Teatro/CRÍTICA
"O futuro por metade: variações cênicas sobre uma mesma conferência"
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Deliciosas variantes no Sesc
Lionel Fischer
Poeta, contista, escritor e jornalista (e também biólogo), o moçambicano Mia Couto fez uma intervenção em 2007, em Maputo, quando se celebrava Ibsen, um dos primeiros dramaturgos a escrever uma obra ("Casa de bonecas") reivindicando uma nova posição para as mulheres numa sociedade eminentemente machista. Tal intervenção, intitulada "O futuro por metade", serviu como ponto de partida para o presente e original espetáculo.
A originalidade em questão se deve à forma como o projeto foi estruturado. O texto de Mia Couto, se reduzido à sua máxima essência, nos diz o seguinte: "É fácil (embora se vá tornando raro) ser-se solidário com os outros. Difícil é sermos os outros". A partir desta incontestável premissa, os diretores Oscar Saraiva, André Paes Leme, Vítor Lemos e Alexandre Mello criaram variantes em cima do texto de Mia Couto ("Cá entre nós", "Bulhufas", "Partidas: para onde este bilhete nos leva?" e "O futuro é mulher"), sendo a terceira norteada por bilhetes entregues às duas atrizes, Helena Varvaki e Julia Morales. O resultado pode e deve ser conferido na Sala Multiuso do Espaço Sesc.
Num mundo em que a solidão e o individualismo imperam, nada mais difícil do que interessar-se pelo outro. Quanto a tornar-se o outro, ainda que tal simbiose não deva ser entendida literalmente, trata-se de tarefa quase utópica, ainda que imprescindível. E a presente montagem empreende divertidas, dramáticas e pertinentes reflexões sobre o tema, valendo-se de diversificadas tramas - não julgo procedente aqui explicitá-las, posto que isso privaria o espectador de deliciosas surpresas.
Ainda assim, cabe ressaltar a riqueza do material dramatúrgico e sobretudo a forma como foi materializado na cena, cujo despojamento só faz ressaltar os conteúdos propostos e a ótima contracena que as duas atrizes estabelecem. Posso estar enganado, evidentemente, mas me parece que os encenadores objetivaram não apenas criar variantes (ótimas, por sinal) em cima do mesmo tema, mas também enfatizar que, sendo o teatro a arte do encontro, como o define Peter Brook, tal encontro depende fundamentalmente do elo que se estabelece entre quem faz e quem assiste. Sem isso, o fenômeno teatral inexiste, por mais faustosa que venha a ser uma produção. E aqui esse encontro se dá de forma ao mesmo tempo simples e visceral.
Julia Morales é uma jovem atriz que reúne todas as condições para trilhar brilhante carreira como intérprete - tem presença, carisma, ótima voz e grande expressividade corporal. Quanto a Helena Varvaki, trata-se de uma profissional completa, sob todos os pontos de vista, e cuja trajetória artística se caracteriza pela seriedade de suas escolhas e a consciência que certamente possui de que o teatro não pode ser reduzido a uma espécie de couvert de inevitáveis pizzas. Helena Varvaki jamais empresta seu talento a algo que não considere significativo e por isso é tão importante para o teatro carioca.
Com relação à equipe técnica, considero irrepreensíveis as contrbuições de todos os profissionais envolvidos nesta original e oportuna empreitada teatral - Flavio Souza (cenário e figurino), Renato Machado (iluminação) e Flávio Pereira, responsável pelo charmosíssimo projeto gráfico.
O FUTURO POR METADE: VARIAÇÕES CÊNICAS SOBRE UMA MESMA CONFERÊNCIA - Texto de Mia Couto. Direção de Alexandre Mello, André Paes Leme, Oscar Saraiva e Vítor Lemos. Com Helena Varvaki e Julia Morales. Sala Multiuso do Espaço Sesc. Quinta, sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h.
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Sudeste e Nordeste dominam
inscrições em Prêmio
A segunda edição do Prêmio Abdias Nascimento de Jornalismo, que encerrou suas inscrições em agosto, tem na disputa trabalhos enviados de todas as regiões do Brasil, com destaque maior para os estados do Nordeste e Sudeste. Profissionais de alguns dos principais veículos de comunicação – como O Globo, Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo, Agência Brasil, Carta Capital, Correio da Paraíba, Diário do Nordeste, SBT, Canal Futura e Globonews – estão participando.
Neste ano, o prêmio teve maior adesão de diferentes regiões. Enquanto 50,3% das inscrições vieram do Sudeste, 27% são de jornalistas do Nordeste, e 11% do Centro-Oeste. A novidade foi o aumento das participações das regiões Sul (8%) e Norte (3,7%).
“Estes indicadores fortalecem nossa avaliação de que a estratégia que constou no plano de ação para realizar lançamentos do catálogo da primeira edição do prêmio e do vídeo documentário em diferentes capitais brasileiras foi bem sucedida”, conta Angélica Basthi, coordenadora da premiação, que tem como foco trabalhos jornalísticos que retratem o Brasil plural e diversificado.
Entre as categorias do Prêmio Abdias, a de Mídia Impressa teve 25,8% do total de inscrições desta segunda edição. Em seguida vem a Internet, com 18,4%. A categoria Televisão teve 16%, e a Especial de Gênero alcançou 14,1% do total de inscritos. As demais categorias tiveram 11,7% (Fotografia), 7,4% (Mídia Alternativa) e 6,7% (Rádio).
O Prêmio Jornalista Abdias Nascimento é uma iniciativa da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio), vinculada ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. Conta com o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), das demais Cojiras que atuam no Distrito Federal, São Paulo, Alagoas, Paraíba e Bahia, do Núcleo de Jornalistas Afro-Brasileiros (do Rio Grande do Sul) e do Centro de Informações das Nações Unidas (ONU). O patrocínio é da Fundação Ford, Fundação W. K. Kellogg e da Oi.
Informações: www.premioabdiasnascimento.org.br
Siga-nos
Facebook http://www.facebook.com/profile.php?id=100002524486629
Twitter @premioabdias
Orkut http://www.orkut.com.br/Main#Home
Prêmio Abdias/Agência Produtora
producaopremio@gmail.com
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inscrições em Prêmio
A segunda edição do Prêmio Abdias Nascimento de Jornalismo, que encerrou suas inscrições em agosto, tem na disputa trabalhos enviados de todas as regiões do Brasil, com destaque maior para os estados do Nordeste e Sudeste. Profissionais de alguns dos principais veículos de comunicação – como O Globo, Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo, Agência Brasil, Carta Capital, Correio da Paraíba, Diário do Nordeste, SBT, Canal Futura e Globonews – estão participando.
Neste ano, o prêmio teve maior adesão de diferentes regiões. Enquanto 50,3% das inscrições vieram do Sudeste, 27% são de jornalistas do Nordeste, e 11% do Centro-Oeste. A novidade foi o aumento das participações das regiões Sul (8%) e Norte (3,7%).
“Estes indicadores fortalecem nossa avaliação de que a estratégia que constou no plano de ação para realizar lançamentos do catálogo da primeira edição do prêmio e do vídeo documentário em diferentes capitais brasileiras foi bem sucedida”, conta Angélica Basthi, coordenadora da premiação, que tem como foco trabalhos jornalísticos que retratem o Brasil plural e diversificado.
Entre as categorias do Prêmio Abdias, a de Mídia Impressa teve 25,8% do total de inscrições desta segunda edição. Em seguida vem a Internet, com 18,4%. A categoria Televisão teve 16%, e a Especial de Gênero alcançou 14,1% do total de inscritos. As demais categorias tiveram 11,7% (Fotografia), 7,4% (Mídia Alternativa) e 6,7% (Rádio).
O Prêmio Jornalista Abdias Nascimento é uma iniciativa da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio), vinculada ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. Conta com o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), das demais Cojiras que atuam no Distrito Federal, São Paulo, Alagoas, Paraíba e Bahia, do Núcleo de Jornalistas Afro-Brasileiros (do Rio Grande do Sul) e do Centro de Informações das Nações Unidas (ONU). O patrocínio é da Fundação Ford, Fundação W. K. Kellogg e da Oi.
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quarta-feira, 26 de setembro de 2012
CONVITE
O X FIL - tem a alegria de convidar alunos e professores do TABLADO para participarem da Mesa Redonda sobre Shakespeare e da Oficina de Teatro do Objeto / Atelier de Bi-nacionalidade com a Cia. holandesa TAMTAM.
MESA REDONDA SHAKESPEARE NO BRASIL, ANO 2013 – No dia 27 de setembro (5ª feira) às 17h no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), o X FIL vai antecipar para os amantes do teatro um pouco do Ano de Shakespeare no Brasil – 2013. Contará com quatro especialistas:
PAUL HERITAGE – diretor artístico do 'PEOPLE's PALACE PROJECT’ – Londres;
GERALDINHO CARNEIRO – escritor, autor de adaptações e traduções de peças de Shakespere;
MIGUEL VELLINHO - diretor teatral da Cia PeQuod, que trabalha atualmente numa adaptação de ‘A Tempestade' para a linguagem do teatro de bonecos;
PAULO REIS - diretor teatral que assinou uma montagem histórica 'A Tempestade', no Parque Lage, nos anos 1980.
A entrada é franca. Inscrições por email: filprimavera2012@gmail.com
OFICINA de TEATRO DO OBJETO e ATELIER de BI-NACIONALIDADE com a CIA. TAMTAM - HOLANDA - No dia 01 de outubro (2ª feira), das 14h às 17h, no Teatro do Jockey. Às 19h será apresentado o resultado do atelier.
http://www.youtube.com/watch?v=IAIVHOdPn9o&feature=player_embedded / http://www.tamtamtheater.nl
A entrada é franca. Inscrições por email: filprimavera2012@gmail.com
Mais informações no site: www.fil.art.br
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O X FIL - tem a alegria de convidar alunos e professores do TABLADO para participarem da Mesa Redonda sobre Shakespeare e da Oficina de Teatro do Objeto / Atelier de Bi-nacionalidade com a Cia. holandesa TAMTAM.
MESA REDONDA SHAKESPEARE NO BRASIL, ANO 2013 – No dia 27 de setembro (5ª feira) às 17h no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), o X FIL vai antecipar para os amantes do teatro um pouco do Ano de Shakespeare no Brasil – 2013. Contará com quatro especialistas:
PAUL HERITAGE – diretor artístico do 'PEOPLE's PALACE PROJECT’ – Londres;
GERALDINHO CARNEIRO – escritor, autor de adaptações e traduções de peças de Shakespere;
MIGUEL VELLINHO - diretor teatral da Cia PeQuod, que trabalha atualmente numa adaptação de ‘A Tempestade' para a linguagem do teatro de bonecos;
PAULO REIS - diretor teatral que assinou uma montagem histórica 'A Tempestade', no Parque Lage, nos anos 1980.
A entrada é franca. Inscrições por email: filprimavera2012@gmail.com
OFICINA de TEATRO DO OBJETO e ATELIER de BI-NACIONALIDADE com a CIA. TAMTAM - HOLANDA - No dia 01 de outubro (2ª feira), das 14h às 17h, no Teatro do Jockey. Às 19h será apresentado o resultado do atelier.
http://www.youtube.com/watch?v=IAIVHOdPn9o&feature=player_embedded / http://www.tamtamtheater.nl
A entrada é franca. Inscrições por email: filprimavera2012@gmail.com
Mais informações no site: www.fil.art.br
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Mestre ou louco?
Martin Esslen
Poucos meses antes de sua morte, a "Radiodiffusion Française" pediu a Antonin Artaud que preparasse um programa para a série La Voix des Poètes; ele escreveu e gravou um poema radiofônico para quatro vozes, xilofone e percussão, que intitulou Pour en finir le jugement de Dieu (Para acabar com o julgamento de Deus). O programa deveria ser tansmitido a 2 de fevereiro de 1948 mas, no dia anterior, o diretor-geral da "Radiodiffusion Française" mandou cancelá-lo, alegando que era blasfemo e obsceno e representaria intolerável ofensa aos ouvintes.
A intensão era claramente a de também destruir a gravação dessa produção escandalosa. Apesar disso, cópias clandestinas chegaram até nós. Uma delas - posteriormente reproduzida em fita cassete, o que muito prejudicou sua qualidade - está em meu poder. Assim posso ouvir a própria voz de Artaud a declamar seu texto estranho e violento e a soltar gritos selvagens, lancinantes, inarticulados - explosões de tão profunda intensidade da angústia para além das palavras, que fazem gelar o sangue: é como se todo o sofrimento humano, toda a carga acumulada do gênero humano, raiva frustrada, tormento e dor estivessem comprimidos nesses guinchos torturados, primários.
Seria extremamente fácil desprezá-los como simples ulular demente de um louco. É fora de dúvida que contêm um elemento de insanidade mental; mas há neles muito mais do que simples loucura. Contudo, se não se trata apenas de loucura, o que será?
Uma resposta a esta pergunta poderia fornecer explicação para o impacto imenso, surpreendente e dificilmente compreensível que Artaud tem produzido na geração formada após o seu falecimento em 1948, impacto que, sem dúvida, o credencia a ser visto como um dos "mestres modernos" e se manifesta em numerosas e diferentes esferas: certamente no teatro, mas também na poesia, na crítica literária, na psicologia, na ideologia política, na filosofia, no culto à droga e na busca de estilos de vida opcionais. A própria frequência com que o nome de Artaud é invocado na França, nos Estados unidos e em muitos outros países ocidentais faz dele uma figura cuja influência deve ser reconhecida entre as forças que moldam o pensamento e o sentimento do nosso tempo e, ao menos em certa medida, contribuem para o seu clima intelectual.
Contudo, se Artaud forma entre os mestres modernos, não é nada fácil dizer em qual das categorias reconhecidas de realização cabe a sua contribuição. Ele não é um pensador, com o crédito da produção de um corpo coerente de conhecimento original ou de haver rasgado novos campos de pesquisa; nem foi um realizador, um homem de ação, herói manipulador de acontecimentos, influente sobre o curso da História; e embora tenha sido certamente um poeta de grande poder, não é sua poesia que lhe explica a influência.
Seus escritos sobre teatro têm influído consideravelmente, mas sua obra existente neste domínio é geralmente reconhecida como um insucesso, e devendo ser visto antes como inspirador da obra dos outros do que como um grande orientador por seus próprios méritos. Neste ponto, parece-se com as poderosas figuras que, embora sem produzir algo como um sistema de pensamento tangível, comprovável, atuam como catalizadores e estímulo para os outros, ao desvendar novas áreas à especulação e dirigir a atenção para novas maneiras de ver - profetas de novas visões, como Nietzsche ou Marshall McLuhan.
Assim como estes, Artaud foi pioneiro de um novo enfoque, inventor de novo vocabulário. Esta é uma contribuição verdadeira e importante; apesar disso, não explica a influência mais ampla e mais profunda de Artaud em áreas bem distanciadas do teatro.
Acima de tudo, acho que Artaud é exemplo de outro e mais misterioso tipo de personalidade, com maior influência e impacto: um desses mestres cuja influência provém não tanto do que tenham logrado ou feito concretamente, em termos tangíveis, quanto daquilo que são e tenham sofrido. A influência de poderosas figuras desse tipo deriva, em última instância, da imagem própria que legaram e que se tornou, de alguma forma e misteriosamente, a encarnação encapsulada, nítida, sintética, de apreensão imediata, de todo um complexo de atitudes, idéias e preceitos contidos nessa imagem.
Tais personalidades irradiam uma força imensa e exercem influência de longo alcance porque sua imagem se tornou um símbolo, metáfora poética concisa de sua vida inteira, de seu caráter e ensinamento. Ao pensar-se em Artaud, ocorre imediatamente essa sua imagem, melhor dito, uma entre as duas imagens que passaram a representá-lo e à sua experiência de vida: o jovem monge, belo e espiritual, ao lado de Santa Joana que é amarrada ao poste, no filme La Passion de Jeanne d'Arc, de Carl Theodor Dreyer, o rosto magro e ascético, os olhos inflamados de paixão, captados em close-ups irresistíveis; ou a face vincada, devastada do velho acabado e desdentado que nos fita dos auto-retratos feitos por Artaud nos últimos anos de sua vida, após emergir de uma década de confinamento em manicômios. Ambas essas imagens permanecem gravadas na memória. São inesquecíveis.
Entre os grandes escritores e profetas, Artaud é único, porque foi ator de cinema e sua imagem viva, em movimento, permanece conosco, assim como sua voz gravada; isto contribui certamente para o surgimento de sua imagem como uma força a ser tida em conta e para sua crristalização como símbolo de uma atitude diante da vida. Que não se negue importância à aparência de uma tal figura.
Artaud, teórico do teatro, incansável em acentuar o primado da realidade concreta do corpo sobre o simples e cálido sopro do discurso e do pensamento abstrato, representa ele próprio a concepção de que a aparência do homem pode conter e exprimir sua verdade essencial.
Teria jamais Che Guevara, revolucionário malsucedido e pensador sem originalidade, adquirido a influência que exerceu entre os jovens da geração de 1968, não houvesse sua imagem - o belo rosto martitizado, de seu corpo assassinado - seduzido a imaginação e encarnado o complexo conjunto de doutrina, paixão e estilo de vida?
Algumas dessas imagens-símbolos podem adquirir sua força por mero acaso. Não foi assim com Artaud. Ele moldou deliberadamente a própria imagem, com plena consciência do que fazia. Entre a face do jovem monge de 1928, cheio de sentimento, e o rosto do mártir, desdentado e devastado, de 1948, há toda uma vida de sofrimento que Artaud via como sua realização artística definitiva: Não me basta mais a tragédia no palco, vou transferi-la para minha própria vida.
Ele planejou sua vida, assumiu e suportou seu sofrimento como uma criação proposital, uma obra de arte. E a dupla imagem que permanece conosco condensa e sumariza toda a sua existência, é, em certo sentido, aquela obra de arte ou, ao menos, uma metáfora dela.
Imagens do Homem de tal complexidade interior, concisão e força expressiva são a matéria de que se fazem os mitos. Algumas dessas imagens são criadas pela própria História e a destilam em símbolos abrangentes, universalmente compreendidos: Santa Joana, a moça em uniforme de soldado cavalgando à frente dos exércitos libertadores; São Sebastião, crivado de flechas; Lenin, em pose oratória, a cabeça projetada à frente, o braço erguido num gesto ardoroso.
Outras dessas imagens geradoras de mitos são criações deliberadas: Alfred Jarry feito Ubu, autor transmutado em sua própria ficção; ou Barbey d'Autrevilly, eterno dândi literário, a passear em Paris com sua lagosta pela trela; ou Chatterton, que se fez a imagem do jovem poeta martitrizado. Tais imagens-feitas-mitos podem tornar-se objetos de culto: o que todas elas, cada qual em seu próprio nível, têm em comum é, de fato, o mistério da encarnação - um corpo de idéias, preceitos, experiências tornadas concretas, feitas de carne; a história de uma vida e uma morte comprimidas numa única e memorável estampa, capaz de provocar imediata resposta emocional.
Numa tal imagem, a palavra, o conceito é tornado palpável e ganha presença física. O Verbo encarnado, o Salvador na Cruz, é o maior e o mais poderoso de todos esse símbolos. O fenômeno existe, porém, numa multidão de níveis diferentes, até o mais humilde e trivial. No outro extremo do espectro, o último degrau da escada, estão as encarnações, criadas artificialmente, das aspirações da mente das massas, figuras de culto como James Dean ou Marilyn Monroe.
Estranhamente, Antonin Artaud foi um ator e um profeta, imagem na tela tremeluzente e santo martirizado, figura na qual o fingimento e os vislumbres profundamente estéticos, filosóficos e humanos se mesclam: um rosto fino, um sábio, um mestre e um lunático, todos em um só.
Com sua lucidez exepcional - a lucidez do louco, dizem alguns - o próprio Artaud jamais pôs em dúvida que seu impacto como artista e mestre dependia da própria capacidade de encarnar magistério e arte em sua personalidade - Onde outros buscam criar obras de arte, eu não aspiro senão a mostrar meu espírito...Não concebo uma obra de arte dissociada da vida - proclamava ele já em 1925, antes de chegar aos trinta anos de idade.
Portanto, qualquer tentativa de apresentar ou compreender Artaud deve ter como ponto de partida a sua vida. Ele é o verdadeiro herói existencial: o que fez, o que lhe aconteceu, o que sofreu e o que foi são infinitamente mais importantes do que tudo quanto tenha dito ou escrito. Na verdade, suas opiniões são tão voláteis, tão contraditórias, que seria fácil provar, à base de citações de suas cartas e obras publicadas, ter sido ele um cristão profundamente devoto e praticamente, e também um ateu blasfemo que com isso se gloriava; que tanto pregava a revolução violenta, quanto rejeitava toda ação política declarada; via a salvação no excesso sexual e na mais louca indulgência dos sentidos, e encarava a sexualidade como fonte última de todos os males que assaltavam a humanidade; era um líder surrealista, e considerava os participantes desse movimento uma ralé de pretensiosos vigaristas; e ainda toda uma série de proposições contraditórias.
Na verdade, cada um desses pronunciamentos somente pode ser compreendido a partir de uma situação da vida, do contexto existencial que o gerou. É ocioso argumentar, como fazem os que consideram Artaud útil escora para suas causas particulares, que ele estava lúcido e na plena posse de suas faculdades mentais ao expressar a opinião que lhes interessa citar, e completamente louco e alheio ao que dizia, ao externar ponto de vista oposto. A verdade é que sustentava todas as suas opiniões com idêntica e apaixonada sinceridade, no instante em que as expressava, e que é impossível traçar uma linha reta e nítida entre seus pensamentos de "sanidade" e os outros de "loucura", se realmente o conceito de loucura pode ser mesmo validamente aplicado a uma personalidade como a dele.
Artaud, porém, encarna mais - e mais complexos - conceitos e problemas do que ele próprio jamais se daria conta. Seus sofrimentos, por exemplo, corporificam e exemplificam, de forma espantosamente clara e concentrada, uma das questões mais ardorosamente debatidas e significativas que surgiram em nosso tempo: Artaud fornece um foco e um exemplo primacial à controvérsia sobre a natureza da insanidade, na qual Michel Foucault, na França, e R. D. Laing e Thomas Szasz, no mundo de fala inglesa, desempenham um papel tão proeminente, controvérsia que faz surgir problemas muito mais amplos que o da saúde mental e contém uma crítica fundamental de toda a nossa sociedade e modo de vida. Similarmente, Artaud, viciado em drogas e vítima delas, encarnou, muito antes de essas questões assumirem sua importância atual, todo o complexo e controverso problema das drogas e da cultura ligada às drogas.
Houve ocasiões, durante os anos de sua internação em diversos asilos de loucos, em que Artaud esteve convencido de suportar literalmente o peso de todos os pecados da humanidade; de estar faminto porque o mundo comia seu alimento, de ser envenenado pelo esperma e pelo excremento que todo um mundo impuro despejava sobre ele. E quando, por fim, conseguiu reconquistar sua liberdade, identificou-se com Van Gogh, um grande artista confinado em manicômios e levado ao suicídio pela sociedade.
Mais ainda do que Van Gogh, ele se tornou, para o nosso tempo, a encarnação do indivíduo solitário, perseguido e vitimado por sua individualidade e estilo de vida pelos defensores das convenções e do decoro. Daí seu apelo à esquerda radical, revolucionária. Perseguido, respondeu com a raiva de um implacável perseguidor. As imensas energias acumuladas da agressão sem limites que ressoam nos gritos selvagens e nos guinchos da minha fita gravada continuam a alimentar as forças da dissenção radical.
Uma tal habilidade para preservar e liberar novamente enormes forças psíquicas é a marca distintiva do verdadeiro mito. Artaud, encarnação de uma multidão de ideias e experiências, é um dos heróis arquétipos, míticos - ou vítimas sacrificiais - de nossa época. A criação desse mito e a imagem que o corporifica é a realização de sua vida.
Como ocorre com os heróis de todos os mitos, a única trilha de acesso à compreensão do que ele representa, do que a imagem significa, é acompanhar a história da vida, do martírio e da morte do herói.
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Extraído de Artaud, Editora Cultrix, Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
Martin Esslen
Poucos meses antes de sua morte, a "Radiodiffusion Française" pediu a Antonin Artaud que preparasse um programa para a série La Voix des Poètes; ele escreveu e gravou um poema radiofônico para quatro vozes, xilofone e percussão, que intitulou Pour en finir le jugement de Dieu (Para acabar com o julgamento de Deus). O programa deveria ser tansmitido a 2 de fevereiro de 1948 mas, no dia anterior, o diretor-geral da "Radiodiffusion Française" mandou cancelá-lo, alegando que era blasfemo e obsceno e representaria intolerável ofensa aos ouvintes.
A intensão era claramente a de também destruir a gravação dessa produção escandalosa. Apesar disso, cópias clandestinas chegaram até nós. Uma delas - posteriormente reproduzida em fita cassete, o que muito prejudicou sua qualidade - está em meu poder. Assim posso ouvir a própria voz de Artaud a declamar seu texto estranho e violento e a soltar gritos selvagens, lancinantes, inarticulados - explosões de tão profunda intensidade da angústia para além das palavras, que fazem gelar o sangue: é como se todo o sofrimento humano, toda a carga acumulada do gênero humano, raiva frustrada, tormento e dor estivessem comprimidos nesses guinchos torturados, primários.
Seria extremamente fácil desprezá-los como simples ulular demente de um louco. É fora de dúvida que contêm um elemento de insanidade mental; mas há neles muito mais do que simples loucura. Contudo, se não se trata apenas de loucura, o que será?
Uma resposta a esta pergunta poderia fornecer explicação para o impacto imenso, surpreendente e dificilmente compreensível que Artaud tem produzido na geração formada após o seu falecimento em 1948, impacto que, sem dúvida, o credencia a ser visto como um dos "mestres modernos" e se manifesta em numerosas e diferentes esferas: certamente no teatro, mas também na poesia, na crítica literária, na psicologia, na ideologia política, na filosofia, no culto à droga e na busca de estilos de vida opcionais. A própria frequência com que o nome de Artaud é invocado na França, nos Estados unidos e em muitos outros países ocidentais faz dele uma figura cuja influência deve ser reconhecida entre as forças que moldam o pensamento e o sentimento do nosso tempo e, ao menos em certa medida, contribuem para o seu clima intelectual.
Contudo, se Artaud forma entre os mestres modernos, não é nada fácil dizer em qual das categorias reconhecidas de realização cabe a sua contribuição. Ele não é um pensador, com o crédito da produção de um corpo coerente de conhecimento original ou de haver rasgado novos campos de pesquisa; nem foi um realizador, um homem de ação, herói manipulador de acontecimentos, influente sobre o curso da História; e embora tenha sido certamente um poeta de grande poder, não é sua poesia que lhe explica a influência.
Seus escritos sobre teatro têm influído consideravelmente, mas sua obra existente neste domínio é geralmente reconhecida como um insucesso, e devendo ser visto antes como inspirador da obra dos outros do que como um grande orientador por seus próprios méritos. Neste ponto, parece-se com as poderosas figuras que, embora sem produzir algo como um sistema de pensamento tangível, comprovável, atuam como catalizadores e estímulo para os outros, ao desvendar novas áreas à especulação e dirigir a atenção para novas maneiras de ver - profetas de novas visões, como Nietzsche ou Marshall McLuhan.
Assim como estes, Artaud foi pioneiro de um novo enfoque, inventor de novo vocabulário. Esta é uma contribuição verdadeira e importante; apesar disso, não explica a influência mais ampla e mais profunda de Artaud em áreas bem distanciadas do teatro.
Acima de tudo, acho que Artaud é exemplo de outro e mais misterioso tipo de personalidade, com maior influência e impacto: um desses mestres cuja influência provém não tanto do que tenham logrado ou feito concretamente, em termos tangíveis, quanto daquilo que são e tenham sofrido. A influência de poderosas figuras desse tipo deriva, em última instância, da imagem própria que legaram e que se tornou, de alguma forma e misteriosamente, a encarnação encapsulada, nítida, sintética, de apreensão imediata, de todo um complexo de atitudes, idéias e preceitos contidos nessa imagem.
Tais personalidades irradiam uma força imensa e exercem influência de longo alcance porque sua imagem se tornou um símbolo, metáfora poética concisa de sua vida inteira, de seu caráter e ensinamento. Ao pensar-se em Artaud, ocorre imediatamente essa sua imagem, melhor dito, uma entre as duas imagens que passaram a representá-lo e à sua experiência de vida: o jovem monge, belo e espiritual, ao lado de Santa Joana que é amarrada ao poste, no filme La Passion de Jeanne d'Arc, de Carl Theodor Dreyer, o rosto magro e ascético, os olhos inflamados de paixão, captados em close-ups irresistíveis; ou a face vincada, devastada do velho acabado e desdentado que nos fita dos auto-retratos feitos por Artaud nos últimos anos de sua vida, após emergir de uma década de confinamento em manicômios. Ambas essas imagens permanecem gravadas na memória. São inesquecíveis.
Entre os grandes escritores e profetas, Artaud é único, porque foi ator de cinema e sua imagem viva, em movimento, permanece conosco, assim como sua voz gravada; isto contribui certamente para o surgimento de sua imagem como uma força a ser tida em conta e para sua crristalização como símbolo de uma atitude diante da vida. Que não se negue importância à aparência de uma tal figura.
Artaud, teórico do teatro, incansável em acentuar o primado da realidade concreta do corpo sobre o simples e cálido sopro do discurso e do pensamento abstrato, representa ele próprio a concepção de que a aparência do homem pode conter e exprimir sua verdade essencial.
Teria jamais Che Guevara, revolucionário malsucedido e pensador sem originalidade, adquirido a influência que exerceu entre os jovens da geração de 1968, não houvesse sua imagem - o belo rosto martitizado, de seu corpo assassinado - seduzido a imaginação e encarnado o complexo conjunto de doutrina, paixão e estilo de vida?
Algumas dessas imagens-símbolos podem adquirir sua força por mero acaso. Não foi assim com Artaud. Ele moldou deliberadamente a própria imagem, com plena consciência do que fazia. Entre a face do jovem monge de 1928, cheio de sentimento, e o rosto do mártir, desdentado e devastado, de 1948, há toda uma vida de sofrimento que Artaud via como sua realização artística definitiva: Não me basta mais a tragédia no palco, vou transferi-la para minha própria vida.
Ele planejou sua vida, assumiu e suportou seu sofrimento como uma criação proposital, uma obra de arte. E a dupla imagem que permanece conosco condensa e sumariza toda a sua existência, é, em certo sentido, aquela obra de arte ou, ao menos, uma metáfora dela.
Imagens do Homem de tal complexidade interior, concisão e força expressiva são a matéria de que se fazem os mitos. Algumas dessas imagens são criadas pela própria História e a destilam em símbolos abrangentes, universalmente compreendidos: Santa Joana, a moça em uniforme de soldado cavalgando à frente dos exércitos libertadores; São Sebastião, crivado de flechas; Lenin, em pose oratória, a cabeça projetada à frente, o braço erguido num gesto ardoroso.
Outras dessas imagens geradoras de mitos são criações deliberadas: Alfred Jarry feito Ubu, autor transmutado em sua própria ficção; ou Barbey d'Autrevilly, eterno dândi literário, a passear em Paris com sua lagosta pela trela; ou Chatterton, que se fez a imagem do jovem poeta martitrizado. Tais imagens-feitas-mitos podem tornar-se objetos de culto: o que todas elas, cada qual em seu próprio nível, têm em comum é, de fato, o mistério da encarnação - um corpo de idéias, preceitos, experiências tornadas concretas, feitas de carne; a história de uma vida e uma morte comprimidas numa única e memorável estampa, capaz de provocar imediata resposta emocional.
Numa tal imagem, a palavra, o conceito é tornado palpável e ganha presença física. O Verbo encarnado, o Salvador na Cruz, é o maior e o mais poderoso de todos esse símbolos. O fenômeno existe, porém, numa multidão de níveis diferentes, até o mais humilde e trivial. No outro extremo do espectro, o último degrau da escada, estão as encarnações, criadas artificialmente, das aspirações da mente das massas, figuras de culto como James Dean ou Marilyn Monroe.
Estranhamente, Antonin Artaud foi um ator e um profeta, imagem na tela tremeluzente e santo martirizado, figura na qual o fingimento e os vislumbres profundamente estéticos, filosóficos e humanos se mesclam: um rosto fino, um sábio, um mestre e um lunático, todos em um só.
Com sua lucidez exepcional - a lucidez do louco, dizem alguns - o próprio Artaud jamais pôs em dúvida que seu impacto como artista e mestre dependia da própria capacidade de encarnar magistério e arte em sua personalidade - Onde outros buscam criar obras de arte, eu não aspiro senão a mostrar meu espírito...Não concebo uma obra de arte dissociada da vida - proclamava ele já em 1925, antes de chegar aos trinta anos de idade.
Portanto, qualquer tentativa de apresentar ou compreender Artaud deve ter como ponto de partida a sua vida. Ele é o verdadeiro herói existencial: o que fez, o que lhe aconteceu, o que sofreu e o que foi são infinitamente mais importantes do que tudo quanto tenha dito ou escrito. Na verdade, suas opiniões são tão voláteis, tão contraditórias, que seria fácil provar, à base de citações de suas cartas e obras publicadas, ter sido ele um cristão profundamente devoto e praticamente, e também um ateu blasfemo que com isso se gloriava; que tanto pregava a revolução violenta, quanto rejeitava toda ação política declarada; via a salvação no excesso sexual e na mais louca indulgência dos sentidos, e encarava a sexualidade como fonte última de todos os males que assaltavam a humanidade; era um líder surrealista, e considerava os participantes desse movimento uma ralé de pretensiosos vigaristas; e ainda toda uma série de proposições contraditórias.
Na verdade, cada um desses pronunciamentos somente pode ser compreendido a partir de uma situação da vida, do contexto existencial que o gerou. É ocioso argumentar, como fazem os que consideram Artaud útil escora para suas causas particulares, que ele estava lúcido e na plena posse de suas faculdades mentais ao expressar a opinião que lhes interessa citar, e completamente louco e alheio ao que dizia, ao externar ponto de vista oposto. A verdade é que sustentava todas as suas opiniões com idêntica e apaixonada sinceridade, no instante em que as expressava, e que é impossível traçar uma linha reta e nítida entre seus pensamentos de "sanidade" e os outros de "loucura", se realmente o conceito de loucura pode ser mesmo validamente aplicado a uma personalidade como a dele.
Artaud, porém, encarna mais - e mais complexos - conceitos e problemas do que ele próprio jamais se daria conta. Seus sofrimentos, por exemplo, corporificam e exemplificam, de forma espantosamente clara e concentrada, uma das questões mais ardorosamente debatidas e significativas que surgiram em nosso tempo: Artaud fornece um foco e um exemplo primacial à controvérsia sobre a natureza da insanidade, na qual Michel Foucault, na França, e R. D. Laing e Thomas Szasz, no mundo de fala inglesa, desempenham um papel tão proeminente, controvérsia que faz surgir problemas muito mais amplos que o da saúde mental e contém uma crítica fundamental de toda a nossa sociedade e modo de vida. Similarmente, Artaud, viciado em drogas e vítima delas, encarnou, muito antes de essas questões assumirem sua importância atual, todo o complexo e controverso problema das drogas e da cultura ligada às drogas.
Houve ocasiões, durante os anos de sua internação em diversos asilos de loucos, em que Artaud esteve convencido de suportar literalmente o peso de todos os pecados da humanidade; de estar faminto porque o mundo comia seu alimento, de ser envenenado pelo esperma e pelo excremento que todo um mundo impuro despejava sobre ele. E quando, por fim, conseguiu reconquistar sua liberdade, identificou-se com Van Gogh, um grande artista confinado em manicômios e levado ao suicídio pela sociedade.
Mais ainda do que Van Gogh, ele se tornou, para o nosso tempo, a encarnação do indivíduo solitário, perseguido e vitimado por sua individualidade e estilo de vida pelos defensores das convenções e do decoro. Daí seu apelo à esquerda radical, revolucionária. Perseguido, respondeu com a raiva de um implacável perseguidor. As imensas energias acumuladas da agressão sem limites que ressoam nos gritos selvagens e nos guinchos da minha fita gravada continuam a alimentar as forças da dissenção radical.
Uma tal habilidade para preservar e liberar novamente enormes forças psíquicas é a marca distintiva do verdadeiro mito. Artaud, encarnação de uma multidão de ideias e experiências, é um dos heróis arquétipos, míticos - ou vítimas sacrificiais - de nossa época. A criação desse mito e a imagem que o corporifica é a realização de sua vida.
Como ocorre com os heróis de todos os mitos, a única trilha de acesso à compreensão do que ele representa, do que a imagem significa, é acompanhar a história da vida, do martírio e da morte do herói.
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Extraído de Artaud, Editora Cultrix, Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
Teatro/CRÍTICA
"A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento"
...............................................................
Humor e humanidade nos Correios
Lionel Fischer
"Em uma espécie de palestra de auto-ajuda - ou, como melhor define o diretor, anti-ajuda - o protagonista apresenta um intrincado manual combinatório de probabilidades para a hora em que vai procurar o seu chefe e pedir o esperado aumento. No decorrer das muitas tentativas, o texto sublinha o ridículo da situação e, ao retratar os meandros de uma grande empresa, ironiza a vida moderna e o mundo corporativo".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo e os principais objetivos que levaram o autor francês Georges Perec (1936-1982) a escrever "A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento", em cartaz no Centro Cultural Correios. Guel Arraes assina a direção, estando a interpretação do monólogo a cargo de Marco Nanini.
Como se sabe, constitui tarefa não raro ingrata a de se pedir um aumento. E por diversas razões, dentre elas porque o ato de pedir já coloca aquele que pede numa posição inferior, posto que uma resposta favorável não está necessariamente atrelada ao merecimento e sim à boa vontade do empregador.
Mas admitamos que aquele que pede mereça um aumento e que o empregador o considere justo, do ponto de vista pessoal. No entanto, na qualidade de chefe, tem que pautar suas decisões pela impessoalidade, priorizando apenas os interesses da empresa. E as empresas, em sua maioria, têm a singular tendência de jamais achar que um funcionário mereça ganhar mais, pois isso implica que ela, empresa, passe a ganhar menos...
Isso posto, estamos aqui diante de um homem que tem absoluta certeza de que merece um aumento. Afinal, entrou na empresa aos 14 anos e sempre foi considerado um funcionário exemplar. Mas como abordar seu chefe de forma a convencê-lo da legitimidade de seu anseio? Na dúvida, vai construindo uma infinidade de hilárias e patéticas variantes, que evidentemente não vou revelar, pois isso privaria o espectador de usufrui-las.
Cabe, no entanto, salientar a inventividade do autor, sua capacidade de construir um personagem que, em sua ânsia de não cometer nenhum grave equívoco ao abordar seu chefe, vê o tempo passar e nada consegue. Através de cenas curtas, em alguma medida bastante parecidas, tendo a diferenciá-las, basicamente, a gradação dos estratagemas, Georges Perec criou um texto que traduz não somente o caso particular de um personagem, mas sobretudo a crueldade que em geral caracteriza as relações entre patrão e empregado numa grande corporação.
Com relação ao espetáculo, Guel Arraes impõe à cena uma dinâmica muito divertida, de uma maneira geral, mas de um humor que não deixa de conter elementos patéticos, sombrios e desesperadores. É o caso, por exemplo, da passagem em que o personagem, já idoso e aparentemente conformado com o fracasso de suas tentativas, está sentado numa cadeira, o olhar perdido, sugerindo que sua vida está a ponto de extinguir-se - este momento, o mais dilacerante do espetáculo, é vivido de forma sublime por Marco Nanini.
No tocante à atuação deste que considero, sem nenhuma relutância, um dos maiores atores do mundo, mais uma vez Marco Nanini deixa claro que veio a este planeta com a inequívoca missão de deslumbrar a todos aqueles que têm o privilégio de assisti-lo. E me parece perda de tempo aqui enumerar seus vastíssimos recursos expressivos, por todos mais do que reconhecidos. Prefiro econominar palavras e apenas sugerir, a todos que amam a complexa arte de representar, que não deixem de assistir a mais uma performance extraordinária deste intérprete de exceção.
No tocante à equipe técnica, Bia Junqueira responde por impecável direção de arte e maravilhosa cenografia, o mesmo aplicando-se ao videografismo de Batman Zavavareze, sendo excelente a trilha sonora de Berna Ceppas, que sublinha com grande sensibilidade os muitos climas emocionais em jogo. Beto Bruel responde por uma iluminação correta, a mesma correção presente no figurino de Antonio Guedes, cabendo ainda destacar a ótima tradução de José Almino.
A ARTE E A MANEIRA DE ABORDAR SEU CHEFE PARA PEDIR UM AUMENTO - Texto de Georges Perec. Direção de Guel Arraes. Com Marco Nanini. Centro Cultural Correios. Sexta a domingo, 19h.
"A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento"
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Humor e humanidade nos Correios
Lionel Fischer
"Em uma espécie de palestra de auto-ajuda - ou, como melhor define o diretor, anti-ajuda - o protagonista apresenta um intrincado manual combinatório de probabilidades para a hora em que vai procurar o seu chefe e pedir o esperado aumento. No decorrer das muitas tentativas, o texto sublinha o ridículo da situação e, ao retratar os meandros de uma grande empresa, ironiza a vida moderna e o mundo corporativo".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo e os principais objetivos que levaram o autor francês Georges Perec (1936-1982) a escrever "A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento", em cartaz no Centro Cultural Correios. Guel Arraes assina a direção, estando a interpretação do monólogo a cargo de Marco Nanini.
Como se sabe, constitui tarefa não raro ingrata a de se pedir um aumento. E por diversas razões, dentre elas porque o ato de pedir já coloca aquele que pede numa posição inferior, posto que uma resposta favorável não está necessariamente atrelada ao merecimento e sim à boa vontade do empregador.
Mas admitamos que aquele que pede mereça um aumento e que o empregador o considere justo, do ponto de vista pessoal. No entanto, na qualidade de chefe, tem que pautar suas decisões pela impessoalidade, priorizando apenas os interesses da empresa. E as empresas, em sua maioria, têm a singular tendência de jamais achar que um funcionário mereça ganhar mais, pois isso implica que ela, empresa, passe a ganhar menos...
Isso posto, estamos aqui diante de um homem que tem absoluta certeza de que merece um aumento. Afinal, entrou na empresa aos 14 anos e sempre foi considerado um funcionário exemplar. Mas como abordar seu chefe de forma a convencê-lo da legitimidade de seu anseio? Na dúvida, vai construindo uma infinidade de hilárias e patéticas variantes, que evidentemente não vou revelar, pois isso privaria o espectador de usufrui-las.
Cabe, no entanto, salientar a inventividade do autor, sua capacidade de construir um personagem que, em sua ânsia de não cometer nenhum grave equívoco ao abordar seu chefe, vê o tempo passar e nada consegue. Através de cenas curtas, em alguma medida bastante parecidas, tendo a diferenciá-las, basicamente, a gradação dos estratagemas, Georges Perec criou um texto que traduz não somente o caso particular de um personagem, mas sobretudo a crueldade que em geral caracteriza as relações entre patrão e empregado numa grande corporação.
Com relação ao espetáculo, Guel Arraes impõe à cena uma dinâmica muito divertida, de uma maneira geral, mas de um humor que não deixa de conter elementos patéticos, sombrios e desesperadores. É o caso, por exemplo, da passagem em que o personagem, já idoso e aparentemente conformado com o fracasso de suas tentativas, está sentado numa cadeira, o olhar perdido, sugerindo que sua vida está a ponto de extinguir-se - este momento, o mais dilacerante do espetáculo, é vivido de forma sublime por Marco Nanini.
No tocante à atuação deste que considero, sem nenhuma relutância, um dos maiores atores do mundo, mais uma vez Marco Nanini deixa claro que veio a este planeta com a inequívoca missão de deslumbrar a todos aqueles que têm o privilégio de assisti-lo. E me parece perda de tempo aqui enumerar seus vastíssimos recursos expressivos, por todos mais do que reconhecidos. Prefiro econominar palavras e apenas sugerir, a todos que amam a complexa arte de representar, que não deixem de assistir a mais uma performance extraordinária deste intérprete de exceção.
No tocante à equipe técnica, Bia Junqueira responde por impecável direção de arte e maravilhosa cenografia, o mesmo aplicando-se ao videografismo de Batman Zavavareze, sendo excelente a trilha sonora de Berna Ceppas, que sublinha com grande sensibilidade os muitos climas emocionais em jogo. Beto Bruel responde por uma iluminação correta, a mesma correção presente no figurino de Antonio Guedes, cabendo ainda destacar a ótima tradução de José Almino.
A ARTE E A MANEIRA DE ABORDAR SEU CHEFE PARA PEDIR UM AUMENTO - Texto de Georges Perec. Direção de Guel Arraes. Com Marco Nanini. Centro Cultural Correios. Sexta a domingo, 19h.
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Teatro/CRÍTICA
"Sóbrios"
.................................................................................
Sombrio e cáustico retrato de uma família
Lionel Fischer
"O texto é um olhar ácido e bem humorado sobre uma família que luta para sobreviver e a tentativa surreal do filho adolescente para salvá-los de si mesmos. Clifford (o Pai) está definhando em frente à TV por conta de um problema na coluna. Linda (a Mãe) é uma garçonete desiludida e obcecada pela vida dos santos católicos. Shaylee (a Irmã) é uma junkie fugitiva e prostituta. Wynne (o Irmão), nerd viciado em videogames e computadores, se classificou para afinal da competição de videogames Tang Dinasty e, com o prêmio de 1 milhão de dólares para o vencedor, pretende colocar a irmã em uma clínica de reabilitação, pagar a operação de coluna do pai e empregar a mãe em sua loja de reparo de computadores".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima (levemente editado) sintetiza o enredo de "Sóbrios", do norte-americano Adam Rapp, em cartaz no Espaço Tom Jobim. Com direção assinada por Erika Mader (a primeira da jovem atriz), e peça tem elenco formado por Léo Wainer (Pai/ homem que dá carona ao adolescente), Cris Larin (Mãe/ mulher excêntrica de Nova York), Luisa Arraes (Irmã/ namorada do filho) e César Cardadeiro (Irmão).
Em sua primeira metade, até a partida do adolescente para Nova York, o texto faz um retrato sombrio e cáustico de uma família em pleno processo de desintegração. A pobreza do ambiente e a forma ríspida como os personagens se relacionam, dentre outros fatores, como que ilustram a célebre frase de Nelson Rodrigues em Dorotéia: "Chega um momento em que toda família começa a apodrecer". E aqui esse processo parece irreversível, apesar do sonho do adolescente de salvar seus pais e sua irmã.
Após a cena da carona - por sinal excelente, assim como todas as anteriores - a peça vai aos poucos tornando-se menos impactante, talvez em função da duração de algumas cenas, como a protagonizada pela esquisitíssima mulher de Nova York. Por mais que tenha me esforçado, não consegui entender a dita cena, a importância que poderia ter na trama - é possível que, se fosse bem menor, fizesse para mim algum sentido; como está, e ainda que bem interpretada, a cena ocupa um espaço descomunal na trama, que a meu ver só contribui para minimizar o interesse até então despertado. A parte final, que evidentemente não posso revelar, também me parece questionável, sobretudo no que concerne ao desfecho.
Com relação ao espetáculo, Erika Mader impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcações diversificadas e criativas, sempre materializadas em uma atmosfera impregnada de virulência e desesperança, a jovem encenadora consegue materializar os principais conteúdos propostos pelo autor. E cabe também ressaltar o ótimo rendimento que obtém do elenco.
Na pele do adolescente, César Cardadeiro transmite, com igual intensidade, tanto o desespero do jovem como sua determinação de salvar a família. Luisa Arraes está impecável nas duas personagens que interpreta, cabendo destacar seu ótimo trabalho corporal quando encarna a namorada. O mesmo aplica-se a Léo Wainer: o ator convence plenamente ao materializar a patética figura de um pai arruinado, exibindo a mesma excelência quando dá vida ao abjeto homem que oferece carona ao adolescente. Quanto a Cris Larin, a atriz exibe performance irretocável na pele da mulher amarga e desesperançada, que já não exerce o menor controle sobre sua vida e de sua família, e que não vê outra alternativa a não ser dedicar-se à devoção de santos. E também faz com grande competência a esquisita de Nova York, mesmo com as ressalvas anteriormente feitas à cena.
Na equipe técnica, Flávio Graff responde por uma cenografia da mais alta expressividade, soturna e claustrofóbica, fundamental para situar o espectador em um contexto desolador e aparentemente sem saída. Igualmente brilhantes os figurinos que assina, que retratam com precisão o caráter e a condição social dos personagens. Paulo César Medeiros ilumina a cena com a sensibilidade que lhe é característica, contribuindo decisivamente para valorizar os múltiplos climas emocionais em jogo. Finalmente, cumpre também destacar a eficiência da trilha sonora de Scotland Yard - trata-se de uma pessoa ou, pouco provável, de uma inusitada contribuição da polícia londrina?
SÓBRIOS - Texto de Adam Rapp. Direção de Erika Mader. Com Léo Wainer, Cris Larin, Luisa Arraes e César Cardadeiro. Espaço Tom Jobim. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Sóbrios"
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Sombrio e cáustico retrato de uma família
Lionel Fischer
"O texto é um olhar ácido e bem humorado sobre uma família que luta para sobreviver e a tentativa surreal do filho adolescente para salvá-los de si mesmos. Clifford (o Pai) está definhando em frente à TV por conta de um problema na coluna. Linda (a Mãe) é uma garçonete desiludida e obcecada pela vida dos santos católicos. Shaylee (a Irmã) é uma junkie fugitiva e prostituta. Wynne (o Irmão), nerd viciado em videogames e computadores, se classificou para afinal da competição de videogames Tang Dinasty e, com o prêmio de 1 milhão de dólares para o vencedor, pretende colocar a irmã em uma clínica de reabilitação, pagar a operação de coluna do pai e empregar a mãe em sua loja de reparo de computadores".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima (levemente editado) sintetiza o enredo de "Sóbrios", do norte-americano Adam Rapp, em cartaz no Espaço Tom Jobim. Com direção assinada por Erika Mader (a primeira da jovem atriz), e peça tem elenco formado por Léo Wainer (Pai/ homem que dá carona ao adolescente), Cris Larin (Mãe/ mulher excêntrica de Nova York), Luisa Arraes (Irmã/ namorada do filho) e César Cardadeiro (Irmão).
Em sua primeira metade, até a partida do adolescente para Nova York, o texto faz um retrato sombrio e cáustico de uma família em pleno processo de desintegração. A pobreza do ambiente e a forma ríspida como os personagens se relacionam, dentre outros fatores, como que ilustram a célebre frase de Nelson Rodrigues em Dorotéia: "Chega um momento em que toda família começa a apodrecer". E aqui esse processo parece irreversível, apesar do sonho do adolescente de salvar seus pais e sua irmã.
Após a cena da carona - por sinal excelente, assim como todas as anteriores - a peça vai aos poucos tornando-se menos impactante, talvez em função da duração de algumas cenas, como a protagonizada pela esquisitíssima mulher de Nova York. Por mais que tenha me esforçado, não consegui entender a dita cena, a importância que poderia ter na trama - é possível que, se fosse bem menor, fizesse para mim algum sentido; como está, e ainda que bem interpretada, a cena ocupa um espaço descomunal na trama, que a meu ver só contribui para minimizar o interesse até então despertado. A parte final, que evidentemente não posso revelar, também me parece questionável, sobretudo no que concerne ao desfecho.
Com relação ao espetáculo, Erika Mader impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcações diversificadas e criativas, sempre materializadas em uma atmosfera impregnada de virulência e desesperança, a jovem encenadora consegue materializar os principais conteúdos propostos pelo autor. E cabe também ressaltar o ótimo rendimento que obtém do elenco.
Na pele do adolescente, César Cardadeiro transmite, com igual intensidade, tanto o desespero do jovem como sua determinação de salvar a família. Luisa Arraes está impecável nas duas personagens que interpreta, cabendo destacar seu ótimo trabalho corporal quando encarna a namorada. O mesmo aplica-se a Léo Wainer: o ator convence plenamente ao materializar a patética figura de um pai arruinado, exibindo a mesma excelência quando dá vida ao abjeto homem que oferece carona ao adolescente. Quanto a Cris Larin, a atriz exibe performance irretocável na pele da mulher amarga e desesperançada, que já não exerce o menor controle sobre sua vida e de sua família, e que não vê outra alternativa a não ser dedicar-se à devoção de santos. E também faz com grande competência a esquisita de Nova York, mesmo com as ressalvas anteriormente feitas à cena.
Na equipe técnica, Flávio Graff responde por uma cenografia da mais alta expressividade, soturna e claustrofóbica, fundamental para situar o espectador em um contexto desolador e aparentemente sem saída. Igualmente brilhantes os figurinos que assina, que retratam com precisão o caráter e a condição social dos personagens. Paulo César Medeiros ilumina a cena com a sensibilidade que lhe é característica, contribuindo decisivamente para valorizar os múltiplos climas emocionais em jogo. Finalmente, cumpre também destacar a eficiência da trilha sonora de Scotland Yard - trata-se de uma pessoa ou, pouco provável, de uma inusitada contribuição da polícia londrina?
SÓBRIOS - Texto de Adam Rapp. Direção de Erika Mader. Com Léo Wainer, Cris Larin, Luisa Arraes e César Cardadeiro. Espaço Tom Jobim. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Teatro/CRÍTICA
"Felicidade"
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Humor e poesia na Gávea
Lionel Fischer
"A peça propõe uma reflexão sobre a Felicidade. A morte decide dar uma segunda chance a quatro pessoas que deveriam morrer em situações diferentes, mas num mesmo instante, desde que elas descubram em 24 horas a felicidade. Na trama, um cantor de churrascaria, uma pequena órfã, uma dona de casa e um oportunista terão que sair de suas zonas de conforto, enfrentar medos, trocar o certo pelo duvidoso e encontrar o que realmente os torna felizes".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a trama de "Felicidade", em cartaz no Sesc Casa da Gávea. Cristina Fagundes assina texto e direção, estando o elenco formado por Ana Paula Novelino (Lia, criança órfã), Bruno Bacelar (D. Berenice), Jorge Neves (Billy dos Teclados) e José Auro Travassos (Bruno, na realidade Ribamar). Cabe ressaltar que, ao longo do espetáculo, os atores também fazem outros personagens, mas estes são os principais.
Como se sabe, nem sempre uma boa idéia garante um produto final de qualidade. No presente caso, a autora Cristina Fagundes não apenas imaginou uma peça a partir de uma premissa interessante, mas a ela conferiu uma estrutura narrativa plena de originalidade, humor, poesia e humanidade. Os quatro personagens centrais são muito bem construídos, e seus diversificados anseios possibilitam à platéia usufruir plenamente os muitos e diversificados climas emocionais em jogo.
D. Berenice vai em busca do grande amor de sua vida. A criança Lia tenta se comunicar com a mãe falecidade, de quem não conseguiu se despedir como gostaria. Billy dos Teclados, que toca numa churrascaria furreca, persegue o sonho de ter suas composições lançadas por uma grande gravadora. E Bruno, casado com a filha de um poderoso executivo e por ela maltratado, assim como pelo sogro, percebe que só poderá ser feliz se voltar a ser o Ribamar do subúrbio, que adorava soltar pipas.
Partindo de um material dramatúrgico de excelente qualidade, Cristina Fagundes impôs à cena uma dinâmica irrepreensível, precisa no tocante ao rítmo e plena de criatividade, cabendo ressaltar a originalidade das marcações e a agilidade da encenação no tocante às mudanças de ambiente. Afora isto, a encenadora conseguiu extrair ótimas atuações do elenco.
Ana Paula Novelino, Bruno Bacelar, Jorge Neves e José Auro Travassos valorizam de forma sensível e convincente todos os personagens que interpretam, deles extraindo seu máximo potencial. Assim, a todos parabenizo com igual entusiasmo e desejo que continuem em cartaz por um tempo muito superior ao acordado com o Sesc Casa da Gávea - como soube que "Felicidade" só tem acertadas pouquíssimas exibições no referido espaço, aproveito para fazer um apelo aos responsáveis por esta casa de espetáculo no sentido de que seja tentada uma prorrogação da temporada. O público carioca certamente ficará grato.
Na equipe técnica, são irretocáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Duda Maia (direção de movimento), Paulo Denizot (iluminação), Paulo Denizot e Janaína Wending (cenografia), Luana Monteiro (figurino) e Flávia Belchior e Cristina Fagundes (trilha sonora).
FELICIDADE - Texto e direção de Cristina Fagundes. Com Ana Paula Novelino, Bruno Bacelar, Jorge Neves e José Auro Travassos. Sesc Casa da Gávea. Sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Felicidade"
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Humor e poesia na Gávea
Lionel Fischer
"A peça propõe uma reflexão sobre a Felicidade. A morte decide dar uma segunda chance a quatro pessoas que deveriam morrer em situações diferentes, mas num mesmo instante, desde que elas descubram em 24 horas a felicidade. Na trama, um cantor de churrascaria, uma pequena órfã, uma dona de casa e um oportunista terão que sair de suas zonas de conforto, enfrentar medos, trocar o certo pelo duvidoso e encontrar o que realmente os torna felizes".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a trama de "Felicidade", em cartaz no Sesc Casa da Gávea. Cristina Fagundes assina texto e direção, estando o elenco formado por Ana Paula Novelino (Lia, criança órfã), Bruno Bacelar (D. Berenice), Jorge Neves (Billy dos Teclados) e José Auro Travassos (Bruno, na realidade Ribamar). Cabe ressaltar que, ao longo do espetáculo, os atores também fazem outros personagens, mas estes são os principais.
Como se sabe, nem sempre uma boa idéia garante um produto final de qualidade. No presente caso, a autora Cristina Fagundes não apenas imaginou uma peça a partir de uma premissa interessante, mas a ela conferiu uma estrutura narrativa plena de originalidade, humor, poesia e humanidade. Os quatro personagens centrais são muito bem construídos, e seus diversificados anseios possibilitam à platéia usufruir plenamente os muitos e diversificados climas emocionais em jogo.
D. Berenice vai em busca do grande amor de sua vida. A criança Lia tenta se comunicar com a mãe falecidade, de quem não conseguiu se despedir como gostaria. Billy dos Teclados, que toca numa churrascaria furreca, persegue o sonho de ter suas composições lançadas por uma grande gravadora. E Bruno, casado com a filha de um poderoso executivo e por ela maltratado, assim como pelo sogro, percebe que só poderá ser feliz se voltar a ser o Ribamar do subúrbio, que adorava soltar pipas.
Partindo de um material dramatúrgico de excelente qualidade, Cristina Fagundes impôs à cena uma dinâmica irrepreensível, precisa no tocante ao rítmo e plena de criatividade, cabendo ressaltar a originalidade das marcações e a agilidade da encenação no tocante às mudanças de ambiente. Afora isto, a encenadora conseguiu extrair ótimas atuações do elenco.
Ana Paula Novelino, Bruno Bacelar, Jorge Neves e José Auro Travassos valorizam de forma sensível e convincente todos os personagens que interpretam, deles extraindo seu máximo potencial. Assim, a todos parabenizo com igual entusiasmo e desejo que continuem em cartaz por um tempo muito superior ao acordado com o Sesc Casa da Gávea - como soube que "Felicidade" só tem acertadas pouquíssimas exibições no referido espaço, aproveito para fazer um apelo aos responsáveis por esta casa de espetáculo no sentido de que seja tentada uma prorrogação da temporada. O público carioca certamente ficará grato.
Na equipe técnica, são irretocáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Duda Maia (direção de movimento), Paulo Denizot (iluminação), Paulo Denizot e Janaína Wending (cenografia), Luana Monteiro (figurino) e Flávia Belchior e Cristina Fagundes (trilha sonora).
FELICIDADE - Texto e direção de Cristina Fagundes. Com Ana Paula Novelino, Bruno Bacelar, Jorge Neves e José Auro Travassos. Sesc Casa da Gávea. Sábado, 21h. Domingo, 20h.
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Teatro/CRÍTICA
"Cara de Cavalo"
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Violência e arte em questão
Lionel Fischer
Logo após a criação do Serviço de Diligências Especiais (SDE), o então Secretário de Segurança da Guanabara, Luis França, escolheu doze policiais da sua força de elite e a eles delegou poderes praticamente ilimitados. O objetivo era "limpar" definitivamente a cidade. O grupo ficaria conhecido como "Os Homens de Ouro". Integrante deste grupo, o detetive Le Cocq teria sido assassinado, em 1964, por um bandido inexpressivo chamado Cara de Cavalo, fato que converteu este último em inimigo público nº 1 da cidade e desencadeu a maior caçada já promovida até então contra um marginal - ele acabaria morto, em Cabo Frio, com mais de cem tiros.
Em função do acima exposto, pode-se ficar com a impressão de que o presente texto limita-se a ilustrar a implacável perseguição contra um bandido sem a menor importância. Assim, dois esclarecimentos se impõem. O primeiro: escrevi o parágrafo inicial visando sobretudo os espectadores mais jovens, que talvez nem tenham ouvido falar de Cara de Cavalo. O segundo: ressaltar que não estamos diante de uma peça-documentário e sim de uma fábula que mescla ficção e realidade, e cujo objetivo maior talvez tenha sido o de empreender uma reflexão sobre a possível relação entre a violência e a arte.
Mais recente produção da Aquela Companhia de Teatro, "Cara de Cavalo" (Espaço Sesc) leva a assinatura de Pedro Kosovski e chega à cena com direção de Marcos André Nunes. No elenco, Ricardo Kosovski (O Entrevistado), Saulo Rodrigues (Delegado Cunha), Oscar Saraiva (Amado Ribeiro), Carolina Chalita (Mangueirinha), Raquel Villar (A Entrevistadora), Remo Trajano (Cara de Cavalo) e Álvaro Diniz (Detetive Galo).
"A trama se passa em quatro planos: o Morro do Esqueleto, comunidade onde se forja Cara de Cavalo - um bandido sem maiores ambições, que vive da exploração de putas e de bancas do bicho; os bastidores da polícia na condução do caso, após o assassinato do investigador LeCoq (o nosso Detetive Galo); a gravação de uma entrevista com o último dos Homens de Ouro, conduzida em 2012 pela âncora de um programa semanal de telejornalismo; e projeções em vídeo que misturam ficção e realidade".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Angela de Almeida, o trecho acima expõe os quatro planos da ação, que a todo momento se intercalam. Mas ainda que os momentos finais da trajetória de Cara de Cavalo estejam explicitados na cena, o maior foco de interesse do texto recai sobre as reflexões empreendidas pelo Entrevistado. Este é um remanescente dos "Homens de Ouro", que na prática constituíam um grupo de extermínio.
Assim sendo, me parece pouco provável que tivesse a cultura e o poder de articular pensamentos tão agudos como "Eu não glamorizo o crime. Eu não glamorizo a arte! Mas em todo crime há uma busca desesperada pela felicidade. Assim como no arte", ou ainda "O que nos separa dos piores atos? A moral? O bem do próximo? Não. Basta um sopro que invade o corpo, traz a tempestade e faz a alma dançar."
No entanto, e levando-se em conta que estamos diante de uma fábula, tudo me leva a crer que o autor Pedro Kosovski escolheu propositadamente um personagem que mata - ou matou, em seu passado como policial - para ser o porta-voz de reflexões sobre possíveis relações entre arte e crime. E minha impressão se deve ao fato, dentre outros, de que em dado momento o Entrevistado diz: "Eu não estou falando de violência! Estou falando de estética!". Posso estar equivocado, naturalmente, mas esta é a única explicação que me parece consistente com relação ao personagem.
E no tocante às mencionadas reflexões, não julgo conveniente aqui explicitá-las, pois isso privaria o espectador de usufrui-las durante o espetáculo. Mas ainda assim gostaria de ressaltar que, do meu ponto de vista, toda manifestação artística genuína traz em si o germe da violência, no sentido de ruptura, de não-conformismo com os padrões estéticos impostos pelo poder dominante. E a negação do passado é o que impulsiona a vida, é o que nos faz recriá-la e reiventá-la permanentemente. Acomodar-se ao estabelecido é uma pulsão de morte.
Mas é claro que, em dados momentos, somos forçados a protelar nossos sonhos ou até mesmo negá-los ante uma ameaça concreta, como aconteceu com Galileu. Diante da Santa Inquisição, o sábio curvou-se, assim evitando ser enviado para a fogueira. Mas nem por isso a terra deixou de girar em torno do sol...
Texto instigante e muito bem construído, "Cara de Cavalo" recebeu sólida versão cênica de Marco André Nunes. Ao valorizar, com a mesma eficiência, os quatro planos da ação, o diretor conseguiu materializar os principais conteúdos propostos pelo autor, mantendo o espectador atento ao longo de toda a montagem.
Com relação ao elenco, Remo Trajano tem o físico adequado ao papel e convence sobretudo no que concerne ao seu trabalho corporal - nas partes faladas, acredito que o ator ainda possa caprichar um pouco mais na dicção, pois algumas palavras se perdem. O mesmo se aplica a Álvaro Diniz, com Raquel Villar ainda evidenciando pouca maturidade artística. Saulo Rodrigues e Oscar Saraiva convencem plenamente na pele de seus personagens, da mesma forma que Carolina Chalita vivendo a bela, desprotegida e patética Mangueirinha, amante de Cara de Cavalo.
Finalmente, chegamos a Ricardo Kosovski. Encarnando o Entrevistado, o ator exibe desempenho deslumbrante, sob todos os pontos de vista. Possuidor de forte presença cênica e grande carisma, Kosovski evidencia notável precisão rítmica e grande inventividade na forma como trabalha as palavras - suas inflexões e entonações sempre convencem, tanto nos registros mais suaves quanto nos mais exacerbados. Sem dúvida, uma das melhores performances da atual temporada.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Felipe Storino (música/violão), Mauricio Chiari (bateria, percussão e efeitos), Flávio Graff (cenário e figurinos), Márcia Rubin (direção de movimento), Renato Machado (iluminação) e Felipe Bragança (vídeo). Cumpre também destacar o maravilhoso ensaio de Manoel Silvestre Friques, que consta do programa oferecido ao público.
CARA DE CAVALO - Texto de Pedro Kosovski. Direção de Marco André Nunes. Com Aquela Companhia de Teatro. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.
"Cara de Cavalo"
....................................................
Violência e arte em questão
Lionel Fischer
Logo após a criação do Serviço de Diligências Especiais (SDE), o então Secretário de Segurança da Guanabara, Luis França, escolheu doze policiais da sua força de elite e a eles delegou poderes praticamente ilimitados. O objetivo era "limpar" definitivamente a cidade. O grupo ficaria conhecido como "Os Homens de Ouro". Integrante deste grupo, o detetive Le Cocq teria sido assassinado, em 1964, por um bandido inexpressivo chamado Cara de Cavalo, fato que converteu este último em inimigo público nº 1 da cidade e desencadeu a maior caçada já promovida até então contra um marginal - ele acabaria morto, em Cabo Frio, com mais de cem tiros.
Em função do acima exposto, pode-se ficar com a impressão de que o presente texto limita-se a ilustrar a implacável perseguição contra um bandido sem a menor importância. Assim, dois esclarecimentos se impõem. O primeiro: escrevi o parágrafo inicial visando sobretudo os espectadores mais jovens, que talvez nem tenham ouvido falar de Cara de Cavalo. O segundo: ressaltar que não estamos diante de uma peça-documentário e sim de uma fábula que mescla ficção e realidade, e cujo objetivo maior talvez tenha sido o de empreender uma reflexão sobre a possível relação entre a violência e a arte.
Mais recente produção da Aquela Companhia de Teatro, "Cara de Cavalo" (Espaço Sesc) leva a assinatura de Pedro Kosovski e chega à cena com direção de Marcos André Nunes. No elenco, Ricardo Kosovski (O Entrevistado), Saulo Rodrigues (Delegado Cunha), Oscar Saraiva (Amado Ribeiro), Carolina Chalita (Mangueirinha), Raquel Villar (A Entrevistadora), Remo Trajano (Cara de Cavalo) e Álvaro Diniz (Detetive Galo).
"A trama se passa em quatro planos: o Morro do Esqueleto, comunidade onde se forja Cara de Cavalo - um bandido sem maiores ambições, que vive da exploração de putas e de bancas do bicho; os bastidores da polícia na condução do caso, após o assassinato do investigador LeCoq (o nosso Detetive Galo); a gravação de uma entrevista com o último dos Homens de Ouro, conduzida em 2012 pela âncora de um programa semanal de telejornalismo; e projeções em vídeo que misturam ficção e realidade".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Angela de Almeida, o trecho acima expõe os quatro planos da ação, que a todo momento se intercalam. Mas ainda que os momentos finais da trajetória de Cara de Cavalo estejam explicitados na cena, o maior foco de interesse do texto recai sobre as reflexões empreendidas pelo Entrevistado. Este é um remanescente dos "Homens de Ouro", que na prática constituíam um grupo de extermínio.
Assim sendo, me parece pouco provável que tivesse a cultura e o poder de articular pensamentos tão agudos como "Eu não glamorizo o crime. Eu não glamorizo a arte! Mas em todo crime há uma busca desesperada pela felicidade. Assim como no arte", ou ainda "O que nos separa dos piores atos? A moral? O bem do próximo? Não. Basta um sopro que invade o corpo, traz a tempestade e faz a alma dançar."
No entanto, e levando-se em conta que estamos diante de uma fábula, tudo me leva a crer que o autor Pedro Kosovski escolheu propositadamente um personagem que mata - ou matou, em seu passado como policial - para ser o porta-voz de reflexões sobre possíveis relações entre arte e crime. E minha impressão se deve ao fato, dentre outros, de que em dado momento o Entrevistado diz: "Eu não estou falando de violência! Estou falando de estética!". Posso estar equivocado, naturalmente, mas esta é a única explicação que me parece consistente com relação ao personagem.
E no tocante às mencionadas reflexões, não julgo conveniente aqui explicitá-las, pois isso privaria o espectador de usufrui-las durante o espetáculo. Mas ainda assim gostaria de ressaltar que, do meu ponto de vista, toda manifestação artística genuína traz em si o germe da violência, no sentido de ruptura, de não-conformismo com os padrões estéticos impostos pelo poder dominante. E a negação do passado é o que impulsiona a vida, é o que nos faz recriá-la e reiventá-la permanentemente. Acomodar-se ao estabelecido é uma pulsão de morte.
Mas é claro que, em dados momentos, somos forçados a protelar nossos sonhos ou até mesmo negá-los ante uma ameaça concreta, como aconteceu com Galileu. Diante da Santa Inquisição, o sábio curvou-se, assim evitando ser enviado para a fogueira. Mas nem por isso a terra deixou de girar em torno do sol...
Texto instigante e muito bem construído, "Cara de Cavalo" recebeu sólida versão cênica de Marco André Nunes. Ao valorizar, com a mesma eficiência, os quatro planos da ação, o diretor conseguiu materializar os principais conteúdos propostos pelo autor, mantendo o espectador atento ao longo de toda a montagem.
Com relação ao elenco, Remo Trajano tem o físico adequado ao papel e convence sobretudo no que concerne ao seu trabalho corporal - nas partes faladas, acredito que o ator ainda possa caprichar um pouco mais na dicção, pois algumas palavras se perdem. O mesmo se aplica a Álvaro Diniz, com Raquel Villar ainda evidenciando pouca maturidade artística. Saulo Rodrigues e Oscar Saraiva convencem plenamente na pele de seus personagens, da mesma forma que Carolina Chalita vivendo a bela, desprotegida e patética Mangueirinha, amante de Cara de Cavalo.
Finalmente, chegamos a Ricardo Kosovski. Encarnando o Entrevistado, o ator exibe desempenho deslumbrante, sob todos os pontos de vista. Possuidor de forte presença cênica e grande carisma, Kosovski evidencia notável precisão rítmica e grande inventividade na forma como trabalha as palavras - suas inflexões e entonações sempre convencem, tanto nos registros mais suaves quanto nos mais exacerbados. Sem dúvida, uma das melhores performances da atual temporada.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Felipe Storino (música/violão), Mauricio Chiari (bateria, percussão e efeitos), Flávio Graff (cenário e figurinos), Márcia Rubin (direção de movimento), Renato Machado (iluminação) e Felipe Bragança (vídeo). Cumpre também destacar o maravilhoso ensaio de Manoel Silvestre Friques, que consta do programa oferecido ao público.
CARA DE CAVALO - Texto de Pedro Kosovski. Direção de Marco André Nunes. Com Aquela Companhia de Teatro. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.
sábado, 15 de setembro de 2012
Teatro/CRÍTICA
"Jantando com Isabel"
........................................
Náufragos de si mesmos
Lionel Fischer
"A peça conta a história de um ex-pugilista que há vinte anos mora com um amigo, ex-arquiteto. O primeiro é bronco, ignorante, frágil; o outro é metódico, taciturno, operístico. O ex-pugilista parou de lutar por causa de uma desilusão amorosa; o ex-arquiteto parou de construir prédios quando eles começaram a cair. O ex-pugilista vive das glórias de uma época remota no ringue; o ex-arquiteto contenta-se em construir dioramas. O passado os une através de duas mulheres, ambas com o nome de Isabel, mas suspeita-se que seja a mesma. Por chegarem à conclusão de que ainda amam Isabel, eles elaboram um plano para que ela volte: publicam um anúncio no jornal, marcando um jantar e ficam esperando".
O trecho acima, extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, sintetiza o enredo de "Jantando com Isabel", de autoria de Furio Lonza. Em cartaz no Teatro Poeirinha, o texto chega à cena com direção de Henrique Tavares e elenco formado por Isaac Bernat (arquiteto) e Xando Graça (pugilista).
Como se depreende do parágrafo inicial, estamos diante de duas personalidades diametralmente opostas e assim nada mais natural que os personagens vivam em permanente conflito, ainda que os mesmos nada tenham de muito grave - praticamente tudo se resume a picuinhas sobre o funcionamento da casa. No entanto, vez por outra afloram reflexões sobre tudo aquilo que ambos poderiam ter sido e não foram, o que contribui para acentuar o melancólico presente. Tal melancolia, porém, é dissipada ante a possibilidade de ambos reverem o grande amor de suas vidas.
A partir deste momento, os personagens, que até então se comportavam como uma espécie de náufragos de si mesmos, entram em um novo estado, esquecem suas diferenças e, com juvenil e comovente alegria, empreendem os preparativos para o possível encontro.
Contendo ótimos personagens, diálogos bem construídos e pertinentes reflexões sobre o amor, a amizade, a solidão e o fracasso, dentre outros temas, o texto de Furio Lonza só me parece insatisfatório em um aspecto, que não posso revelar, pois isso privaria o espectador da surpresa final: a razão que levou o ex-arquiteto a morar com o ex-puglista. Para agir como agiu, teria que ser bem mais do que um homem completamente apaixonado: teria que ser praticamente um santo, tamanho seu desprendimento e abnegação.
Com relação à montagem, Henrique Tavares impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, cabendo destacar a precisão dos tempos rítmicos e a valorização das múltiplas atmosferas emocionais. E Tavares também exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações do elenco.
Amigos de longa data, Isaac Bernat e Xando Graça evidenciam enorme prazer em dividirem o mesmo palco. A intensa contracena que exibem não se deve apenas ao fato de serem excelentes atores e estarem impecáveis em seus personagens. É mais do que isso: conseguem estabelecer um tipo de cumplicidade que advém da total confiança mútua, da certeza que possuem de que ambos jogam o mesmo jogo, estão em cena completamente irmanados, dando e recebendo com a mesma generosidade. Como sempre sustentou Peter Brook, o teatro "é a arte do encontro". E certamente Isaac Bernat e Xando Graça nada mais fazem do que reafirmar a magnífica definição do teatro feita pelo maior encenador vivo.
Na equipe técnica, Aurélio de Simoni assina uma iluminação sublime, posto que capaz de enfatizar, com incrível sensibilidade, todos os climas emocionais em jogo. Maria Estephania responde por impecável direção de arte, que inclui, ao que suponho, cenografia e figurinos. E gostaria também de destacar o fato do diretor Henrique Tavares ter incluído na ficha técnica uma jovem aluna da CAL, Naara Barros, como assistente de direção. Tal postura poderia e deveria ser adotada por todos os diretores importantes, já que assim estariam introduzindo no mercado os futuros profisionais que ainda estão estudando.
JANTANDO COM ISABEL - Texto de Furio Lonza. Direção de Henrique Tavares. Com Isaac Bernat e Xando Graça. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.
"Jantando com Isabel"
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Náufragos de si mesmos
Lionel Fischer
"A peça conta a história de um ex-pugilista que há vinte anos mora com um amigo, ex-arquiteto. O primeiro é bronco, ignorante, frágil; o outro é metódico, taciturno, operístico. O ex-pugilista parou de lutar por causa de uma desilusão amorosa; o ex-arquiteto parou de construir prédios quando eles começaram a cair. O ex-pugilista vive das glórias de uma época remota no ringue; o ex-arquiteto contenta-se em construir dioramas. O passado os une através de duas mulheres, ambas com o nome de Isabel, mas suspeita-se que seja a mesma. Por chegarem à conclusão de que ainda amam Isabel, eles elaboram um plano para que ela volte: publicam um anúncio no jornal, marcando um jantar e ficam esperando".
O trecho acima, extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, sintetiza o enredo de "Jantando com Isabel", de autoria de Furio Lonza. Em cartaz no Teatro Poeirinha, o texto chega à cena com direção de Henrique Tavares e elenco formado por Isaac Bernat (arquiteto) e Xando Graça (pugilista).
Como se depreende do parágrafo inicial, estamos diante de duas personalidades diametralmente opostas e assim nada mais natural que os personagens vivam em permanente conflito, ainda que os mesmos nada tenham de muito grave - praticamente tudo se resume a picuinhas sobre o funcionamento da casa. No entanto, vez por outra afloram reflexões sobre tudo aquilo que ambos poderiam ter sido e não foram, o que contribui para acentuar o melancólico presente. Tal melancolia, porém, é dissipada ante a possibilidade de ambos reverem o grande amor de suas vidas.
A partir deste momento, os personagens, que até então se comportavam como uma espécie de náufragos de si mesmos, entram em um novo estado, esquecem suas diferenças e, com juvenil e comovente alegria, empreendem os preparativos para o possível encontro.
Contendo ótimos personagens, diálogos bem construídos e pertinentes reflexões sobre o amor, a amizade, a solidão e o fracasso, dentre outros temas, o texto de Furio Lonza só me parece insatisfatório em um aspecto, que não posso revelar, pois isso privaria o espectador da surpresa final: a razão que levou o ex-arquiteto a morar com o ex-puglista. Para agir como agiu, teria que ser bem mais do que um homem completamente apaixonado: teria que ser praticamente um santo, tamanho seu desprendimento e abnegação.
Com relação à montagem, Henrique Tavares impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, cabendo destacar a precisão dos tempos rítmicos e a valorização das múltiplas atmosferas emocionais. E Tavares também exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações do elenco.
Amigos de longa data, Isaac Bernat e Xando Graça evidenciam enorme prazer em dividirem o mesmo palco. A intensa contracena que exibem não se deve apenas ao fato de serem excelentes atores e estarem impecáveis em seus personagens. É mais do que isso: conseguem estabelecer um tipo de cumplicidade que advém da total confiança mútua, da certeza que possuem de que ambos jogam o mesmo jogo, estão em cena completamente irmanados, dando e recebendo com a mesma generosidade. Como sempre sustentou Peter Brook, o teatro "é a arte do encontro". E certamente Isaac Bernat e Xando Graça nada mais fazem do que reafirmar a magnífica definição do teatro feita pelo maior encenador vivo.
Na equipe técnica, Aurélio de Simoni assina uma iluminação sublime, posto que capaz de enfatizar, com incrível sensibilidade, todos os climas emocionais em jogo. Maria Estephania responde por impecável direção de arte, que inclui, ao que suponho, cenografia e figurinos. E gostaria também de destacar o fato do diretor Henrique Tavares ter incluído na ficha técnica uma jovem aluna da CAL, Naara Barros, como assistente de direção. Tal postura poderia e deveria ser adotada por todos os diretores importantes, já que assim estariam introduzindo no mercado os futuros profisionais que ainda estão estudando.
JANTANDO COM ISABEL - Texto de Furio Lonza. Direção de Henrique Tavares. Com Isaac Bernat e Xando Graça. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Teatro/CRÍTICA
"Pinteresco"
.....................................................................
Esquetes de Pinter em ótima versão
Lionel Fischer
Ator, diretor, poeta e roteirista, o inglês Harold Pinter (1930-2008) foi também um dos maiores dramaturgos do século XX, com suas obras inseridas no que se convencionou chamar de Teatro do Absurdo - os outros pilares do gênero são Samuel Beckett e Eugène Ionesco. Além disso, era um incômodo ativista político, um verdadeiro pacifista, e suas posições contra as guerras do Golfo e do Iraque, por exemplo, tornaram-no alvo de muitos ataques por parte das correntes conservadoras que, como se sabe, privilegiam a bestialidade em detrimento da razão.
Autor de obra vasta e diversificada, Harold Pinter também escreveu muitos esquetes, em sua maior parte produzidos para o teatro de revista. O presente espetáculo reúne os seguintes: "Tess", "Esse é seu problema", "Preto e branco", "Problemas no trabalho", "Ponto de ônibus", "Nova ordem mundial", "Oferta especial", "O último a sair", "Noite", "Coletiva de imprensa", "Só isso" e "Afora isso".
Com tradução assinada por Jacqueline Laurence e Ísio Ghelman, e direção a cargo de Ary Coslov, "Pinteresco" (Teatro Solar de Botafogo) chega à cena com elenco formado por Alice Borges, Leonardo Franco, Marina Vianna e Savio Moll.
Como destaca Ary Coslov no programa distribuído ao público, mesmo nestes textos curtos estão presentes os principais temas do autor, como incomunicabilidade, solidão, memória, ambiguidade, iminência de desastre etc. Mas as surpresas ficam por conta de algumas características raramente trabalhadas em suas peças mais longas, como um surpreendente senso de humor e abordagem de temas políticos.
Por tratar-se de Harold Pinter, não julgo oportuno perder tempo tecendo considerações sobre as obras aqui encenadas, ainda que alguns esquetes sejam mais interessantes do que outros - esta desigualdade é inerente a praticamente todos os espetáculos estruturados a partir de esquetes, mesmo quando assinados por um gênio. Vamos, pois, ao espetáculo.
Como de hábito, Ary Coslov impõe à presente montagem uma premissa da qual jamais abre mão: priorizar as idéias do autor, ao invés de partir para incócuas mirabolâncias formais. Isto significa, na prática, uma dinâmica cênica crua e objetiva, essencialmente apoiada no jogo entre os atores e, não custa nada lembrar, valorizando ao máximo o insólito de muitas situações e as conhecidas pausas propostas por Pinter, indispensáveis para o estabelecimento dos muitos climas emocionais em jogo. E por ser um excelente ator, nada mais natural que Ary Coslov consiga extrair ótimas atuações de seus intérpretes.
Maravilhosa comediante, Alice Borges exibe mais uma vez sua voz magnífica, afora um impecável trabalho corporal. Marina Vianna, de temperamento mais voltado para o drama, conseque aqui materializar um insuspeitado potencial para o humor. Savio Moll está inteiramente à vontade e convincente nos muitos personagens que encarna, o mesmo aplicando-se a Leonardo Franco - com relação a este último, gostaria de destacar a capacidade do ator de trabalhar num registro, digamos, econômico, sempre na medida justa, tanto no que se refere ao texto como ao universo gestual. Franco me dá sempre a sensação de que sabe exatamente o que é preciso fazer e o faz com grande competência.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Jacqueline Laurence e Ísio Ghelman (tradução), Marcos Flaksman (cenografia), Aurélio de Simoni (iluminação), Ary Coslov (trilha sonora) e Kika Lopes, responsável pelos lindíssimos figurinos.
PINTERESCO - Textos de Harold Pinter. Direção de Ary Coslov. Com Alice Borges, Leonardo Franco, Marina Vianna e Savio Moll. Teatro Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h.
"Pinteresco"
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Esquetes de Pinter em ótima versão
Lionel Fischer
Ator, diretor, poeta e roteirista, o inglês Harold Pinter (1930-2008) foi também um dos maiores dramaturgos do século XX, com suas obras inseridas no que se convencionou chamar de Teatro do Absurdo - os outros pilares do gênero são Samuel Beckett e Eugène Ionesco. Além disso, era um incômodo ativista político, um verdadeiro pacifista, e suas posições contra as guerras do Golfo e do Iraque, por exemplo, tornaram-no alvo de muitos ataques por parte das correntes conservadoras que, como se sabe, privilegiam a bestialidade em detrimento da razão.
Autor de obra vasta e diversificada, Harold Pinter também escreveu muitos esquetes, em sua maior parte produzidos para o teatro de revista. O presente espetáculo reúne os seguintes: "Tess", "Esse é seu problema", "Preto e branco", "Problemas no trabalho", "Ponto de ônibus", "Nova ordem mundial", "Oferta especial", "O último a sair", "Noite", "Coletiva de imprensa", "Só isso" e "Afora isso".
Com tradução assinada por Jacqueline Laurence e Ísio Ghelman, e direção a cargo de Ary Coslov, "Pinteresco" (Teatro Solar de Botafogo) chega à cena com elenco formado por Alice Borges, Leonardo Franco, Marina Vianna e Savio Moll.
Como destaca Ary Coslov no programa distribuído ao público, mesmo nestes textos curtos estão presentes os principais temas do autor, como incomunicabilidade, solidão, memória, ambiguidade, iminência de desastre etc. Mas as surpresas ficam por conta de algumas características raramente trabalhadas em suas peças mais longas, como um surpreendente senso de humor e abordagem de temas políticos.
Por tratar-se de Harold Pinter, não julgo oportuno perder tempo tecendo considerações sobre as obras aqui encenadas, ainda que alguns esquetes sejam mais interessantes do que outros - esta desigualdade é inerente a praticamente todos os espetáculos estruturados a partir de esquetes, mesmo quando assinados por um gênio. Vamos, pois, ao espetáculo.
Como de hábito, Ary Coslov impõe à presente montagem uma premissa da qual jamais abre mão: priorizar as idéias do autor, ao invés de partir para incócuas mirabolâncias formais. Isto significa, na prática, uma dinâmica cênica crua e objetiva, essencialmente apoiada no jogo entre os atores e, não custa nada lembrar, valorizando ao máximo o insólito de muitas situações e as conhecidas pausas propostas por Pinter, indispensáveis para o estabelecimento dos muitos climas emocionais em jogo. E por ser um excelente ator, nada mais natural que Ary Coslov consiga extrair ótimas atuações de seus intérpretes.
Maravilhosa comediante, Alice Borges exibe mais uma vez sua voz magnífica, afora um impecável trabalho corporal. Marina Vianna, de temperamento mais voltado para o drama, conseque aqui materializar um insuspeitado potencial para o humor. Savio Moll está inteiramente à vontade e convincente nos muitos personagens que encarna, o mesmo aplicando-se a Leonardo Franco - com relação a este último, gostaria de destacar a capacidade do ator de trabalhar num registro, digamos, econômico, sempre na medida justa, tanto no que se refere ao texto como ao universo gestual. Franco me dá sempre a sensação de que sabe exatamente o que é preciso fazer e o faz com grande competência.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Jacqueline Laurence e Ísio Ghelman (tradução), Marcos Flaksman (cenografia), Aurélio de Simoni (iluminação), Ary Coslov (trilha sonora) e Kika Lopes, responsável pelos lindíssimos figurinos.
PINTERESCO - Textos de Harold Pinter. Direção de Ary Coslov. Com Alice Borges, Leonardo Franco, Marina Vianna e Savio Moll. Teatro Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h.
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
CURSO DE CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS
Fazendo drama, de 1 minuto a 100 mil
Renato Fagundes
15, 22, 29 OUT e 05 NOV
Segundas, das 19h30 às 21h30
Aula 1
A narrativa de mil faces.
Estrutura: o que é uma história dramática?
Os três atos.
O herói e sua jornada.
Personagens, arquétipos e estrutura emocional.
Narrativa orientada a personagem e narrativa orientada a trama.
Visão geral das plataformas: cinema, TV, web, celular, quadrinhos, games.
O processo criativo: tagline, sinopse, argumento, escaleta, roteiro.
Exibição e análise do curta How They Get There, de Spike Jonze.
Proposta de trabalho:
Criação de roteiro a partir das ferramentas práticas descrita na aula, baseado no curta de Spike Jonze.
Leitura de trechos selecionados de Aristóteles, David Mamet, McKee, Lajos Egri e outros.
Aula 2
Histórias curtas
A construção da história curta: nocaute em vez de vitória por pontos.
Curtas para cinema.
Curtas de animação e curtas para web: características e diferenciais.
A história curta como esqueleto de aventura: a lógica dos videogames.
Discussão dos trabalhos e textos propostos na aula anterior.
A cena como curta-metragem (introdução ao tema, que será abordado na próxima aula).
Exibição e análise de cena de Era Uma Vez na América, de Sergio Leone.
Proposta de trabalho:
Criação de roteiro de cena baseada na cena do filme visto na aula. Lembrar que a cena é unidade dramática básica da narrativa longa, e deve ter estrutura dramática completa, a ponto de poder existir como curta.
Leitura de Três Usos da Faca, de David Mamet.
Aula 3
Histórias longas
A cena como unidade dramática básica, que resume toda a jornada do herói, ao mesmo tempo em que a faz avançar.
Revendo os três atos.
Os três atos dentro da cena.
A jornada do herói dentro da cena.
Encadeamento e inflexão de cenas: a narrativa como dialética.
Curva dramática do protagonista.
Relações com os demais personagens.
A narração visual e a linguagem do cinema.
Discussão dos trabalhos e textos propostos na aula anterior.
Lições da narrativa longa aplicadas à TV: a construção da série de TV, o episódio como narrativa longa, mas integrada a outra ainda maior (introdução ao tema, que será abordado na próxima aula).
Exibição e análise do episódio piloto da série Weeds.
Proposta de trabalho:
Criação de tagline e apresentação de série para web (episódios curtos) tendo como personagens os protagonistas do curta da aula 1 e da cena da aula 2.
Leitura da bíblia de uma série de animação criada por Jeffrey Scott.
Aula 4
Histórias muito longas
Planejamento e criação de séries (TV, web, quadrinhos)
Os tipos de séries - seriadas, procedurais, temáticas - e suas características.
Curva dramática do herói: a diferença entre cinema e TV.
Processo criativo: personagens, universo, tramas.
Duração de episódios (uma hora, meia hora, alguns minutos).
Duração de séries: planejando histórias muito longas.
Continuidade e arcos dramáticos variáveis.
A construção de episódios com força dramática independente.
Os episódios como elementos de construção da série.
A importância do piloto e seus elementos obrigatórios.
Trabalho de encerramento em sala:
Revisão da bíblia de animação de Jeffrey Scott
Revisão do curta da aula 1 e da cena da aula 2
Análise e discussão das propostas de série elaboradas pelos alunos, com revisão coletiva das propostas a partir das ferramentas discutidas.
Renato Fagundes é jornalista e roteirista da Conspiração Filmes, trabalhou no Jornal do Brasil de 1993 a 1999, no Rio e em Brasília. Frilou para Época, Marie Claire, Valor e CNN, entre outros. Criou a Revista 2K, online, com Paulo Mussoi. Foi editor de conteúdo e editor de novos projetos no Globo Online. Na Selulloid AG, editou a Revista Oi e criou ações de comunicação por conteúdo para vários clientes. Atualmente, é coordenador de conteúdo do núcleo de TV e Multiplataforma do Grupo Conspiração, responsável por criação e desenvolvimento de projetos, formatos e roteiros para obras audiovisuais de ficção e não-ficção.
Local:
Estação SESC Botafogo
Rua Voluntários da Pátria, 88
Botafogo, Rio de Janeiro - RJ
Valor: R$ 400,00
10% de desconto para inscrições realizadas com até uma semana de antecedência no pagamento à vista. 15% de desconto para ex-aluno do Telezoom no pagamento à vista. Associados Sesc tem 20% de desconto no pagamento à vista.
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Fazendo drama, de 1 minuto a 100 mil
Renato Fagundes
15, 22, 29 OUT e 05 NOV
Segundas, das 19h30 às 21h30
Aula 1
A narrativa de mil faces.
Estrutura: o que é uma história dramática?
Os três atos.
O herói e sua jornada.
Personagens, arquétipos e estrutura emocional.
Narrativa orientada a personagem e narrativa orientada a trama.
Visão geral das plataformas: cinema, TV, web, celular, quadrinhos, games.
O processo criativo: tagline, sinopse, argumento, escaleta, roteiro.
Exibição e análise do curta How They Get There, de Spike Jonze.
Proposta de trabalho:
Criação de roteiro a partir das ferramentas práticas descrita na aula, baseado no curta de Spike Jonze.
Leitura de trechos selecionados de Aristóteles, David Mamet, McKee, Lajos Egri e outros.
Aula 2
Histórias curtas
A construção da história curta: nocaute em vez de vitória por pontos.
Curtas para cinema.
Curtas de animação e curtas para web: características e diferenciais.
A história curta como esqueleto de aventura: a lógica dos videogames.
Discussão dos trabalhos e textos propostos na aula anterior.
A cena como curta-metragem (introdução ao tema, que será abordado na próxima aula).
Exibição e análise de cena de Era Uma Vez na América, de Sergio Leone.
Proposta de trabalho:
Criação de roteiro de cena baseada na cena do filme visto na aula. Lembrar que a cena é unidade dramática básica da narrativa longa, e deve ter estrutura dramática completa, a ponto de poder existir como curta.
Leitura de Três Usos da Faca, de David Mamet.
Aula 3
Histórias longas
A cena como unidade dramática básica, que resume toda a jornada do herói, ao mesmo tempo em que a faz avançar.
Revendo os três atos.
Os três atos dentro da cena.
A jornada do herói dentro da cena.
Encadeamento e inflexão de cenas: a narrativa como dialética.
Curva dramática do protagonista.
Relações com os demais personagens.
A narração visual e a linguagem do cinema.
Discussão dos trabalhos e textos propostos na aula anterior.
Lições da narrativa longa aplicadas à TV: a construção da série de TV, o episódio como narrativa longa, mas integrada a outra ainda maior (introdução ao tema, que será abordado na próxima aula).
Exibição e análise do episódio piloto da série Weeds.
Proposta de trabalho:
Criação de tagline e apresentação de série para web (episódios curtos) tendo como personagens os protagonistas do curta da aula 1 e da cena da aula 2.
Leitura da bíblia de uma série de animação criada por Jeffrey Scott.
Aula 4
Histórias muito longas
Planejamento e criação de séries (TV, web, quadrinhos)
Os tipos de séries - seriadas, procedurais, temáticas - e suas características.
Curva dramática do herói: a diferença entre cinema e TV.
Processo criativo: personagens, universo, tramas.
Duração de episódios (uma hora, meia hora, alguns minutos).
Duração de séries: planejando histórias muito longas.
Continuidade e arcos dramáticos variáveis.
A construção de episódios com força dramática independente.
Os episódios como elementos de construção da série.
A importância do piloto e seus elementos obrigatórios.
Trabalho de encerramento em sala:
Revisão da bíblia de animação de Jeffrey Scott
Revisão do curta da aula 1 e da cena da aula 2
Análise e discussão das propostas de série elaboradas pelos alunos, com revisão coletiva das propostas a partir das ferramentas discutidas.
Renato Fagundes é jornalista e roteirista da Conspiração Filmes, trabalhou no Jornal do Brasil de 1993 a 1999, no Rio e em Brasília. Frilou para Época, Marie Claire, Valor e CNN, entre outros. Criou a Revista 2K, online, com Paulo Mussoi. Foi editor de conteúdo e editor de novos projetos no Globo Online. Na Selulloid AG, editou a Revista Oi e criou ações de comunicação por conteúdo para vários clientes. Atualmente, é coordenador de conteúdo do núcleo de TV e Multiplataforma do Grupo Conspiração, responsável por criação e desenvolvimento de projetos, formatos e roteiros para obras audiovisuais de ficção e não-ficção.
Local:
Estação SESC Botafogo
Rua Voluntários da Pátria, 88
Botafogo, Rio de Janeiro - RJ
Valor: R$ 400,00
10% de desconto para inscrições realizadas com até uma semana de antecedência no pagamento à vista. 15% de desconto para ex-aluno do Telezoom no pagamento à vista. Associados Sesc tem 20% de desconto no pagamento à vista.
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quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Duas peças de Plínio Marcos
Décio de Almeida Prado
1967 ficará como o ano no qual as companhias paulistas descobriram que representar Plínio Marcos é um bom negócio tanto artístico quanto econômico, tentando recuperar em alguns meses de intensa exploração da sua dramaturgia os longos anos em que se pensou justamente o contrário. Parece ter havido um remorso coletivo em relação a este escritor que os críticos não suspeitavam que existisse entre nós e que permaneceu congelado por tanto tempo.
Agora, deu-se o degelo - e o rio das produções plínio-marquianas começa a avolumar-se, ameaçando transbordamento. Esta crônica dedica-se a duas de suas últimas peças, estreadas quase simultaneamente: Homens de Papel, no Teatro Maria Della Costa, e Quando as Máquinas Param, no Teatro de Arte, anexo (subsolo) ao Teatro Brasileiro de Comédia.
Há sempre duas línguas coexistindo mais ou menos pacificamente no mesmo país: a que se escreve e a que se fala. Mas a literatura sente necessidade às vezes de uma reaproximação com a fala popular para não perder de todo o contato com as realidades diárias e concretas. O modernismo, entre outras coisas, significou um desses reajustes de linguagem.
A primeira qualidade de Plínio Marcos é a de injetar no diálogo teatral, como Nelson Rodrigues havia feito antes dele, uma dose maciça daquelas sintaxes de exceção que Manuel Bandeira reclamava na sua Poética. As personagens de Homens de Papel e de Quando as Máquinas Param não falam português, e nem mesmo brasileiro: falam gíria.
Mas a gíria, sendo uma linguagem completa em si mesma, não pode ser introduzida em porções moderadas, a título de exemplificação ou ornamento. Usada entre aspas, reduzida a citação, como se fosse uma palavra estrangeira para a qual faltasse equivalência, destoa, soa falso, traindo o caráter de concessão feita ao erro popular.
Plínio Marcos usa a gíria sem nenhuma condescendência intelectual, sem olhá-la de cima para baixo, porque ela é a única linguagem que ele conhece e domina a fundo, a única capaz de exprimir o seu pensamento com vigor e naturalidade. As suas idéias já surgem moldadas pelas frases feitas, por essas saborosas locuções populares do momento que, nada dizendo de preciso, dizem tudo conforme a expressão e o contexto em que são empregadas.
Parece que durante os trinta e um anos de sua existência ele não fez outra coisa senão ouvir e armazenar esse tesouro de modismos que faria inveja a qualquer folclorista profissional. Mas, tornamos a repetir, a gíria em seu teatro nunca se torna demonstração didática ou diversão erudita: brota sempre espontânea, viva, ligada à personagem e à situação dramática, fazendo o público rir - inclusive dos palavrões - por perceber com tanta clareza não só como o povo fala mas sobretudo como sente e pensa.
É que ele domina igualmente uma segunda linguagem, sem a qual essa primeira pouco significaria: a do palco. As suas personagens recortam-se com facilidade e nitidez perante o público, as relações entre elas - de afeto ou desafeto, de superioridade ou inferioridade - definem-se prontamente, o jogo das segundas intenções reluz através das palavras e atos. É um teatro de ator, no sentido de ter sido escrito por um ator e também no de servir o ator: um teatro imaginado para o palco, na medida do palco, feito para ser representado.
As suas duas últimas peças, no entanto, não nos parecem ter a força e a penetração de Navalha na Carne e Dois Perdidos Numa Noite Suja. Houve algum progresso - mas em extensão, não em profundidade. O quadro se alargou consideravelmente, escapando à peça de um só ato e dois ou três personagens, passando a abranger novos tipos humanos, novas regiões sociais, mas perdeu certamente em dois pontos capitais: densidade psicológica e tensão dramática.
Homens de Papel traça um panorama pitoresco e amargo dos catadores de papel numa cidade desumana como S. Paulo. O conflito novamente se arma, como nas peças anteriores, em termos de personalidades fortes e personalidades fracas: verdugos e vítimas. O medo ante a força bruta (ou econômica), a astúcia que procura contornar o obstáculo sem atacá-lo de frente, ou então justificar com palavras a própria impotência e covardia, são os motivos dominantes dessa subhumanidade fisicamente e moralmente miserável. (É a Ralé, de Gorki, alguns degraus mais abaixo na escala social e sem as tiradas filosóficas. Na peça russa era gente decaída; aqui, gente pobre decaída).
O princípio de revolta contra a injustiça e a opressão econômica só pode vir de fora, de uma família do campo ainda não contaminada pelo cinismo e pelo negativismo da grande cidade. Deveria ser este o fator positivo, do ponto de vista social e moral. Mas ao crítico cabe registrar a contragosto que Plínio Marcos não se revela tão convincente na virtude como no vício: a sua heroína peca por excesso de perfeições, por conter um elemento de idealização quase romântica - o campo visto por um homem da cidade como Plínio Marcos - que se choca com o realismo cru das outras personagens.
Defeito que é ainda agravado pelo desempenho. Maria Della Costa tem a simplicidade camponesa, a fé ingênua em si mesma necessária ao papel, mas interpreta-o em escala de grandeza - uma espécie de Joana D'Arc das sarjetas - de dimensões já épicas. E diminui assim a veracidade da personagem, em confronto com os maus, com os viciosos, com os fracos, com os doentes, todos eles trabalhados em minúcia pelo texto, desde a debilidade mental de Walderez de Barros até a tortuosidade infantilóide de Oswaldo Louzada (uma das melhores criações do espetáculo), desde a sem-vergonhice simpática de Ruthinéia de Morais até a safadeza pueril de Sílvio Rocha, desde a brutalidade sem requintes de Elias Gleiser até a revolta sopitada e humilhada de Eduardo Abas. Fernando Balleroni, em contraposição, como homem do campo, não chega sequer a existir em cena. Peças como esta, que exigem caracterizações aguçadas, não servem ao seu feitio plácido.
A cenografia e figurinos de Clóvis Bueno e a direção de Jairo Arco e Flexa, ambas de boa qualidade, temperam o naturalismo do texto com uma nota mais colorida, mais teatral, chegando por vezes às proximidades do grotesco. O espetáculo lembra um pouco, pela vibratilidade, pela facilidade de comunicação, as primeiras encenações de Flávio Rangel (Gimba, O Pagador de Promessas).
Quando as Máquinas Param é dirigida por Plínio Marcos numa linha menos imaginosa, menos plástica, mais apegada à realidade cotidiana. Também nesta peça, de apenas um ato e duas personagens, a virtude, representada pela mulher, parece menos autêntica, não diremos que o vício, mas do que a fraqueza masculina. No homem, nos seus movimentos ascendentes e descendentes de humor, nas suas explosões afetivas, na sua linguagem sempre correta, sempre figurativa, está todo o interesse da peça.
Ele é o italianinho do Brás de Antônio de Alcântara Machado (e não importa que não seja italiano e nem more no Brás) em versão 1967: mais agressivo, mais desorientado do que há 40 anos, tentando sem sucesso encaixar a sua personalidade um tanto agreste, eco sensível das injustiças e sofrimentos do mundo, nos moldes pré-fabricados da vida moderna. O final pessimista e melodramático, em contraste com o equilíbrio entre alegria e tristeza das cenas anteriores, convence menos: é sempre difícil a passagem do psicológico ao social, do individual ao coletivo, de peça realista à peça de mensagem política.
Entre Míriam Mehler e Luís Gustavo não há afinidades artísticas de temperamentos: temos a impressão algo disparatada de um operário da Mooca casado com uma mocinha de Perdizes. O texto indica esta diferença de educação, comum entre o homem e a mulher na mesma classe social - ma a encenação não precisava acentuá-la tanto. Ele é verdadeiramente neo-realista, no sentido italiano: um ator que consegue mostrar com total credibilidade a face real do povo. Ela tem de se contentar com a parte mais fraca: o texto só lhe reserva sentimentos impecáveis.
Plínio Marcos tem aquela franqueza no falar que o público tanto apreciava em Abílio Pereira de Almeida. São autores sem papas na língua. Mas com uma diferença essencial: as personagens de Abílio frequentavam o Jockey-Club, ao passo que o protagonista de Quando as Máquinas Param torce para o Coríntians. Esta diversidade de clubes ocasiona volumes de análise social.
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Extraído de Exercício Findo. Editora Perspectiva.
Décio de Almeida Prado
1967 ficará como o ano no qual as companhias paulistas descobriram que representar Plínio Marcos é um bom negócio tanto artístico quanto econômico, tentando recuperar em alguns meses de intensa exploração da sua dramaturgia os longos anos em que se pensou justamente o contrário. Parece ter havido um remorso coletivo em relação a este escritor que os críticos não suspeitavam que existisse entre nós e que permaneceu congelado por tanto tempo.
Agora, deu-se o degelo - e o rio das produções plínio-marquianas começa a avolumar-se, ameaçando transbordamento. Esta crônica dedica-se a duas de suas últimas peças, estreadas quase simultaneamente: Homens de Papel, no Teatro Maria Della Costa, e Quando as Máquinas Param, no Teatro de Arte, anexo (subsolo) ao Teatro Brasileiro de Comédia.
Há sempre duas línguas coexistindo mais ou menos pacificamente no mesmo país: a que se escreve e a que se fala. Mas a literatura sente necessidade às vezes de uma reaproximação com a fala popular para não perder de todo o contato com as realidades diárias e concretas. O modernismo, entre outras coisas, significou um desses reajustes de linguagem.
A primeira qualidade de Plínio Marcos é a de injetar no diálogo teatral, como Nelson Rodrigues havia feito antes dele, uma dose maciça daquelas sintaxes de exceção que Manuel Bandeira reclamava na sua Poética. As personagens de Homens de Papel e de Quando as Máquinas Param não falam português, e nem mesmo brasileiro: falam gíria.
Mas a gíria, sendo uma linguagem completa em si mesma, não pode ser introduzida em porções moderadas, a título de exemplificação ou ornamento. Usada entre aspas, reduzida a citação, como se fosse uma palavra estrangeira para a qual faltasse equivalência, destoa, soa falso, traindo o caráter de concessão feita ao erro popular.
Plínio Marcos usa a gíria sem nenhuma condescendência intelectual, sem olhá-la de cima para baixo, porque ela é a única linguagem que ele conhece e domina a fundo, a única capaz de exprimir o seu pensamento com vigor e naturalidade. As suas idéias já surgem moldadas pelas frases feitas, por essas saborosas locuções populares do momento que, nada dizendo de preciso, dizem tudo conforme a expressão e o contexto em que são empregadas.
Parece que durante os trinta e um anos de sua existência ele não fez outra coisa senão ouvir e armazenar esse tesouro de modismos que faria inveja a qualquer folclorista profissional. Mas, tornamos a repetir, a gíria em seu teatro nunca se torna demonstração didática ou diversão erudita: brota sempre espontânea, viva, ligada à personagem e à situação dramática, fazendo o público rir - inclusive dos palavrões - por perceber com tanta clareza não só como o povo fala mas sobretudo como sente e pensa.
É que ele domina igualmente uma segunda linguagem, sem a qual essa primeira pouco significaria: a do palco. As suas personagens recortam-se com facilidade e nitidez perante o público, as relações entre elas - de afeto ou desafeto, de superioridade ou inferioridade - definem-se prontamente, o jogo das segundas intenções reluz através das palavras e atos. É um teatro de ator, no sentido de ter sido escrito por um ator e também no de servir o ator: um teatro imaginado para o palco, na medida do palco, feito para ser representado.
As suas duas últimas peças, no entanto, não nos parecem ter a força e a penetração de Navalha na Carne e Dois Perdidos Numa Noite Suja. Houve algum progresso - mas em extensão, não em profundidade. O quadro se alargou consideravelmente, escapando à peça de um só ato e dois ou três personagens, passando a abranger novos tipos humanos, novas regiões sociais, mas perdeu certamente em dois pontos capitais: densidade psicológica e tensão dramática.
Homens de Papel traça um panorama pitoresco e amargo dos catadores de papel numa cidade desumana como S. Paulo. O conflito novamente se arma, como nas peças anteriores, em termos de personalidades fortes e personalidades fracas: verdugos e vítimas. O medo ante a força bruta (ou econômica), a astúcia que procura contornar o obstáculo sem atacá-lo de frente, ou então justificar com palavras a própria impotência e covardia, são os motivos dominantes dessa subhumanidade fisicamente e moralmente miserável. (É a Ralé, de Gorki, alguns degraus mais abaixo na escala social e sem as tiradas filosóficas. Na peça russa era gente decaída; aqui, gente pobre decaída).
O princípio de revolta contra a injustiça e a opressão econômica só pode vir de fora, de uma família do campo ainda não contaminada pelo cinismo e pelo negativismo da grande cidade. Deveria ser este o fator positivo, do ponto de vista social e moral. Mas ao crítico cabe registrar a contragosto que Plínio Marcos não se revela tão convincente na virtude como no vício: a sua heroína peca por excesso de perfeições, por conter um elemento de idealização quase romântica - o campo visto por um homem da cidade como Plínio Marcos - que se choca com o realismo cru das outras personagens.
Defeito que é ainda agravado pelo desempenho. Maria Della Costa tem a simplicidade camponesa, a fé ingênua em si mesma necessária ao papel, mas interpreta-o em escala de grandeza - uma espécie de Joana D'Arc das sarjetas - de dimensões já épicas. E diminui assim a veracidade da personagem, em confronto com os maus, com os viciosos, com os fracos, com os doentes, todos eles trabalhados em minúcia pelo texto, desde a debilidade mental de Walderez de Barros até a tortuosidade infantilóide de Oswaldo Louzada (uma das melhores criações do espetáculo), desde a sem-vergonhice simpática de Ruthinéia de Morais até a safadeza pueril de Sílvio Rocha, desde a brutalidade sem requintes de Elias Gleiser até a revolta sopitada e humilhada de Eduardo Abas. Fernando Balleroni, em contraposição, como homem do campo, não chega sequer a existir em cena. Peças como esta, que exigem caracterizações aguçadas, não servem ao seu feitio plácido.
A cenografia e figurinos de Clóvis Bueno e a direção de Jairo Arco e Flexa, ambas de boa qualidade, temperam o naturalismo do texto com uma nota mais colorida, mais teatral, chegando por vezes às proximidades do grotesco. O espetáculo lembra um pouco, pela vibratilidade, pela facilidade de comunicação, as primeiras encenações de Flávio Rangel (Gimba, O Pagador de Promessas).
Quando as Máquinas Param é dirigida por Plínio Marcos numa linha menos imaginosa, menos plástica, mais apegada à realidade cotidiana. Também nesta peça, de apenas um ato e duas personagens, a virtude, representada pela mulher, parece menos autêntica, não diremos que o vício, mas do que a fraqueza masculina. No homem, nos seus movimentos ascendentes e descendentes de humor, nas suas explosões afetivas, na sua linguagem sempre correta, sempre figurativa, está todo o interesse da peça.
Ele é o italianinho do Brás de Antônio de Alcântara Machado (e não importa que não seja italiano e nem more no Brás) em versão 1967: mais agressivo, mais desorientado do que há 40 anos, tentando sem sucesso encaixar a sua personalidade um tanto agreste, eco sensível das injustiças e sofrimentos do mundo, nos moldes pré-fabricados da vida moderna. O final pessimista e melodramático, em contraste com o equilíbrio entre alegria e tristeza das cenas anteriores, convence menos: é sempre difícil a passagem do psicológico ao social, do individual ao coletivo, de peça realista à peça de mensagem política.
Entre Míriam Mehler e Luís Gustavo não há afinidades artísticas de temperamentos: temos a impressão algo disparatada de um operário da Mooca casado com uma mocinha de Perdizes. O texto indica esta diferença de educação, comum entre o homem e a mulher na mesma classe social - ma a encenação não precisava acentuá-la tanto. Ele é verdadeiramente neo-realista, no sentido italiano: um ator que consegue mostrar com total credibilidade a face real do povo. Ela tem de se contentar com a parte mais fraca: o texto só lhe reserva sentimentos impecáveis.
Plínio Marcos tem aquela franqueza no falar que o público tanto apreciava em Abílio Pereira de Almeida. São autores sem papas na língua. Mas com uma diferença essencial: as personagens de Abílio frequentavam o Jockey-Club, ao passo que o protagonista de Quando as Máquinas Param torce para o Coríntians. Esta diversidade de clubes ocasiona volumes de análise social.
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Extraído de Exercício Findo. Editora Perspectiva.
sábado, 1 de setembro de 2012
DIREÇÃO DE ARTE PARA TV, CINEMA E PUBLICIDADE
A oficina inclui teoria e prática, focando principalmente no tripé arte-fotografia-direção como estrutura do filme e no tripé cenografia-produção de arte-figurino como estrutura da direção de arte. Aborda também elementos da linguagem cinematografica.
Público alvo: interessados pela direção de arte nos meios audiovisuais.
Objetivo e resumo do curso
Passar noções básicas de lingugem cinematográica e história do cinema, com foco na direção de arte. Introduzir o conceito de direção de artepassando pelos elementos cor, pesquisa de materiais e pesquisa histórica. Trabalhar os tripés estruturais do filme e da arte dentro do filme. Proporcionar a experiência da prática para através dela diagnosticar facilidades e dificuldades dos alunos e ajudá-los a melhorar sua performance.
com Isabel Paranhos
17, 24, 31 OUT e 07 NOV
Quartas, das 19:30 às 21:30
Programação
Carga horária: 8h
Mini-currículo (Isabel Paranhos)
Atualmente professora de Direção de Arte na PUC-Rio. Formada em educação artística pela Faculdade de Educação Artística do Instituto Metodista Bennett (Rio de Janeiro) e em Estilismo pelo Senai/Cetiqt, além de ter feito vários cursos de artes plásticas e cinema. A partir de 1984 trabalha como cenógrafa, figurinista, diretora de arte e desenhista de story-board para produções de cinema de longas e curtas metragens, televisão (minisséries), publicidade e vídeo clipes. Entre seus trabalhos de longa metragem estão os figurinos de O Quatrilho, de Fábio Barreto, Fulaninha, de David Neves, O Homem da Capa Preta, de Sérgio Rezende e Inquilinos, de Sérgio Bianchi. No CINEDUC, desde 1982, começou como professora, passando depois a consultora gráfica e ilustradora nos materiais didáticos. Em 2005, voltou a atuar como professora e monitora nos projetos SESC e Sessão Criança, do CCBB.
Local: Estação SESC Botafogo. Sala 2 do Cinema
Rua Voluntários da Pátria, 88
Botafogo, Rio de Janeiro - RJ
Valor: R$ 400,00
10% de desconto para inscrições à vista realizadas com até uma semana de antecedência. 15% de desconto para ex- alunos do Espaço Telezoom em pagamento à vista. Associados Sesc tem 20% de desconto em pagamento à vista.
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A oficina inclui teoria e prática, focando principalmente no tripé arte-fotografia-direção como estrutura do filme e no tripé cenografia-produção de arte-figurino como estrutura da direção de arte. Aborda também elementos da linguagem cinematografica.
Público alvo: interessados pela direção de arte nos meios audiovisuais.
Objetivo e resumo do curso
Passar noções básicas de lingugem cinematográica e história do cinema, com foco na direção de arte. Introduzir o conceito de direção de artepassando pelos elementos cor, pesquisa de materiais e pesquisa histórica. Trabalhar os tripés estruturais do filme e da arte dentro do filme. Proporcionar a experiência da prática para através dela diagnosticar facilidades e dificuldades dos alunos e ajudá-los a melhorar sua performance.
com Isabel Paranhos
17, 24, 31 OUT e 07 NOV
Quartas, das 19:30 às 21:30
Programação
Carga horária: 8h
Mini-currículo (Isabel Paranhos)
Atualmente professora de Direção de Arte na PUC-Rio. Formada em educação artística pela Faculdade de Educação Artística do Instituto Metodista Bennett (Rio de Janeiro) e em Estilismo pelo Senai/Cetiqt, além de ter feito vários cursos de artes plásticas e cinema. A partir de 1984 trabalha como cenógrafa, figurinista, diretora de arte e desenhista de story-board para produções de cinema de longas e curtas metragens, televisão (minisséries), publicidade e vídeo clipes. Entre seus trabalhos de longa metragem estão os figurinos de O Quatrilho, de Fábio Barreto, Fulaninha, de David Neves, O Homem da Capa Preta, de Sérgio Rezende e Inquilinos, de Sérgio Bianchi. No CINEDUC, desde 1982, começou como professora, passando depois a consultora gráfica e ilustradora nos materiais didáticos. Em 2005, voltou a atuar como professora e monitora nos projetos SESC e Sessão Criança, do CCBB.
Local: Estação SESC Botafogo. Sala 2 do Cinema
Rua Voluntários da Pátria, 88
Botafogo, Rio de Janeiro - RJ
Valor: R$ 400,00
10% de desconto para inscrições à vista realizadas com até uma semana de antecedência. 15% de desconto para ex- alunos do Espaço Telezoom em pagamento à vista. Associados Sesc tem 20% de desconto em pagamento à vista.
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