terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Entrevista Julia Stockler – Melhor Atriz do 2ºFESTU Rio



          Essa semana as inscrições para o 3º FESTU Rio começaram e junto com elas a minha série de entrevistas com figuras marcantes que já passaram pelo festival. A segunda da série é a atriz Julia Stockler, de 24 anos. Filha do crítico de teatro Lionel Fischer, Julia atualmente cursa Cinema na PUC-Rio e Artes Cênicas na Univercidade.

          Na segunda edição do FESTU Rio, ela participou com três esquetes. Mafalda, como atriz, foi indicada a todas as categorias. Companhia de Mulheres, como atriz, levou a melhor com o prêmio de Melhor Esquete pelo Juri Popular. E Cacilda, como atriz e diretora, levou o prêmio máximo de Melhor Esquete, além de dar a ela o de Melhor Atriz. Não posso dizer que ela não tenha sido um dos maiores destaques do FESTU Rio!


1. Sua participação no 2ºFESTU RIO não poderia ter sido melhor. Companhia de Mulheres ganhou como Melhor Esquete por Juri Popular, Mafalda também foi para a final e com Cacilda você ganhou como Melhor Atriz e o grande prêmio de Melhor Esquete. Como foi participar do FESTU RIO e ter todo esse reconhecimento?

JULIA – Participar do Festu Rio foi uma experiência linda. Apesar de já ter participado de muitos festivais de esquetes no Tablado, lugar que me ensinou e ensina muito, este festival teve uma importância muito grande, pelo prêmio, pelo reconhecimento, por ter me motivado a pesquisar sobre as Companhias Brasileiras e principalmente por ter me aproximado da Cacilda (Becker).

2. Como surgiu a ideia do esquete Cacilda?

JULIA – O esquete Cacilda surgiu quando nada mais parecia que ia surgir. Eu estava sem ideia nenhuma, acreditando ser difícil ser original dentro do universo que outros artistas brilhantes tinham criado com suas companhias, sem entender muito bem como criar compilações e associações particulares que dialogassem com esses artistas, até que pensei em Cacilda Becker. Não sabia nada da sua vida, quais peças tinha feito. Só sabia da, até então, “lenda” de que ela tinha começado o seu processo de morte fazendo Esperando Godot. E sempre achei muito interessante essa tragédia. Conversei com amigos e fui pensar uma maneira simples de dizer ao mundo que eu estava com ela, pensando nela nesse momento da minha vida.

3. Você também participou da turnê dos Melhores do FESTU RIO pelo Circuito SESI. O que achou dessa experiência de integração com os outros grupos finalistas do festival?

JULIA – O circuito Sesi foi uma iniciativa de aproximação de todos os profissionais que trabalharam de alguma forma para o festival acontecer. Não só entre os atores, mas entre equipe técnica também. O circuito cria oportunidades de poder refazer o seu esquete, agora fazendo parte de um todo, onde as trocas são múltiplas e extremamente ricas.

4. Com o prêmio de R$14mil pelo Melhor Esquete, você montou a peça Norma, com direção do Raphael Janeiro, outro participante vencedor do FESTU RIO. Sobre o que se tratava a peça? Como foi essa experiência?

JULIA – Inicialmente a ideia era criar uma peça que tivesse relação com o esquete Cacilda. Eu e o meu grupo pesquisamos, conversamos muito, e fomos transformando essa ideia. Passamos pela morte, pelo sucesso, pelos vazios, pelos medos, até que encontramos o Janeiro e perguntamos se além de dirigir, toparia escrever. Ele topou e fomos com tudo! A história é sobre uma grande atriz que morre no auge da fama enquanto fazia uma novela popular de grande sucesso. Ela tem uma grande fã e, por isso, volta para, com a ajuda da fã, conseguir finalizar a sua vingança.

5. Você atualmente cursa Cinema na PUC e Artes Cênicas na Univercidade. Como essas faculdades te ajudam na sua formação como artista?

JULIA – Eu comecei a fazer teatro muito nova, com 10 anos, por influência do meu pai que é crítico e professor teatral. Mas com o passar do tempo comecei a ter muito receio de ter como primeira escolha uma faculdade de teatro. Decidi começar pelo Cinema que, apesar de ser uma linguagem completamente diferente, um outro tipo de arte, em algum lugar me deixava próxima da atuação, da relação com o texto, com a direção. Eu sempre digo que sou muito mais cinéfila do que cineasta. Um bom filme, chuva e água com gelo é um dos meus programas favoritos! Mas não consegui ficar sem um estudo mais aprofundado e optei também por cursar Teatro.

6. Além de atriz, você também trabalhou como assistente de direção na televisão e no teatro O Tablado, com seu pai Lionel Fischer, crítico de teatro. Qual o gosto de ser uma assistente? No caso do Tablado, você gosta de ensinar? Pensa em ser diretora?

JULIA – Eu estou a 5 anos no Tablado como assistente. Engraçado você perguntar isso, por que estava pensando sobre isso hoje. Estou com muita vontade de dirigir. Já dirijo as nossas peças de final de ano no curso e agora iremos estrear Os Sete Gatinhos, do Nelson Rodrigues (final de janeiro). E cada vez me sinto muito feliz em poder ver, observar. Acho ainda que a palavra ensinar está um pouco longe, mas agora acredito que posso descobrir, contribuir com muitas coisas do lado de cá.

7. Atualmente quem você está estudando ou gostando de ler, conhecer a obra?

JULIA – Atualmente estou com o Laban! Rudolf Laban. O livro de cabeceira hoje é “Reflexos sobre Laban: O mestre do movimento”. Estou querendo focar o meu trabalho e a minha atenção nas possibilidades que a consciência sobre os movimentos e gestos pode me dar.

8. Olhando para a cena teatral carioca, como você acha que estamos?

JULIA – Eu acho que poderíamos estar piores! Quero dizer, é claro que existem milhões de aspectos pra melhorar sobre os teatros no Rio, mas acredito que essa discussão é longa e delicada. Apesar disso, temos muita gente com muita vontade de fazer. Muitas cias. novas, essas novas ocupações com pessoas que estão com impulsos fortes para fazer acontecer. No Rio acontece teatro. É claro que é extremamente concentrado em regiões, mas acontece.

9. Mesmo sendo clichê a pergunta, lá vai: o que é ser atriz pra você?

JULIA – Ser atriz para mim é não ter medo de se assustar com o que você descobre sobre você. É perceber que você é só um pequeno caminho entre uma coisa e outra. É olhar para o mundo, abrir o coração e deixar que alguma coisa aconteça dentro de você. Ser atriz para mim é se deixar levar pelo encontro. O que pode acontecer entre o encontro entre dois atores, um ator e um diretor, entre um ator e as palavras de um texto, com um objeto, uma luz, com o espectador. Ser atriz é, sinceramente e com toda a abertura emocional e física, se permitir encontros.

10. Quais são seus próximos projetos?

JULIA – Tenho projetos de algumas peças, mas tudo ainda é um mistério.

11. Que conselho você daria para jovens atrizes que, como você, trabalham nesse meio?

JULIA – Conselho é um pouco forte. Mas eu diria que, no teatro, realmente quanto mais você acha que sabe, mais você não sabe. Acho que tem que estudar muito e gostar de dançar no escuro.
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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Hamlet"

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Obra-prima em ótima versão



Lionel Fischer



Como se sabe, qualquer encenação de "Hamlet" sempre gera muitas expectativas, dentre elas as seguintes: a montagem será de época ou atualizada? A tradução tentará se manter a mais próxima do original? E, finalmente, a indagação crucial, não raro impregnada de uma curiosidade que não dispensa uma certa perversão: o ator que fará o protagonista estará à altura dos imensos desafios inerentes ao fantástico e controverso personagem?

Popularíssimo em sua época, admirado não apenas pelas elites, mas também pelo homem comum, com o passar do tempo as obras do fabuloso bardo (especialmente suas tragédias) foram progressivamente encaminhadas para as gavetas da erudição, cabendo aos supostos sábios determinar a maior ou menor validade das encenações, sempre tendo como parâmetro uma hipotécica fidelidade ao fazer teatral da época (valendo-se de meras referências)ou sintonia com suas próprias expectativas. 

Seja como for, o que realmente importa é que o público carioca tem agora mais uma portunidade de entrar em contato com esta obra sublime, levada à cena com extrema dignidade e competência. Em cartaz no Espaço Tom Jobim, "Hamlet" tem concepção e direção assinadas por Ron Daniels, estando o elenco formado por Thiago Lacerda, Antonio Petrin, Eduardo Semerjian, Selma Egrei, Roney Facchini, Anna Guilhermina, Marcos Suchara, Rafael Losso, Chico Carvalho, Ricardo Nash, Everson Romito, André Hendges, Romério Romera, Fernando Azambuja e Marcelo Lapuente.

Por tratar-se de obra por demais conhecida, não julgo necessário reproduzir seu enredo e tampouco me deter em considerações sobre os incontáveis méritos de uma peça sublime, como já dito, e que abarca as mais relevantes questões inerentes ao homem. Passemos, pois, ao espetáculo, ambientado nos tempos atuais (opção tão válida quanto qualquer outra), estruturado a partir de tradução a cargo do diretor, em parceria com Marcos Daud.

É bem provável que puristas de plantão torçam seus nem sempre graciosos narizes, já que provavelmente haverão de considerar um sacrilégio não priorizar as regras do verso "pentâmetro iâmbico", utlilizado não apenas por Shakespeare, mas por todos os escritores da época. Mas será que constitui mortal pecado buscar uma tradução que, sem abdicar da poesia, permita à plateia comparecer ao teatro sem portar dicionários? Em minha opinião, a presente tradução não  desvirtua a essência do original, e sim o torna mais acessível a uma vasta gama de espectadores, independentemente de sua cultura ou familiaridade com a obra.

Impondo à cena uma dinâmica despojada, criativa e ousada - o célebre monólogo "Ser ou não Ser", por exemplo, é dito sobre uma cama, o que imagino que levará ao leito, prostrados e perplexos, os que supõem saber exatamente como e onde deve ser proferito o dito monólogo -, o diretor Ron Daniels exibe o mérito suplementar de haver extraído, de uma maneira geral, ótimas atuações do elenco. A começar pela de Thiago Lacerda, que vive o protagonista.

Por tratar-se de um dos mais complexos e ricos personagens já escritos, é óbvio que Hamlet pode ser feito de infinitas maneiras. Mas o que aqui cabe ressaltar é que Thiago Lacerda consegue valorizar, com sua forte presença cênica e notável sensibilidade, as principais características do personagem, tanto as mais trágicas como as mais engraçadas - ou será que, em pleno século XXI, ainda exista alguém que negue o humor de Hamlet? Sem dúvida, e sob todos os aspectos, uma das melhores performances da atual temporada - cumpre registrar que a montagem, vinda de São Paulo, foi recebida com grande entusiasmo, tanto pelo público como pela crítica, assim como a atuação de Thiago Lacerda.

Antonio Petrin (Fantasma e Primeiro Ator) está mais convincente na pele deste último, em especial quando, incitado por Hamlet, profere um grande monólogo. Eduardo Semerjian exibe ótimo desempenho na pele de Cláudio, rei da Dinamarca, o mesmo aplicando-se a Selma Egrei, que vive Gertrudes, mãe de Hamlet e esposa de Claudio - a atriz está particularmente bem a partir do momento em que a culpa começa a privá-la de sua lucidez.

Roney Facchini constrói um Polônio delicioso, arrancando muitas e apropriadas gargalhadas da plateia pela forma com que expõe a verborragia e tolice do personagem, exibindo o mesmo talento ao dar vida ao Primeiro Coveiro. Vivendo Ofélia, Anna Guilhermina, em suas primeiras cenas, talvez possa proferir o texto de forma, digamos, menos preciosista e mais apaixonada; mas a partir do momento em que a personagem começa a enlouquecer, a atriz está irrepreensível.   

Quanto a Marcos Suchara (Laertes), Rafael Losso (Horácio), Chico Carvalho (Rosencrantz), Ricardo Nash (Guildenstern), Everson Romito (Osric e Segundo Ator), André Hendges (Fortinbras), Rogério Romera (Capitão), Fernando Azambuja (Reinaldo e Segundo Coveiro) e Marcelo Lapuente (Bernardo, Padre e Terceiro Ator), todos exibem segurança e perfeita compreensão dos personagens que interpretam.

Na equipe técnica, considero de ótimo nível as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - André Cortez (cenografia), Cássio Brasil (figurinos), Domingos Quintiliano (iluminação), Aline Meyer (sonoplastia), Babaya (preparação vocal) e Ricardo Risso (luta cênica).

HAMLET - Texto de Shakespeare. Direção de Ron Daniels. Com Thiago Lacerda, Antonio Petrin, Eduardo Semerjian, Selma Egrei, Roney Facchini, Anna Guilhermina e grande elenco. Espaço Tom Jobim. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 19h.



  






    



  

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

2º ENCONTRO QUESTÃO DE CRÍTICA PROMOVERÁ, EM PARCERIA COM SESC, ATIVIDADES FORMATIVAS DE MARÇO A JULHO DE 2013



          A partir de 23 de março, o Espaço Sesc, no Rio de Janeiro, será cenário para o 2º Encontro Questão de Crítica – um desdobramento das atividades da revista eletrônica Questão de Crítica (www.questaodecritica.com.br), que desde 2008 publica, em edições mensais, críticas de peças, estudos sobre teatro e crítica, traduções de textos teóricos, conversas com artistas e textos sobre espetáculos em processo de criação.

          A proposta do Encontro é colocar a crítica em debate, a partir de diferentes perspectivas. Os temas escolhidos para cada mesa-redonda são pertinentes à atualidade e aos questionamentos feitos à crítica no contexto contemporâneo das artes, principalmente – embora não exclusivamente – das artes cênicas.

          Em parceria com o Sesc e com patrocínio do FATE, o Encontro conta com dois dias de debates, duas semanas de oficinas de crítica de teatro e com um grupo de estudos sobre a crítica teatral que terá três meses de duração, com encontros semanais. Todas as atividades são gratuitas e serão realizadas no Espaço Sesc, no Rio de Janeiro.

           A programação do 2º Encontro Questão de Crítica é gratuita. Para participar das oficinas é necessário enviar o currículo para contato@questaodecritica.com.br.

PROGRAMAÇÃO:

23 de março

15h – Palestra de abertura com Valmir Santos. Para iniciar o 2º Encontro Questão de Crítica, Valmir Santos, editor do site independente Teatrojornal – Leituras de Cena, colaborador da revista Bravo! e do jornal Valor Econômico, foi convidado a apresentar uma análise sobre a crítica de teatro no Brasil contemporâneo.

Coffee break

17h – A crítica no processo criativo: a função do dramaturgista. A proposta desta mesa-redonda é colocar em debate o papel da crítica, a partir de dentro da produção artística, como parte importante do processo criativo. Serão abordadas questões como a participação do dramaturgista, uma espécie de crítico ou teórico interno, função pouco conhecida e pouco praticada no Brasil. Com Fátima Saadi, dramaturgista do Teatro do Pequeno Gesto e editora da Revista Folhetim; Henrique Gusmão, doutor em História Social pela UFRJ, membro da companhia teatral Studio Stanislavski há mais de dez anos, onde já realizou trabalhos como ator, como dramaturgo e como diretor; e Silvia Soter, crítica de dança do jornal O Globo e dramaturgista da Cia Lia Rodrigues de Danças desde 2002.

Mediação: Humberto Giancristofaro, sócio e colaborador da Questão de Crítica e editor do Selo Questão de Crítica.

24 de março

15h - A crítica nas artes, no cinema e no teatro. Nesta mesa, a crítica será abordada a partir da perspectiva das artes visuais, do cinema e do teatro, segmentos artísticos que têm diferentes meios de produção e formas de lidar com o seu público. A proposta é pensar que noções de crítica virão à tona no debate. Com Cecília Cotrim, professora e pesquisadora de História da Arte Moderna e Contemporânea no na pós-graduação em História Social da Cultura da PUC-Rio; Consuelo Lins, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e pesquisadora da área da produção audiovisual contemporânea; e João Cícero Bezerra, crítico teatral, dramaturgo e teórico de arte, formado em Teoria do Teatro, mestre em Artes Cênicas e doutorando em História Social da Cultura.

Mediação: Dinah Cesare, crítica de teatro e idealizadora da Questão de Crítica.

Coffee break

17h - Crítica e historiografia no teatro brasileiro. A proposição desta mesa-redonda é pensar a relação entre estas duas modalidades de discurso, conversar sobre como a escrita da história e da crítica se influenciam mutuamente e analisar o panorama atual do teatro brasileiro. Com Ana Maria de Bulhões-Carvalho, pós-doutora em Letras pela PUC-Rio, professora de Teoria do Teatro, e pesquisadora do teatro contemporâneo; Edelcio Mostaço, doutorado em Artes-Teatro pela USP, professor da UDESC, com experiência em teatro brasileiro, história cultural e teatro, crítica e recepção; e Valmir Aleixo, doutorando em Artes Cênicas da UNIRIO, mestre em História Comparada pela UFRJ, com pesquisa sobre as práticas discursivas entre críticos antigos e modernos na crítica teatral carioca nos anos 40 e 50.

Mediação: Daniele Avila Small, crítica de teatro e idealizadora da Questão de Crítica.

25 a 29 de março

15h às 18h - Oficina de crítica com Valmir Santos. A oficina pretende partilhar ferramentas para análise dos principais elementos constitutivos da cena teatral, traçar um panorama histórico da crítica no jornalismo brasileiro, sondar a imbricação com a universidade, discutir procedimentos técnicos, estilísticos e éticos do ofício, além de diagnosticar perplexidades e perspectivas sobre o presente. Valmir Santos é jornalista cultural desde 1992. Edita o site independente Teatrojornal – Leituras de Cena. Colaborador da revista Bravo! e do jornal Valor Econômico. Atuou na Folha de São Paulo por dez anos. Escreveu históricos de grupos como Parlapatões (SP), Armazém Cia. de Teatro (RJ), Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS) e Grupo XIX de Teatro (SP). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da USP.

22 a 26 de abril

15h às 18h - Oficina de crítica com Luciana Romagnolli. Oficina teórica e prática de crítica de teatro, destinada a desenvolver a escrita sobre teatro a partir de um olhar crítico particular, que compreenda a análise e o debate de ideias acerca das linguagens e das experiências artísticas. Os encontros serão espaço para refletir sobre as funções da crítica; questões éticas; a relação entre artistas, críticos e público; os desafios da crítica no contexto da indústria cultural; e a dimensão da presença e a afetação convival como componentes fundamentais do acontecimento poético. No âmbito da prática, serão realizados exercícios de produção de textos críticos, discutidos conjuntamente; e a análise comparada da produção de crítica de teatro brasileira atual. Luciana Romagnolli é jornalista, crítica de teatro e mestranda em artes cênicas. Desenvolve, desde 2011, pesquisa de mestrado em teatro pela Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Realizou cobertura de teatro pela Gazeta do Povo (PR), de 2007 a 2010, e no jornal O Tempo (MG), de 2011 a 2012, como redatora e repórter. Atualmente, é crítica colaboradora da revista eletrônica Questão de Crítica e fundadora e crítica do blog Horizonte da Cena.

Maio, junho e julho – Seminário de Crítica.

Encontros semanais (horários a definir). De maio a julho, as idealizadoras da Questão de Crítica, Daniele Avila Small e Dinah Cesare, orientarão um grupo de estudo que discutirá questões pertinentes da história da crítica teatral brasileira, visando promover uma reflexão sobre a crítica no teatro contemporâneo. A partir de textos escolhidos, será feita uma análise da conjuntura atual da crítica no Brasil, bem como um estudo comparado com textos críticos produzidos em outros contextos culturais. O seminário visa o aprofundamento da pesquisa da Questão de Crítica e a formação de novos críticos para o cenário teatral carioca.

Espaço Sesc. R. Domingos Ferreira, 160. Copacabana. Informações: (21) 2547-0156

FICHA TÉCNICA

Idealização e curadoria: Daniele Avila Small, Dinah Cesare e Humberto Giancristofaro

Coordenação geral: Daniele Avila Small

Direção de Produção: Dinah Cesare e Humberto Giancristofaro

Produção Executiva: Dâmaris Grün

Ministrantes das oficinas: Luciana Romagnolli e Valmir Santos

Programação visual: Denize Barros e Marcelo Gava – Criareal

Administração: Igor Mello – Bramel Produções

Patrocínio: FATE, Prefeitura do Rio de Janeiro

Parceria: Sesc

Realização: Revista Questão de Crítica, Complexo Duplo e Projéteis – Cooperativa Carioca de Empreendedores Culturais

Outras informações:

Astrolábio Comunicação

Bianca Senna - bianca@astrolabiocom.com.br

(55 21) 3065-1698

www.astrolabiocom.com.br
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Teatro/CRÍTICA

"Porcos asas - A descoberta da sexualidade"

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Afetos, carências e desejos


Lionel Fischer


O presente espetáculo participou com sucesso da última edição da FITA (Festa Internacional de Teatro de Angra), recebendo várias indicações e contemplado com os prêmios de Melhor Espetáculo (direção de Cláudio Handrey), Melhor Ator Coadjuvante (Iuri Kruschewsky) e Melhor Atriz Coadjuvante (Patrícia Ramalho). Agora, passados dois meses, a montagem acaba de estrear no Espaço Sesc, e tudo indica que tenha aqui a mesma e calorosa acolhida que teve em Angra.

Inspirada no livro "Porci com le ali - diario sessuo-politico di due adolescenti", de Marco Radice e Lidia Ravera, lançado no Brasil em 1981, "Porcos com asas - A descoberta da sexualide" leva a assinatura de Mário Sérgio Medeiros e tem direção a cargo de Claudio Handrey. No elenco, Andressa Lameu, Rafael Canedo, Patrícia Ramalho, Iuri Kruschewsky, Julianne Trevisol, Carlos Veranai, Manoel Madeira e Gabriella Cavalcanti.

Tendo como tema central, como indica o título, a descoberta da sexualidade, o texto também aborda várias outras questões, tais como a amizade, relações familiares e, em especial, a extrema dificuldade de se mesclar afeto e desejo, que, em minha opinião, permanece inalterada desde Adão e Eva, independentemente de todas as mudanças comportamentais surgidas desde então. 

Antônia e Rocco têm 17 anos. Ela talvez seja mais amadurecida do que ele, se levarmos em conta apenas a facilidade com que se entrega fisicamente aos seus namorados. Mas trata-se, naturalmente, de uma aparência, pois quando começa a se relacionar com Rocco e ele praticamente só deseja levá-la para a cama, Antônia evidencia sua enorme carência afetiva. Obviamente que o jovem não entende, pois acredita que o fato de desejá-la tanto equivale a uma tácita demonstração de seu amor.

E outros tantos não-entendimentos ficam evidenciados: a homossexualidade é saudável ou não passa de uma transgressão? Masturbar-se pode gerar prazer ou tão somente culpa? É possível uma real escuta entre mãe e filha, se ambas se dispuserem a afrouxar suas defesas, o que possibilitaria ao menos uma trégua nos habituais e dolorosos confrontos? A tais perguntas o texto não faculta uma resposta clara, mas é evidente que o autor ao menos sugere que qualquer encontro, seja qual for sua natureza, pressupõe uma sincera avaliação entre as partes, estando aí incluída, naturalmente, a aceitação das mútuas fragilidades.

Bem escrito, contendo ótimos personagens e reflexões mais do que pertinentes sobre os temas abordados, "Porcos com asas" recebeu criativa e séria versão cênica de Claudio Handrey, cabendo destacar a precisão e originalidade da maioria das marcações, assim como a delicadeza com que trabalhou as cenas de nudez - naquela em que Rocco e Antônia fazem amor, à distância, e ao mesmo tempo comentam o que estão sentindo, a direção consegue obter total cumplicidade da plateia, que em nenhum momento me pareceu particularmente focada na beleza física dos protagonistas e sim nas questões que explicitam.

Na pele de Antônia, Andressa Lameu exibe excelente performance, entregando-se por completo à conflitada personagem que encarna - acho apenas que a atriz, por sinal possuidora de ótima voz, em algumas passagens poderia falar mais devagar, pois algumas palavras se perdem. A mesma eficiência se faz presente no desempenho de Rafael Canedo (Rocco), sobretudo nos momentos em que trabalha a fragilidade do personagem, a ela impondo um comovente grau de sinceridade. Patrícia Ramalho está engraçadíssima na pele da mãe histérica e desvairada, mas também consegue valorizar muito bem a cena final com a filha, onde aflora uma amargura até então oculta. Iuri Kruschewsky também arranca muitas gargalhadas da plateia vivendo Roberto, o melhor amigo de Rocco.

Em papéis de menores oportunidades, merecem ser considerados seguros e convincentes os desempenhos de Julianne Trevisol (Lisa e Ana), Carlos Veranai (Professor Marcelo e Ele), Manoel Madeira (Gianne) e Gabriella Cavalcanti (Laura).

Na equipe técnica, Zanini de Zanine responde por despojada e expressiva cenografia, a mesma expressividade presente na iluminação de Leysa Vidal, nos figurinos de Felipe Ferraz e na trilha sonora assinada pelo diretor.

PORCOS COM ASAS - a DESCOBERTA DA SEXUALIDADE - Texto de Mário Sérgio Medeiros. Direção de Claudio Handrey. Com Andressa Lameu, Rafael Canedo, Patrícia Ramalho, Iuri Kruschewsky, Julianne Trevisol, Carlos Veranai, Manoel Madeira e Gabriella Cavalcanti. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 20h30. Domingo, 18h30.










quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Teatro do Absurdo:
principais autores


ADAMOV, Arthur (1908-1971).


          Autor dramático francês de origem russa, viveu na Suíça, Alemanha e finalmente em Paris (1924), onde se uniu aos surrealistas. Em suas primeiras obras - A Invasão, A Grande e a Pequena Manobra, A Paródia, O Professor Taranne, Todos Contra Todos - aparecem os temas-chave do Teatro do Absurdo: a incomunicabilidade, a ambigüidade, o vazio da linguagem, a solidão, a angústia, tratados sob a influência de Strindberg e Artaud, que também propunham uma ruptura com o teatro convencional.

           Com essas peças, Adamov mostra o homem irremediavelmente à mercê dos mecanismos sociais. Em sua fase seguinte, a partir de Ping-Pong e Paolo Paoli, mostra que essa sociedade pode ser transformada. Utilizando procedimentos descobertos pela vanguarda, mas dando a eles conteúdo diferente, Adamov supera o Teatro do Absurdo. Em suas últimas obras - A Política dos Restos, M. o Moderado e Fora dos Limites, Adamov volta ao clima de obsessões de sua primeira etapa, sem abandonar sua nova temática, unindo as duas vertentes de sua obra. Em 1971, Adamov se suicidou em Paris. Sua autobiografia, A Confissão, é de grande interesse para a compreensão de sua pessoa e obra.

ARRABAL, Fernando (1932).

          Autor dramático espanhol, vive na França desde 1955. Admirador de Kafka, Breton, Beckett e Tzara, define seu teatro de raiz dadaísta como “teatro pânico”, com alguma sintonia com o Teatro do Absurdo. Suas obras dos anos 60, sucesso na França e em todo o mundo, incluem, entre outras, Piquenique no Front, Oração, Os Dois Carrascos, Fando e Lis, O Cemitério de Automóveis, O Labirinto, Cerimônia por um Negro Assassinado, O Arquiteto e o Imperador da Assíria. Celebrado internacionalmente, muitas de suas obras - invariavelmente provocadoras - exibem temas polêmicos, como sadomasoquismo, perversão sexual, blasfêmia e necrofilia.

BECKETT, Samuel (1906-1989).

          Novelista e autor dramático irlandês. Radicou-se na França em 1937. Conquistou renome mundial com Esperando Godot, que estreou em Paris em 1953, em montagem assinada por Roger Blin. Com seus diálogos de frases curtas, cheias de humor seco e breves explosões líricas, que deixam entrever o abismo em que se movem os personagens, Esperando Godot é uma das obras-chave do teatro moderno. E alguns de seus principais temas - falta de comunicação entre os indivíduos, perda de identidade, a investigação obsessiva da linguagem - também aparecem em suas obras seguintes, sendo as mais importantes Fim de jogo e Dias felizes.

GENET, Jean (1910-1986)

          Poeta, novelista e autor dramático francês, Genet teve uma infância e juventude muito difíceis, tendo passado por muitas casas correcionais e prisões. Seu teatro antinaturalista, que reflete sua experiência pessoal potencializada ao extremo, é um teatro de provocação e subversão de valores, cujos personagens são marginais da sociedade – criados, criminosos, homossexuais, negros etc. Tais personagens, no entanto, habitam uma cena propositadamente distorcida. Dentre suas peças teatrais, as mais conhecidas e encenadas são As criadas, O balcão, Os negros e Os biombos.

IONESCO, Eugène (1912-1994)

          Autor dramático romeno-francês. Passou a infância em Paris e a juventude na Romênia. Dedicou-se ao teatro após uma etapa como escritor e ensaísta em Paris. Considerado um dos principais representantes do Teatro do Absurdo, converteu-se, depois de uma fase inicial de não-aceitação pelo público, em um dos autores mais representados em todo o mundo. Valendo-se de meios e experimentos do dadaismo e do surrealismo, iniciou sua carreira com uma série de peças em 1 ato - A cantora careca, A lição, As cadeiras, Vítimas do dever, Jacques ou a submissão -, que surpreenderam por sua irrealidade, obsessão e humor grotesco.

          A esta primeira fase mais experimental pertencem a peça em três atos Amadeu e os textos curtos O quadro, O novo inquilino, O improviso da alma. Com Assassino sem recompensa inicia uma segunda fase criadora, em que afirma sua posição antirealista e crítica, afora sua visão absurda da existência. Desse período constam, entre outras, O rei morre e uma de suas obras mais conhecidas, O rinoceronte.

ORTON, Joe (1933-1967)

          Autor dramático inglês, muito influenciado por Harold Pinter e pelo Teatro do Absurdo. Escreveu três farsas de humor negro e cruel: Entertaining Mr. Slone, Loot e Wath the butler saw, e três peças para a TV: The erpigham camp, The good and faithful servant e Funeral games.

PEDROLO, Manuel de (1918-1997)

          Novelista e dramaturgo espanhol de língua catalã, Pedrolo se insere no Teatro do Absurdo. Sua peça de estréia, Cruma, causou grande impacto - o texto abordava a impossibilidade de comunicação entre os homens. Sua obra mais famosa é  Homens e Não, onde são trabalhados temas como a transcendência, a morte e a problemática da existência, sempre abordados de forma simbólica.

PINTER, Harold (1930)

          Um dos maiores dramaturgos ingleses do século XX. Escrevendo dentro de uma convenção próxima à do Teatro do Absurdo e valendo-se sempre de magistrais diálogos, Pinter cria um clima de angústia latente, pois sempre temos a sensação de que um perigo ronda a cena. Seus principais temas são a solidão, o medo, a incerteza existencial e a brutalidade das relações humanas. É autor de uma obra vasta e diversificada, com destaque para O quarto, O monta-carga, Festa de aniversário, Uma ligeira dor, O inoportuno e A volta ao lar.

PIRANDELLO, Luigi (1867-1936)

          Autor dramático e novelista italiano, uma das grandes figuras do teatro moderno, herdeiro do teatro analítico de Ibsen, precursor do teatro existencialista e do Teatro do Absurdo. Filho de um siciliano proprietário de minas, Pirandello foi professor de literatura antes de se dedicar ao teatro. Foi diretor do Teatro de Arte de Roma e também de teatros estatais em Turim e Milão. Suas principais obras giram em torno dos mesmos temas, dentre eles a impossibilidade de se escapar ao próprio eu, o problema da identidade e da aparência. Deixou uma obra extraordinária, com títulos como Seis personagens à procura de um autor, Assim é, se lhe parece, Henrique IV, Esta noite se improvisa, Vestir os nus e Os gigantes da montanha, sua última peça, incompleta.

TARDIEU, Jean (1903-1995)

          Poeta e dramaturgo francês. Começou a escrever teatro experimental em 1947, e suas primeiras obras, peças curtas, foram reunidas em dois volumes (Teatro de câmera e Poemas para representar): Quem está aí?, A polidez inútil, O móvel e O balcão, entre outras. Estas peças investigam diversas possibilidades de expressão dramática. Mais adiante, Tardieu investe na questão da linguagem, praticamente abdicando do significado – A sonata e os três senhores, Conversação sinfonieta, Os amantes do metrô, O ABC de nossa vida e Uma voz sem ninguém. Jean Tardieu é por muitos considerado o mais genuíno representante do Teatro do Absurdo.
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Verborragia, Reflexos e Passado


Lionel Fischer


          Em seus quase 50 anos de magistério, Maria Clara Machado sempre fez questão de alertar seus alunos para o perigo da “verborragia”. O que vem a ser isto? Trata-se, simplesmente, de um mecanismo inconsciente de defesa: ao invés de tentar sentir as emoções de cada situação proposta, o aluno pouco experiente busca camuflar seu embaraço e compreensível timidez despejando sobre a cena uma torrente de palavras. Tal artifício, ao menos na fase inicial de aprendizado, chega a ser quase inevitável. Mas converte-se em problema quando o aluno, já tendo adquirido alguma prática, ainda insiste no mesmo mecanismo. Aí algumas providências precisam ser tomadas. Por quê?

          Por uma razão muito simples: as palavras (sobretudo em excesso) nem sempre podem revelar todas as emoções em causa. Elas são um dos recursos do ator, mas não o único - há que se levar em conta o potencial expressivo do corpo, do gestual, de uma pausa que pode eventualmente dizer muito mais do que uma infinidade de palavras etc. Portanto, todo aluno de teatro - de qualquer nível - deve prestar muita atenção ao que diz em cena durante uma improvisação. Deve procurar lançar mão somente das palavras indispensáveis, sem jamais descuidar-se dos demais recursos que têm à disposição. Mas como descobrir as tais “palavras indispensáveis”?

          É óbvio que seria impossível fazer aqui uma lista prévia, pois tudo depende do contexto em que se dá a ação. Mas talvez possamos prestar algum tipo de auxílio neste sentido através de um exercício que, aparentemente inviável, produz resultados surpreendentes, desde que realizado com adequado grau de concentração.

Limite de Palavras
(Exercício)

          Vamos imaginar a seguinte situação: um casal se separando. A decisão já foi tomada, a mulher está na sala e vê o marido recolher seus últimos pertences, que vai colocando numa mala. Ambos poderiam permanecer em silêncio, mas aí eclodem inesperadamente mágoas, queixas, mútuas acusações, enfim, coisas típicas de uma ruptura amorosa. Pois bem: a proposta consiste na obrigatoriedade de cada um dos atores só utilizar no máximo quatro palavras por frase. Em seguida, uma outra dupla faz a mesma cena com um limite de três palavras. E assim até chegarmos a uma única palavra de cada vez.

          Parece impossível, mas esse esforço em busca das palavras essenciais - capazes de traduzir de forma visceral as emoções do momento - acabará se revelando um excelente antídoto contra a verborragia - na dúvida, imagine esta cena sendo feita de forma convencional por alunos pouco experientes: não é verdade que o mais provável é que tudo acabasse num falatório insuportável?

Reação Instantânea

          Outro aspecto que nos parece fundamental no processo de aprendizado teatral diz respeito à capacidade de reagir rapidamente tanto a estímulos como a eventuais imprevistos, como um branco em cena, uma deixa que não é dada ou vem no tempo errado, a constatação de que um objeto importante não está no lugar combinado etc. Mas veja bem: essa capacidade de reação imediata não significa que o ator deve se condicionar a agir sem pensar, automaticamente, como se fosse um robô. Em absoluto: quer dizer apenas que, em dadas circunstâncias, torna-se indispensável uma resposta instantânea, física e/ou vocal, capaz de dar um novo rumo a uma improvisação, salvar uma cena apresentada para uma platéia ou até mesmo uma vida em perigo! - como no exemplo que damos a seguir para ilustrar com clareza nossos objetivos.

           Imagine que você vem andando por uma viela escura e de repente salta um sujeito à sua frente com uma faca, com intenções obviamente sinistras. Pois bem: você pensa e corre, ou você corre e depois pensa? Se você optar pela primeira alternativa, o mais provável é que seu pensamento seja mais lento do que a facada iminente - e aí você morre, antes de ter tido tempo de correr. Já no segundo caso, ao reagir instintivamente, por reflexo, sua chance de escapar aumenta muito, pois o fascínora certamente não poderia esperar uma reação tão rápida e surpreendente, já que sua expectativa era de que você ficasse paralisado de medo.

           E agora, supondo que você já esteja razoavelmente convencido da necessidade de apurar seus reflexos, vamos esquecer becos, facas e fascínoras e trabalhar o seguinte exercício:

Bombardeio Circular
(Exercício)

          Um grupo de uns 10 ou 12 alunos faz um círculo em torno de alguém. A pessoa que fica no centro deve reagir imediatamente e com uma frase curta às ofensas que lhe são dirigidas, sucessivamente e o mais rápido possível, pelos integrantes da roda - essas ofensas devem se limitar a uma única palavra, como idiota, ladrão, cínico etc. A cada ofensa, portanto, corresponde uma resposta.

          Quando chegar a vez do primeiro que ofendeu, este agora parte para o elogio - inteligente, sensível, gostosa etc., obedecendo-se ao mesmo mecanismo. Finalmente, e sem interrupção, o primeiro que ofendeu - e mais adiante deu início aos elogios - diz uma palavra numa língua incompreensível, com os demais agindo da mesma forma.

          Neste caso, o aluno do centro reagirá (sempre com uma fala curta, em português) em função da entonação utilizada pelos integrantes do grupo, como se tivesse entendido perfeitamente o que lhe é dito - esta última variante costuma produzir resultados muito engraçados, pois nem sempre a resposta corresponde à intenção daquele que falou numa língua estranha.

O que aconteceu antes?

          Toda peça que obedece a uma estrutura narrativa convencional (com os fatos se sucedendo em ordem cronológica) exibe a grosso modo o seguinte esquema: apresentação dos personagens, definição do contexto em que atuam, exposição dos principais conflitos, exacerbamento dos mesmos, címax e desfecho- este último pressupõe a resolução dos temas conflitantes. Mas quando se trabalha uma cena isolada - e sobretudo quando desconhecemos a totalidade da narrativa -, é muito importante imaginar as circunstâncias que levaram os personagens àquele lugar específico e a estabelecer determinadas relações. Ou seja: o que aconteceu antes - fora de cena! - não deve ser desprezado, ao contrário, deve ser imaginado pelos atores, que assim atuarão a partir de uma base mais sólida.

           Vamos supor a seguinte situação: um texto curto - ou uma improvisação - que tenha como ambiente um restaurante e por objetivo exibir os conflitos de um jovem casal de namorados, digamos, Paula e Roberto. Eles combinaram se encontrar porque sabem que precisam aparar algumas arestas que estariam pondo em risco o prosseguimento do namoro. É claro que o diálogo vai nos mostrar as razões do mútuo descontentamento, mas certamente não nos dirá como estariam Paula e Roberto nos momentos que antecedem à cena, o estado de espírito de cada um, o grau de insegurança, a ansiedade ante a perspectiva de um rompimento etc. Assim, diante de um texto ou improvisação dessa natureza, um exercício de aquecimento (de preferência sem palavras) pode ajudar os dois intérpretes a iniciar a cena:

Aquecendo o encontro
(Exercício)

          Isolados em cada uma das extremidades do palco, Paula e Roberto estão acabando de se vestir para o encontro - ajeitando o cabelo, colocando ou não perfume, retocando a maquiagem, olhando-se no espelho com atenção ou indiferença etc. Ou seja: a forma como ultimam os preparativos deve revelar o grau de interesse e expectativa de cada um - se Paula, por exemplo, acredita que seu poder de sedução pode ser fundamental, ela certamente tentará sair de casa o mais linda possível; se, ao contrário, já não alimenta maiores esperanças de prosseguir namorando Paulo, dará pouca importância à sua aparência, o mesmo mecanismo - com infinitas variantes - podendo ocorrer com ele. Ou seja: o sucesso de uma cena isolada ou de uma improvisação não depende exclusivamente do que é dito e feito na hora, mas também da compreensão de tudo que veio antes - é claro que nem sempre as circunstâncias permitem esse tipo de aquecimento, mas sempre que possível é recomendável fazê-lo.

Voltando a fita
(Exercício)

          No exercício anterior, sugerimos uma possibilidade de aquecimento para uma cena a ser feita em seguida. Agora, partimos de um fato consumado e vamos tentar justificá-lo, criando uma espécie de enredo de trás para a frente.

          O trabalho envolve seis alunos. Dois deles fazem uma cena de no máximo 30 segundos, centrada na resolução de um conflito. Por exemplo: Bernardo hospeda em sua casa um amigo de infância, Antonio, que passa por um momento difícil e não tem onde ficar. Mas embora goste do amigo, Bernardo já a algum tempo vem se sentindo incomodado por algumas atitudes de Antonio - como, por exemplo, usar suas roupas, mesmo que proibido de fazê-lo. Uma noite, ao chegar em casa inesperadamente - só deveria voltar no dia seguinte -, Bernardo surpreende Antonio no seu quarto, diante do espelho, vestindo um terno novo que ele ainda nem usara. Bernardo perde de vez a paciência, não aceita as justificativas do amigo e o expulsa de casa, ameaçando mesmo agredí-lo fisicamente. No segundo anterior à agressão, a cena congela.

            Em seguida, dois outros atores ilustram a passagem em que Bernardo mostra ao amigo a necessidade de se manter uma convivência respeitosa, o que inclui não se apropriar de coisas que pertençam ao outro, entre outros possíveis fatos a serem mencionados - essa passagem já indica que algo não vai bem entre ambos e pode durar em torno de dois minutos. A cena congela no ponto em que a conversa ameaça descambar para um conflito mais sério.

          Finalmente, a terceira dupla faz o momento em que Bernardo acolhe o amigo em sua casa, dá atenção aos seus problemas e se dispõe a ajudá-lo, tudo levando a crer que a convivência entre ambos não terá maiores problemas - essa passagem pode durar uns três minutos e serve sobretudo para que a platéia conheça o drama do que pede, a generosidade do que acolhe e o grau de amizade entre os dois personagens. A cena também termina com os atores congelando.

           A finalidade deste exercício é estimular as duplas que sucedem à primeira a construir situações - sem nenhum tempo de preparação! - que justifiquem o que já foi visto, ou seja, as conseqüências geradas têm que ser fruto de causas verossímeis. No fundo, é como se fosse a investigação de um crime, em que se parte de um fato consumado e se tenta descobrir aquilo que lhe deu origem. É também interessante experimentar a seqüência em sua cronologia natural, uma vez concluído o exercício proposto, que pode ser feita pelos seis atores ou por apenas uma dupla.
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Artigo publicado na revista Cadernos de Teatro nº 157




terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Patrícia Carvalho-Oliveira

Lionel Fischer


          Atriz, bailarina, poeta, cineasta, preparadora de atores para cinema, teatro e televisão através do método LUPA - O ATOR CONSCIENTE (por ela criado), e também renomada especialista em performances, Patrícia Carvalho-Oliveira acaba de lançar seu terceiro livro, "Orbital", uma produção independente como os anteriores - "Passaporte 8574", que gerou um belíssimo espetáculo, e "3 um romance para ler de uma só vez".

          Por considerá-la a mais completa artista de sua geração e, no presente caso, por julgar imprescindível a leitura de "Orbital", reproduzo aqui alguns pensamentos contidos no volume, abstendo-me de transcrever poesias - minha intenção é a de oferecer, aos queridos parceiros deste modesto blog, uma espécie de aperitivo que os anime a adquirir este mais do que precioso livro.

Matéria prima: Palavra
Matéria filha: Poesia

Se o dinheiro acabasse,
o que você teria para trocar?

Por que ainda estou nas suas mãos,
Se eu nunca estive no seu coração?

As coisas falam quando as pessoas calam

Por que você não cala os meus pensamentos
com uma atitude?

O melhor presente que se pode dar
a alguém é o seu tempo

Deus não dorme
Mas sonha

O tempo é o melhor remédio
Pena que não é vendido em frascos

Londres é cinza
Você a colore do seu jeito

A única coisa justa no mundo
são as saias

Se alguém precisa passar por cima de você,
é porque está se sentindo por baixo

O acaso é o sopro de um anjo

Passando a limpo, me editei...

Solidão não tem plural,
mas tem eco

Quando não sei, sinto

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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Moi Lui"

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Permanente e inalcançada busca


Lionel Fischer



Novelista e autor dramático irlandês, Samuel Beckett (1906-1989) é considerado um dos grandes autores do Teatro do Absurdo. Radicou-se na França em 1937 e conquistou renome mundial com "Esperando Godot", que estreou em Paris em 1953, em montagem assinada por Roger Blin. Alguns de seus principais temas - falta de comunicação entre os indivíduos, perda de identidade, investigação obsessiva da linguagem - também estão presentes em duas de suas peças mais renomadas, "Fim de Jogo" e "Dias Felizes", assim como na maioria de seus contos, novelas e romances.

No presente caso, estamos diante de um texto baseado na novela "Molloy", parte da trilogia composta por "Malone Meurt" e "L'innommable". Com concepção, direção e dramaturgia assinadas por Isabel Cavalcanti, "Moi Lui" está em cartaz no Teatro Poeirinha, sendo Ana Kfouri a única intérprete.

Como li o original há muito tempo, não sei avaliar o quanto dele se apropriou Isabel Cavalcanti. Mas me recordo da mais forte sensação que tive ao ler "Molloy", que é basicamente a mesma que o presente texto me despertou: a de uma permanente busca, jamais alcançada.

Molloy procura a mãe e só encontra um lugar vazio. Já Moran procura por Molloy e nunca o encontra, talvez pelo fato de serem ambos a mesma pessoa. E partindo-se da premissa de que Isabel Cavalcanti criou seu texto tendo como referência a novela de Beckett, é possível que o principal tema em questão seja a impossibilidade de chegarmos até o outro, já que pouco ou nada sabemos a nosso próprio respeito.

Outra forte sensação que o texto desperta (e aqui me atenho apenas à obra encenada) é a total impossibilidade de se ter absoluta certeza, seja sobre o que for. A cada frase formulada, a seguinte a desmente - ou ao menos a questiona. Assim, a narrativa é toda centrada na dúvida, o que torna legítima a suposição de que tudo pode ou não estar acontecendo, ou mesmo ter acontecido em uma época remota.

Quanto ao espetáculo, Isabel Cavalcanti impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. E isso desde o início. Na cena inicial, por exemplo, o personagem está sentado. Estará dormindo, acossado por pesadelos, já que seu corpo troca seguidamente de posição? Estará pensando e seriam então seus pensamentos que o inquietam fisicamente? Jamais saberemos, evidentemente, posto que se o soubéssemos com exatidão a obra não faria o menor sentido.

E ao longo de toda a encenação as dúvidas nos perseguem. Mas isto não significa, em absoluto, que não tenhamos acesso a determinados significados, ainda que estes possam (e devam) ser apreendidos de forma diferente por cada espectador. Ainda assim, torna-se literalmente impossível que alguém não se sinta impactado pelos silêncios, pela relação que o protagonista estabelece com o espaço e com os objetos, pela maneira com que articula o texto, ora lentamente, ora de forma muito acelerada. E aqui chego à interpretação de Ana Kfouri.

Dotada de vastíssimos recursos e de uma integridade artística que jamais a conduziu por caminhos capazes de levá-la a obter um sucesso superficial, aqui Ana Kfouri exibe uma das melhores performances de sua carreira. Possuidora de ótima voz e de um corpo trabalhado a ponto de permitir que se torne, por assim dizer, uma massa expressiva, a atriz também impressiona por sua notável capacidade de entrega e pela inteligência de suas escolhas. Sem dúvida, um dos trabalhos mais instigantes da atual temporada.

Na equipe técnica, Rui Cortez responde por impecável direção de arte - a cenografia traduz de forma irrepreensível o desolado universo habitado pelo personagem, sendo o figurino apropriadamente atemporal e trágico. Também de excelente nível a iluminação de Tomás Ribas, invariavelmente soturna e opressiva, o mesmo aplicando-se à trilha sonora de Tato Taborda.  

MOI LUI - Direção, concepção e dramaturgia de Isabel Cavalcanti. Com Ana Kfouri. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.











sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Teatro/CRÍTICA


"Oscar e a senhora Rosa"

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Inesquecível encontro 


Lionel Fischer


"A peça conta a história de um garoto de 10 anos, paciente terminal de um hospital que encontra a Sra. Rosa, que visita crianças enfermas. Incentivado por ela, Oscar começa a escrever cartas a Deus, nas quais descreve seus 12 últimos dias de vida. Dotada de imenso poder imaginativo, Rosa faz Oscar acreditar que em apenas 12 dias é capaz de viver as emoções de uma vida inteira".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Oscar e a senhora Rosa", mesmo título do romance do francês Eric-Emmanuel Schmitt, aqui adaptado para o palco por Tadeu Aguiar, também responsável pela tradução e direção do espetáculo. Em cena, e encarnando um total de oito personagens, a atriz Miriam Mehler, que comemora 55 anos de carreira.

Como todos sabemos, poucas coisas podem ser mais dolorosas do que a morte de uma criança, sobretudo quando a mesma, como no presente caso, tem plena consciência de que lhe resta pouco tempo de vida. No entanto, graças à extraordinária capacidade do autor de lidar com o tema, o que poderia ser um dramalhão converte-se numa verdadeira ode ao ato de existir, desde que se consiga valorizar cada momento como se fosse o último.

Rosa é uma personagem extraordinária porque, ao invés de apiedar-se de Oscar e tentar apenas consolá-lo com palavras inúteis, ela o induz a agir. Ele é apaixonado por uma menina, também portadora de leucemia, mas nunca ousou declarar-se - e Rosa o incentiva a fazê-lo. Ele não acredita em Deus - e Rosa sugere que lhe envie cartas diárias. Oscar despreza os pais, pois imagina que eles o abandonaram por não desejarem vê-lo no estado em que se encontra - e, mais uma vez, Rosa o aconselha a rever sua opinião. E Oscar não é menos notável, à medida que, aceitando as sugestões de Rosa, exibe sua fantástica inteligência e incrível sensibilidade.

Impregnado de humor, lirismo e fantasia, e sem jamais tentar induzir o espectador a achar que, no final de tudo, o menino haverá de curar-se, o maravilhoso texto de Eric-Emmanuel Schmitt recebeu uma versão cênica à altura de seus muitos méritos. Tadeu Aguiar impõe à cena uma dinâmica que, alternadamente dolorosa e divertida, consegue valorizar ao máximo todos os conteúdos em jogo. E sua atuação junto à atriz certamente contribuiu para que Miriam Mehler exiba um desempenho simplesmente inesquecível.

Por tratar-se de uma das maiores intérpretes deste país, seria pueril aqui destacar seus vastíssimos recursos expressivos ou registrar sua capacidade de viver vários personagens, a todos imprimindo características próprias e diversificadas, seja do ponto de vista vocal como corporal. Mas julgo imperioso mencionar sua notável capacidade de entrega e a inteligência de suas escolhas, predicados sempre presentes nos intérpretes de exceção. 

E sendo verdade o que Peter Brook sempre sustentou - "o teatro é a arte do encontro" - não tenho a menor dúvida de que os espectadores deixarão o Espaço Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim) absolutamente convictos de que vivenciaram um emocionante e inesquecível encontro.

Na equipe técnica, considero absolutamente irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Tadeu Aguiar (tradução), Liliane Secco (trilha sonora original), Edward Monteiro (cenário), Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo (figurinos) e Rogério Wiltgen (iluminação). Gostaria também de destacar a precisão e sensibilidade dos operadores de luz (Ricardo Alexandria) e de som (Raphael Alonso).

OSCAR E A SENHORA ROSA - Texto de Eric-Emmanuel Schmitt. Adaptação, tradução e direção de Tadeu Aguiar. Com Miriam Mehler. Espaço Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim). Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.

   

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

HUMOR



Qualquer pessoa é capaz de ficar alegre e de bom humor quando está bem vestido. (Charles Dickens)

A imaginação consola os homens do que não podem ser; o sentido de humor consola-os do que são. (Winston Churchill)

Os que metem uma bala na cabeça retiram-se deste mundo batendo a porta. (Mario Quintana)

Prega-se muito contra os vícios, mas nunca ouvi ninguém condenar do púlpito o mau humor. (Johann Goethe)

Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse a você. (Barão de Itararé)

A imaginação oferece às pessoas consolação por aquilo que não podem ser e humor por aquilo que efetivamente são. (Albert Camus)

Mostre-me uma mulher que quer ser magra apenas por razões de saúde e eu lhe mostro um homem que lê ‘Playboy’ apenas pelas entrevistas. (Ellen Goodman)

Quando um homem e uma mulher se casam, tornam-se um só. A primeira dificuldade é decidir qual deles. (Henry Lovis Menken)

Viva todos os dias como se fosse o último. Um dia você acerta! (Luís Fernando Veríssimo)

Comecei uma dieta, cortei bebidas e comidas pesadas, e em 14 dias perdi duas semanas. (Tim Maia)

As piores obras são sempre as que são feitas com as melhores intenções. (Oscar Wilde)

Banco é o lugar onde você pode pedir dinheiro emprestado, se provar que não precisa dele. (Bob Hope)

Escrever é uma boa maneira de falar sem ser interrompido. (Jules Reynard)

Eu continuo ateu, graças a Deus. (Luís Buñuel)
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Teatro/CRÍTICA

"Edukators"

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Uma alternativa para a rebeldia


Lionel Fischer


Lançado em 2004, o filme "The Edukators", de Hans Weingartner, causou sensação, em especial no público jovem. E, dentre muitas razões, por sua proposta de mostrar a possibilidade de uma via para a rebeldia que excluísse qualquer espécie de violência. Assim, e com o propósito de "educar" os mais abastados - os que detêm o poder e ditam as regras do sistema - três jovens invadem mansões, desarrumam móveis, de nada se apossam e escrevem frases como "seus dias de fartura estão contados".

No entanto, após executarem inúmeras vezes seu projeto "educativo", o imprevisto retorno de um executivo à sua casa, quando nela se encontravam os "educadores", conduz a trama para um rumo totalmente inesperado: os jovens sequestram o executivo e o levam para uma casa nas imediações da cidade. A partir daí, o texto promove um embate entre o representante do poder e aqueles que o contestam. 

Com adaptação e dramaturgia assinadas por Rafael Gomes, "Edukators" cumpre temporada no Teatro Oi Futuro. João Fonseca responde pela direção, estando o elenco formado por Edmilson Barros, Fabrício Belsoff, Natália Lage e Pablo Sanábio.

Em sua primeira parte, ambientada em um espaço adjacente ao teatro, o espetáculo seduz por completo a plateia, tanto pelo ótimo diálogo travado entre os personagens de Fabrício Belsoff e Natália Lage - que serve tanto para individualizá-los como para revelar ao público as premissas que movem os "educadores" - como pelos excelentes vídeos exibidos, sendo que num deles vemos o casal invadindo uma mansão - cumpre registrar que essa é a primeira vez que o personagem feminino participa de uma ação como esta.

Em seguida, o público vai para o teatro e ali constata a lúdica desordem que o casal promove, culminando por colocar todos os móveis em uma piscina. E também torna-se evidente a mútua atração entre eles, embora ela seja namorada do "educador" ainda ausente. Mas aí aparece o executivo, que surpreende o casal já praticamente fazendo amor. Sem saber o que fazer, os jovens dominam o executivo e chamam o outro "educador", que mais tarde fica sabendo da traição.

Como já dito, até este momento o texto e a encenação cativam por completo a plateia. A partir daí, no entanto, o interesse começa a decair. Em primeiro lugar pela ausência de um clima que deveria ser muito mais tenso, pois ainda que os jovens não sejam violentos, de qualquer forma agiram de forma violenta ao empreenderem um sequestro - em nenhum momento o executivo demonstra grande receio, como se tivesse certeza de que nada de mais grave lhe aconteceria.

Outra questão - e esta me parece mais grave - diz respeito aos diálogos entre os jovens e o executivo. Os primeiros lançam mão de chavões de esquerda já totalmente superados, levando-se em conta que não estamos nos anos 60 ou 70. E isto me fez pensar o seguinte: será que o autor do roteiro do filme acreditou ser verossímel e aceitável palavras de ordem tão datadas? Ou será que, ao colocá-las na boca de personagens tão jovens, em 2004, no fundo os estaria ironizando?

E quanto ao discurso do executivo? Aos poucos somos informados de que ele, em seu passado, também foi rebelde, também acreditou ser possível modificar o sistema etc. Ou seja: teria sido ontem o que os jovens são hoje. E isso fica absolutamente claro em uma das frases finais do executivo, quando ele propõe a um dos "educadores" que lhe telefone dentro de 30 anos, como a sugerir que o jovem rebelde terminará por se enquadrar ao sistema...

Neste segmento do espetáculo, a grande criatividade de João Fonseca exibida anteriormente desaparece por completo - e nada mais natural, pois a cena, exceção feita aos momentos de explosão do "educador" traído, fica reduzida a uma conversa datada, como já foi dito, e que inviabiliza totalmente um mínimo de teatralidade.

Com relação ao elenco, Fabrício Belsoff, Natália Lage e Pablo Sanábio exibem performances em total sintonia com seus personagens. Quanto a Edmilson Barros, sem dúvida um bom ator, seu desempenho fica um tanto comprometido por questões de incompatibilidade física (o executivo seria mais convincente se exibisse um porte mais majestoso) e de sotaque (no caso, ao que me parece, nordestino).

Na equipe técnica, destaque absoluto para a cenografia de Nello Marrese, tanto nas passagens ambientadas na mansão do executivo quanto nas situadas na casa abandonada. Luiz Paulo Nenen assina expressiva iluminação, a mesma expressividade presente nos figurinos de Bruno Perlatto, na trilha sonora de Rodrigo Penna e nos vídeos de Paola Barreto e David Cole, cabendo ainda registrar a ótima direção de movimento de Rafaela Amado. 

EDUKATORS - Dramaturgia original de Rafael Gomes. Direção de João Fonseca. Com Edmilson Barros, Fabrício Belsoff, Natália Lage e Pablo Sanábio. Teatro Oi Futuro. Quinta a domingo, 20h30. 

  



  











sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

COMUNICADO



REABERTURA DO TEATRO MUNICIPAL CARLOS GOMES

          Após passar por uma nova vistoria do Corpo de Bombeiros, o Teatro Municipal Carlos Gomes foi reaberto hoje, 08 de fevereiro de 2013. A Secretaria Municipal de Cultura realizou as intervenções solicitadas após a primeira vistoria, feita na segunda-feira. Entre as pendências estavam readequação das sinalizações de emergência e a baixa pressurização das mangueiras. O espaço agora tem autorização do Corpo de Bombeiros para funcionar.

          A temporada do espetáculo Ary Barroso - Do Princípio ao Fim, com Diogo Vilela, retornará a partir do dia 14 de fevereiro de 2013.

          “A Secretaria Municipal de Cultura está operando em regime de força-tarefa para que, no curto prazo, os espaços fechados voltem a funcionar plenamente, de acordo com as normas de segurança; e, no médio prazo, sejam reformados, assegurando qualidade artística, conforto e segurança para a população carioca”, afirma o Secretário de Cultura, Sérgio Sá Leitão. Dos 36 espaços culturais da Prefeitura que não tinham autorização do Corpo de Bombeiros, 23 já foram vistoriados. E o atendimento às exigências se encontra em curso. O Carlos Gomes é o primeiro a reabrir.

          IMPRENSA - Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro –

          LEAD Comunicação Flávia Tenório – leadcom@terra.com.br - cel 21. 9348-9189

          Imprensa - Espetáculo Ary Barroso - Do Princípio ao Fim -

          Kassu Produções - leandrogomes@kassu.com.br - cel 21. 9628-7718
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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

DOCUMENTO ENTREGUE PELA APTR À PREFEITURA E AO GOVERNO DO ESTADO A RESPEITO DA INTERDIÇÃO DOS TEATROS DO RIO DE JANEIRO‏



          A APTR, cumprindo seus objetivos de associação que trabalha em prol do teatro do Rio de Janeiro, gostaria de colaborar para a rápida e eficaz reabertura dos espaços culturais interditados pelo Corpo de Bombeiros.

          Considerando a grave crise moral e material, consequência da ação de fechamentos dos teatros que interromperam sua programação abruptamente, comprometendo o trabalho de artistas, produtores, técnicos, além do prejuízo de todo o empenho que demanda lançar e divulgar seus espetáculos.

          Considerando imperativo que todos tenham segurança nos espaços públicos. Considerando notório e fato que a instituição responsável pelos espaços sabia da situação irregular perante o Corpo de Bombeiros, que também tinha esse conhecimento, cabe uma reflexão, pois a mesma é comum a espaços públicos e privados.

           Por fim, considerando que a cidade do Rio de Janeiro, ícone e sede de importantes eventos mundiais como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, hoje tem teatros insuficientes em número e infraestrutura, enumeramos algumas questões e ações propostas com o objetivo de restaurar urgentemente a normalidade das atividades interrompidas, além de ações a médio e longo prazo para atender a demanda de atividades sem espaço e o turismo crescente:

          1- Solicitamos a averiguação da situação real de cada espaço, destacando o que é crítico – deve realmente fechar porque oferece risco à segurança – do que é situação burocrática ou adequações que precisam cumprir exigências em prazos determinados, solicitando Autorização provisória do Corpo de Bombeiros. A partir desta análise, da qual nos colocamos à disposição para participar, pedimos um acordo com as instancias responsáveis para a abertura dos espaços em condições ainda esta semana. Os espaços em estado emergencial e crítico, devem imediatamente ter sua situação analisada e entrar em reforma para atender às exigências, com prazo claro de execução e reabertura.

          2- Levantamento com o setor dos motivos que levam os espaços culturais a não terem as liberações do Corpo de Bombeiros. Em diversos depoimentos de empresários e produtores, há queixa de morosidade nas liberações, dificuldades com imóveis tombados ou preservados e principalmente de dificuldades junto a fiscais das instituições. Além disso, os critérios de avaliação dos estabelecimentos devem ser específicos para a atividade teatral, não devem ser confundidos com boates e/ou casas noturnas.

          3- Avaliação das perdas das produções, tendo em vista os prejuízos ocasionados por interrupção da temporada, cancelamento e atraso no calendário das próximas produções.

          4- Ter como meta para este ano de 2013 garantir que todos os teatros, além de possuir equipamentos de som e luz, façam revisão e manutenção elétrica, hidráulica, de higiene, refrigeração etc, garantindo segurança para o público, artistas e técnicos.

          5- Formação de comissão com técnicos da Prefeitura e colaboração da classe teatral, para fazer um plano de ação emergencial que garanta a construção de novos teatros, com condições técnicas e de segurança ideais. A construção de novos espaços de excelência, a exemplo do Imperator, vão aquecer a economia do setor e também o turismo da cidade e do Estado do Rio de Janeiro.

          Estamos à disposição para estabelecer comunicação com os órgãos competentes e colaborar no que for necessário para que tais ações e entendimentos sejam viabilizados o mais rápido possível.

          Cordialmente,

          EDUARDO BARATA

          Presidente



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Répétition"

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Delicioso e permanente suspense


Lionel Fischer


No início, um homem começa a se declarar para uma mulher. Ela julga insolente a abordagem e avisa que seu marido está prestes a chegar. O desconhecido insiste, petulante e sedutor. A mulher começa a vacilar. Num dado momento, a cena é interrompida, o homem ausente chega e então ficamos sabendo tratar-se de um ensaio. A partir daí, ficção e realidade começam a confundir-se, gerando na platéia um delicioso e permanente suspense.

Em cartaz na Sala Multiuso do Espaço Sesc, "Répétition", de autoria de Flávio de Souza, chega à cena com direção de Walter Lima Jr e elenco formado por Roger Gobeth, Tatianna Trinxet e Alexandre Varella.

O homem que estava ausente é o diretor da peça e é casado com a atriz. Esta e o ator com quem contracena, à medida que o texto avança, terminam por envolver-se amorosamente. E a cada vez que a cena inicial é repetida, todos os conflitos tendem a modificá-la, a ela imprimindo diversificados climas emocionais - cumpre registrar que estes se acentuam cada vez mais, em parte em função da crise porque passam a atriz e o diretor, e também porque ele acaba vendo confirmadas suas suspeitas de que sua mulher e o ator, por sinal seu maior amigo, efetivamente levaram para o plano real o que deveria limitar-se ao fictício.

Contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e exibindo notável percepção dos tênues limites que separam realidade e ficção, o pertinente texto de Flávio de Souza oferece ao público não apenas a possibilidade de constatar como pode ser complexo um processo de ensaio, mas sobretudo como este, ao menos em certa medida, muito se assemelha ao ato de viver. Ou será que alguém ainda acredita que somos uma unidade plena e indissolúvel, e portanto incapazes de vivenciar experiências totalmente insuspeitadas? 

Com relação ao espetáculo, Walter Lima Jr impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico - suas marcações são ágeis, criativas e sempre imprevistas, sendo igualmente irretocável a forma como trabalha os tempos rítmicos.
E com relação ao elenco, os três intérpretes exibem performances irrepreensíveis, todos conseguindo valorizar, com a mesma eficiência, todos os climas emocionais em jogo.

E também me parece oportuno registrar a absoluta cumplicidade entre os atores e sua evidente alegria por estarem compartilhando o mesmo palco. Bom seria que os atores jamais se esquecessem de que, sem cumplicidade e alegria, o teatro jamais pode cumprir sua finalidade maior, que é a de promover um verdadeiro encontro entre quem faz e quem assiste.

Na equipe técnica, um destaque todo especial para a maravilhosa direção de movimento feita por Patrícia Carvalho-Oliveira, sendo corretos o cenário de Ronald Teixeira, os figurinos de Elisa Faulhaber e a iluminação de Fernanda Mantovani.

RÉPÉTITION - Texto de Flávio de Souza. Direção de Walter Lima Jr. Com Roger Gobeth, Tatianna Trinxet e Alexandre Varella. Espaço Sesc. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h.