quarta-feira, 31 de março de 2010

Franz Kafka
(1883-1924)

Lionel Fischer

Fui "apresentado" ao genial escritor nascido em Praga quando tinha 13 anos. A obra em questão era o conto A metamorfose, que me gerou tamanho impacto que meus pais chegaram a levantar a hipótese de que talvez fosse conveniente eu iniciar imediatamente um tratamento analítico, que adiei por sete anos. E nos três anos subseqüentes, li praticamente tudo que Kafka escreveu, obviamente que sem alcançar a profundidade de seus temas e tampouco usufruir, em toda a sua plenitude, a grandeza de sua magistral escrita. Ficaram-me, na época, milhares de dúvidas. Hoje as possuo às centenas, o que não deixa de constituir notável progresso.

Para mim o mais brilhante escritor do século XX, Kafka teve algumas de suas obras adaptadas para o cinema, mas raramente para o teatro, por razões que desconheço. Seja como for, gostaria de recomendar a vocês a leitura de sua obra e, no presente caso, do maravilhoso livro sobre o autor escrito pelo filósofo Leandro Konder, lançado em 1974 por José Álvaro Editor/ Paz e Terra, integrando a coleção "Vida e obra". Trata-se de um "aperitivo" extraordinário, posto que Konder fala tanto da vida como de algumas obras de Kafka, sempre valendo-se de uma linguagem simples e portanto acessível a qualquer leitor, e que certamente servirá de estímulo para aqueles que ainda não tiveram o privilégio de entrar em contato com este genial autor.

Em seguida, transcrevo dois capítulos de Kafka, vida e obra, desejando que os mesmos causem em nossa "confraria" um impacto semelhante ou até maior do que causaram - e ainda causam - em mim. Acho que os que já leram Kafka (ou até o livro em questão) terão prazer com este reencontro. E os que porventura ainda sejam "virgens" em Kafka, desejo que percam imediatamente esta virgindade, para tanto bastando se dirigir à primeira livraria das redondezas.

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O Tema da Alienação

Foi o psiquiatra católico francês Joseph Gabel, segundo é do nosso conhecimento, o primeiro crítico que registrou de maneira clara a presença do tema da alienação na obra de Kafka. O que é alienação? A alienação é o fenômeno que ocorre toda a vez que o homem cria alguma coisa e sua criação escapa ao seu controle, aparecendo diante do criador como uma coisa estranha, dotada de vida própria. Sempre que os homens produzem riquezas e não as aproveitam, podemos dizer que eles se alienaram na produção dessas riquezas, porque as riquezas produzidas escaparam ao controle deles e não serviram àqueles que as produziram.

Sempre que os homens criam leis, instituições etc., e não se reconhecem nessas leis ou nessas instituições por eles criadas, sempre que as leis e as instituições deixam de prestar serviços aos homens e aparecem aos olhos dos homens como emanações opressivas de poderes misteriosos, podemos dizer que os homens se alienaram nas leis e instituições que criaram.

O ser humano é um ser criador, uma criatura capaz de transformar o mundo à sua feição, de acordo com a sua livre conveniência. Os animais só agem impulsionados pelos instintos e seus movimentos são sempre ditados pela natureza; os animais não são livres. Os homens, entretanto, são seres capazes de modificar a natureza, são seres capazes de dominar as forças naturais e de colocá-las, conscientemente, a serviço deles.

Quando a alienação se interpõe entre a atividade criadora do homem e seus resultados, o homem experimenta a sensação desagradável de não ser plenamente dono de si mesmo, de não poder criar livremente a sua própria vida. Sentindo-se tolhido no seu poder de criar, sentindo-se limitado por forças estranhas na manifestação da sua liberdade criadora, o homem é levado a sentir-se reduzido à condição de um animal ou de uma coisa (objeto).

No nosso tempo, a tecnologia se desenvolveu muito. Com a tecnologia, se desenvolveram as possibilidades criadoras do trabalho humano. Utilizando a enegia elétrica e a energia termonuclear, a humanidade pode, agora, mais do que nunca, dominar a natureza e organizar o mundo de acordo com a conveniência dos seres humanos em geral. Mas a humanidade, no século XX, está tremendamente desunida: a atual organização da sociedade e o sistema competitivo primário em que ela se baseia racharam em mil pedaços a unidade humana, a autêntica comunidade dos homens. Por isso, as conquistas tecnológicas não servem diretamente à generosidade dos indivíduos. Por isso, o progresso não faz com que os indivíduos, em geral, se sintam à vontade no mundo que criaram.

A sociedade contemporânea é uma sociedade altamente alienada: é uma sociedade na qual os homens aumentaram grandemente a força criadora do trabalho mas não conseguem empregar esta força em proveito próprio, coletivamente, porque se acham desunidos. Em conseqüência da alienação, os homens se sentem estranhos no mundo que criaram. A obra de Kafka reflete isso: "Os temas kafkianos são, decerto, variados, mas o tema do homem que se sente um estrangeiro dentro do mundo é um tema que volta constantemente" (Joseph Gabel)

Kafka registra o caráter opressivo do nosso mundo alienado, em sua obra, figurando-o na monstruosa organização do Tribunal (O Processo) e na inacessível burocracia do conde West-West (O Castelo). Também o inimigo invisível que leva a intranquilidade ao interior da toca onde se esconde o texugo, no conto A Toca, vale por uma representação das potências da alienação que atuam na sociedade contemporânea.

Um dos recursos mais hábeis que Kafka utiliza, aliás, na representação da alienação com suas histórias, consiste em figurar o protagonista como um animal. Assim, a condição de animalidade a que se vê reduzido o homem esmagado pela alienação é figurada plasticamente da maneira mais expressiva: o homem se torna animal. O herói de A Toca é um bicho que podemos tomar por um texugo. O herói de A Metamorfose se transforma em um inseto repugnante que podemos tomar por uma barata. Em outros contos, o narrador e principal personagem é um rato (Josefina a Cantora ou o Povo dos Ratos), um cachorro (Investigações de um cachorro) ou um macaco (Relatório para uma academia).

Em todos estes casos, o que impressiona os leitores é a violência sofrida por uma condição humana forçada a viver uma vida animal, limitada por uma animalidade que lhe é exterior. Mas o mundo da alienação, que obriga o conteúdo humano a suportar a forma animal é um mundo no qual os animais, sem deixarem de ser animais, podem perfeitamente assumir a função dos homens. E o corolário da tragédia de Gregor Samsa - o homem que se transforma em inseto repugnante - é a sátira do Dr. Bucéfalo, o cavalo de Alexandre o Grande, que hoje, liberto das esporas do seu antigo domador, tornou-se um respeitável jurista e vive às voltas com livros de Direito. No conto O novo advogado, é precisamente isso que acontece: Alexandre o Grande está morto, não há mais ninguém capaz de indicar o caminho para as Índias e seu histórico cavalo, longe do barulho das batalhas, ostenta um imponente saber jurídico.

Há uma lição a ser extraída da história do Dr. Bucéfalo. Num mundo em que há seres humanos violentamente reduzidos à condição de animais (como Gregor Samsa), é natural que os animais, como o cavalo de Alexandre, passem a ditar as regras - jurídicas - para os homens. A vida humana se coloca sob a jurisdição da animalidade.


Senso de Humor

O senso de humor de Kafka é um elemento importante da sua maneira de encarar a vida e desempenha um papel notável na sua obra. Na medida em que se sente isolado, inevitavelmente fraco e incapaz de agir sobre a realidade, dominando-a, o escritor tende a se deixar paralisar pelo pânico em face do mundo real; e sua obra tende a se tornar sufocante, excessivamente pesada, ilegível.

Mas o simples fato de Kafka nunca ter realmente parado de lutar para superar a sua solidão, o simples fato dele nunca ter desistido definivamente de procurar uma saída para os problemas que o afligiam, o simples fato dele nunca ter chegado a interromper o seu trabalho de criar histórias já sugerem que a esperança não morreu completamente dentro de seu espírito. O senso de humor era justamente uma das forças que Kafka possuía para mobilizar e renovar as suas esperanças, para tornar mais ativo o seu profundo inconformismo.

Quando a situação se apresentava diante dele como exageradamente negra, o senso de humor fazia com que ele não a tomasse exageradamente a sério. Em Kafka, tal como em Charles Chaplin, o senso de humor aparece misturado com elementos de lirismo e de melancolia. Só que, nas comédias de Carlitos, não há lugar para o peso trágico e para a complexidade dramática que encontramos na literatura de Kafka.

Kafka não é autor de comédias. Nem pode ser considerado um humorista, no sentido rigoroso da palavra. Em suas histórias, os elementos de comicidade são, em geral, bastante sutis. A comicidade de Kafka se manifesta, por exemplo, na forma lógica e minuciosamente exata pela qual são descritas situações obviamente absurdas. Manifesta-se, ainda, nas pretensões "racionalistas" com que os comportamentos irracionais procuram se justificar; e nas razões pseudo-humanitárias que os atos de desumanidade sabem invocar em sua defesa.

O que acaba por prevalecer na leitura de Kafka, em geral, não é o riso, e sim um sentimento de consternação: a realidade que as suas histórias nos põem diante dos olhos é grotesca, sombria, abafada. No entanto, quando a literatura kafkiana ameaça tornar-se demasiado sufocante, o senso de humor de Kafka faz com que se atenue a tensão produzida no espírito do leitor, criando condições psicológicas capazes de facilitar o prosseguimento da leitura.

Do fato de que Kafka não é um humorista não se deve concluir que devemos desprezar os aspectos francamente engraçados das duas histórias. Há na obra de Kafka uma dimensão satírica que é inegável: o ridículo é uma arma que Kafka utiliza com freqüência na representação artística da desumanidade do nosso mundo. Kafka tinha uma sensibilidade extraordinariamente desenvolvida para notar tanto as condições trágicas como os aspectos cômicos da vida que vivemos no presente século.

Sabemos por Max Brod que, quando Kafka lia para os seus amigos mais íntimos algumas das suas histórias, os amigos "estouravam de rir". Segundo Brod, a cena inicial do romance O Processo - a cena em que o personagem central é detido em seu quarto por dois investigadores de polícia, em virtude de uma acusação que não lhe dizem qual seja - provocou gargalhadas quando lida para os íntimos: "Todos foram tomados de um irresistível acesso de riso e o próprio Kafka ria tanto que, por alguns instantes, não pôde continuar a leitura".

Às vezes, o senso de humor de Kafka assume a forma da ironia e até da caricatura. Basta ver, por exemplo, na cena inicial do romance América, o herói Karl Rossman chegando ao porto de Nova Iorque e contemplando a famosa estátua da Liberdade, que lhe parece empunhando...uma espada!

Robert Fuchs, um amigo de Kafka, relata um episódio curioso e bem revelador da auto-ironia kafkiana: logo depois da publicação do livro de contos Contemplação (o primeiro livro de contos de Kafka, editado em janeiro de 1913), Fuchs encontrou o autor numa das ruas de Praga e este lhe disse que vinha de uma livraria, na qual já se haviam vendido 11 exemplares da obra recém distribuída. "Só eu comprei 10 - disse Kafka - e gostaria de saber quem terá comprado o décimo-primeiro".

O Diário de Kafka - que é um documento doloroso e, em geral, de leitura nada amena - também encerra notas em que o senso de humor do escritor se manifesta de maneira bastante direta. É o caso da anotação feita em 24/08/1911, quando Kafka vê um casal sentado num restaurante e percebe que o marido está lendo algo como uma revista em quadrinhos. Ele registra no Diário uma observação mais ou menos assim: "A rigor, permite-se que, sentado em uma mesa de restaurante ao lado da sua mulher, um homem leia um jornal; mas nunca uma revista em quadrinhos!"

No Diário, ainda, Kafka ataca seriamente a monogamia. Depois, atentando para a sua instabilidade afetiva e para a existência de múltiplas mulheres em sua vida, muda de tom. Refere-se às moças, em geral, de modo faceto; e conclui por um arroubo de efeito gaiato: "Não posso resistir ao desejo de admirar todas as que são dignas de admiração e ao desejo de amá-las até esgotar essa admiração".

Em outra anotação, Kafka relata a sua visita ao Dr. Rudolf Steiner, mestre de teosofia e autor de um livro intitulado Como alcançar o conhecimento dos mundos superiores. Naquela ocasião, Kafka estava interessado pela teosofia e impressionado com as doutrinas do Dr. Steiner. Chegava a suspeitar de que o Dr. Steiner fosse dotado de poderes quase miraculosos. É levado a reproduzir, com respeito, em seu Diário, a seguinte anedota: um dia, uma francesa se despediu do Dr. Steiner dizendo "até breve", e o teósofo lhe respondeu dizendo "adeus" e a francesa morreu dois meses depois...

Pois bem: quando descreve a visita que ele próprio fez ao Dr. Steiner, a despeito da sinceridade de propósitos com que então o procurara, o senso de humor de Kafka não deixa de se manifestar. Kafka conta como expôs longamente ao teósofo as suas preocupações e conclui descrevendo a atitude do Dr. Steiner em face do que lhe expusera: "Ele me escutava com a maior atenção, sem parecer absolutamente me observar, todo entregue às minhas palavras. De vez em quando, dormitava; coisa que considera um meio eficaz para provocar forte concentração. No início, incomodava-o um resfriado silencioso: o nariz corria e ele, pondo um dedo em cada naina, atendia-o sem cessar, enfiando-lhe o lenço adentro". (Diário, 28/03/1911)

Queremos lembrar, ainda, para encerrar este capítulo, uma outra anotação do Diário: a de 27 de janeiro de 1922. Doente e já com quase 40 anos (ele não pensou que chegaria até lá), Kafka se instala em um hotel de Spindelmüche. Ao se registrar como hóspede, passa-lhe pela cabeça uma impressão absurda: a de que o haviam confundido com o personagem principal de um seu romance inédito (O Processo). É esta impressão que Kafka registra no Diário com agudo senso de humor: "Embora eu tenha dado diversamente o meu nome na portaria do hotel, embora eles até já tivessem escrito corretamente o nome que lhes dei, foi Joseph K o nome que apareceu inscrito no quadro lá de baixo. Devo esclarecê-los? Ou devo deixar que eles me esclareçam?

segunda-feira, 29 de março de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Tango, bolero e cha cha cha"

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Nova versão de comédia hilariante


Lionel Fischer


Dizem que sempre se pode ser feliz - ou menos infeliz, como queiram - por comparação. Se, por exemplo, eu estou deprimido porque não tenho sapatos, posso encontrar algum alívio ao contemplar um homem que não tem os pés. Mas acredito que toda comparação é no mínimo questionável, só não o sendo quando os objetos de comparação foram criados ao mesmo tempo, no mesmo espaço, nas mesmas circunstâncias e pelas mesmas pessoas. No presente caso, julgo uma perda de tempo tentar estabelcer comparações entre a presente montagem e a que assisti há dez anos, já que a mesma mudou quase que completamente.

Assim, ao analisar a atual versão de "Tango, bolero e cha cha cha", tentarei ao máximo não cair nas armadilhas da comparação, procurando apenas me fixar no que assisti no último sábado - e se alguma comparação for feita, será apenas no sentido de enfatizar que um mesmo texto não apenas pode, como deve, receber múltiplas versões. De autoria de Eloy Araújo, o espetáculo, em cartaz no Teatro Clara Nunes, chega à cena com direção geral de Bibi Ferreira, direção de Paulo Afonso de Lima e elenco formado por Edwin Luisi, Maria Clara Gueiros, Márcia Cabrita, Carlos Bonow e Miguel Rômulo - cabe apenas registar que vi o espetáculo com Carolina Loback substituindo Márcia Cabrita.

No passado casado com Clarice (Maria Clara Gueiros), um belo dia Daniel (Edwin Luisi) simplesmente desaparece, deixando à esposa o encargo de criar o filho do casal ainda pequeno. No entanto, dez anos depois ele decide reaparecer, tendo por objetivo prestar os esclarecimentos para a atitude que tomara. Só que agora na pele do transsexual Lana Lee, casado com o italiano Peter (Carlos Bonow). A partir de tal contexto, o espectador já pode estar certo de que assistirá a muitas confusões, hilariantes quiprocós, surpresas e perplexidades, cabendo lembrar que Dênis, o filho do casal, agora já é adolescente e que Genevra, a empregada, talvez já esteja na casa há muito tempo, pelo menos se levarmos em conta a intimidade que tem com a "patroa" e com o "menino".

O texto de Eloy Araújo é muito engraçado, contém ótimos personagens e talvez seja mais atual hoje do que há dez anos - a estrutura familiar tradicional vem sofrendo muitas transformações, assim como a condenação de afetos tidos como "anormais" também decaiu bastante, mesmo que muitos resquícios de intolerância e preconceito ainda existam, e talvez não desapareçam jamais, a menos que a sociedade um dia renuncie à sua máscara mais intolerável: a hipocrisia.

Entretanto, o presente texto, a par de suas qualidades acima mencionadas, padece do seguinte entrave: é muito longa a preparação para a inevitável confissão de Lana Lee, da mesma forma que o texto se estende em demasia após ela ser feita. E se mesmo assim o público adora o que assiste, certamente sua reação seria ainda mais calorosa e entusiasmada se a peça - e conseqüentemente a montagem - fossem um pouco reduzidas.

Com relação à direção, Bibi Ferreira e Paulo Afonso de Lima conseguem impor à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Só que agora o espetáculo investe mais num humor menos sofisticado e mais escrachado, priorizando um ritmo bem mais frenético e marcações algo delirantes, mas ainda assim coerentes com o contexto. E essa nova versão, evidentemente, determina um tipo de atuação diferente da montagem anterior, sem que isso diminua seu alcance.

Na pele de Lana Lee, Edwin Luisi retoma o personagem com idêntico brilho, cabendo lembrar que, em 2010, o ator se deu ao luxo de abocanhar todos os prêmios disponíveis - Shell, APCA, Mambembe, Qualidade Brasil e Governador do Estado. Ao completar 40 anos de carreira, Edwin Luisi só faz confirmar o que todos já sabem: trata-se de um dos melhores atores nacionais, um interprete realmente de exceção, de grande inteligência cênica e portanto capaz de transitar de forma impecável por todos os gêneros.

Comediante nata, Maria Clara Gueiros está irretocável como Clarice, cabendo ressaltar sua notável capacidade de alternar rítmos e bruscas mudanças faciais. Carlos Bonow faz muito bem o glamuroso, simpático e algo cafajeste Peter, com Carolina Loback - que me parece que foi assistente de direção - dando um show de humor e exibindo grande carisma vivendo Genevra. Com relação a Miguel Rômulo, cercado de "feras" por todos os lados, é natural que seu desempenho fique em um nível um pouco abaixo de seus parceiros, mas ainda assim destacamos a cena da hipnose, que o jovem ator faz muito bem.

Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo a funcional cenografia de Marcelo Marques, assim como seus ótimos figurinos, sendo corretas a iluminação de Renato Machado e a trilha sonora de Andrea Zeni.

TANGO, BOLERO E CHA CHA CHA - Texto de Eloy Araújo. Direção de Bibi Ferreira e Paulo Afonso de Lima. Com Edwin Luisi, Maria Clara Gueiros, Carlos Bonow, Miguel Rômulo e Márcia Cabrita e Carolina Loback revesando no papel de Genevra. Teatro Clara Nunes. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.
Valeu, bala Juquinha!!!

Lionel Fischer


Como acaba de ser demonstrado de forma irrefutável, nossa querida confraria atingiu a impressionante marca de 100 parceiros. O centésimo parceiro - no caso, parceira - deste modesto blog é Patrícia Mantuano, que foi minha aluna no Tablado dois anos e está há vários bombando como atriz em Londres. Obrigado, Patrícia, e logo que reunir a quantia necessária te envio por sedex a mágica balinha, acompanhada de um singelo pedido: ao invés de devorá-la, o que seria mais do que compreensível, te peço para guardá-la com você, pois embora saiba que ocupo um lugar especial no teu coração, assim como você no meu, a visão da dita balinha reforçará os laços de amizade e admiração mútuas que sentimos.

E agora, nada de acomodação: vamos ver se chegamos ao final de 2010 com 200 parceiros!!! Aí, certamente, entramos no Guinness...e o parceiro/parceira 200 será contemplado/contemplada não apenas com uma bala Juquinha, mas com DUAS!!!

Mil beijos em todos,

Eu

quarta-feira, 24 de março de 2010

Cadernos de Teatro

Lionel Fischer


Criada por Maria Clara Machado em 1956, cinco anos após a fundação do Tablado, a revista Cadernos de Teatro talvez seja a mais antiga publicação do país dedicada a todos os aspectos das artes cênicas. Editor da mesma há 12 anos, cargo que me foi passado por Bernardo Jablonski, há dois anos não conseguimos lançar nenhum número da revista, por total ausência de patrocínio, que esperamos conseguir em 2010. Seja como for, muitos desconhecem que a revista tem um vasto acervo de Textos para Estudo e Textos à Disposição. Os que nomeio a seguir podem ser adquiridos na secretaria do Tablado, e os que estão em edições já esgotadas (nº 1 a 100) o interessado pode obtê-los lá mesmo no Tablado, mediante uma xérox.


TEXTOS PARA ESTUDO


CURRICULUM VITAE - Rubem Fonseca (nº 111)

AULA DE INGLÊS - Rubem Braga (nº 124)

ADEVOGADOS - Irmãos Marx (nº 126)

POEMA DA TORRE SEM DEGRAUS - Carlos Drummond de Andrade (nº 128)

GALILEU GALILEI - Bertolt Brecht (nº 129)

ÁRVORE - Millôr Fernandes (nº 131)

ADORO POLUIÇÃO - Millôr Fernandes (nº 132)

HORA DO ALMOÇO - Jean Kerr (nº 134)

O SENHOR PUNTILA E SEU CRIADO MATTI - Bertolt Brecht (nº 138)

O TELEFONE - Rubem Braga (nº 140)

PAPOS - Luís Fernando Veríssimo (nº 141)

DESPEDIDA - J.D. Salinger (nº 143)

NOSTALGIA - Michel Tournier (nº 144)

O PEDIDO - Carlos Drummond de Andrade (nº 147)

RECEITAS - Luís Fernando Veríssimo (nº 150)

A TROCA - Dora Sá (nº 150)

PAIXÃO MORTAL - Fred Mercury (nº 152)

VALE-TUDISMO - Tim Rescala (nº 152)

VIDAS QUE PASSAM - Tennessee Williams (nº 152)

A LOUCA - Domingos Oliveira (nº 153)

MARIA - Luís Fernando Veríssimo (nº 154)

ROMEU E JULIETA - William Shakespeare (nº 155)

O INTERROGATÓRIO - Peter Weiss (nº 156)

CARTÕES SEM RESPOSTA - Luís Fernando Veríssimo (nº 157)

POR UMA TARDE FRIA - Ana Amélia Carneiro de Mendonça (nº 158)

NO MOMENTO NÃO ESTOU - Elisa Lucinda (nº 159)

APRENDIZ DE FEITICEIRO - Maria Clara Machado (nº 160)

O MAMBEMBE - Arthur Azevedo (nº 161)

LUCRÉCIA, O VENENO DOS BÓRGIA - Paulo César Coutinho (nº 162)

SONETO DE LUZ E TREVA - Vinícius de Moraes (nº 163)

VERSOS ÍNTIMOS - Augusto dos Anjos (nº 164/165)

BRIGA NO BECO - Elisa Lucinda (nº 166)

O GUARDADOR DE REBANHOS - Fernando Pessoa (nº 167)

EXCESSO DE COMPANHIA - Carlos Drummond de Andrade (nº 168)

À MARGEM DA VIDA - Tennessee Williams (nº 169)

TREZE SEGUNDOS - Martha Medeiros (nº 170)

O JARDIM DAS CEREJEIRAS - Antom Tchecov (nº 171)

HAMLET - William Shakespeare (nº 172)

18 DE JULHO - Goethe (nº 173)

O JARDIM DAS CEREJEIRAS - Anton Tchecov (nº 174)

FRAGMENTO DE UM DISCURSO INSANO - Lionel Fischer (nº 175)

ENLEIO - Carlos Drummond de Andrade (nº 176)

ADEUS - Lionel Fischer (nº 177)

A LUA CHEIA DEU NA CARA DELA - Elisa Lucinda (nº 178)

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TEXTOS À DISPOSIÇÃO

ANDRADE, C. - A média dos homens, comédia, 1 ato, 3 personagens (2 f. e 1 m.), nº 173.

ANOUILH, J. - O baile dos ladrões, comédia, 1 ato, 17 personagens (4 f. e 13 m.), nº 134.

ARRABAL, F. - Oração, Teatro do Absurdo, 1 ato, 2 personagens (1 m. e 1 f.), nº 150.

AUMILLIER, R. - O tigre, o homem e o rato, fábula cômica, 1 ato, 3 personagens masculinos, nº 142.

AZEVEDO, A. - Teatro a vapor, comédia, 31 esquetes, 100 personagens (33 f. e 67 m.) e figurantes, nº 140.

BECKETT, S. - Coisas e loisas, Teatro do Absurdo, 2 atos, 2 personagens m. e 1 figurante, nº 155; Todos os que caem, peça radiofônica, Teatro do Absurdo, 1 ato, 11 personagens (4 f. e 7 m.), nº 121.

BETHENCOURT, J. - Planejamento familiar - A solução brasileira, comédia, 1 ato, 3 personagens (1 f. e 2 m.), nº 109.

BOSCO, B. - Abelardo e Berilo, comédia, 1 ato, 2 personagens masculinos, nº 174.

BRADFORD, B - Ensaio, comédia dramática, 1 ato, 1 personagem masculino, nº 126.

BRECHT, B. - A expulsão do demônio, drama, 1 ato, 4 personagens (2 f. e 2 m.), nº 109; A mulher judia, drama, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.), nº 119.

BUENAVENTURA, H. - A professora, drama, 1 ato, 6 personagens (3 f. e 3 m.), nº 173.

BUZZATI, D. - Aquele instante, Teatro do Absurdo, 9 esquetes, 38 personagens (13 f. e 25 m.), nº 122.

CABRUJAS, J. I. - Ele dia que me quieras, comédia dramática, 2 atos, 7 personagens (4 m. e 3 f.), nº 158.

CASONA, A. - A farsa do mancebo que casou com a mulher geniosa, farsa, 1 ato, 6 personagens (2 f. e 4 m., afora músicos e dançarinos), nº 177.

COCTEAU, J. - A voz humana, drama, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.); O mentiroso, drama, 1 ato, 1 personagem masculino, nº 126; O belo indiferente, drama, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.), nº 140.

COLLIER, J. - Poção, comédia, 1 ato, 2 personagens masculinos, nº 114.

COUTINHO, P. C. - Um piano à luz da lua, drama, 2 atos, 9 personagens (4 f. e 5 m.), nº 141)

DOSTOIEVSKI, F. - O grande inquisidor, drama, 1 ato, 2 personagens masculinos, nº 114.

EURÍPEDES - Tróia, drama, 1 ato, 6 personagens (5 f. e 1 m.), nº 139; Medéia, tragédia, 1 ato, coro e 8 personagens (4 m. e 4 f.), nº 169.

FÁVERO, C. - José, e agora?, drama, 1 ato, monólogo (1 personagem masculino), nº 173.

FERRAZ, B. - Poleiro dos anjos, comédia, 1 ato, 13 personagens (6 f. e 7 m.), nº 146.

FISCHER, L. - Anaiug, drama, 1 ato, 12 cenas, grande elenco, nº 155; Tese, comédia, esquete, 5 personagens (4 m. e 1 f.), nº 159; Ciúme, comédia, esquete, 8 personagens (4 m. e 4 f.), nº 160; A visita, comédia, 1 ato, 12 personagens (7 f. e 5 m.), nº 171.

FONSECA, R. - H.M.S Cormorant em Paranaguá, drama, 1 ato, 9 personagens ( 2 f. e 7 m.) e figurantes, nº 128; Lúcia Mccartney, drama, 1 ato, 12personagens (7 f. e 5 m.) e figurantes, nº 145.

FOREMAN, R. - Minha cabeça era uma marreta, Teatro do Absurdo, 1 ato, 3 personagens (2 m. e 1 f.), nº 153.

FRANÇA, Jr. - Como se fazia um deputado, comédia, 3 atos, 15 personagens (2 f. e 13 m.) e figurantes, nº 136.

FRAYN, M. - Brindes, comédia, 1 ato, 4 personagens (2 f. e 2 m.), nº 167.

FROTA, T. - O amante invisível, comédia, 1 ato, 4 personagens (1 f. e 3 m.), nº 172.

FUSCS, R. - A dentista e seu paciente, comédia, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.); Amor, sexo e esclerose, comédia, 1 ato, 4 personagens (1 f. e 3 m.), nº 132; Vida longa, comédia, 1 ato, 5 personagens (3 f. e 2 m.) e figurantes, nº 156.

GHELDERODE, M. - Os cegos, tragicomédia, 1 ato, 4 personagens masculinos, nº 167.

GIBSON, W. - Dois na gangorra, drama, 2 atos, 2 personagens (1 f. e 1 m.), nº 123.

GOGOL, N. - O matrimônio, comédia, 2 atos, 15 personagens (6 f. e 9 m.), nº 112; O inspetor geral, comédia, 1 ato, 18 personagens (4 f. e 14 m.), nº 135.

GONZAGA, C. T. (em parceria com Bruno Mazzeo) - Enfim, sós, comédia romântica, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.), nº 162.

GUERDON, D. - A lavanderia, drama, 3 atos, 6 personagens (3 f. e 3 m.), nºs 110/111.

HASEC, J. - O bravo soldado Scheik, comédia, 1 ato, 38 personagens (7 f. e 31 m.), nº 142.

HOFSTETTER, R. - Pirandello nunca mais, comédia, 1 ato, 5 personagens (1 f. e 4 m.), nº 137.

HOMERO. - A odisséia, drama heróico, 3 atos, 67 personagens (11 f. e 56 m.) e figurantes, nº 116.

INGE, W. - Tarde chuvosa, drama, 1 ato, 3 personagens (2 f. e 1 m.), nº 117.

IVES, D. - Palavras, palavras, palavras, Teatro do Absurdo, 1 ato, 3 personagens masculinos; Filadélfia, Teatro do Absurdo, 1 ato, 3 personagens (2 m. e 1 f.); Com certeza, Teatro do Absurdo, 2 personagens (1 m. e 1 f.), nº 150; Variações sobre a morte de Trosky, Teatro do Absurdo, 3 personagens (2 m. e 1 f.), nº 152.

JABLONSKI, B. - A Claudinha está lá fora, comédia, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.), nº 131.

KARTUN, M. C. - A casa dos velhos, comédia dramática, 1 ato, 7 personagens (4 f. e 3 m.), nº 114.

LORDE, A. - O sistema do doutor Goudron e do professor Plume, drama, 1 ato, 11 personagens (2 f. e 9 m.), nº 112.

MACHADO, M. C. - Esquetes, comédia, 57 personagens (44 f. e 13 m.); Pluft, o fantasminha, infantil, 8 personagens (3 f. e 5 m.), nº 131.

MAETERLINCK, M. - Interior, drama, 1 ato, 9 personagens (4 f. e 5 m.) e figurantes, nº 119.

MAHIEU, R. - Jogos na hora da sesta, drama, 1 ato, 8 personagens (3 f. e 5 m.), nº 147.

MARIVAUX - O jogo do amor e do acaso, comédia, 3 atos, 7 personagens (2 f. e 5 m.), nº 127.

MARX, G. - Seleção de esquetes Cômicos, 4 personagens (1 f. e 3 m.), nº 113; Lição de etiqueta, comédia, 1 ato, 1 ator, nº 116.

MOLIÈRE - Médico à força, comédia, 3 atos, 11 personagens (3 f. e 8 m.), nº 108; Malandragens de Scapino, comédia, 3 atos, 12 personagens (9 m. e 3 f.), nº 168.

MÜLLER, H. - O pai, drama, 1 ato, 1 ator; Libertação de Prometeu, drama, 1 ato, 1 ator, nº 147.

MUSSET, A. - Fantasia, comédia, 2 atos, 10 personagens (8 m. e 2 f.) e figurantes, nº 104.

NAVARRO, A. R. - O ser sepulto, Teatro do Absurdo, 1 ato, 5 personagens (2 f. e 3 m.), nº 114.

NUNES, A. - Geração Trianon, comédia, 2 atos, 28 personagens (9 f. e 19 m.), nº 117.

O'CASEY, S. - Uma libra em dinheiro vivo, comédia, 1 ato, 5 personagens (2 f. e 3 m.), nº 124.

OLIVEIRA, DO. - O triunfo da razão, sátira, 1 ato, 21 cenas, grande elenco, nº 99; Do fundo do lago escuro, drama, 3 atos, 10 personagens (6 m. e 4 f.), nº 154.

PALATINIK, E. - A paranóia e mestre Pierre, comédia, monólogo, 1 personagem feminino, nº 150.

PATRICK, R. - Renda de amor, comédia dramática, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.), nº 113.

PEDROLO, M. - Homens e Não, Teatro do Absurdo, 2 atos, 7 personagens (3 f. e 4 m.), nº 170.

PEREIRA, V. - Colar de diamantes, tragicomédia, 2 atos, 4 personagens (3 f. e 1 m.), nº 120.

PINTER, H. - Seleção de Esquetes, Teatro do Absurdo, 15 personagens (6 f. e 9 m.), nº 120.

PIRANDELLO, L. - O homem da flor na boca, drama, 1 ato, 2 personagens masculinos, nº 81; Belavida, comédia, 1 ato, 6 personagens (5 m. e 1 f.), nº 99.

PLAUTO - Os Menecmos, comédia, 5 atos, 9 personagens ( 3 f. e 6 m.) e figurantes, nº 111.

RENARD, J. - Pega fogo, drama, 1 ato, 4 personagens (2 f. e 2 m.), nº 109.

RIO, J. DO. - Clotilde, drama, 1 ato, 3 personagens (1 f. e 2 m.); Encontro, drama, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.); Que pena ser só ladrão, farsa, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.), nº 143.

SANTIAGO, T. - O auto do rei, Teatro Épico, 1 ato, 12 personagens (1 f. e 11 m.), nº 106.

SAYÃO, W. - Uma casa brasileira com certeza, comédia, 1 ato, 6 personagens (3 f. e 3 m.), nº 129; Anônima, drama, 1 ato, 7 personagens (4 m. e 3 f.), nº 152; O altar do incenso, drama, 1 ato, 3 personagens (1 f. e 2 m.), nº 161.

SEMPRUN, M. C. - O homem deitado, drama, 1 ato, 7 personagens (2 f. e 5 m.), nº 144.

SHAKESPEARE, W . - Macbeth, tragédia, 5 atos, 30 personagens (6 f. e 24 m.) e figurantes, nº 115; Uma peça como você gosta, comédia, 5 atos, 21 personagens (17 m. 4 f.), nº 107.

SHAW, G. B. - As armas e o homem, comédia, 3 atos, 9 personagens (3 f. e 6 m.) e figurantes, nº 148.

SILVA, F. P. - O caso do chapéu, comédia, 1 ato, 4 personagens (2 f. e 2 m.), nº 150.

SUSSEKIND, C. - Diário de um matrimônio, comédia dramática, 1 ato, 6 personagens (4 f. e 2 m.), nº 175.

TANNEN, D. - Um ato de devoção, drama, 1 ato, 2 personagens (1 f. e 1 m.), nº 159.

TARDIEU, J. - Uma peça por outra, Teatro do Absurdo, 2 atos, 42 personagens (15 f. e 27 m.), nº 118; Quem vem lá?, Teatro do Absurdo, 1 ato, 5 personagens (2 f. e 3 m.), nº 163.

TCHECOV, A. - Sobre os males que o fumo produz, comédia dramática, 1 ato, monólogo, 1 personagem masculino, nº 128; Um papel trágico, comédia, 1 ato, 2 papéis masculinos, nº 157; O jardim das cerejeiras, drama, 4 atos, 12 personagens (5 f. e 7 m.), nº 163.

TROTTA, R. - O malfeitor, drama, 1 ato, 2 personagens (1 m. e 1 f.), nº 150.

VALENTIN, K. - Seleção de Esquetes Cômicos, 25 personagens (8 f. e 17 m.), nº 113; O pé da árvore de natal, comédia, 1 ato, 5 personagens (2 f. e 3 m.) e figurantes, nº 118.

VIAN, B. - Cinemassacre, Teatro do Absurdo, 1 ato, 54 personagens (9 f. e 45 m.) e figurantes; OlharCruzado, Teatro do Absurdo, 1 ato, 6 personagens (1 f. 5 m.), nº 130.

VIANNA FO, O. - O morto do Encantado morre e pede passagem, comédia, 1 ato, 11 personagens (4 f. e 7 m.), nº 138.

VICENTE, J. - Hoje é dia de rock, saga lírica, 1 ato, 13 personagens, (6 f. e 7 m.), nº 119.

VOGESTEIN, C. - Encontro com um estranho, comédia dramática, 1 ato, 3 personagens ( 2 m. e 1 f.), nº 160.

WILDER, T. - Infância, comédia, 1 ato, 5 personagens (3 f. e 2 m.), nº 121.

WOJTYLA, K. - A loja do ourives, drama, 3 atos, 6 personagens ( 3 m. e 3 f.), nº 125.



Só falta um/uma!!!

Lionel Fischer


Como os queridos amigos e amigas (conhecidos e desconhecidos) que integram este modesto blog já devem ter percebido, nossa confraria atingiu a impressionante marca de 99 seguidores!!! Potanto, falta apenas uma escassa criatura para chegarmos a 100!!! Assim sendo, peço a todos que induzam qualquer pessoa de suas relações a colocar um retratinho junto aos que já existem. Em retribuição, e eternamente grato, me comprometo a contemplar a hipotética criatura com uma deliciosa bala Juquinha, no local e hora que ela determinar - é possível que muitos de vocês desconheçam esta deliciosa iguaria, mas aí é só dar uma passadinha no google...

Beijos em todos,

Eu
Eugène Ionesco
(1912-1994)

Lionel Fischer


Autor dramático romeno-francês, Ionesco passou a infância em Paris e a juventude na Romênia. Dedicou-se ao teatro após uma etapa como escritor e ensaísta em Paris. Considerado um dos principais representantes do Teatro do Absurdo, converteu-se, depois de uma fase inicial de não-aceitação pelo público, em um dos autores mais representados em todo o mundo. Valendo-se de meios e experimentos do dadaísmo e do surrealismo, iniciou sua carreira com uma série de peças em 1 ato - A cantora careca, A lição, As cadeiras, Vítimas do dever, Jacques ou a submissão - que surpreenderam por sua irrealidade, obsessão e humor grotesco.

A esta primeira fase mais experimental pertencem a peça em 3 atos Amadeus e os textos curtos O quadro, O novo inquilino e O Improviso da alma. Com Assassino sem recompensa inicia uma segunda fase criadora, em que afirma sua posição anti-realista e crítica, afora sua visão absurda da existência. Desse período constam, entre outras, O rei morre e uma de suas obras mais conhecidas, O rionoceronte.


A seguir, um trecho da longa entrevista concedida por Ionesco a Claude Bonnefoy, convertida no livro "Diálogos com Ionesco" (Editions Pierre Belfond, Paris, 1970). Aqui o livro saiu em 1974, Editora Mundo Musical LTDA, coleção IDÉIAS, volume I, tradução de Maria Emília Corrêa Cardozo. O volume é dividido em vários tópicos: A Descoberta, A Criação, Os Temas, Hoje e Amanhã, Ionesco visto por seus contemporâneos e As criações teatrais, sendo que aqui nosso foco recairá sobre A DESCOBERTA, cabendo frisar que reduzi bastante o enunciado das perguntas, muitas vezes gigantesco, assim como das respostas, não raro igualmente quilométricas, mas tentando ao máximo não trair o espírito do livro, que é o de sugerir a conversa entre dois amigos, portanto sem nenhuma preocupação com "edição". Devo também acrescentar que omiti algumas peguntas, pois mesmo adotando o reducionista "esquema" acima mencionado, ainda assim a presente matéria se tornaria imensa.

* * *

A DESCOBERTA

C. B. - Sendo seu teatro tão onírico, não se encontram nele sonhos que foram os seus sonhos de criança?

E. I. - Sonhos de criança? Não. Tenho recordações da infância, imagens da infância, luzes e cores da infância. Se a matéria das minhas peças é freqüentemente feita de sonhos, esses sonhos devem ser bastante recentes para que eu os lembre com precisão. Empresto muita importância ao sonho, porque ele me dá uma visão um pouco mais aguda, mais penetrante, de mim mesmo. Sonhar é pensar, e é pensar de um modo muito mais profundo, mais verdadeiro, mais autêntico, porque é como que debruçar-se sobre si mesmo. O sonho é uma espécie de meditação, de recolhimento. É um pensamento em imagens. Algumas vezes, é extremamente revelador, cruel. É de uma evidência luminosa.

Para qualquer um que faça teatro, o sonho pode ser considerado como um acontecimento essencialmente dramático. O sonho é o próprio drama. Em sonho, está-se sempre em situação. Em resumo, creio que o sonho é ao mesmo tempo um pensamento lúcido, mais lúcido que o estado de vigília, um pensamento em imagens e que já é teatro, que é sempre um drama, porquanto se está sempre em situação.

C. B. - Poderia evocar essas lembranças, essas imagens da infância? Quais as emoções que o marcaram?

E. I. - A tristeza de minha mãe, a revelação da morte, ainda a solidão de minha mãe, tudo isso constituindo o aspecto negativo. E depois a infância no campo, na Chapelle Anthenaise, são os dias de plenitude, de felicidade, de luz que vivi.

C. B. - Que foi essa experiência da solidão?

E. I. - Da solidão, não. Da solidão de minha mãe. É difícil de expor. Meu pai tinha precisado retornar a Bucareste, e eu a via só e infeliz, lutando penosamente para ganhar dinheiro, cercada pela ferocidade do mundo, um pouco como Josefina em "Le piéton de l'air".

C. B. - E a revelação da morte?

E. I. - Já escrevi que eu me impressionava muito quando via os enterros, os cortejos passando sob as janelas da casa onde eu morava, e um dia perguntei à minha mãe o que aquilo significava. Ela respondeu: "Alguém morreu". E eu: "Mas...morreu por quê?". Acabei por compreender que a gente morria porque tinha tido uma doença, porque sofrera um acidente, de toda a forma a morte era acidental, e que, se tomasse muito cuidado para não se ficar doente, sendo prudente, usando-se a manta, tomando-se direito os remédios, prestando-se atenção aos carros, não se morria jamais. Aquilo me inquietava, sobretudo porque eu me apercebera de que a gente envelhecia. Dizia para mim mesmo: "Até que ponto se pode envelhecer? Até onde isto pode ir?".

Imaginava um homem envelhecendo, via-o crescer, via-o começar a curvar-se, via que a barba se lhe punha branca, que sua barba estava cada vez mais branca, cada vez mais longa, e que ele a arrastava pela rua, que ele próprio estava cada vez mais curvado. E me dizia: "Não, isto deve ter um fim, não, isto não é possível!". Um dia, perguntei à minha mãe se iríamos todos morrer e ela me disse que sim. Eu devia ter quatro ou cinco anos, estava sentado no chão, ela se achava de pé diante de mim. Trazia as mãos atrás das costas. Quando me viu soluçar - porque de repente me pus a chorar - ela me olhou desarmada, impotente. Tive muito medo. Pensei, sobretudo, que um dia ela iria certamente morrer, aquilo me apavorava. Temeria eu sua morte mais ainda do que temia a morte? É curioso como todas essas impressões, todas essas angústias desapareceram logo que fui para o campo, onde vivi durante três anos, longe de minha mãe que era talvez a causa inconsciente de minha angústia.

C. B. - Depois, essas angústias voltaram?

E. I. - Voltaram; elas me põem à prova. Voltaram, não sei exatamente em que momento, depois do meu regresso da Chapelle Anthenaise, porque descobri o tempo: os domingos, aos quais deviam necessariamente suceder as segundas-feiras. Um dia de festa nunca era bastante longo para não acabar, todo regozijo tinha como que um buraco dentro do seu próprio interior que o devorava. Cada hora estava enraizada no passado. Na Chapelle Anthenaise, o tempo não existia. Eu vivia no presente. Viver era o encanto, a alegria de viver.

C. B. - Que idade você tinha?

E. I. - Oito, nove anos.

C. B. - E o que representa para você esta experiência no campo?

E. I. - Uma plenitude; uma simbolização, se o posso dizer, do paraíso. Esse lugar é sempre para mim como a imagem do paraíso perdido. Deixei-o para ir a Paris, em seguida à Romênia. Ele se distanciava ao mesmo tempo geograficamente e no tempo.

C. B. - O que você considera mais enfadonho na sociedade atual?

E. I. - O mais enfadonho na sociedade atual é que a pessoa se confunde com a função que exerce, ou, mais propriamente, a pessoa é tentada a identificar-se totalmente com a função. Não é a função que toma uma fisionomia, é um homem que se desumaniza, que perde sua fisionomia. É isto que se passa principalmente nas sociedades totalitárias. Muitas vezes disse para comigo mesmo que o que era estupidificante, desumanizante, é o fato de um cabo dormir com seu uniforme. Ele é cabo totalmente, metafisicamente. É, sem dúvida, porque a "função" adquiriu tanta importância que atualmente se fala de tal maneira em sociologia. Há aí uma verdadeira alienação. A função social não deve absorver o homem totalmente, totalitariamente. Jamais, nós o sabemos, o homem esteve tão alieanado, particularmente nas sociedades socialistas que falam em desaliená-lo. Ele também o era anteriormente, é certo, mas não tanto.

Ora, na aldeia o homem não era confundido com sua função. Era o Padre Durant que "fazia" o pároco, o Pai Untel que "fazia" o guarda rural, tal como os atores desempenham seus pepéis, ainda que em nosso mundo um "homem de letras" seja "um homem de letras", quase que até em seus sonhos; ele tem uma gravata "homem de letras", uma mulher "homem de letras", amigos "homem de letras", ou seja, ele é anulado por sua função, nada mais é do que uma função alienante, ele não existe mais. Ele é engolido pela maquinaria social. A maquinaria social é a sociedade tornada monstruosa, devoradora.

C. B. - Você acha que sua obra dramática deve alguma coisa às suas recordações da Chapelle Anthenaise?

E. I. - Sim, muitas das preocupações, das obsessões me vêm da Chapelle Anthenaise e da ruptura com esse paraíso. Tudo o que vivemos deixa traços. Sim, eu era umja criança, um homenzinho no meio da sua realidade...sim, de vez em quando estudante, mas não essencialmente estudante...uma criança que, entre outras, ia à escola...não a engrenagem de uma máquina...Isto é, não o indivíduo de uma única função, depauperadora, que tira ao homem uma de suas dimensões.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Blitz"

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Uma ferida que não fecha

Lionel Fischer


Durante uma blitz em um colégio tido como extremamente violento e perigoso, já que nele existiam gangues rivais e muitos alunos levavam armas em suas mochilas, um menino de 12 anos é morto pela Polícia Militar. Como estava ao lado do menino nesse momento, o cabo Rosinha é responsabilizado pela morte. Mas ele nega, embora sua esposa, Helô do Pãozinho, não lhe dê crédito. E jamais o tenha perdoado por algo que tem como certo.

Quando a peça se inicia, vemos a mulher, ansiosa e angustiada, imóvel diante de uma mesa, sobre a qual estão colocados dois pratos e uma tigela contendo uma sopa. Ao lado da mulher, uma pequena mala. Cansada de esperar, num dado momento ela toma a sua sopa. O cabo Rosinha entra, senta-se à mesa. Mas permanece em silêncio, até explodir num gesto inesperado e de extrema violência, atirando longe a dita tigela. A partir daí, entramos em contato com um texto que, embora muito curto, aborda de forma sensível e pertinente alguns temas da maior relevância. Em cartaz no Porão da Laura Alvim, "Blitz" leva a assinatura de Bosco Brasil, estando a direção a cargo de Ivan Sugahara e o elenco formado por Janaína Ávila e Marcello Escorel.

Disposta a abandonar o marido, levando a platéia a crer que em função de sua violência, logo percebemos que muitas outras questões estão em causa. O casal perdeu um filho quando ele tinha sete anos, ao que parece por ser hemofílico, como o pai, a quem, ainda que involuntariamente, caberia a responsabilidade por tal perda. E esta ferida jamais cicatrizara.
E se somada à suposta violência do marido, conluímos que Helô estaria tomando a decisão correta ao anunciar que iria embora para sempre.

No entanto, em meio a muitos silêncios, eventuais explosões e súplicas, exacerbadas tentativas feitas pelo cabo Rosinha no sentido de demonstrar que não apenas não matou o garoto, como também tem horror à violência, num dado momento somos por ele informados de que, numa blitz em um morro, dera dois tiros em um bandido e que este, pouco antes de morrer, se concentrara numa pequena ferida em um dos dedos, tentando estancar com a boca o sangue que teimava em escorrer, como fazem os hemofílicos quando se cortam. Mas isso é apenas o preâmbulo do essencial: a revelação feita a Rosinha de que, a partir deste fato, sempre andara com o revólver descarregado, assim demonstrando que não poderia ter matado o dito garoto. Então, a barreira que separava o casal, aparentemente intransponível, começa a ser desfeita.

Estamos, portanto, diante de um texto que fala de violência, intolerância, medo, idéias preconcebidas e que se cristalizam como verdades, enfim, de muitas das mazelas de que padecemos, seja qual for nossa classe social, seja qual for a profissão que exercemos, seja qual for nossa crença ou não em um Deus capaz de tudo compreender e, em alguns casos, segundo dizem, tudo perdoar. Cabo Rosinha e Helô do Pãozinho, em última instância, talvez possam e devam ser encarados mais como símbolos de uma realidade intolerável do que propriamente como personagens individualizados. E nisto reside a enorme grandeza do presente texto, assinado por um dos dramaturgos mais sensíveis e politizados deste país.

Com relação ao espetáculo, Ivan Sugahara realiza aqui um de seus melhores trabalhos, evidenciando uma compreensão perfeita das propostas do autor, trabalhando de forma exemplar os tempos rítmicos, os muitos silêncios (sempre preenchidos de grande carga emocional) e também valorizando na medida certa as explosões do casal. Este, cumpre registrar, interpretado de forma irretocável pelos dois intérpretes. Janaína Ávila consegue valorizar todas as características de uma personalidade atormentada pela dúvida e pela mágoa, com Marcello Escorel demonstrando, mais uma vez, porque merece ser considerado um dos melhores atores de sua geração, já que tudo que faz nos convence por sua enorme capacidade de entrega e por sua inteligência cênica, que o faz optar por caminhos que causariam pânico em atores apenas medianos e que se contentam com o óbvio. Sem dúvida, uma atuação brilhante.

Na equipe técnica, Natália Lana assina uma cenografia simples e despojada, mas que atende a todas as necessidades da montagem. Renato Machado ilumina a cena valorizando todos os climas emocionais em jogo, sendo corretos os figurinos de Patrícia Muniz e a trilha original de Rebello Alvarenga.

BLITZ - Texto de Bosco Brasil. Direção de Ivan Sugahara. Com Janaína Ávila e Marcello Escorel. Porão da Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
Teatro/CRÍTICA

"Tomo suas mãos nas minhas"

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Paixão e delicadeza no Leblon

Lionel Fischer


Têm-se como certo que a radicalidade - qualquer que seja ela - não é muito produtiva, posto que, apoiada em extremos, inviabilza o diálogo e engessa o pensamento. E isto não deixa de ser verdade. Em contrapartida, em alguns aspectos a radicalidade torna-se imperiosa. Por exemplo: eu não posso ser medianamente contra uma criança passar fome. Tenho que ser radicalmente contra isso. E se não sou, é porque compactuo com essa abjeção ou ela me é indiferente, sendo a indiferença, como todos sabemos, o mais pérfido dos sentimentos.

Mas antes que alguém imagine que pretendo desenvolver uma tese sobre o assunto, faço questão de ressaltar que o prólogo acima se deve a uma radicalidade minha, qual seja: excluindo os gregos e Shakespeare, considero Tchecov (1860-1904) o dramaturgo mais brilhante dentre todos os demais, autor de obras-primas extraordinárias, tais como "A gaivota", "Tio Vãnia", "As três irmãs" e "O jardim das cerejeiras" - afora ter sido um contista não menos fantástico.

Mas o espetáculo em questão não aborda nenhuma de suas peças, tampouco teatraliza um de seus contos, e sim constrói uma narrativa baseada nas mais de 400 cartas que Tchecov trocou com sua mulher, a atriz Olga Knipper (uma das estrelas do Teatro de Arte de Moscou), com quem viveu os últimos seis anos de sua breve existência. E a abundância de cartas se deve ao fato de que Tchecov, sempre combalido pela doença (morreria de uma infecção pulmonar), se via obrigado a passar longas temporadas em lugares menos frios do que Moscou, e na maior parte delas sem a companhia da esposa, já que a mesma tinha que atuar quase sempre na gélida capital.

Em cartaz no Teatro do Leblon, "Tomo suas mãos nas minhas" chega à cena com dramaturgia de Carol Rocamora, tradução, adaptação e direção de Leila Hipólito e elenco formado por Roberto Bomtempo e Miriam Freeland, ele no papel de Tchecov e ela no de Olga, sendo que a atriz, em breves passagens, encarna alguns dos mais belos papéis criados pelo autor.

Mesmo para os que não conhecem a vida e trajetória artística de Tchecov, o presente espetáculo haverá de causar profunda emoção. A começar pelo trabalho de dramaturgia feito por Carol Rocamora, que constrói uma estrutura narrativa (é possível que em estreita parceria com a diretora) que mescla informação, contracena "à distância" - quando os personagens lêem e ao mesmo tempo respondem às mútuas cartas, não raro sem se olharem - e passagens em que ambos estão efetivamente no mesmo espaço. Tal estrutura tem o curioso mérito de nos aproximar e simultaneamente nos afastar do que vemos e ouvimos, quem sabe com o objetivo de evitar que uma história tão linda, mas ao mesmo tempo tão dramática, enveredasse para o melodrama, o que certamente minimizaria seu alcance.

Com relação ao espetáculo, Leila Hipólito impõe à cena uma dinâmica feita de delicadeza e paixão, criando marcas poéticas e outras tantas que nos geram desconfortável angústia, mas sem jamais investir em um tom exacerbado, o que, por sinal, nunca está presente nas obras de Tchecov. Afora isso, cabe registrar sua excelente adaptação e as ótimas atuações que extraiu do elenco.

Na pele de Tchecov, Roberto Bomtempo exibe desempenho irretocável, em especial no tocante ao seu excelente trabalho vocal e corporal à medida que a doença do autor se agrava, e também no que diz respeito ao inabalável humor e otimismo de Tchecov, mesmo nos momentos em que o trágico se avizinhava de forma inexorável. A mesma eficiência está presente na atuação de Miriam Freeland, que materializa uma figura ao mesmo tempo doce e determinada, em permanente divisão entre sua carreira e sua vontade de estar sempre ao lado do marido. Certamente Tchecov e Olga formaram um belo casal, o mesmo aplicando-se a Roberto e Miriam, casados no palco e na vida real.

Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o belíssimo trabalho realizado por todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque (cenografia), Fernando Nello da Costa (objetos de cena e adereços), Kika Lopes (figurinos), Maneco Quinderé (iluminação), Alexandre Pereira (trilha musical), Paula Águas (preparação corporal) e Leila Hipólito (tradução e adaptação).

TOMO SUAS MÃOS NAS MINHAS - Dramaturgia de Carol Rocamora. Tradução, adaptação e direção de Leila Hipólito. Com Roberto Bomtempo e Miriam Freeland. Sala Tônia Carrero do Teatro do Leblon. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Do artista quando jovem"

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Ousada apropriação de Joyce


Lionel Fischer

"'Do artista quando jovem' insere-se na continuidade da pesquisa d'Aquela Companhia de Teatro, que tem como objetivo propor novas interlocuções entre teatro e literatura. Depois de Kafka, Göethe e Hesse, 'Do artista quando jovem' tem como ponto de partida a vida e a obra de James Joyce. Em nosso processo criativo situamos o livro 'Retrato do artista quando jovem' no centro de nossa investigação, para traçar a partir daí diálogos internos com a biografia do autor e suas demais obras, além de diálogos com questões contemporâneas relacionadas ao tempo, a memória e a criação. Tal como nos demais espetáculos, 'Do artista quando jovem' não é a adaptação de um romance para os palcos - o que poderia resultar em simplificações forçosas. O que está em jogo neste espetáculo é antes uma multiplicação: deformar, recriar e ativar a partir de nossa percepção criativa, as questões levantadas por Joyce em sua obra e estilo únicos".

Extraído do programa distribuído ao público, o trecho acima expõe de forma clara e objetiva as premissas fundamentais que nortearam a feitura do presente espetáculo. No entanto, dada a sua natureza, tal clareza e objetividade não me parecem de fácil acesso ao público "normal" (se é que existe um público "normal"), e muito menos para os espectadores que pouco ou nada leram da obra do escritor irlandês James Joyce (1882-1941). Seja como for, estamos diante de uma empreitada séria e que não procura escamotear os enormes desafios que se impôs. Em cartaz no Espaço Sesc, "Do artista quando jovem" leva a assinatura de Pedro Kosovski, com Marco André Nunes respondendo pela direção e estando o elenco formado por Dora Pellegrino (Eve/Prostituta/Mãe), Erika Mader (Enfermeira/Atriz), Igor Angelkorte (Stephen Dedalus), Remo Trajano (Maratonista) e Saulo Rodrigues (Adam/Buck/Sacerdote).

Como o texto do programa afirma que o livro "Retrato do artista quando jovem" estaria no centro do processo de investigação e criativo do grupo, vamos a um rápido resumo do original. Este primeiro romance de Joyce, publicado em 1916, narra as experiências de infância e adolescência de Stephen Dedalus, alter ego do autor, e termina com a recriação de seus ritos de passagem para a idade adulta, que incluiríam deixar para trás a família, os amigos e a Irlanda e ir viver no continente. A obra é considerada um "romance de formação", tipo de romance em que é exposto de forma pormenorizada o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de um personagem, geralmente passando por fases de sua vida (infância, adolescência, adulta, maturidade).

Ao mesmo tempo, como já foi dito, outras obras do autor, assim como sua biografia, estão mescladas a este ponto de partida. Neste caso, e excetuando-se possíveis especialistas que assistam ao espetáculo, o mais salutar para cada espectador será tentar fazer sua própria leitura e assim encontrar o que de mais significativo possa haver nas cenas fragmentadas de que é feita a montagem, sem tentar "decifrá-la" como se estivesse diante de uma narrativa linear e apoiada numa estética naturalista.

Se assim agirem, é bem provável que os espectadores, ainda que eventualmente sentindo-se algo perdidos, consigam detectar alguns temas fundamentais do texto escrito por Pedro Kosovski, dentre eles o amor, a religião, a arte como possibilidade de transcender ou justificar a vida, o tempo e as armadilhas da memória. Mesmo valendo-se de uma estrutura narrativa bastante complexa, é inegável a qualidade da maior parte dos diálogos e sempre pertinentes as questões levantadas, defendidas por personagens bem mais atrelados ao inconsciente do que à realidade.

Quanto ao espetáculo, Marco André Nunes impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, priorizando quase sempre a estranheza do que uma aproximação confortável com o que está materializado no palco. E no tocante aos atores, todos exibem um bom rendimento, além de nos darem sempre a sensação de que embarcaram de cabeça numa proposta sujeita a todos os riscos.

Na equipe técnica, são de excelente nível a iluminação de Renato Machado, a cenografia e figurinos de Flávio Graff, a direção musical de Felipe Storino e a direção de movimento de Márcia Rubin - quanto ao vídeo de Felipe Câmara, que abre o espetáculo exibindo depoimentos de artistas sobre vários temas, ele é bastante interessante, ainda que algumas vezes não seja possível entender com clareza tudo que nele se fala.

DO ARTISTA QUANDO JOVEM - Texto de Pedro Kosovski. Direção de Marco André Nunes. Com Igor Angelkorte, Saulo Rodrigues, Dora Pellegrino, Remo Trajano e Erika Mader. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Passaporte
8574

Ao contrário do que possa parecer, o título acima não se refere exatamente a um passaporte, mas ao mesmo tempo não deixa de sê-lo, pois o número em questão marca a estréia neste mundo de Patrícia Carvalho-Oliveira, nascida em 08 de maio de 1974.

Atriz-atriz, atriz-performática, poeta e bailarina, Patrícia lançou em 2003 um livro de poemas, "Passaporte 8574", que logo converteu em um maravilhoso espetáculo. Dos 82 poemas, selecionou 25, o suficiente para nos possibilitar acesso a uma personalidade sensível e inquieta, repleta de dúvidas e contradições, apaixonada e apaixonante.

Pois bem: tudo que acaba de ser dito vem a propósito de uma informação que ela me deu recentemente - fazemos juntos a novela "Viver a vida", onde ela é minha SUBORDINADA: "Acho que vou remontar 'Passaporte'. O que você acha?" Limitei-me a responder: "Já está ensaiando?"

Então, vamos combinar o seguinte: caso "Passaporte 8574" entre novamente em cartaz, trata-se de uma viagem imperdível. Mas se isto não acontecer, o que seria lamentável, o livro continua à venda. E aí segue um aperitivo, escolhido ao acaso - abri o livro numa página qualquer e apareceu o que se segue. (LF)


PESSOAS

Pessoas são altas, baixas
Pessoas são gordas, magras

Pessoas são pretas, brancas, morenas
Algumas são divididas e outras são plenas

Pessoas são gente por baixo da casca
Pessoas são do universo uma lasca

Pessoas são olhos, narizes e bocas
Pessoas são mundos, pessoas são loucas

Pessoas são ilhas, mistérios
Pessoas são labirintos etéreos

Independente da cor, raça, passaporte ou país
Somos todos os mesmo existencialmente
Essencialmente pessoas

Pessoas presentes, pessoas ausentes
Pessoas são árvores, ou são sementes

Pessoas são alma embaixo do corpo
Pessoas sem alma, pessoas sem sopro

Pessoas vivem, pessoas buscam
Algumas brilham e outras ofuscam

Pessoas são olhos, narizes e bocas
Pessoas são mundos, pessoas são loucas

Pessoas são universos dentro de "eus"
Pessoas são versos que caem de Deus

quarta-feira, 17 de março de 2010

Breve passagem de um livro fundamental:
A preparação do ator,
de Constantin Stanislavski


Representação Mecânica

Com o auxílio do rosto, da mímica, da voz e dos gestos, o ator mecânico apenas oferece ao público a máscara morta do sentimento inexistente. Para tanto foi elaborado um grande sortimento de efeitos pitorescos que pretendem representar toda espécie de sentimentos por meio de recursos exteriores. Alguns desses clichês estabelecidos ficaram tradicionais e são transmitidos de geração a geração, como, por exemplo, espalmar a mão no peito para exprimrir amor, ou escancarar a boca para dar idéia de morte. Outros são tomados, já prontos, de atores contemporâneos de talento (como esfregar a testa com as costas da mão, tal qual fazia Vera Komissarjevskaia nos momentos trágicos). Outros, ainda, são inventados pelos atores para seu próprio uso.

Há modos especiais de recitar um papel, métodos de dicção e de fala. Por exemplo: usar tons exageradamente agudos ou graves nos momentos críticos do papel, executando-os com um tremolo especificamente teatral ou com especiais adornos declamatórios. Há, também, processos de movimentação física (o ator mecânico não anda; desfila pelo palco), de gestos e ação, de movimentação plástica. Há métodos de exprimir todos os sentimentos e paixões humanas (mostrar os dentes e revirar o branco dos olhos quando se tem ciúmes ou esconder os olhos e o rosto entre as mãos ao invés de chorar; quando desesperado, arrancar os cabelos). Há modos de imitar toda espécie de tipos e pessoas de diferentes classes sociais (os camponeses cospem no chão, assoam o nariz na aba do paletó; os militares fazem tinir as esporas; os aristocratas ficam brincando com as suas lorgnettes). Alguns outros caracterizam épocas (gestos operísticos para a Idade Média, passinhos miúdos para o século XVIII). Esses métodos mecânicos já prontinhos podem ser facilmente adquiridos por meio de exercícios constantes, de modo a se tornarem uma segunda natureza.

Com o tempo e o hábito constante até as coisas deformadas e sem sentido se tornam familiares e caras. Como, por exemplo, o consagrado erguer os ombros da Opéra-Comíque, as velhas que procuram passar por moças, as portas que se abrem e fecham automaticamente quando o herói da peça entra ou sai. O balé, a ópera e, principalmente, as tragédias pseudo clássicas estão repletas dessas convenções. Com esses métodos sempre imutáveis esperam reproduzir as mais complexas e elevadas experiências dos heróis. Por exemplo, arrancando o coração do peito nas horas de desespero, sacudindo os punhos na vingança ou erguendo as mãos aos céus em prece.

Segundo o ator mecânico, o objetivo da fala teatral e da movimentação plástica - como a doçura exagerada nos momentos líricos, a opaca monotonia na leitura da poesia épica, os sons sibilantes para exprimir o ódio, as falsas lágrimas na voz para representar sofrimento - é salientar a voz, a dicção e os movimentos, tornar os atores mais belos e dar mais força ao seu efeito teatral. Infelizmente, no mundo, o mau gosto é muito mais comum do que o bom gosto. Ao invés da nobreza, foi criada uma espécie de ostentação vistosa, boniteza ao invés de beleza, efeito teatral em lugar de expressividade.

De todos os fatos o pior é que os clichês preencherão todos os pontos vazios do papel que não estiver solidamente impregnado do sentimento vivo. Mais ainda, os clichês muitas vezes se antepõem ao sentimento e lhe barram a passagem. É por isto que o ator precisa proteger-se com o máximo de consciência contra esses recursos. Isto se aplica até mesmo aos atores talentosos, capazes de verdadeira criatividade.

Por maior habilidade que o ator demonstre na escolha das convenções de cena, ser-lhe-á impossível comover os espectadores por intermédio delas, devido à qualidade mecânica que lhes é inerente. Terá de contar com algum meio suplementar para despertá-los e então busca refúgio naquilo que nós chamamos de emoções teatrais. Estas são uma espécie de imitação artificial da periferia dos sentimentos físicos.

Cerrando os punhos com força e endurecendo os músculos de seu corpo ou respirando espasmodicamente, você poderá provocar em si mesmo um estado de grande intensidade física. O público, muitas vezes, pensa que isto é a expressão de um forte temperamento movido pela paixão. Atores do tipo nervoso conseguem despertar emoções teatrais dando corda, artificialmente, aos nervos. Isto causa a histeria teatral, um êxtase doentio, que costuma ser tão desprovido de conteúdo quanto a excitação física artificial.

Um papel construído à base de verdades cresce,
ao passo que fenece o que se baseou em clichês.
Niccolo Maquiavel
(1469-1527)

Lionel Fischer

Escritor italiano, Maquiavel foi uma das personalidades mais marcantes da Renascença. De formação humanista, escreveu várias peças, sendo a mais conhecida "A mandrágora", considerada a comédia italiana mais importante do século XVi, tanto pela originalidade temática (que não segue nenhum modelo) como pela elegância dos diálogos, que possibilitam uma visão amarga e crítica dos costumes e vícios de sua época.

Mas o Maquiavel agora em questão é o autor de várias obras político-históricas, sendo a mais célebre "O príncipe", que, se reduzida à sua essência, apregoaria que os fins justificam os meios. Talvez não seja exatamente assim, ou talvez o seja. O fato é que a maioria dos estudiosos não hesita em afirmar que Maquiavel colocava a prática acima da ética, e "O príncipe" seria um modelo imoral de praticar o poder, mas seguido à risca por quase todos os políticos que o criticam.

De qualquer forma, o livro é leitura obrigatória, e como "aperitivo" coloco a seguir um dos capítulos mais interessantes e polêmicos de "O príncipe".


XVII

Da crueldade e da piedade,
e se é melhor ser amado que temido
ou o contrário

Afirmo que todo príncipe deve desejar ser tido por piedoso e não por cruel. No entanto, deve ele tomar cuidado de não fazer um mau uso dessa piedade. César Bórgia foi reputado como cruel; entretanto, a sua dita crueldade reconciliou internamente a Romanha, fê-la coesa, reconduzindo-a a um estado de paz e de fidelidade. Considerando tudo atentamente, veremos que ele foi muito mais piedoso que o povo florentino, o qual, para evitar a fama que advém da crueldade, permitiu a destruição de Pistóia.

Um príncipe, portanto, para poder manter os seus súditos unidos e imbuídos de lealdade, não deve preocupar-se com esta infâmia, já que, com algumas poucas ações exemplares, ele mostrar-se-á mais piedoso do que aqueles que, por uma excessiva comiseração, acabam deixando medrar a desordem da qual derivam as mortes e os latrocínios (os quais, por sua vez, soem depreciar um povo na sua totalidade), ao passo que as execuções por ele ordenadas afetam apenas o particular. E, entre todos os príncipes, é ao novo príncipe que se faz impossível evitar a reputação de cruel, pois que os Estados nascentes vêm sempre repletos de ameaçadores desafios.

Todavia, o príncipe deve ser ponderoso em seus julgamentos e em suas ações, sem temer o seu próprio poder, e proceder de um modo equilibrado, com prudência e benevolência, de sorte que a larga confiança (que nos outros deposita) não faça dele um incauto e que sua excessiva desconfiança não o torne intolerável.

Nasce daí o debate: se é melhor ser amado que temido ou o inverso. Dizem que o ideal seria viver-se em ambas as condições, mas, visto que é difícil acordá-las entre si, muito mais seguro é fazer-se temido que amado, quando se tem de renunciar a uma das duas.

Dos homens, em realidade, pode-se dizer genericamente que eles são ingratos, volúveis e dissimulados, fugidios quando há perigo, e cobiçosos. Enquanto ages em seu benefício, e contanto que a tua necessidade esteja ao longe, todos estão ao teu lado e oferecem-te o seu sangue, os seus bens, as suas vidas e os seus filhos. Ao avizinhar-se, porém, essa necessidade, eles esquivam-se.

Um príncipe que confie intiramente na palavra desses homens, sem prover-se de quaisquer outras garantias, sucumbirá. Isto porque as adesões que obtemos mediante paga e que não nascem do caráter elevado e nobre de cada um, embora nos sejam devidas, com elas não podemos contar, e, nos momentos críticos, delas não nos podemos valer.

E se os homens têm menos receio de conspirar contra aquele que se faz estimar que contra aquele que se faz temer é porque a estima mantêm-se mercê de um compromisso ético, o qual, por serem os homens perversos, sempre vê-se rompido em favor de interesses pessoais, ao passo que o temor está assente sobre um medo de punição que não os abandona jamais.

O príncipe, de todo modo, deverá fazer-se temido, de sorte que, em não granjeando estima, ao menos evitará ser o alvo de ódios; afinal, é perfeitamente possível a um só tempo fazer-se temido sem fazer-se odiado, o que, aliás, ocorrerá sempre que ele se abstiver dos bens dos seus concidadãos e dos seus súditos, bem como das mulheres destes.

E, se ainda precisar atentar contra o sangue de alguém, deverá fazê-lo com uma decorosa justificação e com uma razão manifesta. Mas, sobretudo, deverá ele abster-se dos bens de outrem, visto que os homens não tardam tanto a esquecer a morte de um pai quanto a perda de um patrimônio. Ademais, razões nunca faltam a apoiar um espólio material, e aquele que envereda por um caminho de rapinas encontra sempre uma justificativa para perpetrar suas usurpações. Inversamente, para atentar contra a vida, estas razões fazem-se mais raras e menos duradouras.

Porém, estando um príncipe à frente dos seus exércitos e tendo sob suas ordens uma multidão de soldados, ele não deverá absolutamente preocupar-se em ser reputado cruel, porquanto sem tal reputação jamais se pode manter um exército unido e preparado para qualquer operação. Entre os admiráveis feitos de Aníbal conta o de que, possuindo ele um exército extraordinariamente grande no qual se amalgamavam homens de inúmeras procedências, exército que comandara em batalhas travadas em terras estrangeiras, jamais surgiu no seio deste qualquer dissensão, nem entre os soldados, nem contra o seu comando, nem na advesidade e tampouco na fortuna.

Isso só pôde decorrer da sua inumana crueldade, a qual, a par das suas inúmeras virtudes, fez com que, aos olhos dos seus soldados, ele parecesse sempre venerável e terrível, e sem a qual essas mesmas virtudes não lhe teriam bastado para causar uma tal impressão. Os escritores, pouco conscienciosos nesse particular, por um lado louvam este seu feito; por outro, condenam o seu principal requisito.

Do fato de que as outras virtudes de Aníbal não lhe teriam bastado, podemos nos aperceber num paralelo com Cipião, personagem dos mais invulgares não apenas do seu tempo mas de todos os tempos cuja memória herdamos, ele que teve os seus soldados rebelados na Espanha - o que não derivou de outra coisa senão que da sua demasiada clemência, clemência esta que brindara os seus soldados com uma permissividade incompatível com a disciplina militar.

Daí ele ter sido alvo das reprimendas de Fábio Máximo no Senado, o qual o acusou de corruptor do exército romano. Os locrenses, perfidamente abatidos por um legado de Cipião, por este não foram vingados, nem a insolência do tal legado castigada, tudo isso procedendo da sua natureza complacente. Prova disso é que, em sua defesa, um senador foi à tribuna para dizer que, a exemplo de Cipião, muitos outos homens mais sabiam como não cometer crimes do que punir os crimes cometidos. Esta sua índole teria, com o tempo, maculado o seu nome e o seu prestígio caso, nela inspirado, ele houvesse seguido a decidir dos destinos do Império. Porém, vivendo sob a hegemonia do Senado, esta sua deplorável qualidade tornou-se imperceptível mas reverteu em sua própria glória.

Concluo, pois, retomando o problema do ser temido ou estimado, que, dado que os homens prezam segundo a sua vontade e temem segundo a vontade do príncipe, este, sendo prudente, deverá fundar-se naquilo que respeita ao seu arbítriio, não no que respeita ao arbítrio de outrem. Em suma, terá apenas de proceder de modo a evadir o rancor alheio, como foi dito.

terça-feira, 16 de março de 2010

Núpcias em Tipasa

Albert Camus


Na primavera Tipasa é habitada pelos deuses e os deuses falam no sol, no odor dos absintos, no mar revestido por uma couraça de prata, no céu de um azul inclemente, nas ruínas cobertas de flores e na luz que jorra aos borbotões por entre as pedras amontoadas. Em certas horas o campo fica negro de sol. Os olhos tentam inutilmente perceber outra coisa que não sejam as gotas de luz e as cores que tremem na beira dos cílios. O odor intenso das plantas aromáticas arranha a garganta e sufoca, no calor descomunal. A muito custo, no fundo da paisagem, consigo vuslumbrar a massa escura de Chenoua, que se enraíza nas colinas que circundam a aldeia, estremece com um ritmo seguro e pesado, para ir apagar-se no mar.

Chegamos pela aldeia que se abre sobre a baía. Entramos num mundo amarelo e azul, onde nos acolhe o suspiro perfumado e acre da terra estival da Argélia. Por toda a parte, as buganvílias, de um rosa avermelhado, irrompem do alto do muro das casas de campo; nos jardins, hibiscos de um vermelho ainda pálido, uma profusão de rosas-chá, espessas como um creme, e orlas delicadas de longos íris azuis. Todas as pedras estão quentes. No momento em que descemos do ônibus cor de botão-de-ouro, os açougueiros, em suas carroças vermelhas, fazem o costumeiro giro matinal, e o toque de suas cornetas chama os habitantes.

À esquerda do porto, uma escada de pedras secas leva às ruínas, por entre os lentiscos e as giestas. O caminho passa diante de um pequeno farol, para mergulhar logo depois em pleno campo. A partir desse farol, já se vêem as grandes plantas gordurosas, de flores arroxeadas, amarelas e vermelhas, descendo em direção aos primeiros rochedos, que o mar suga com um rumor de beijos. De pé, ao vento leve, sob o sol que nos aquece um só lado do rosto, contemplamos a luz que baixa do céu, o mar sem uma ruga e o sorriso dos seus dentes resplandecentes. Antes de penetrar no reino das ruínas, somos espectadores pela última vez.

Ao fim de alguns passos, os absintos agarram-se a nossa garganta. Seu pelo cinzento recobre as ruínas a perder de vista. Sua essência fermenta sob o calor, e da terra o sol eleva-se, sobre toda a extensão do mundo, um álcool generoso que faz vacilar o céu. Caminhamos ao encontro do amor e do desejo. Não buscamos lições, nem a amarga filosofia que se exige da grandeza. Além do sol, dos beijos e dos perfumes selvagens, tudo o mais nos parece fútil. Quanto a mim, não procuro estar sozinho nesse lugar. Muitas vezes estive aqui com aqueles que amava, e discernia em seus traços o claro sorriso que neles tomava a face do amor. Deixo a outros a ordem e a medida.

Domina-me por completo a grande libertinagem da natureza e do mar. Nesse casamento de ruínas com a primavera, as ruínas tornaram-se em pedras novamente e, tendo perdido o polimento imposto pelo homem, reintegraram-se na natureza. Para o retorno dessas filhas pródigas, a natureza esbanjou as flores. Por entre as lajes do foro, o heliotrópio introduz a cabeça redonda e branca, e os gerânios vermelhos derramam sangue sobre tudo aquilo que outrora foram casas, templos e praças públicas. Tal como esses homens cuja ciência reconduz a Deus, os muitos anos fizeram retornar as ruínas à morada materna. Hoje, finalmente, seu passado as abandona e nada as distrai dessa força profunda que as leva de novo ao cerne das coisas que declinam.

Quantas horas passadas a esmagar absintos, a acariciar as ruínas, tentando conciliar minha respiração com os tumultuosos suspiros do mundo! Mergulhado entre os perfumes selvagens e os concertos de insetos sonolentos, abro os olhos e o coração à grandiosidade insustentável do céu transbordante de calor. Não é tão fácil tornar-se aquilo que se é, reencontrar nossa medida profunda. Mas, ao contemplar o sólido espinhaço de Chenoua, meu coração aquietava-se com uma estranha certeza. Aprendia a respirar, integrava-se, realizava-me. Ia transpondo, uma após outra, as escostas; e cada uma delas me reservava uma recompensa, como o templo cujas colunas medem o curso solar, e de onde se pode avistar a aldeia inteira, seus muros brancos e rosados e varandas verdes. Como também a basílica sobre a colina leste: ela conservou as paredes e, num enorme raio que a circunda, alinham-se sarcófagos exumados, na maioria recém-saídos da terra, de cuja natureza ainda participam.

Dantes, contiveram mortos; agora, por ali florescem salvinas e mostardas-do-campo. A basílica de Santa Salsa é cristã; no entanto, cada vez que se espreita por uma de suas aberturas, é a melodia do mundo que chega até nós: outeiros plantados de pinheiros e ciprestes, ou então o mar, que rola seus carneiros brancos a uma vintena de metros. A colina onde se ergue a Santa Salsa é achatada no alto e o vento sopra com mais amplidão através de seus pórticos. Sob o sol da manhã, uma grande felicidade balança no espaço.

Bem pobres são aqueles que têm necessidade de mitos! Nesse lugar, no decorrer dos dias, os deuses servem de leito ou de ponto de encontro. Descrevo e digo: "Eis aqui algo que é vermelho, azul ou verde. Isto é o mar. Esta é a montanha. Aquelas são as flores". Por que precisaria falar em Dionísio, para dizer que gosto de esmagar pelotas de lentiscos? E é justamente em homenagem a Deméter o velho hino sobre o qual mais tarde meditarei sem constrangimento: "Feliz o vivente sobre a terra que viu estas coisas". Ver, e ver sobre a terra - como esquecer essa lição? Aos mistérios de Elêusis bastava contemplá-los. Mesmo aqui, sei que jamais me aproximarei suficientemente do mundo. É preciso que eu fique nu e, depois, mergulhe no mar e que, ainda perfumado de essências da terra, possa lavá-las nas águas desse mesmo mar, estreitando em meu corpo o abraço pelo qual suspiram, lábio a lábio, há tão longo tempo, a terra e o mar.

Uma vez dentro d'água, é o sobressalto, a subida de uma viscosidade fria e opaca, depois o mergulho no zumbido dos ouvidos, o nariz a pingar e a boca amarga - o nado, os braços polidos de água, saídos do mar para se dourarem ao sol e de novo abaixados, numa torsão de todos os músculos, a corrida da água sobre meu corpo, a posse tumultuosa da onda pelas minhas pernas - e a ausência de horizonte. Na praia, é a queda na areia, abandonado ao mundo, uma vez mais de volta a meu peso de carne e osso, embrutecido de sol, lançando de longe em longe um olhar para os meus braços, onde as poças de pele seca deixam a descoberto, à medida que a água escorre, a penugem loura e a poeira de sal.

Aqui, compreendo o que se denomina glória: o direito de amar sem medida. Existe apenas um único amor neste mundo. Estreitar um corpo de mulher é também reter de encontro a si essa alegria estranha que desce do céu para o mar. Daqui a pouco, quando me atirar no meio dos absintos, a fim de que seu perfume penetre meu corpo, terei consciência, contra todos os preconceitos, de estar realizando uma verdade que é a do sol e que será também a de minha morte. Em certo sentido, é justamente a minha vida que estou representando aqui, uma vida com sabor de pedra quente, repleta de suspiros do mar e de cigarras, que agora começam a cantar.

Gosto imensamente desta vida e desejo falar sobre ela com liberdade: dá-me o orgulho de minha condição de homem. No entanto, já me foi dito várias vezes: não há nenhum motivo para estar orgulhoso. Mas creio que há muitos: este sol, este mar, meu coração saltando de juventude, meu corpo com sabor de sal e o imenso cenário onde a ternura e a glória se reencontram no amarelo e no verde. É para conquistar tudo isso que peciso aplicar minha força e meus recursos. Tudo aqui me deixa intacto, não abandono nada de mim mesmo, não me revisto de máscara alguma: basta-me aprender pacientemente a difícil ciência de viver, que equivale muito bem a todo savoir vivre que tentaram desiludir-me.

Um pouco antes do meio-dia, retornamos através das ruínas, em direção a um pequeno bar à beira do porto. Com a cabeça ainda retinindo dos címbalos do sol e das cores, que bem-vinda a frescura dessa sala cheia de sombra e do copo de menta, verde e gelada! Lá fora, o mar e o caminho ardente de poeira. Sentado à mesa, tento prender entre meus cílios, que se agitam, o deslumbramento multicolorido do céu branco de calor. Com o rosto molhado de suor, mas com o corpo fresco no leve tecido que nos veste, todos ostentamos a bem-aventurada lassidão de um dia de núpcias com o mundo.

Come-se mal neste bar. Mas há muitas frutas - sobretudo pêssegos, que comemos às mordidelas, o sumo a escorrer-nos pelo queixo. Com os dentes cravados no pêssego, escuto as pancadas violentas de meu sangue a subir até os ouvidos, enquanto meus olhos vão absorvendo tudo o que vêem. Sobre o mar, o silêncio enorme do meio-dia. Todo ser belo tem orgulho natural de sua beleza, e o mundo, hoje, deixa seu orgulho destilar por todos os poros. Diante dele, por que haveria de negar a alegria de viver, se conheço a maneira de não encerrar tudo nessa mesma alegria de viver? Não há vergonha alguma em ser feliz.

Atualmente, porém, o imbecil é rei e, para mim, imbecil é aquele que tem medo de gozar. Tem-se falado muito no orgulho: vocês o conhecem, é o pecado de Satã. Clamava-se: Cuidado! Vós vos perdereis e às vossas forças vivas. Desde então, com efeito, aprendi que um certo orgulho...Mas em outros momentos não consigo evitar a reivindicação deste orgulho de viver que o mundo inteiro conspira para dar-me. Em Tipasa, ver equivale a crer, e não me obstino em negar aquilo que a minha mão pode tocar e que meus lábios podem acariciar. Não sinto a necessidade de transformar tudo numa obra de arte, mas sim de narrar o que é diferente.

Tipasa surge diante de mim como essas personagens que descrevemos quando indiretamente desejamos dar significado a um determinado ponto de vista sbre o mundo. Tal como elas, Tipasa testemunha, fazendo-o virilmente. Hoje, ela é a minha personagem; e tenho a impressão de que, ao acariciá-la e descrevê-la, minha exaltação será interminável. Há um tempo para viver e um tempo para testemunhar a vida. Também existe um tempo para criar, o que é menos natural. Basta-me viver com todo o meu corpo e testemunhar com todo o meu coração. Viver Tipasa, testemunhar, e a obra de arte virá em seguida. Existe nisto uma espécie de liberdade.

Jamais permaneci mais de um dia em Tipasa. Chega sempre um instante em que já olhamos demais para uma paisagem, do mesmo modo que é preciso muito tempo para que a vejamos o bastante. As montanhas, o céu e o mar são como rostos cuja aridez ou esplendor se descobrem à força de olhar em vez de ver. Mas todo rosto, para ser eloqüente, deve sofrer certa renovação. Queixamo-nos de nos fatigar depressa demais, quando seria necessário que nos admirássemos de que o mundo nos pareça sempre novo, apenas por ter sido esquecido.

Ao entardecer, encaminhei-me para uma zona mais bem tratada do parque, toda ajardinada, situada à beira da estrada nacional. Ali, ao sair do tumulto dos perfumes e do sol, no ar agora refrescado pela tarde, o espírito se acalmava e o corpo, distendido, saboreava o silêncio interior que nasce do amor satisfeito. Sentei-me num banco. Olhava o campo arredondar-se com o dia. Sentia-me saciado. Sobre mim, uma romãzeira deixava pender os botões de suas flores, cerrados e cheios de nervuras como pequeninos punhos fechados que contivessem toda a esperança da primavera. Havia alecrim, detrás do meu banco, mas eu percebia apenas o perfume de álcool.

Colinas emolduravam-se entre as árvores e, mais longe ainda, um debrum de mar por cima do qual o céu, como vela enfunada, repousava toda a sua ternura. Sentia em meu coração uma estranha alegria, a mesm que nasce da consciência tranqüila. Existe um sentimento que os atores experimentam ao terem consciência de haver cumprido bem seu papel, isto é, no sentido mais preciso, de terem feito coincidir seus gestos com os da pesonagem ideal que encarnam, de terem conseguido penetrar, de certa forma, num desenho elaborado com antecedência e que eles subitamente fizeram viver e pulsar com seu próprio coração. Era exatamente essa sensação que eu experimentava: representara bem o meu papel. Desempenhara minha tarefa de homem, e o fato de ter conhecido a alegria durante toda uma longa jornada não era para mim um êxito exepcional, mas apenas a realização comovida de uma condição que, em certas circunstâncias, faz com que a felicidade seja um dever para nós. Assim reencontramos uma solidão. Dessa vez, porém, na plenitude.

Neste momento as árvores estão povoadas de pássaros. A terra suspira lentamente antes de entrar na sombra. Daqui a pouco, com a primeira estrela, a noite cairá sobre o cenário do mundo. Os deuses resplandescentes do dia retornarão à sua morte cotidiana. Mas outros deuses virão. E então, para serem mais sombrias, suas faces devastadas nascerão no coração da terra.

Enquanto isso, a incessante eclosão das vagas sobre a areia chegava até mim através de um grande espaço, onde bailava um pólen dourado. Mar, campo, silêncio, perfumes desta terra, fartava-me de uma vida olorosa e mordia a polpa do fruto já dourado do mundo, perturbado por sentir seu sumo adocicado e espesso escorrendo pelos meus lábios. Não, não era eu que importava, nem o mundo, mas apenas a harmonia e o silêncio que, vindo dele até mim, fazia nascer o amor. Amor que não tinha a fraqueza de reivindicar para mim só, consciente e orgulhoso de compartilhá-lo com uma raça inteira, nascida do sol e do mar, cheia de vida e de encanto, que alcança a grandeza através de sua simplicidade e que, de pé nas praias, dirige um sorriso cúmplice aos sorriso deslumbrante de seus céus.