

Quanto à direção de Viviani Rayes, esta merece ser considerada primorosa. Em primeiro lugar pela dinâmica que impõe à cena, em total sintonia com o material dramatúrgico - suas marcações dão sempre a sensação de que não existe uma saída possível, uma vez que o desespero prevalece, aos poucos se acentua e tudo parece se encaminhar para um trágico desfecho; neste particular, a tragédia não seria a morte, mas a total perda da esperança. Afora isso, a encenadora conduziu o ator com absoluta maestria, dele extraindo, como já foi dito, uma atuação que produz um inesquecível encontro entre quem faz e quem assiste, essencial premissa da arte teatral.

Com relação à equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de Rogério França (figurinos), Elisa Tandeta (iluminação), Chico Rota (trilha original) e Yashar Zombuzzi e Viviani Rayes (cenografia) - esta última prioriza uma devastadora e irremediável sensação de decrepitude e decadência.

PARA ONDE IR - Texto de Dostoiévski e Rimbaud. Adaptação e atuação de Yashar Zambuzzi. Direção de Viviani Rayes. Casa de Cultura Laura Alvim. Terça a sábado, 20h. Domingo, 19h. 














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