quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

TEMPORADA TEATRAL 2011

                DESTAQUES

AUTOR

Eduardo Wotzik - "Estilhaços"

Felipe Rocha - "Ninguém falou que seria fácil"

Cristovão Tezza - "O filho eterno"

Pedro Kosovski - "Outside"

Beatriz Sayad/Dani Barros - "Estamira - beira do mundo"


DIRETOR

João Fonseca - "R & J de Shakespeare: juventude interrompida"

Cibele Forjaz - "O idiota"

José Wilker - "Palácio do fim"

Daniel Lobo - "Nise da Silveira - senhora das imagens"

Christiane Jatay - "Julia"


ATOR

Gilberto Gawronski - "Ato de comunhão"

José Mayer - "Um violinista no telhado"

Charles Fricks - "O filho eterno"

Tiago Abravanel - "Tim Maia - vale tudo, o musical"

Isaac Bernat - "Mão na luva"


ATRIZ

Barbara Paz - "Hell"

Dani Barros - "Estamira - beira do mundo"

Vera Holtz - "Palácio do fim"

Ana Terra - "Nise da Silveira - senhora das imagens"

Patrícia Niedermeier - "Orlando"


CENOGRAFIA

Laura Vinci - "O idiota"

Marcos Flaksman - "Palácio do fim"

Flávio Graff - "Outside"

Marcelo Lipiani - "Julia"

Rogério Falcão - "Um violinista no telhado"


FIGURINOS

Joana Porto - "O idiota"

Juliana Nicolay - "Estamira - beira do mundo"

Flávio Graff - "Outside"

Emilia Duncan - "A escola do escândalo"

Marcelo Pies - "Um violinista no telhado"


ILUMINAÇÃO

Renato Machado - "Outside"

Alessandra Domingues - "O idiota"

Maneco Quinderé - "Palácio do fim"

Djalma Amaral - "Nise da Silveira - senhora das imagens"

Luiz Paulo Nenem - "R & J de Shakespeare: juventude interrompida"


TRILHA SONORA/ ARRANJOS/ MÚSICA/ DIREÇÃO MUSICAL

João Carlos Assis Brasil - trilha sonora e direção musical de "Nise da Silveira - senhora das imagens"

Marcos Ribas de Faria - trilha sonora de "A esposa e a noiva"

Otávio Ortega - trilha sonora e direção musical de "O idiota"

Tato Taborda - música original de "Retorno ao deserto"

Alexandre Elias - arranjos e direção musical de "Tim Maia - vale tudo, o musical"


CATEGORIA ESPECIAL

Teatro Tablado - 60 anos de atividade

Aury Porto - adaptação teatral de "O idiota"

Sergio Fonta - lançamento do livro "Rubens Corrêa: um salto para dentro da luz"

Paulo Reis - revitalização do Parque Lage como espaço teatral e formação de platéia com o evento "Shakesparque"

Marieta Severo e Andréa Beltrão - criação do Teatro Poeirinha

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Erasmo de Rotterdam


          Erasmo Desidério, ou Erasmo de Rotterdam, como ficou conhecido devido ao seu local de nascimento, ou, ainda, Voltaire Latino, apelido que lhe foi dado em virtude de suas críticas à Igreja católica, é uma figura central para se entender as transformações pelas quais passou a fé religiosa e o pensamento ocidental, da Idade Média à época moderna.


          Nasceu em meados do século XV, como fruto da ligação ilícita entre um padre e uma moça, e recebeu uma forte educação religiosa e latinista. Com o objetivo de estudar e subsistir, abraçou o sacerdócio por volta de 1492 (para abandoná-lo logo depois) e em Paris, na Sorbonne, aprimorou-se no pensamento clássico. Viajou e lecionou em vários países, como Inglaterra (Cambridge), Bélgica e Espanha, sendo recebido por outros estudiosos e por nobres.


          Ao longo desta carreira teológica e acadêmica, a natureza pacifista de Erasmo foi imersa nos manuscritos escolásticos e nos detalhes dos dogmas católicos, de modo que, desta imersão, o que veio à tona foi a percepção - vista de dentro - das contradições e do pensamento obsoleto da Igreja católica. Erasmo, como humanista que era, acreditava que a razão tinha de ser de utilidade ao homem (e não o contrário), e, assim, criticava com ferocidade teólogos e filósofos que, através de uma retórica vazia e hermética, perpetuavam o pensamento das trevas e defendiam uma fé católica artificial e incoerente.


          Se opôs à violência do reformista Lutero, pois acreditava que o catolicismo devia ser reformado internamente, sem cismas nem sangue. Diferentemente do pastor alemão, que pregava em meio ao povo, Erasmo pertencia à República dos letrados, casta nascente que começava a reivindicar suas prerrogativas, acreditando no futuro de uma humanidade guiada pelas luzes da razão. É o apóstolo de uma mudança suave, dotado de uma visão evolucionista.


           A sua obra mais importante do ponto de vista teólógico é Colóquios. Mas é em Elogio da Loucura, escrita em 1501, que Erasmo chega às raias com sua veia satírica, recheando de humor os absurdos da filosofia, da fé e, mais universalmente, do comportamento humano - sendo, deste modo, totalmente acessível ao leitor leigo. O texto foi escrito na Inglaterra, na casa do pensador Thomas Moore (que, não por acaso, verteu seu pacifismo na obra Utopia, na qual esboçava uma sociedade na qual todas as nações e todos os homens viveriam em paz).


          Quem fala, em Elogio da Loucura, é a própria Loucura. A insanidade demonstra como está presente na vida dos homens e tudo que estes a ela devem, pois é ela, a Loucura, e ninguém mais, que move o mundo. O que, na verdade, o humanista Erasmo faz é nos convidar a observar - com humor e compaixão, além de identificação - a natureza humana e suas fraquezas, de modo a nos adaptarmos racionalmente a ela.


          Nas suas inúmeras referências a divindades antigas, o que se vê é uma estocada ao pensamento ortodoxo católico; quando escreve "A verdadeira prudência consiste, já que somos humanos, em não querer ser mais sábios do que nossa natureza o permite", Erasmo fala aos seus pares filósofos e teólogos que deixavam que a obsessão pela verdade única e incontestável cegase-lhes os olhos frente à realidade complexa.


          Em 1542, seis anos após sua morte, aquele que era um dos intelectuais mais célebres e respeitados da sua época, o astro em torno do qual gravitava tudo o que a Europa contava de melhor, é decretado pelos teólogos da Sorbonne como "louco, insensato, injurioso a Deus, a Jesus Cristo, à Virgem, aos Santos, às prescrições da Igreja, às cerimônias eclesiásticas, aos teólogos, às ordens mendicantes".


          Erasmo acabou por ser visto como a ave que incubou o ovo do qual saiu a Reforma. E o próprio Elogio não era, certamente, desprovido de vontade reformadora. Mas como o que ele apresentava era uma purgação que devia ocorrer no seio da Igreja católica (ao passo que Lutero procedeu à amputação), Erasmo - intelectual que tinha horror a toda idéia cismática - anunciava, antes, o espírito da Contra-Reforma.


           Outras de suas obras são: Adágios, Desprezo do Mundo e De libero arbitrio.
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Extraído de Elogio da Loucura, L&PM POCKET, tradução de Paulo Neves.
Prêmio Shell de Teatro 2011


INDICAÇÕES

          A Homenagem Especial desta edição é dedicada a Barbara Heliodora pelo exercício da crítica teatral ao longo dos últimos 54 anos.
          Nesta edição, o júri do Rio de Janeiro foi formado por Fabiana Valor (atriz e bailarina), Helena Varvaki (atriz e professora), João Madeira (diretor do grupo AfroReggae), Macksen Luiz (crítico teatral) e Sérgio Fonta (dramaturgo, diretor e ator).

AUTOR:
·            Eduardo Bakr - “4 Faces do Amor”
·         Rodrigo Nogueira - “Obituário Ideal”
·         Felipe Rocha - “Ninguém Falou Que Seria Fácil”
·         Pedro Brício - “Me Salve, Musical”

DIREÇÃO:
·            Christiane Jatahy - “Julia”
·         Inez Viana - “Amor Confesso”
·         José Wilker - “Palácio do Fim”
·         Daniel Herz - “Adultério”
·         Gabriel Villela - “Crônica da Casa Assassinada”

ATOR:
·            Gracindo Junior - “Judy Garland – O fim do arco-íris”
·         Rafael Primot - “Inverno da Luz Vermelha”
·         Charles Fricks - “O Filho Eterno”
·         Gilberto Gawronski - “Ato de Comunhão”
·         José Mayer - “Um Violinista no Telhado”

ATRIZ:
             Claudia Netto - “Judy Garland – O fim do arco-íris”
          Dani Barros - “Estamira – Beira do Mundo”
          Vera Holtz - “Palácio do Fim”
·         Debora Olivieri - “Rosa”
·         Letícia Isnard - “A estupidez”


CENÁRIO:
·         Daniela Thomas - “Inverno da Luz Vermelha”
·         Marcelo Lipiani - “Julia”
·         Fernando Mello da Costa - “Um Coração: Fraco”
·         Marcelo Lipiani e Lídia Kosovski - “Cozinha e     Dependências  – Um dia como os outros”
·         Márcio Vinícius - “Crônica da Casa Assassinada”

FIGURINO:
·         Beth Filipecki e Renaldo Machado - “Palácio do Fim”
·         Marcelo Pies - “Judy Garland – O fim do arco-íris”
·         Flavio Graff - “Outside: um musical noir”
·         Gabriel Villela - “Crônica da Casa Assassinada”

ILUMINAÇÃO:
·         Fernanda Mantovani - “Breve Encontro”
·         Maneco Quinderé - “Palácio do Fim”
·         Aurélio de Simoni - “O Filho Eterno”
·         Domingos Quintiliano - “Crônica da Casa Assassinada”

MÚSICA:
·         Liliane Secco - “4 Faces do Amor”
·         Warley Goulart - “Não Me Diga Adeus”
·        André Aquino e João Bittencourt - “R&J de Shakespeare, juventude interrompida”
·         Marcelo Castro - “Um Violinista no Telhado”

CATEGORIA ESPECIAL:
·         Christiane Jatahy - adaptação do clássico “Senhorita Julia”, de Strindberg, para o espetáculo “Julia”
·         Teatro Tablado - 60 anos de atividade
·         Marcia Rubin - direção de movimento dos espetáculos “Escola do Escândalo”, “O Filho Eterno”, “A Lua Vem da Ásia” e “Outside: um musical noir”.
·         Teatro do Pequeno Gesto - publicação da revista Folhetim dedicada a Nelson Rodrigues e sua manutenção ao longo de 13 anos.
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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

FELIZ NATAL

Quisera Senhor, neste Natal, armar uma árvore e nela pendurar, ao invés de bolas, os nomes de todos os meus amigos.

Os amigos de longe, os amigos de perto. Os antigos e os mais recentes. Os que vejo a cada dia e os que raramente encontro.

Os sempre lembrados e os que às vezes ficam esquecidos. Os constantes e os intermitentes.

Aqueles a quem conheço profundamente e aqueles de quem conheço só a aparência.

Os que me devem e aqueles a quem muito devo.

Meus amigos humildes e meus amigos importantes.

Os nomes de todos os que já passaram pela minha vida.

Uma árvore de raízes muito profundas para que seus nomes nunca sejam arrancados do meu coração.

De ramos muito extensos para que novos nomes, vindos de todas as partes, venham juntar-se aos já existentes.

Uma árvore de sombras muito agradáveis, para que nossa amizade seja um momento de repouso nas lutas da vida...

A todos os queridos parceiros deste modesto blog desejo que tenham um super Natal e que 2012 seja o ano mais feliz de nossas vidas!!!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sobre a leitura e os livros

Arthur Schopenhauer


10.

          Seria bom comprar livros se fosse possível comprar, junto com eles, o tempo para lê-los, mas é comum confundir a compra dos livros com a assimilação de seu conteúdo.

          Exigir que alguém tivesse guardado tudo aquilo que já leu é o mesmo que exigir que ele ainda carregasse tudo aquilo que já comeu. Ele viveu do alimento corporalmente e do que leu, espiritualmente, e foi assim que se tornou o que é. Mas, da mesma maneira que o corpo assimila o que lhe é homogêneo, o espírito guarda o que lhe interessa, ou seja, o que diz respeito a seu sistema de pensamentos ou o que se adpata a suas finalidades.

          Certamente todos têm as suas finalidades, mas poucas são as pessoas que possuem algo semelhante a um sistema de pensamentos, de modo que não é um interesse objetivo o que os move, e é esse o motivo pelo qual nada do que lêem é assimilado e eles não conservam coisa alguma.

          A repetição é a mãe do estudo. Cada livro importante deve ser lido, de imediato, duas vezes, em parte porque as coisas são melhor compreendidas na segunda vez, em seu contexto, e o início é entendido corretamente quando se conhece o final; em parte porque, na segunda vez, cada passagem é acompanhada com outra disposição e com outro humor, diferentes dos da primeira, de modo que a impressão se altera, como quando um objeto é observado sob uma luz diversa.

          As obras são a quintessência de um espírito: em conseqüência disso, por maior que seja o espírito, elas terão sempre uma riqueza de conteúdo maior do que a possibilitada pelo contato com o autor e substituirão sua companhia no que é essencial, aliás, na verdade a superam de longe e a deixam para trás.

          Até os escritos de uma cabeça mediana podem ser instrutivos, divertidos e dignos de leitura, exatamente porque são a quintessência, o resultado, o fruto de todo o seu pensamento e estudo, enquanto sua companhia não nos poderia satisfazer. Isso explica porque é possível ler livros de pessoas em cuja companhia não encontraríamos nenhuma satisfação, e também é por esse motivo que a cultura espiritual elevada nos leva gradativamente a encontrar prazer apenas nos livros, não mais nos homens.

          Não há nenhum conforto maior para o espírito do que a leitura dos clássicos antigos: logo que uma pessoa tem em mãos qualquer um deles, mesmo que seja por meia hora, sente-se imediatamente renovado, aliviado, purificado, elevado e fortalecido; é como se tivesse bebido de uma fonte de água fresca em meio aos rochedos. Será que essa impressão se deve às línguas antigas e à sua perfeição? Ou à grandeza dos espíritos cujas obras sobreviveram aos milênios, intactas, sem perder seu vigor?

          Talvez aos dois fatores ao mesmo tempo. Mas de uma coisa eu sei: se o ensino das línguas antigas um dia chegar ao fim, como há o risco de acontecer agora, surgirá uma nova literatura, constituída de escritos tão bárbaros, rasos e sem valor como nunca se viu. Ainda mais quando a língua alemã, que de fato possui algumas das perfeições das antigas, é dilapidada e maltratada de modo apressado e metódico pelos escribas sem valor da "atualidade", de tal maneira que ela se transforma gradativamente, empobrecida e aleijada, num miserável jargão.

          Há duas histórias: a política e a da literatura e da arte. A primeira é a história da vontade, a segunda, a do intelecto. É por isso que a primeira geralmente é angustiante, mesmo terrível: medo, necessidade, engano e assassinatos horríveis, em massa. A outra, em contrapartida, é agradável e jovial, assim como o intelecto isolado, mesmo quando descreve erros e descaminhos. Seu ramo principal é a história da filosofia.

          Na verdade, esta constitui seu baixo fundamento, que ressoa até mesmo na outra história e conduz a opinião a partir de seu fundamento, mas é a opinião que governa o mundo. Assim, a filosofia também é, entendida em seu sentido próprio, o mais poderoso material, embora seu efeito seja muito lento.
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Extraído de A arte de escrever (L&PM POCKET)
TEMPORADA TEATRAL 2011

Destaques do 2º Semestre

A relação que se segue contempla, no máximo, cinco profissionais por categoria, cabendo a ressalva de que o critério foi adotado em função de excessos e/ou carências em algumas categorias. Na categoria ATRIZ, por exemplo, minha lista seria enorme, e assim aproveito para me desculpar com as excelentes profissionais que tanto elogiei mas que, dado o exposto, não constam da presente seleção.  



AUTOR:

Nelson Motta - "Tim Maia - vale tudo, o musical"

Daniela Pereira de Carvalho - "Nem um dia se passa sem notícias suas"

Daniel Lobo - "Nise da Silveira - senhora das imagens"

Beatriz Sayad/ Dani Barros - "Estamira - beira do mundo"


DIRETOR:

Cibele Forjaz - "O idiota"

Daniel Lobo - "Nise da Silveira - senhora das imagens"

José Wilker - "Palácio do fim"

Beatriz Sayad - "Estamira - beira do mundo"

Christiane Jatahy - "Julia"


ATOR:

Daniel Dantas - "Na selva das cidades"

Marcelo Olinto - "Na selva das cidades"

Tiago Abravanel - "Tim Maia - vale tudo, o musical"

Isaac Bernat - "Mão na luva"

Antonio Petrin - "Palácio do fim"


ATRIZ:

Patrícia Niedermeier - "Orlando"

Debora Olivieri - "Rosa"

Ana Terra - "Nise da Silveira - senhora dos afogados"

Vera Holtz - "Palácio do fim"

Dani Barros - "Estamira - beira do mundo"


CENOGRAFIA:

Marcelo Lipiani - "Julia"

Laura Vinci - "O idiota"

Flávio Graff - "Orlando"

Bia Junqueira - "Cartas de Maria Julieta & Carlos Drummond de Andrade"

Marcos Flaksman - "Palácio do fim"


FIGURINOS:

Joana Porto - "O idiota"

Ruy Cortez - "Tim Maia - vale tudo, o musical"

Bruno Cesário - "Orlando"

Juliana Nicolay - "Estamira - beira do mundo"


ILUMINAÇÃO:

Tomás Ribas - "Estamira - beira do mundo"

Alessandra Domingues - "O idiota"

Djalma Amaral - "Nise da Silveira - senhora das imagens"

Paulo César Medeiros - "Cartas de Maria Julieta & Carlos Drummond de Andrade" e "Mulheres sonharam cavalos"

Maneco Quinderé - Palácio do fim"


TRILHA SONORA/ ARRANJOS/ MÚSICA/ DIREÇÃO MUSICAL:

Rodrigo Marçal - direção musical de "Julia" 

Otávio Ortega - trilha sonora e direção musical de "O idiota"

Alexandre Elias - arranjos e direção musical de "Tim Maia - vale tudo, o musical"

João Carlos Assis Brasil - trilha sonora e direção musical de "Nise da Silveira - senhora das imagens"

Marcelo Alonso Neves - música de "Palácio do fim"


CATEGORIA ESPECIAL:


Teatro Tablado - 60 anos de atividade

Aury Porto - adaptação teatral de "O idiota"

Alexandre Rudáh - vídeos de "Orlando"

Sergio Fonta - lançamento do livro "Rubens Corrêa: um salto para dentro da luz"

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Teatro Grego


Atendendo a muitos pedidos, transcrevo a seguir um resumo da obra dos quatro mais importantes dramaturgos da Grécia Antiga, berço do teatro: Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes - os três primeiros autores trágicos e o último, o maior comediógrafo da Antigüidade. O presente material foi extraído de 501 Grandes Escritores, que pode ser adquirido em qualquer banca de jornal pela módica quantia de R$ 19,99 (Editor Geral: Julian Patrick. Prefácio de John Sutherland. Editora Sextante)


ÉSQUILO

NASCIMENTO: 525 a.C (Elêusis, próximo a Atenas, Grécia)

MORTE: 455 a.C (Gela, Sicília)

ESTILO e GÊNERO: com uma linguagem repleta de riqueza descritiva e imagens complexas, Ésquilo fez inovações ousadas na forma dramática e deu destaque a temas políticos e religiosos.

PRINCIPAIS OBRAS:

Os persas
Os sete contra Tebas
As suplicantes
Prometeu acorrentado
Oréstia

          O epitáfio de Ésquilo dizia simplesmente que ela havia lutado contra os persas em Maratona, em defesa de sua Atenas natal. Omitia, porém, o vigor de seus feitos literários: sua inovações formais tiveram um papel decisivo nos primórdios da tragédia grega, e sua poesia é notável pela força contínua e pela beleza das imagens.

          Nascido quando Atenas ainda era governada por um tirano, Ésquilo testemunhou a fundação da democracia ateniense e a aurora da era clássica. Durante uma carreira que durou quase meio século, ele produziu cerca de 80 peças, das quais apenas sete sobreviveram. Cada uma dessas peças demonstra a influência da era de transição em que foram escritas, caracterizadas por preocupações políticas com a democracia que ainda dava seus primeiros passos.

           Acompanhando essa consciência política está arraigada uma sensibilidade religiosa que, ao reconhecer a responsabilidade individual, considera que as ações humanas estão inextricavelmente vinculadas à vontade divina. O progresso humano é possível, mas apenas por meio do sofrimento imposto pelos deuses (tema que é magistralmente exemplificado na obra-prima de Ésquilo, a trilogia Oréstia)

          A seriedade dos temas enfrentados pelo autor combina com a majestade de seu estilo. Delicia-se em enfileirar uma sequência de adjetivos compostos e misturar imagens, e valoriza mais a grandeza misteriosa do que a clareza. Além de ser um poeta de primeira linha, Ésquilo foi o mais inovador dos antigos autores de tragédias e responsável pela introdução do segundo ator (a tragédia anteriormente envolvia apenas um ator e o coro).

          Com essa combinação de estilo refinado e inovação ousada, Ésquilo abriu caminho para a era de ouro do teatro clássico e preparou o palco para a entrada de seus sucessores, Sófocles e Eurípedes.


SÓFOCLES

NASCIMENTO: 496 a.C (Hippelos Colonus, Grécia)

MORTE: 406 a.C (Atenas, Grécia)

ESTILO E GÊNERO: Sófocles foi um dramaturgo de escritos ousados, compactos e contidos (se comparados com os de Ésquilo). Usava o contraste de personagens, temas e climas e empregava a ironia com grande habilidade.

PRINCIPAIS OBRAS:

Aias
Antígona
As traquínias
Édipo rei 
Édipo em Colono
Electra
Filoctetes

          Durante sua longa vida, Sófocles de Atenas escreveu 123 peças e competiu tanto com Ésquilo quanto com Eurípedes. As sete tragédias remanescentes exploram a grandeza e o sofrimentro de seres humanos exepcionais, com habilidades quase divinas, que precisam escolher entre um desastre certeiro ou um compromisso que trairia a natureza heroica que os separa dos mais comuns dos mortais. A habilidade dramatúrgica de Sófocles foi reconhecida desde Aristóteles, que elogiava seu domínio do ritmo narrativo e da tensão dramática, até então sem paralelos.

          Quando a loucura enviada pelos deuses faz com que Ajax traga a desgraça para si em Troia, em Aias, um feroz senso de honra e de vergonha não permite que reste ao mais poderoso guerreiro grego outra opção além do suicídio. Édipo rei dramatiza como a própria inteligência que outorga poder ao monarca conduz sua implacável busca pela verdade, levando em seguida à loucura, à cegueira autoprovocada e ao exílio.

          Esses dilemas trágicos podem ser compreendidos em termos políticos mais amplos como confronto entre valores de um passado homérico, que privilegiava o indivíduo, e os contemporâneos, da democracia ateniense do século V, que servia aos interesses da comunidade e desencorajava comportamentos extremos.

          A intransigência heroica leva a um isolamento total e assustador, até mesmo dos deuses, em um mundo governado por um destino misterioso e cruel. As traquínias nos mostra que Zeus não salvará nem mesmo seu filho Héracles (Hércules, na versão latina), modelo do heroísmo grego, de uma morte torturante que o despe tanto de sua carne quanto da sua celebrada masculinidade.

          Porém, a opção livre e autônoma do sofrimento no lugar da aceitação das limitações humanas dota os heróis de Sófocles de assombro e poder num mundo onde o passado não lega qualquer conhecimento, o futuro não reserva esperanças e o presente traz apenas padecimento.


EURÍPEDES

NASCIMENTO: 480 a.C (Salamis, Grécia)

MORTE: 406 a.C (Macedônia)

ESTILO E GÊNERO: Eurípedes foi o enfant terrible da tragédia grega do século V a.C. Seus protagonistas desfigurados pela guerra exibem um ceticismo sofista e sofisticado em relação aos mitos e heróis.

PRINCIPAIS OBRAS:

Medeia
Hipólito
Hécuba
Electra
As troianas
Helena
Ifigênia em Áulis
As bacantes


          Fascinado por deuses e monstros, Eurípedes poderia ser chamado de o primeiro dramaturgo moderno. Embora evitasse a política - ao contrário de seus contemporâneos mais velhos e de Sófocles, seu rival -, Eurípedes deixava clara sua desilusão pela cultura ateniense, vestindo seus heróis com farrapos. Em As troianas, chegou a criticar abertamente a política de relações exteriores da cidade-estado ao comparar o massacre de Melos com a destruição de Troia - vista, de forma incomum, pelo ponto de vista dos troianos.

          Para protestar contra a Guerra do Vienã, em 1971, Michael Cocoyannis filmou As troianas valendo-se de uma tradução feita por Edith Hamilton em 1937, que via Eurípedes como um pacifista vivendo em uma era beligerante. Certamente, suas outras peças sobre os mitos heroicos fundadores da Grécia - Helena, Ifigênia em Áulis e Hécuba - perguntam "Guerra? Para que serve?". Peças como As bacantes, que satirizam os fundadores da Grécia, revelam o autor como um iconoclasta. Seus deuses, como o Baco selvagem e carismático, são monstros. Mais do que isso, são políticos.

          Enquanto as peças de Ésquilo sugerem um temor ritual pela incompreensão das ações dos deuses, e os dramas de Sófocles exploram sua lógica de longo prazo, Eurípedes vê os deuses e os seres humanos envolvidos em uma dança do poder volúvel, egoísta, profunda e dolorosamente constrangedora.

          Embora considerado um poeta menor em comparação a seus predecessores, Eurípedes demonstra sua sagacidade selvagem ao olhar o lado oculto das palavras e dos personagens. Em Medeia, várias vezes atribui-se à heroína a qualidade de sophronsyne, o mais alto nível de sabedoria masculina para os gregos. Eurípedes quer demonstrar, em parte, que sophronsyne é diferente para as mulheres e também que o pensamento, como todos os dons dos deuses, é uma faca de dois gumes. Suas peças ainda são afiadas o bastante para lacerar.


ARISTÓFANES

NASCIMENTO: 448 a.C (Provavelmente Atenas, Grécia)

MORTE: 388-385 a.C (local desconhecido)

ESTILO E GÊNERO: considerado o mais representativo da comédia grega por seu estilo, que une deboche e invenções pessoais à sátira política e paródia sutil da literatura.

PRINCIPAIS OBRAS:

Os acarnenses
Os cavaleiros
As nuvens
As vespas
A paz
As aves
Lisístrata
As tesmoforiantes
As rãs
A revolução das mulheres
Um deus chamado dinheiro


          O primeiro perfil de Aristófanes encontra-se em Simpósio, de Platão, um retrato amistoso de um homem que apreciava os prazeres da vida e era, como suas comédias, ao mesmo tempo divertido e sério. A maior parte do material biográfico sobre Aristófanes, porém, não é comprovada e provavelmente baseia-se em suas peças.

          Os acarnenses, sua obra mais antiga a sobreviver, incorpora preocupações altamente atuais e enredos fantásticos característicos das peças "políticas" da velha comédia de Atenas do século V antes da era cristã: um herói simpático, frustrado com a situação, emprega toda a sua sagacidade maliciosa para superar seus inimigos com meios sobrenaturais. O pobre fazendeiro Dicaeopolis passa a perna nos demagogos linha-dura de Atenas ao obter, em particular, a paz com os espartanos, garantindo para si, dessa forma, todos os prazeres impedidos pela Guerra do Peloponeso - comida, vinho e sexo.

          Acompanhando a obscenidade onipresente e o humor grosseiro, tais interesses genéricos da antiga comédia colocavam a ação no mundo cotidiano, no aqui e agora, em contraste extremo com o passado mitológico, altivo, austero e distante empregado pelo gênero rival, a tragédia grega. Os acarnenses também prima por conter o trecho indiscutivelmente mais picante da literatura antiga, no qual o herói negocia as filhas de um comerciante recorrendo a uma série de trocadilhos muito explícitos sobre a vagina.

          Aristófanes estilhaçou a ilusão dramática preservada a todo custo pela tragédia graças ao abuso do ad hominem, recurso adotado pela mais antiga tradição da poesia iâmbica. Para provocar riso, o poeta cômico desfazia dos políticos, de cidadãos, de outros poetas e da própria plateia com deboche disperso e persistente. O implacável retrato de Sócrates em As nuvens, onde aparece como um charlatão excêntrico e representativo do crescente movimento sofista, levou fama de ter contribuído para a execução do filósofo.

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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Judy Garland - o fim do arco-íris"

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Humor, beleza e tragicidade


Lionel Fischer


"A vida de Judy Garland (1922-1969) foi certamente mais dramática e acidentada que as inúmeras personagens e canções imortalizadas por ela em filmes, shows e discos. A intensidade sempre deu o tom de sua trajetória, desde o precoce início de carreira, ainda criança, à decadência dos últimos anos de vida, passando pelo avassalador sucesso juvenil em 'O mágico de Oz', uma série de casamentos fracassados e a dependência química. O espetáculo não é uma biografia musical nem tem a intenção de contar a história da estrela, mas flagra os bastidores de sua última turnê, em Londres, entre momentos no palco e em um quarto no Hotel Ritz, onde se hospedava com Mickey Deans, que viria a ser seu quinto marido"

Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Vanessa Cardoso, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá a ação de "Judy Garland - o fim do arco-íris", em cartaz no Teatro Fashion Mall. De autoria de Peter Quilter, o texto gira em torno da relação de três personagens: Judy Garland (Claudia Netto), Mickey Deans (Igor Rickli) e o pianista gay Anthony (Gracindo Jr), este último o único personagem fictício. Claudio Botelho assina a versão brasileira, estando a direção a cargo de Charles Möeller.

A a vida de Judy Garland foi marcada por inúmeras tragédias, que, no entanto, e ao menos por um bom tempo, não a impediram de manter-se no topo, no seleto rol das estrelas de primeiríssima grandeza. Mas aqui o foco recai sobre o período final de sua vida e trajetória artística, que Peter Quilter retrata de forma irretocável.

Possuidora de humor corrosivo, desconcertante arrogância e quase sempre lançando mão de um vocabulário chulo, ao mesmo tempo o autor nos mostra uma mulher extremamente frágil, dependente em igual medida de afeto e drogas. E nisto consiste o principal mérito do autor: escrever sobre Judy não de uma forma idealizada, mas retratando-a em toda a sua miséria e grandeza. Cabe também registar sua habilidade na construção dos dois outros personagens e suas também conflitadas relações - me permito apenas achar que o texto, se um pouco reduzido, teria ainda maior impacto.

Quanto ao espetáculo, mais uma vez estamos diante da grife Botelho/Möeller, o que significa uma montagem impecável em todos os seus aspectos - marcações expressivas, total domínio dos tempos rítimicos, absoluta elegância e capacidade de materializar na cena todos os conteúdos propostos pelo autor.

Com relação ao elenco, Claudia Netto exibe perfomance deslumbrante, tanto no que diz respeito aos números musicais como nos momentos em que interpreta a personagem. Quanto aos primeiros, achei particularmente notável a passagem em que a atriz vem caminhando pela lateral do teatro ao som do Prelúdio nº 4 em Mi Menor, de Chopin, e, já no palco, canta "How Insensitive", versão em inglês de "Insensatez", de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Sem dúvida, um momento inesquecível.

Na pele do pianista gay Anthony, Gracindo Jr também consegue extrair todo o humor e humanidade do personagem, cabendo ressaltar a passagem em que, já quase no final da montagem, propõe a Judy que ela permita que ele cuide dela para o resto da vida. Momento extremamente tocante, sob todos os aspectos. Quanto a Igor Rickli, o ator exibe desempenho correto, mas tal correção pode ser transcendida se o ator conseguir diminuir um pouco o volume de sua voz, ao menos em algumas passagens.

Na equipe técnica, a excelência é a tônica dos trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta poderosa empreitada teatral - Marcelo Pies (figurinos), Rogério Falcão (cenografia), Paulo César Medeiros (iluminação), Beto Carramanhos (visagismo) e Marcelo Castro, maestro que assina a direção musical e comanda uma excelente banda de seis músicos.

JUDY GARLAND - O FIM DO ARCO-ÍRIS - Texto de Peter Quilter. Versão brasileira de Claudio Botelho. Direção de Charles Möeller. Com Claudia Netto, Gracindo Jr e Igor Rickli. Teatro Fashion Mall. Quinta, 18h. Sexta, 21h30. Sábado, 21h. Domingo, 20h.  

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

SIMBOLISMO

David Lodge


"Que imbecil!", gritou Ursula. "Por que ele não se afasta até o trem passar?"

          Gudrun o encarava com olhos negros, atentos, enfeitiçados. Mas o homem  continuava reluzindo, obstinado, dominando a égua, que rodopiava e fazia curvas súbitas como o vento, sem conseguir livrar-se da vontade que a subjugava nem escapar aos terrores ribombantes que lhe varavam o corpo, enquanto os vagões estrondeavam devagar, pesados, temíveis, um atrás do outro, perseguindo uns aos outros, pelos trilhos da intersecção.

          A locomotiva, como se curiosa para ver o que aconteceria, freou, e com o impacto da parada súbita os vagões bateram os para-choques metálicos, que ressoaram como címbalos temíveis, estrugindo cada vez mais perto em terríveis concussões estridentes. A égua abriu a boca e ergueu-se devagar, como se alçada por um sopro de terror. De repente as duas patas da frente ergueram-se enquanto ela fugia em pânico daquele horror. O animal recuou, e as duas garotas se abraçaram, sentindo que ela cairia para trás em cima do homem. Mas o cavaleiro se inclinou para a frente, o rosto radiando júbilo, e por fim dominou a montaria, fez com que ela se abaixasse e a conduziu de volta ao local. Mas forte como o impulso de sua compulsão era a repulsa do terror da égua, que se afastou da ferrovia e começou a correr em círculos sobre apenas duas patas, como se estivesse no olho de um furacão. A cena fez Gudrun esmorecer com a vertigem pungente, que aparentou penetrar fundo em seu coração.

D. H. Lawrence, Mulheres apaixonadas (1921)


De maneira simplificada, tudo o que remete a outra coisa é um símbolo, mas esse processo opera de várias formas diferentes. Num dado contexto, uma cruz pode simbolizar o cristianismo, por remeter à crucificação, e em outro pode simbolizar um cruzamento na estrada, por semelhança. O simbolismo literário é menos decodificável do que esses exemplos, pois tenta ser original e tende a uma pluralidade fecunda e até mesmo à ambigüidade do significado (características indesejáveis nos ícones religiosos e especialmente nos sinais de trânsito).

Se as metáforas e os símiles consistem em estabelecer semelhanças entre A e B, um símbolo literário é um B que sugere um A, ou um certo número de As. O estilo poético conhecido como simbolismo, que surgiu no fim do século XIX na França com as obras de Baudelaire, Verlaine e Mallarmé e exerceu influência considerável sobre a literatura inglesa do século XX, caracterizava-se por uma superfície luzente de significados sugeridos sem qualquer núcleo denotativo.

No entanto, alguém já disse que a tarefa do romancista é chamar as coisas pelos seus devidos nomes antes de transformá-las em símbolos, o que parece um ótimo conselho a escritores interessados em criar algo como "a ilusão da realidade". Um objeto que surge na história de maneira óbvia demais, apenas em virtude de seu valor simbólico, tende a minar a credibilidade da história enquanto ação humana. D. H. Lawrence muitas vezes assumia esse risco para dar vasão a seus insigts visionários - quando, em um outro episódio de Mulheres apaixonadas, por exemplo, o autor põe seu herói a rolar nu pela grama e atirar pedras no reflexo da lua. Mas, na passagem citada, o equilíbrio entre a descrição realista e a sugestão simbólica foi mantido.

Aqui não se trata de um simples objeto, mas de uma ação complexa: um homem que tenta controlar uma égua assustada pelo trem carvoeiro que atravessa uma passagem de nível, ao mesmo tempo em que duas mulheres o observam. O homem é Gerald Grich, filho do dono da mina, além de seu atual gerente e futuro herdeiro. A ação se passa no cenário de Nottinghamshire, onde Lawrence, filho de um mineiro, passou a infância: uma paisagem rural agradável, mas com cicatrizes negras das minas e das ferrovias em alguns pontos.

Poder-se-ia dizer que o trem simboliza a indústria mineira, um produto cultural no sentido antropológico da palavra, enquanto a égua, como criatura da natureza, simboliza o campo. A indústria foi imposta ao campo mediante o poder masculino e a determinação do capitalismo - um processo encenado em nível simbólico no modo como Gerald domina a sua montaria, forçando o animal a aceitar o terrível fragor mecânico do trem.

As duas mulheres na cena são as irmãs Ursula e Gudrun Brangwen, professora e artista, respectivamente. Elas estão passeando pelo campo quando presenciam a cena junto à passagem de nível. Ambas indentificam-se com a situação do animal aterrorizado. Ursula fica revoltada com o comportamento de Gerald e fala o que lhe vem à cabeça. Mas a cena é descrita segundo a perspectiva de Gudrun, e a reação dela é mais complexa e ambivalente.

Existe um simbolismo sexual no modo como Gerald controla a égua - "por fim dominou a montaria, fez com que ela se abaixasse e a conduziu de volta ao local" - e sem dúvida um elemento de exibcionismo viril na demonstração de força frente às duas mulheres. Ao passo que Ursula sente apenas repulsa diante do espetáculo, Gudrun experimenta uma excitação sexual, quase contra a sua vontade. A égua "começou a correr em círculos sobre apenas duas patas, como se estivesse no olho de um furacão. A cena fez Gudrun esmorecer com a vertigem pungente, que aparentou penetrar fundo no seu coração".

"Pungente" é um epíteto deslocado, que em termos lógicos refere-se ao sofrimento da égua; sua aplicação, um tanto inusitada em referência a "vertigem", expressa a turbulência emocional de Gudrun e chama a atenção para o significado original de pungente - perfurante, pontiagudo - que, ao lado de "penetrante" na frase seguinte, confere uma forte ênfase fálica a toda a descrição.

Algumas páginas adiante, Gudrun aparece "com os pensamentos embotados pela sensação do cavaleiro de peso suave montando o corpo vivo do animal: as coxas fortes e indômitas do homem de cabelos loiros agarrando o corpo palpitante da égua e impondo-lhe o mais absoluto controle". A cena funciona como um presságio do relacionamento sexual ardente e destrutivo que mais tarde se desenvolve entre Gudrun e Gerald.

A sugestão simbólica, no entanto, seria bem menos eficaz se Lawrence não nos permitisse imaginar a cena com todos os detalhes vívidos e sensuais. O terrível fragor e o movimento dos vagões quando a locomotiva freia são representados em sintaxe e dicção onomatopaicas ("estrugindo cada vez mais perto em terríveis concussões estridentes"), seguidas de uma imagem eloquente da égua, graciosa até mesmo em uma situação de pânico: "A égua abriu a boca e ergueu-se devagar, como se alçada por um sopro de terror". Independente do que você pense sobre os homens e as mulheres de Lawrence, ele sempre foi brilhante ao descrever animais.

Vale ressaltar que o simbolismo é gerado de duas formas diferentes na passagem. O simbolismo da natureza e da cultura aparece nas figuras de linguagem conhecidas como metomínia e sinédoque. A metomínia substituui uma causa por seu efeito e vice-versa (a locomotiva simboliza a indústria porque é um efeito da Revolução Industrial), e a sinédoque substitui o todo por uma parte e vice-versa (a égua simboliza a natureza porque pertence à natureza). 

O simbolismo sexual, por outro lado, aparece na metáfora e no símile, figuras de linguagem em que uma coisa é igualada a outra em virtude de alguma semelhança entre as duas formas: a forma como Gerald domina sua montaria sugere uma relação sexual humana. A distinção, formulada pelo estruturalista russo Roman Jakobson, opera em todos os níveis do texto literário e, na verdade, fora da literatura também, conforme minha heroína Robyn Penrose demonstrou a um Vic Wilcox um tanto cético em Um almoço nunca é de graça ao analisar anúncios de cigarro.
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Extraído de A arte da ficção, L&PM POCKET

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

El Derecho al Delirio

Eduardo Galeano


Que tal si deliramos por um ratito?
Que tal si clareamos los ojos, más allá de la infamia para adivinar otro mundo possible?

El aire estará limpio de todo veneno que nos provenga de los miedos humanos y de las humanas pasiones.

En las calles, los automóviles serán aplastados por los perros, la gente no será manejada por el automóvil, ni será programada por la computadora, ni será comprada por el supermercado, ni será tampoco, mirada por ele televisor.

El televisor dejará de ser el miembro más importante de la familia, y será tratado como la plancha o el lavarrropas.

Se incorporará a los códigos penales el delito de la estupidez, que cometen quienes viven por tener o por ganar, en vez de vivir nomás, como canta el pájaro sin saber que canta, y como juega el niño sin saber que juega.

En ningún país irón presos los muchachos que se nieguen a cumplir el servicio militar, sino los que quieran cumplirlo.

Nadie viverá para trabajar, pero todos trabajaremos para vivir.

Los economistas no llamarán nivel de vida al nivel de consumo, no llamarán calidad de vida a la cantidad de cozas.

Los cosineros no creerán que a las langostas les encanta que las hiervan vivas.

Los historiadores no creerán que a los países les encanta ser invadidos.

Los políticos no creerán que a los pobres les encanta comer promessas.

La solemnidad se dejará de creer que es una virtud y nadie, nadie tomara en sério a nadie que no sea capaz de tomarse el pelo.

La muerte e el dinero perderán sus mágicos poderes, y ni por defunción ni por fortuna se convertirá el canalla en virtuoso cavallero.

La comida no será una mercancía, ni la comunicación um negocio, porque la comida y la comunicación son derechos humanos.

Nadie morirá de hambre, porque nadie morirá de indijestión.

Los niños de la calle no serán tratados como si fueran basura, porque no habrá niños de la calle.

Los niños ricos no serán tratados como si fueran dinero, porque no habrá niños ricos.

La educación no será el privilegio de quienes pueden pagarla y la policía no será la maldición de quienes pueden comprarla.

La justicia y la libertad, hermanas siamesas, condenadas a vivir separadas, volveriam a juntarse, bien pegaditas, espalda contra espalda.

En Argentina, las locas de Plaza de Mayo serán un exemplo de salud mental, porque ellas se negaron a olvidar el los tiempos de la amnesia obligatoria.

La Santa Madre Iglesia corregirá algunas erratas de las tablas de Moisés, y el sexto mandamiento ordenará festejar el cuerpo.

La iglesia también dictara otro mandamiento, que se le había olvidado a Dios: "Amarás a la naturaleza, de la que formas parte".

Serán reforestados los desiertos del mundo y los desiertos del alma.

Los desesperados serán esperados y los perdidos serán encontrados, porque ellos se desesperaron de tanto esperar y ellos se perdieron por tanto buscar.

Seremos compatriotas y contemporáneos de todos los que tengan voluntad de belleza y voluntad de justicia, hajan nacido cuando hajan nacido y hajan vivido donde hajan vivido, sin que importen ni un poquito las fronteras del mapa ni del tiempo.

Seremos imperfectos, porque la perfección seguirá siendo el aburrido privilegio de los dioses, pero en este mundo, en este mundo chambón y jodido, seremos capaces de vivir cada día como si fuera el primero y cada noche como si fuera la última.
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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tennessee Williams
(1911-1983)

Harold Bloom


Embora Willians tenha aprendido muito do seu ofício com Tchecov, seus principais predecessores foram Hart Crane e D. H. Lawrence. Crane matou-se em 1932; Lawrence morrera de tuberculose em 1930. Williams, jovem quando os dois faleceram, apaixonou-se pela poesia de Crane, em 1936, e pelos escritos de Lawrence pouco tempo depois.

A influência de Crane e Lawrence em Williams foi mais do que textual, com efeito, mais do que literária. Foi pessoal e, no caso de Lawrence, aproximava-se de uma identificação total. Na qualidade de poeta, Williams foi anulado por Crane; na qualidade de ficcionista, foi sufocado por Lawrence. Felizmente, Williams era um dramaturgo lírico, livre para encontrar a própria voz em suas melhores peças: À margem da vida (1945), Um bonde chamado desejo (1947), Verão e fumaça (1948) e De repente, no último verão (1958).

As peças escritas por Williams nos últimos 25 anos de vida denotam um declínio e, embora não se possa dizer que o seu gênio tenha perecido, o autor parece um tanto ou quanto alienado com relação a ele. Contudo, ainda na última fase da carreira, Williams escreve de modo mais memorável e eloqüente do que qualquer outro dramaturgo norte-americano. A arte retórica de Crane produziu efeito positivo e revigorante na linguagem de Williams. A absorção da identidade de Crane, por parte de Williams, foi tão abrangente que não me ocorre nenhum paralelo em toda a história literária. O próprio Hart Crane, quando intoxicado, identificava-se com Christopher Marlowe e com Rimbaud. Talvez nessa vertente perigosa ele fosse também um paradigma para Tennessee Williams.

É plausível aventar que um escritor, um indivíduo, seja dotado do gênio da identificação? Ainda criança, apaixonei-me pela poesia de Hart Crane, assim como fui arrebatado pela obra de William Blake. A identificação se deu com a poesia, não com os poetas. Escrevemos livros sobre Shelley, ou Wallace Stevens, ou Yeats, identificando-nos com aquilo que mais se apodera de nossa alma, enquanto leitores.

No caso de Shakespeare, a situação é diferente; nenhum ser humano, sozinho, pode identificar-se com todo aquele cosmo de poesia, portanto, identificamo-nos com um determinado personagem, ou personagens. Certos dias, tenho a satisfação de murmurar falas mais ousadas de Falstaff, e já tive a ousadia de representar o papel em leituras dramáticas. Mas, no meu caso, trata-se da identificação de um crítico, não de um poeta, de um dramaturgo ou de um contista.

Williams tornou-se um grande dramaturgo, em ao menos quatro peças, identificando-se tanto (ou mais) com um poeta quanto com a poesia por ele escrita. Essa fusão com Hart Crane foi tão abrangente que as duas mães, Grace Hart Crane e Edwina Estelle Dakin Williams, também se fundiram, propiciando modelos para Amanda Wingfield, em À margem da vida, e Violet Venable, em De repente, no último verão.

Nas últimas peças experimentais, Williams aproximou-se do teatro de Pirandello, mas, sendo um dramaturgo imensamente retórico, sempre demonstrou afinidade com o mestre siciliano, a quem Eric Bentley destaca como o melhor dramaturgo desde Ibsen, superior até mesmo a Beckett e Brecht. Pirandello estava ciente da tradição retórica siciliana, iniciada por Empédocles e desenvolvida por Górgias, o Sofista, opositor de Sócrates e Platão.

Essa retórica de kairos, a palavra oportuna, a palavra que é ação, no momento oportuno, baseia-se no impulso de identificação, daí a sua utilidade na política e no Direito, opondo-se ao impulso de distinguuir o sapiente do sabido, segundo Sócrates. A arte de Williams depende do impulso de identificação, por parte do público, sendo por essa razão que ele trata com igual simpatia o "realista" Kowalski e Blanche DuBois, apóstola do desejo. Em Pirandello, Blanche triunfaria, por mais equivocada que estivesse, mas Williams, malgrado o próprio coração, identifica-se também com o mundo que destrói a graça e a melancolia. Nesse caso, o gênio da identificação foi bastante útil a Williams.
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Extraído de Gênio - os 100 autores mais criativos da História da Literatura ((Editora Objetiva)



 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Artaud e Pirandello

Alain Virmaux


          Entre os dramaturgos cuja evocação propicia esclarecer melhor a imagem de Artaud, há lugar para uma citação de Pirandello. Não que se possa apontar afinidades importantes entre eles, mas a referência a Pirandello ilustra muito bem a principal evolução de Artaud: a que se detecta no jovem ator dos anos 20 e do profeta do Teatro da Crueldade dos anos 30. Esquematicamente, poder-se-ia dizer que representou Pirandello nos palcos antes de representá-lo mais tarde na vida; ator pirandelliano em sua estréia, acaba por tornar-se, na vida cotidiana, um personagem pirandelliano.

          A estréia de Artaud, com efeito, coincide mais ou menos com a revelação parisiense de Pirandello: revelação devida precisamente a Dullin e a Pitoëff, com quem Artaud trabalha sucessivamente. Chegou mesmo a representar dois pequenos papéis nas duas primeiras peças de Pirandello apresentadas na França: A volúpia da honra, montada por Dullin em 1922, e Seis personagens à procura de um autor, encenada pelos Pitoëff, em 1923. Esses detalhes biográficos e profissionais apresentariam por si só pouco interesse - afinal, Artaud representou também na companhia de Dullin, em uma peça de Molière, e isso não significa nada - se o jovem ator não houvesse paralelamente testemunhado seu entusiasmo por Pirandello.

          Ele redige para uma revista marselhesa uma resenha apaixonada da representação de Seis personagens. Através dela percebe-se muito bem aquilo que o seduziu: foi evidentemente o "jogo de espelhos" - ele próprio empregou a expressão - mas sobretudo o contraste chocante entre os atores reais - cabotinos nojentos, diz ele - e os personagens com rostos de espectros e como que mal saídos de um sonho.

          Artaud insiste com ardor nessa idéia de que a verdadeira realidade não está seguramente ao lado dos vivos. O vaivém pirandelliano entre a vida e o teatro, o rosto e a máscara, a personagem e o autor não podiam deixar insensível um homem que iria logo mais mostrar a importância que o teatro devia dispensar, segundo ele, ao jogo dos doubles. Basta relembrar sua predileção pelos manequins.

          Só que a noção do Duplo suscitou de fato em Artaud uma visão bem mais complexa do jogo pirandelliano dos espelhos. Desde 1923, seu futuro companheiro do Teatro Jarry, Roger Vitrac, tinha expressado sobre Seis personagens uma opinião diametralmente oposta à sua, zombando da pseudo-originalidade de uma peça na qual ele não via mais do que um belo "sucesso de teatro". Seja como for, tudo ocorre como se os olhos de Artaud se abrissem e ele vai, ainda uma vez, queimar o que havia adorado.

          Por que se afasta ele de Pirandello? Artaud dá uma explicação em 1931, num rascunho de carta a René Daumal: com Pirandello, ficamos no fim com uma concepção psicológica do teatro, ou melhor, uma concepção psicanalítica, que é apenas um passo a mais na mesma direção e não uma verdadeira mudança de orientação; atemo-nos assim a esta concepção do homem mergulhado no êxtase diante de seus monstros pessoais.

          O verdadeiro teatro está em outra parte. É a época em que Artaud começa a clarificar sua visão de um Teatro da Crueldade. Logo sua própria existência tornar-se-á teatro e se transformará em um exemplo vivo e dilacerado daquilo que Pirandello havia somente pressentido.

           Tomemos o Henrique IV de Pirandello: é impossível reler ou rever essa peça sem imaginar que Artaud tivesse, sem a menor dúvida, sido seu intérprete ideal. É a peça do delírio ao mesmo tempo simulado e vivido; a vida e a simulação se entrelaçam inextrincavelmente, e nela reconhecemos a própria tragédia de Artaud. Ele conheceu talvez essa obra, pois foi encenada em Paris por Pitoëff em 1925. É uma peça na qual poderia encontrar-se.

           Nela, a locura do herói era uma escolha; ela lhe permitia realizar-se plenamente, derrubar o muro das aparências e submeter os homens à sua vontade ("Diante dos loucos, todo mundo deve ficar de joelhos" - 2º ato). Ela lhe confere magicamente uma espécie de grandeza sagrada e de pureza que o leva a rejeitar qualquer idéia humana de cura: "Quando os outros se apõem à realização dessa pureza, é preciso ver neles as forças do mal", escreve Guy Dumur. Como não pensar que os psiquiatras simbolizavam para Artaud o mal absoluto? Ele também escolheu o delírio e nele se manteve.

          O que é um alienado autêntico? É o homem que preferiu se tornar louco, no sentido em que o fato é socialmente conceituado, a transigir com uma certa idéia superior da honra humana.

          É possível ter uma idéia do que poderia ser a interpretação do personagem de Henrique IV por Artaud (que jamais se impôs no palco ou no cineam a não ser em papéis alucinados), através da interpretação de Alain Cuny em Não se sabe como, de Pirandello (Paris, 1961). Cuny, que conheceu e admirou Artaud, propôs uma interpretação desconcertante de seu personagem, empregando "uma linguagem salmodiada em tons graves e repentinamente agudos, que atingia uma espécie de paroxismo litúrgico".

           É lícito considerar que esse estilo de representação devia parcialmente inspirar-se nas lições de Artaud. Depois disso é mister convir que Pirandello não é das pessoas com quem Artaud tenha contraído uma dívida. Certas obras do autor italiano, em compensação, se beneficiariam de um confronto com as visões introduzidas por O Teatro se seu Duplo.
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Extraído de Artaud e o Teatro (Editora Perspectiva)