Teatro/CRÍTICA
"Amores, perdas e meus vestidos"
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Memória de múltiplos afetos
Lionel Fischer
"Escrevi este livro para que minhas netas soubessem que não fui sempre a avó delas, e achei que eram histórias particulares, mas parece que são histórias comuns para outras mulheres também. É ainda uma oportunidade para homens compreenderem um pouco melhor o universo feminino".
Este trecho, extraído do release que me foi enviado, exibe as premissas básicas que levaram Ilene Beckerman a escrever "Amores, perdas e meus vestidos", levado à cena pelas irmãs Delia e Norah Ephron, cabendo registrar que, ao contrário do que ocorre aqui, na montagem norte-americana as atrizes fazem uma leitura dramatizada do texto.
Em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Fernanda Montenegro), "Amores, perdas e meus vestidos" chega à cena com adaptação de Adriana Falcão, direção de Alexandre Reinecke e elenco formado por Arlete Salles, Carolina Ferraz, Ivone Hoffmann e Taís Araújo.
Como também consta do release, estamos diante de mulheres que "dividem experiências de vida a partir das memórias das suas roupas". E aqui reside o grande achado do texto, pois se tudo se resumisse a conjecturas sobre vestidos, bolsas ou sapatos, o interesse ficaria restrito às mulheres.
No entanto, a lembrança dos objetos está intimamente ligada à memória de múltiplos afetos, anseios, encontros e desencontros de várias naturezas. Assim, o que está realmente em causa são os sentimentos, e nisto consiste o maior mérito desta peça sensível e surpreendente, quase sempre muito engraçada, ainda que contendo algumas passagens amargas.
Como todos sabemos, é literalmente impossível definir uma mulher. Mas se tivesse que fazê-lo, ousaria dizer o seguinte: acredito que toda mulher é uma criatura ao mesmo tempo divertida e trágica, insolente e delicada, frágil e transgressora, que jamais pode ser totalmente apreendida, já que está sempre em permanente processo de mutação, sejam quais forem seus amores, perdas ou vestidos ...- trata-se, naturalmente, de uma singela opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos.
Mas vamos adiante. Como não li o original, não tenho condições de avaliar a adaptação de Adriana Falcão. Mas, conhecendo seus muitos trabalhos, não reluto em acreditar que seja ótima. E no que se refere à encenação, Alexandre Reineck criou uma montagem que, mesmo mantendo quase sempre uma estrutura confessional, cativa totalmente a platéia. E isto se deve, fundamentalmente, à sua ótima atuação junto ao elenco.
Estamos diante de quatro atrizes que, embora de idades variadas, possuem vasta experiência e carreiras extremamente bem-sucedidas. Arlete Salles, extraordinária comediante, demonstra aqui não apenas o óbvio - seu maravilhoso tempo de comédia - mas também sua capacidade de impor tragicidade ao momento mais tocante do espetáculo, quando sua personagem relata sua experiência ao saber que tinha um câncer de mama. Sem dúvida, uma performance inesquecível.
Ivone Hoffmann, tão experiente quanto Arlete, também convence plenamente em todos os momentos, cabendo ressaltar a empatia que estabelece com o público através da forma como narra e vivencia os fatos relativos à sua personagem.
Carolina Ferraz, cuja beleza sugere a de alguém que não é deste mundo - talvez seja oriunda de Vênus, a primeira estrela - exibe atuação impecável, evidenciando não apenas o que dela já conhecemos (presença, carisma, forte personalidade etc.), mas um senso de humor absolutamente irresistível.
Quanto a Taís Araújo, cuja gravidez a tornou ainda mais charmosa - se é que isso é possível -, a atriz demonstra segurança, ótimo trabalho corporal e sensível capacidade de impor nuances às suas múltiplas participações.
No tocante à equipe técnica, destacamos com grande entusiasmo a criativa cenografia de Theodoro Cochrane, também responsável pelos sóbrios e adequados figurinos. A mesma criatividade se faz presente na iluminação de Aurélio de Simoni e na trilha sonora de Alexandre Elias.
AMORES, PERDAS E MEUS VESTIDOS - Texto de Delia e Norah Ephron, inspirado no livro de Ilene Beckerman. Adaptação de Adriana Falcão. Direção de Alexandre Reinecke. Com Arlete Salles, Carolina Ferraz, Ivone Hoffmmann e Taís Araújo. Teatro do Leblon (Sala Fernanda Montenegro). Quinta, 21h. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Teatro/CRÍTICA
"Barba Azul, a esperança das mulheres"
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Texto confuso e prolixo
Lionel Fischer
"A partir da fábula do Barba Azul a dramaturga alemã Dea Loher apresenta seu olhar sobre as experiências amorosas no mundo de hoje. Na peça, o Barba Azul chama-se Henrique, um homem comum, morador de uma grande cidade que trabalha como vendedor de sapatos femininos. Ao longo da narrativa nosso anti-herói vive encontros amorosos com sete mulheres diferentes: Júlia, seu primeiro amor; Ana, uma amiga; uma mulher Cega; Judite, a insone; Tânia, a prostituta; Eva, a mulher que casou sete vezes; e Cristiana, a audaciosa. A partir desses encontros, como num caleidoscópio de imagens, o espectador assiste a fragilidade, a solidão e o descaminho de pessoas que circulam pelas grandes cidades. A peça é uma fábula cômica que aponta os traços ainda pouco explorados da sensibilidade feminina na contemporaneidade".
O trecho acima, que consta do release que me foi enviado, é a sinopse da peça. E sua leitura sugere que o espectador não terá maiores dificuldades para apreender os conteúdos propostos pela autora, já que não constitui nenhuma novidade a fragilidade, a solidão e o descaminho de pessoas que circulam pelas grandes cidades. Mas não é exatamente o que ocorre e muito menos podemos encarar o texto como uma fábula cômica que aponta traços ainda pouco explorados da sensibilidade feminina na contempporaneidade. Ao longo das linhas que se seguem, tentarei justificar minha opinião, ressaltando, como sempre, que trata-se apenas de uma opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos.
Em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, "Barba azul, a esperança das mulheres" chega à cena com tradução de Carola Saavedra, direção de Fábio Ferreira e elenco formado por Márcio Vito, Raquel Iantas, Marcelle Sampaio, Teresa Hermany, Mona Vilardo e Laura Becker.
A primeira questão em relação ao texto é a seguinte: por que o dito sapateiro mata as mulheres? Trata-se de um serial killer? De um psicopata que não consegue refrear seus impulsos assassinos? Se assim fosse, teríamos que conhecer suas patológicas motivações. Mas como não chegamos a conhecê-las, é possível que a autora tenha se valido do protagonista apenas como uma espécie de metáfora da violência contemporânea. Ou o tenha criado por razões que não cheguei a compreender - poderia, evidentemente, formular dezenas de conjecturas, mas nenhuma delas seria fruto de uma real sensação por mim vivida enquanto assistia ao espetáculo.
Quanto aos traços ainda pouco explorados da sensibilidade feminina na contemporaneidade, que traços seriam esses? Os que me foram exibidos, já os vi em dezenas de peças ou filmes, portanto nada têm de "pouco explorados". A única diferença fica por conta da forma que a autora elegeu para materializá-los, quase sempre partindo de uma situação gratuita e injustificada. Ainda assim, cabe reconhecer a pertinência de algumas observações, mas estas acabam perdendo sua eventual contundência em face da extensão do texto e de sua confusa estrutura narrativa.
Em resumo: trata-se de uma obra que só consegue ser assistida com um mínimo de interesse graças à encenação de Fábio Ferreira, ao trabalho do elenco e de toda a equipe técnica. Sendo um excelente diretor, Fábio Ferreira impõe à cena uma dinâmica sombria e expressiva, valendo-se de marcas em sintonia com o contexto - quanto aos eventuais momentos cômicos, eles de fato existem, mas são em quantidade mínima se comparados ao tom geral da montagem. E todo o elenco defende com vigor e sensibilidade os personagens que interpretam, a mesma eficiência presente nos trabalhos da equipe técnica - Fábio Ferreira (cenografia), Ticiana Passos (figurinos), José Luis Rinaldi (direção musical), Renato Machado (iluminação) e Marcelle Sampaio (preparação corporal).
BARBA AZUL, A ESPERANÇA DAS MULHERES - Texto de Dea Loher. Direção de Fábio Ferreira. Com Márcio Vito, Raquel Iantas, Marcelle Sampaio, Teresa Hermany, Mona Vilardo e Laura Becker. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Barba Azul, a esperança das mulheres"
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Texto confuso e prolixo
Lionel Fischer
"A partir da fábula do Barba Azul a dramaturga alemã Dea Loher apresenta seu olhar sobre as experiências amorosas no mundo de hoje. Na peça, o Barba Azul chama-se Henrique, um homem comum, morador de uma grande cidade que trabalha como vendedor de sapatos femininos. Ao longo da narrativa nosso anti-herói vive encontros amorosos com sete mulheres diferentes: Júlia, seu primeiro amor; Ana, uma amiga; uma mulher Cega; Judite, a insone; Tânia, a prostituta; Eva, a mulher que casou sete vezes; e Cristiana, a audaciosa. A partir desses encontros, como num caleidoscópio de imagens, o espectador assiste a fragilidade, a solidão e o descaminho de pessoas que circulam pelas grandes cidades. A peça é uma fábula cômica que aponta os traços ainda pouco explorados da sensibilidade feminina na contemporaneidade".
O trecho acima, que consta do release que me foi enviado, é a sinopse da peça. E sua leitura sugere que o espectador não terá maiores dificuldades para apreender os conteúdos propostos pela autora, já que não constitui nenhuma novidade a fragilidade, a solidão e o descaminho de pessoas que circulam pelas grandes cidades. Mas não é exatamente o que ocorre e muito menos podemos encarar o texto como uma fábula cômica que aponta traços ainda pouco explorados da sensibilidade feminina na contempporaneidade. Ao longo das linhas que se seguem, tentarei justificar minha opinião, ressaltando, como sempre, que trata-se apenas de uma opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos.
Em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, "Barba azul, a esperança das mulheres" chega à cena com tradução de Carola Saavedra, direção de Fábio Ferreira e elenco formado por Márcio Vito, Raquel Iantas, Marcelle Sampaio, Teresa Hermany, Mona Vilardo e Laura Becker.
A primeira questão em relação ao texto é a seguinte: por que o dito sapateiro mata as mulheres? Trata-se de um serial killer? De um psicopata que não consegue refrear seus impulsos assassinos? Se assim fosse, teríamos que conhecer suas patológicas motivações. Mas como não chegamos a conhecê-las, é possível que a autora tenha se valido do protagonista apenas como uma espécie de metáfora da violência contemporânea. Ou o tenha criado por razões que não cheguei a compreender - poderia, evidentemente, formular dezenas de conjecturas, mas nenhuma delas seria fruto de uma real sensação por mim vivida enquanto assistia ao espetáculo.
Quanto aos traços ainda pouco explorados da sensibilidade feminina na contemporaneidade, que traços seriam esses? Os que me foram exibidos, já os vi em dezenas de peças ou filmes, portanto nada têm de "pouco explorados". A única diferença fica por conta da forma que a autora elegeu para materializá-los, quase sempre partindo de uma situação gratuita e injustificada. Ainda assim, cabe reconhecer a pertinência de algumas observações, mas estas acabam perdendo sua eventual contundência em face da extensão do texto e de sua confusa estrutura narrativa.
Em resumo: trata-se de uma obra que só consegue ser assistida com um mínimo de interesse graças à encenação de Fábio Ferreira, ao trabalho do elenco e de toda a equipe técnica. Sendo um excelente diretor, Fábio Ferreira impõe à cena uma dinâmica sombria e expressiva, valendo-se de marcas em sintonia com o contexto - quanto aos eventuais momentos cômicos, eles de fato existem, mas são em quantidade mínima se comparados ao tom geral da montagem. E todo o elenco defende com vigor e sensibilidade os personagens que interpretam, a mesma eficiência presente nos trabalhos da equipe técnica - Fábio Ferreira (cenografia), Ticiana Passos (figurinos), José Luis Rinaldi (direção musical), Renato Machado (iluminação) e Marcelle Sampaio (preparação corporal).
BARBA AZUL, A ESPERANÇA DAS MULHERES - Texto de Dea Loher. Direção de Fábio Ferreira. Com Márcio Vito, Raquel Iantas, Marcelle Sampaio, Teresa Hermany, Mona Vilardo e Laura Becker. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Teatro/CRÍTICA
"Besame mucho"
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Amor, humor e amargura no Sesc
Lionel Fischer
Como se sabe, toda causa gera um efeito. Aqui, no entanto, nos deparamos primeiro com os efeitos e só aos poucos vamos conhecendo as causas. O ano é o de 1982. Xico e Olga estão se separando - ele conquistou fama como escritor, mas é ela, socióloga, quem escreve seus textos; e ao longo dos últimos tempos só conseguem ter relações sexuais de dois em dois meses. Já Tuca e Dina não fazem outra coisa a não ser transar - e tal prodígio só se tornou possível a partir do momento em que ela se vestiu como Marilyn Monroe, disparando um processo em que as relações sexuais do casal só se materializam através de infindáveis fantasias.
Nascidos na mesma cidade do interior paulista, os personagens se conhecem desde a infância. E à medida que a peça retorna no tempo, até 1962, vamos tomando conhecimento não apenas de suas histórias particulares, mas também das muitas influências que sobre elas tiveram alguns dos principais fatos ocorridos num período de grande repressão política, social, religiosa e sexual.
Eis, em resumo, o enredo de "Besame mucho", de Mário Prata, grande sucesso teatral nos anos 80. Em cartaz no Espaço Sesc, a montagem leva a assinatura de Roberto Bomtempo e tem elenco formado por Leandro Baumgratz (Xico), Janaina Moura (Olga), Rafael Sardão (Tuca) e Ana Paula Sant'Anna (Dina).
Definida pelo autor como uma comédia romântica, a peça não deixa de sê-lo, na medida em que tem no amor um de seus temas centrais - talvez até mesmo o principal. No entanto, seu maior mérito é o de mostrar a influência do meio sobre os indivíduos, não raro sobrepujando suas expectativas e determinando escolhas não previstas. E se é verdade que o humor predomina em grande parte do texto, isto não exclui passagens impregnadas de dor, decepção e amargura.
Contendo ótimos personagens, um diálogo sempre fluente e abordando questões marcantes do período em que transcorre a ação, "Besame mucho" recebeu excelente versão cênica de Roberto Bomtempo, cabendo destacar a criativa dinâmica cênica, a ótima utilização dos vídeos editados por Édipo Ferraz e a capacidade do diretor de extrair atuações irrepreensíveis do elenco.
Neste particular, voltamos a constatar o óbvio: este país pode carecer de tudo, menos de excelentes intérpretes. E no presente caso, cumpre ressaltar que não estamos diante de atores já consagrados, que saem em capas de revista ou protagonizam novelas de TV. No entanto, e embora ainda bem jovens, todos vêm construindo sólida trajetória no teatro, ainda que eventualmente realizem trabalhos em outros campos. Assim, só resta parabenizar Ana Paula Sant'Anna, Janaina Moura, Leandro Baumgratz e Rafael Sardão pela excelência de suas performances, e a todos desejar que continuem acreditando que o teatro, como o define Peter Brook, é "a arte do encontro".
Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo os trabalhos de Fernanda Guimarães (preparação corporal), Renato Machado (iluminação), Joana Seibel (figurinos), Roberto Bomtempo (cenografia e trilha sonora) e Alexandre Lino (direção de arte).
BESAME MUCHO - Texto de Mário Prata. Direção de Roberto Bomtempo. Com Janaina Moura, Ana Paula Sant'Anna, Leandro Baumgratz e Rafael Sardão. Espaço Sesc. Quinta e domingo, 20h; sexta e sábado, 21h30.
"Besame mucho"
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Amor, humor e amargura no Sesc
Lionel Fischer
Como se sabe, toda causa gera um efeito. Aqui, no entanto, nos deparamos primeiro com os efeitos e só aos poucos vamos conhecendo as causas. O ano é o de 1982. Xico e Olga estão se separando - ele conquistou fama como escritor, mas é ela, socióloga, quem escreve seus textos; e ao longo dos últimos tempos só conseguem ter relações sexuais de dois em dois meses. Já Tuca e Dina não fazem outra coisa a não ser transar - e tal prodígio só se tornou possível a partir do momento em que ela se vestiu como Marilyn Monroe, disparando um processo em que as relações sexuais do casal só se materializam através de infindáveis fantasias.
Nascidos na mesma cidade do interior paulista, os personagens se conhecem desde a infância. E à medida que a peça retorna no tempo, até 1962, vamos tomando conhecimento não apenas de suas histórias particulares, mas também das muitas influências que sobre elas tiveram alguns dos principais fatos ocorridos num período de grande repressão política, social, religiosa e sexual.
Eis, em resumo, o enredo de "Besame mucho", de Mário Prata, grande sucesso teatral nos anos 80. Em cartaz no Espaço Sesc, a montagem leva a assinatura de Roberto Bomtempo e tem elenco formado por Leandro Baumgratz (Xico), Janaina Moura (Olga), Rafael Sardão (Tuca) e Ana Paula Sant'Anna (Dina).
Definida pelo autor como uma comédia romântica, a peça não deixa de sê-lo, na medida em que tem no amor um de seus temas centrais - talvez até mesmo o principal. No entanto, seu maior mérito é o de mostrar a influência do meio sobre os indivíduos, não raro sobrepujando suas expectativas e determinando escolhas não previstas. E se é verdade que o humor predomina em grande parte do texto, isto não exclui passagens impregnadas de dor, decepção e amargura.
Contendo ótimos personagens, um diálogo sempre fluente e abordando questões marcantes do período em que transcorre a ação, "Besame mucho" recebeu excelente versão cênica de Roberto Bomtempo, cabendo destacar a criativa dinâmica cênica, a ótima utilização dos vídeos editados por Édipo Ferraz e a capacidade do diretor de extrair atuações irrepreensíveis do elenco.
Neste particular, voltamos a constatar o óbvio: este país pode carecer de tudo, menos de excelentes intérpretes. E no presente caso, cumpre ressaltar que não estamos diante de atores já consagrados, que saem em capas de revista ou protagonizam novelas de TV. No entanto, e embora ainda bem jovens, todos vêm construindo sólida trajetória no teatro, ainda que eventualmente realizem trabalhos em outros campos. Assim, só resta parabenizar Ana Paula Sant'Anna, Janaina Moura, Leandro Baumgratz e Rafael Sardão pela excelência de suas performances, e a todos desejar que continuem acreditando que o teatro, como o define Peter Brook, é "a arte do encontro".
Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo os trabalhos de Fernanda Guimarães (preparação corporal), Renato Machado (iluminação), Joana Seibel (figurinos), Roberto Bomtempo (cenografia e trilha sonora) e Alexandre Lino (direção de arte).
BESAME MUCHO - Texto de Mário Prata. Direção de Roberto Bomtempo. Com Janaina Moura, Ana Paula Sant'Anna, Leandro Baumgratz e Rafael Sardão. Espaço Sesc. Quinta e domingo, 20h; sexta e sábado, 21h30.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Sotigui Kouyaté
4 perguntas de Egrégora*
De origem africana, Sotigui Kouyaté é griot e ator de teatro e cinema. Os griots são músicos, cantores e contadores de história, mas, sobretudo, mestres da palavra. Sábios genealogistas, itinerantes ou fixos, isto é, ligados a determinadas famílias tradicionais, na África do Oeste, os griots têm função fundamental na conservação e transmissão da história. No passado, foram conselheiros dos reis e, ainda hoje, são mediadores no estabelecimento da calma e do equilíbrio entre os indivíduos. Existem mais de cem famílias de griots e os Kouyaté foram os primeiros a surgir, no século XI.
Como ator, além de ter participado de inúmeros filmes, Sotigui Kouyaté colabora, há vinte anos, com o trabalho do encenador inglês Peter Brook na companhia Théâtre des Bouffes du Nord, na França. Entre 2002 e 2003, Sotigui ministrou três workshops no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde desenvolveu um trabalho sobre a sensibilidade, a atenção e a escuta do ator. Apesar de viver numa cidade européia, Sotigui Souyaté mantém forte ligação com sua terra, sua cultura e sua tradição, o que se evidencia não apenas no seu discurso, mas também na sua prática artística que não separa vida e arte: "A vida não é uma coisa e o teatro outra. Os dois devem estar colados, andar juntos, fazer sentido juntos".
Egrégora: os ensinamentos que você nos passou estão ligados a uma prática de iniciação ao conhecimento que existe na África. Seu trabalho está estruturado, principalmente, sobre a sensibilidade, sobre a empatia, em detrimento da técnica. Você poderia falar um pouco sobre isso?
Sotigui: Certamente. Eu acredito que cada coisa na vida tem um início. E que o próprio início tem antes um começo que chamamos princípio. Esse princípio é onde cada coisa nasce, e pode ser chamado de raiz. Na minha cultura, que é africana, mais precisamente malinké, (1), minha etnia, nós pensamos com convicção que a primeira alma dos seres é uma árvore. E a árvore tem uma raiz que lhe permite se fixar profundamente na terra. Para que um homem esteja em equilíbrio, dizemos: "Plante seus pés na terra!". Logo, os seres começam por suas raízes. Em todas as coisas, mesmo para uma casa, a base é essencial, pois a casa não se constrói de cima para baixo, mas de baixo para cima.
Essa base é o que chamamos de fundação. Uma casa precisa de uma fundação sólida para que se erga firme e possa suportar o peso de outros andares sobre ela. É por isso que sempre digo às pessoas para concentrarem sua busca mais em si mesmas e menos no exterior. É o interior que dá lugar ao exterior. Partimos do interior, nossa gestação é feita na interioridade antes de se exteriorizar.
Ora, o mundo de hoje está na superficialidade do exterior e esquecemos que o essencial vem do fundo ou do mais profundo de nós mesmos, que são as forças reais que formam a base da nossa existência: nossa cultura. Minha primeira cultura é a minha língua, é ela que me identifica. Em todas as coisas eu penso que o essencial interiormente é a sensibilidade, cuja importância o mundo não reconhece mais, por isso ela está em falta.
Pouco a pouco nos afastamos uns dos outros, isto é, estamos menos sensíveis uns aos outros. O individualismo, o isolamento, o eu ganharam espaço sobre nós. Se existe algum lugar onde há a possibilidade de troca, é na arte, qualquer que seja a sua natureza, pois nela ainda temos o direito de olhar, o direito de falar. Nos dias de hoje, a palavra perdeu seu valor, em vários sentidos. Se não existe o pensamento, o espírito e a palavra, nós não somos humanos...e a palavra, ultimamente, perdeu o seu lugar.
O trabalho no teatro, que temos a sorte de praticar, possibilita uma abertura em nome da palavra, e depende de nós fazermos bom uso dela, seja nos espetáculos teatrais ou nas sessões de contação de histórias. As pessoas vêm para escutar, num mundo onde não há mais escuta. Não se pode falar em troca quando não há comunicação. E não há comunicação possível sem encontros, os quais não são possíveis sem uma verdadeira escuta.
No teatro, as pessoas vão ao encontro umas das outras e de si mesmas, para aprender algo onde há uma verdadeira troca. Sem a sensibilidade nada disso seria possível. As escolas de teatro não são ruins, mas o aluno quando chega já traz consigo uma base à qual elas não podem ser superiores, mas que, ao contrário, devem completar. Assim, a técnica, no meu ponto de vista, é feita para nos ajudar a canalizar, a veicular aquilo que já trazemos conosco e que ela não pode substituir.
Se amanhã você precisar dirigir pessoas, eu aconselharia a fazer seus atores trabalharem na sensibilidade e sobre o tema da sensibilidade. E se você tiver que formar alunos, fale da técnica, fale de tudo, mas fale da sensibilidade. Dê exercícios que os obriguem a prestar atenção no outro, a perceber o outro. É isto a sensibilidade. Ser sensível é não se esquecer de si mesmo na procura de escutar o que se passa fora. Resumindo bem...é isto.
Sabemos que você ministra workshops no mundo inteiro e imaginamos que eles se desenvolvem diversamente segundo cada cultura. Este é o segundo trabalho que você desenvolve com atores brasileiros. Quais são suas impressões a respeito?
É verdade, eu tive a sorte, a honra e o privilégio de ministrar workshps praticamente no mundo inteiro. Ná África, dizemos que o sábio não é aquele que acha que sabe e sim aquele sabe verdadeiramente, honestamente, que cada dia terá algo a aprender com outra pessoa. Desde que cheguei no Brasil eu aprendi muito, sinceramente, e continuo aprendendo. Estou descobrindo o Brasil.
Há dezesseis anos recusei uma proposta de workshop aqui e, no entanto, nos últimos quatro anos já é a terceira vez que venho. Enfim, é uma situação que fala por si mesma. Aqui eu me sinto como na África, onde existe calor humano, onde o ser humano está no núcleo de toda a arte. Um teatro que não tem o homem no seu centro é um crime. Existem países europeus, e isso não é uma crítica, porque eu não critico, só digo o que vejo, eu conto o que vejo, sou um griot, um homem da palavra, então, existem lugares onde as crianças estão separadas dos adultos.
Na África, as crianças participam de tudo, elas crescem com uma liberdade corporal, uma liberdade de espírito, uma abertura que eu pude perceber também aqui, desde minha primeira vinda em 2000. Já é alguma coisa quando as crianças estão bem presentes. Elas são a esperança, o futuro de um país; se as afastamos durante muito tempo da nossa convivência, como, um dia, lhes diremos que é a sua vez de tomarem as rédeas? Eu acho que dar uma atenção particular às crianças é cultural, é um valor que nunca se pode perder.
Hoje existem pessoas doentes por toda parte, por exemplo, você paga um dinheiro para falar a alguém que está sentado e te escuta. Na verdade, a força do psicanalista está na escuta que ele te oferece. Na África, estamos doentes por outros motivos, mas damos importância capital aos encontros e toda a nossa sabedoria vem desta direção. Pois é através deles que aprendemos e nos educamos.
Dizemos que o estrangeiro é um homem rico porque ele nos traz aquilo que não sabemos. Tradicionalmente, todas as noites ele conversa com a família, todos à sua volta lhe fazem perguntas sobre o lugar de onde ele vem, como é, se é bom ou ruim. Na África, acreditamos que o pior mal é a ignorância, isto é, não saber o que se passa com os outros. Temos provérbios que nos ensinam a não nos perdermos no olhar do outro. Olhar, olhar bem para nos encontrarmos no olhar do outro.
Dessa maneira, veremos que há mais coisas que nos aproximam do que coisas que nos afastam, e que podemos encontrar nas outras pessoas todas as nossas qualidades, e caminhar em direção ao melhor de nós mesmos. Daí, mais uma vez, a importãncia e a necessidade dos encontros. Se tomamos um país como o Brasil, que é um país de encontros, um país de misturas, o que há de mais rico do que isso? As pessoas vêm de todos os lugares, se misturam, se mestiçam, que riqueza se colocarmos juntas todas essas fortunas!
Qual a necessidade de ir procurar em outro lugar? É de outros lugares que se deve vir procurar aqui onde tudo está reagrupado. Aqui no Brasil eu não venho com a pretensão de dar, mas de receber. Eu me enriqueço vindo aqui. Existe uma maior disponibilidade dos atores brasileiros em comparação aos atores europeus, uma maior disponibilidade corporal, uma maior disponibilidade intencional.
No Brasil, os atores são muito mais livres do que em certos países onde tudo é muito controlado. Uma pessoa aprisionada não pode nada, ela precisa de liberdade de comportamento, liberdade de falar, liberdade de agir. Eu não estou falando de sistemas de organização legislativa ou política, estou falando do povo; este é um povo livre em seu corpo, em seus movimentos e em seus atos. Os atores brasileiros são muito mais simples do que os atores europeus sempre tomados pela racionalidade, e esta disponibilidade corporal e de espírito é uma qualidade rara.
É visível a influência dos ensinamentos africanos na vida e na obra de Peter Brook. Você freqüentemente menciona fatos muito importantes, relacionados ao encontro pessoal e profissional com ele. Como acontece essa troca artística e humana entre vocês dois?
O nome Kouyaté simboliza a fidelidade e a verdade e é em nome dessa fidelidade que eu fui passar um ano em Paris e acabei ficando vinte. Um irmão a gente não escolhe, mas um amigo sim. Assim, nossa amizade se baseia em duas coisas: o respeito e a confiança. Ele diz que eu dei muita coisa pra ele. É verdade. Mas ninguém dá nada sem receber...O que possibilitou nossa aliança foi que ele soube apreciar e respeitar o que tenho em mim e vice-versa. Nas nossas diferenças, nós nos completamos.
Eu não diria que foi nosso encontro que abriu certas portas a Brook. Ele é um pesquisador, alguém que está à procura; esta é uma qualidade que ele sempre teve. Nós temos a mesma iniciativa em relação aos encontros. Eles fazem parte da minha tradição e foram a preocupação de Brook mesmo antes de ele criar o Centro Internacional de Pesquisas Teatrais.
Primeiramente ele foi ao encontro de outros povos para se enriquecer, depois criou o Centro. Brook compreendeu que, nas diferenças, encontramos os caminhos da complementação, o que também define o espírito da civilização africana. Assim, Brook e eu
tivemos um encontro, fizemos uma aliança de seres que não estão em contradição, soubemos valorizar um ao outro com o maior respeito. Na relação de colaboração, não existem grandes e pequenos, é preciso saber se respeitar e estabelecer a confiança entre as partes.
____________________
(1) Os malinké foram, entre a Idade Média e a era colonial, um povo de guerreiros conquistadores, e são considerados, ainda hoje, os maiores comerciantes da África do Oeste, em regiões da Guiné, Senegal, Mali e Costa do Marfim.
* A Egrégora é formada por Ana Achcar, Anna Wiltgen, Fernanda Azevedo, Isaac Bernat, Joice Niskier e Paulo Pontvianne. A organização, os cortes e a tradução da entrevista foram realizados por Anna Aachcar e Anna Wiltgen. Esta entrevista foi feita em agosto de 2003.
A presente entrevista, aqui um pouco reduzida, foi extraída da revista "Folhetim", nº 19/2004.
4 perguntas de Egrégora*
De origem africana, Sotigui Kouyaté é griot e ator de teatro e cinema. Os griots são músicos, cantores e contadores de história, mas, sobretudo, mestres da palavra. Sábios genealogistas, itinerantes ou fixos, isto é, ligados a determinadas famílias tradicionais, na África do Oeste, os griots têm função fundamental na conservação e transmissão da história. No passado, foram conselheiros dos reis e, ainda hoje, são mediadores no estabelecimento da calma e do equilíbrio entre os indivíduos. Existem mais de cem famílias de griots e os Kouyaté foram os primeiros a surgir, no século XI.
Como ator, além de ter participado de inúmeros filmes, Sotigui Kouyaté colabora, há vinte anos, com o trabalho do encenador inglês Peter Brook na companhia Théâtre des Bouffes du Nord, na França. Entre 2002 e 2003, Sotigui ministrou três workshops no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde desenvolveu um trabalho sobre a sensibilidade, a atenção e a escuta do ator. Apesar de viver numa cidade européia, Sotigui Souyaté mantém forte ligação com sua terra, sua cultura e sua tradição, o que se evidencia não apenas no seu discurso, mas também na sua prática artística que não separa vida e arte: "A vida não é uma coisa e o teatro outra. Os dois devem estar colados, andar juntos, fazer sentido juntos".
Egrégora: os ensinamentos que você nos passou estão ligados a uma prática de iniciação ao conhecimento que existe na África. Seu trabalho está estruturado, principalmente, sobre a sensibilidade, sobre a empatia, em detrimento da técnica. Você poderia falar um pouco sobre isso?
Sotigui: Certamente. Eu acredito que cada coisa na vida tem um início. E que o próprio início tem antes um começo que chamamos princípio. Esse princípio é onde cada coisa nasce, e pode ser chamado de raiz. Na minha cultura, que é africana, mais precisamente malinké, (1), minha etnia, nós pensamos com convicção que a primeira alma dos seres é uma árvore. E a árvore tem uma raiz que lhe permite se fixar profundamente na terra. Para que um homem esteja em equilíbrio, dizemos: "Plante seus pés na terra!". Logo, os seres começam por suas raízes. Em todas as coisas, mesmo para uma casa, a base é essencial, pois a casa não se constrói de cima para baixo, mas de baixo para cima.
Essa base é o que chamamos de fundação. Uma casa precisa de uma fundação sólida para que se erga firme e possa suportar o peso de outros andares sobre ela. É por isso que sempre digo às pessoas para concentrarem sua busca mais em si mesmas e menos no exterior. É o interior que dá lugar ao exterior. Partimos do interior, nossa gestação é feita na interioridade antes de se exteriorizar.
Ora, o mundo de hoje está na superficialidade do exterior e esquecemos que o essencial vem do fundo ou do mais profundo de nós mesmos, que são as forças reais que formam a base da nossa existência: nossa cultura. Minha primeira cultura é a minha língua, é ela que me identifica. Em todas as coisas eu penso que o essencial interiormente é a sensibilidade, cuja importância o mundo não reconhece mais, por isso ela está em falta.
Pouco a pouco nos afastamos uns dos outros, isto é, estamos menos sensíveis uns aos outros. O individualismo, o isolamento, o eu ganharam espaço sobre nós. Se existe algum lugar onde há a possibilidade de troca, é na arte, qualquer que seja a sua natureza, pois nela ainda temos o direito de olhar, o direito de falar. Nos dias de hoje, a palavra perdeu seu valor, em vários sentidos. Se não existe o pensamento, o espírito e a palavra, nós não somos humanos...e a palavra, ultimamente, perdeu o seu lugar.
O trabalho no teatro, que temos a sorte de praticar, possibilita uma abertura em nome da palavra, e depende de nós fazermos bom uso dela, seja nos espetáculos teatrais ou nas sessões de contação de histórias. As pessoas vêm para escutar, num mundo onde não há mais escuta. Não se pode falar em troca quando não há comunicação. E não há comunicação possível sem encontros, os quais não são possíveis sem uma verdadeira escuta.
No teatro, as pessoas vão ao encontro umas das outras e de si mesmas, para aprender algo onde há uma verdadeira troca. Sem a sensibilidade nada disso seria possível. As escolas de teatro não são ruins, mas o aluno quando chega já traz consigo uma base à qual elas não podem ser superiores, mas que, ao contrário, devem completar. Assim, a técnica, no meu ponto de vista, é feita para nos ajudar a canalizar, a veicular aquilo que já trazemos conosco e que ela não pode substituir.
Se amanhã você precisar dirigir pessoas, eu aconselharia a fazer seus atores trabalharem na sensibilidade e sobre o tema da sensibilidade. E se você tiver que formar alunos, fale da técnica, fale de tudo, mas fale da sensibilidade. Dê exercícios que os obriguem a prestar atenção no outro, a perceber o outro. É isto a sensibilidade. Ser sensível é não se esquecer de si mesmo na procura de escutar o que se passa fora. Resumindo bem...é isto.
Sabemos que você ministra workshops no mundo inteiro e imaginamos que eles se desenvolvem diversamente segundo cada cultura. Este é o segundo trabalho que você desenvolve com atores brasileiros. Quais são suas impressões a respeito?
É verdade, eu tive a sorte, a honra e o privilégio de ministrar workshps praticamente no mundo inteiro. Ná África, dizemos que o sábio não é aquele que acha que sabe e sim aquele sabe verdadeiramente, honestamente, que cada dia terá algo a aprender com outra pessoa. Desde que cheguei no Brasil eu aprendi muito, sinceramente, e continuo aprendendo. Estou descobrindo o Brasil.
Há dezesseis anos recusei uma proposta de workshop aqui e, no entanto, nos últimos quatro anos já é a terceira vez que venho. Enfim, é uma situação que fala por si mesma. Aqui eu me sinto como na África, onde existe calor humano, onde o ser humano está no núcleo de toda a arte. Um teatro que não tem o homem no seu centro é um crime. Existem países europeus, e isso não é uma crítica, porque eu não critico, só digo o que vejo, eu conto o que vejo, sou um griot, um homem da palavra, então, existem lugares onde as crianças estão separadas dos adultos.
Na África, as crianças participam de tudo, elas crescem com uma liberdade corporal, uma liberdade de espírito, uma abertura que eu pude perceber também aqui, desde minha primeira vinda em 2000. Já é alguma coisa quando as crianças estão bem presentes. Elas são a esperança, o futuro de um país; se as afastamos durante muito tempo da nossa convivência, como, um dia, lhes diremos que é a sua vez de tomarem as rédeas? Eu acho que dar uma atenção particular às crianças é cultural, é um valor que nunca se pode perder.
Hoje existem pessoas doentes por toda parte, por exemplo, você paga um dinheiro para falar a alguém que está sentado e te escuta. Na verdade, a força do psicanalista está na escuta que ele te oferece. Na África, estamos doentes por outros motivos, mas damos importância capital aos encontros e toda a nossa sabedoria vem desta direção. Pois é através deles que aprendemos e nos educamos.
Dizemos que o estrangeiro é um homem rico porque ele nos traz aquilo que não sabemos. Tradicionalmente, todas as noites ele conversa com a família, todos à sua volta lhe fazem perguntas sobre o lugar de onde ele vem, como é, se é bom ou ruim. Na África, acreditamos que o pior mal é a ignorância, isto é, não saber o que se passa com os outros. Temos provérbios que nos ensinam a não nos perdermos no olhar do outro. Olhar, olhar bem para nos encontrarmos no olhar do outro.
Dessa maneira, veremos que há mais coisas que nos aproximam do que coisas que nos afastam, e que podemos encontrar nas outras pessoas todas as nossas qualidades, e caminhar em direção ao melhor de nós mesmos. Daí, mais uma vez, a importãncia e a necessidade dos encontros. Se tomamos um país como o Brasil, que é um país de encontros, um país de misturas, o que há de mais rico do que isso? As pessoas vêm de todos os lugares, se misturam, se mestiçam, que riqueza se colocarmos juntas todas essas fortunas!
Qual a necessidade de ir procurar em outro lugar? É de outros lugares que se deve vir procurar aqui onde tudo está reagrupado. Aqui no Brasil eu não venho com a pretensão de dar, mas de receber. Eu me enriqueço vindo aqui. Existe uma maior disponibilidade dos atores brasileiros em comparação aos atores europeus, uma maior disponibilidade corporal, uma maior disponibilidade intencional.
No Brasil, os atores são muito mais livres do que em certos países onde tudo é muito controlado. Uma pessoa aprisionada não pode nada, ela precisa de liberdade de comportamento, liberdade de falar, liberdade de agir. Eu não estou falando de sistemas de organização legislativa ou política, estou falando do povo; este é um povo livre em seu corpo, em seus movimentos e em seus atos. Os atores brasileiros são muito mais simples do que os atores europeus sempre tomados pela racionalidade, e esta disponibilidade corporal e de espírito é uma qualidade rara.
É visível a influência dos ensinamentos africanos na vida e na obra de Peter Brook. Você freqüentemente menciona fatos muito importantes, relacionados ao encontro pessoal e profissional com ele. Como acontece essa troca artística e humana entre vocês dois?
O nome Kouyaté simboliza a fidelidade e a verdade e é em nome dessa fidelidade que eu fui passar um ano em Paris e acabei ficando vinte. Um irmão a gente não escolhe, mas um amigo sim. Assim, nossa amizade se baseia em duas coisas: o respeito e a confiança. Ele diz que eu dei muita coisa pra ele. É verdade. Mas ninguém dá nada sem receber...O que possibilitou nossa aliança foi que ele soube apreciar e respeitar o que tenho em mim e vice-versa. Nas nossas diferenças, nós nos completamos.
Eu não diria que foi nosso encontro que abriu certas portas a Brook. Ele é um pesquisador, alguém que está à procura; esta é uma qualidade que ele sempre teve. Nós temos a mesma iniciativa em relação aos encontros. Eles fazem parte da minha tradição e foram a preocupação de Brook mesmo antes de ele criar o Centro Internacional de Pesquisas Teatrais.
Primeiramente ele foi ao encontro de outros povos para se enriquecer, depois criou o Centro. Brook compreendeu que, nas diferenças, encontramos os caminhos da complementação, o que também define o espírito da civilização africana. Assim, Brook e eu
tivemos um encontro, fizemos uma aliança de seres que não estão em contradição, soubemos valorizar um ao outro com o maior respeito. Na relação de colaboração, não existem grandes e pequenos, é preciso saber se respeitar e estabelecer a confiança entre as partes.
____________________
(1) Os malinké foram, entre a Idade Média e a era colonial, um povo de guerreiros conquistadores, e são considerados, ainda hoje, os maiores comerciantes da África do Oeste, em regiões da Guiné, Senegal, Mali e Costa do Marfim.
* A Egrégora é formada por Ana Achcar, Anna Wiltgen, Fernanda Azevedo, Isaac Bernat, Joice Niskier e Paulo Pontvianne. A organização, os cortes e a tradução da entrevista foram realizados por Anna Aachcar e Anna Wiltgen. Esta entrevista foi feita em agosto de 2003.
A presente entrevista, aqui um pouco reduzida, foi extraída da revista "Folhetim", nº 19/2004.
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Santo Agostinho
(354-430)
Santo Agostinho foi um escritor extraordinário, intelectual formidável, e o mosaico de gênios aqui proposto não pode dispensá-lo, apesar de todo o meu constrangimento. Agostinho defendia a dispersão dos judeus, e não o seu extermínio, mas foi também o primeiro teórico da Inquisição, segundo o biógrafo oficial, Peter Brown. Atualmente, muitos leitores das duas obras mais célebres de Agostinho - Confissões e A cidade de Deus - pendem a uma reação ambivalente, a não ser os crentes dogmáticos.
Garry Wills, em recente estudo sucinto, sugere, com perspicácia, o emprego de Testemunho, em lugar de Confissões, a fim de evitar implicações que, de maneira equivocada, remetam à noção de "confissões verdadeiras". Infelizmente, a estratégia não funciona; as referências a Testemunho, no estudo de Wills, irritam o leitor, já familiarizado com o título original. O tema de Agostinho é a formação de um cristão, conquanto sua história transcenda o que a maioria dos norte-americanos hoje chama "conversão" a Cristo.
A originalidade de Agostinho é responsável pela invenção da autobiografia, mas eu não depositaria ali o seu gênio. O pensamento é impossível sem a memória, e a memória, em sua consciência ampla, pode muito bem depender da leitura. Ainda hoje, Agostinho oferece mais reflexão sobre a memória do que qualquer outro estudioso, e talvez continue a ser o melhor professor de Leitura.
Sobrecarrega-me um pouco tal afirmação, pois prezo Samuel Johnson e Ralph Waldo Emerson, e não gosto de Agostinho, mas ele foi o primeiro grande leitor, na concepção de fendida por Johnson e Emerson, e, de certo modo, ainda é o mais apto, descontando-se sua tendenciosidade, comparável a Freud, embora em direção oposta.
Em uma voga que só agora começa a chegar ao fim, temos sofrido a imposição de "teóricos" da leitura um tanto enfadonhos. Agostinho é apresentado por Brian Stock como o teórico que proveu os fundamentos de uma cultura baseada na leitura, o que me parece irrefutável. Grande parte do entendimento a que pude chegar sobre a minha própria obsessão pela leitura e pela memória advém de Agostinho (às vezes, a contragosto).
Começo com Virgílio, pois em Virgílio tem início Agostinho, que sempre interagiu com o poeta romano. Embora criativa, a leitura que Dante fez de Virgílio foi distorcida. Mas Agostinho leu Virgílio corretamente, o que produz uma fascinante curiosidade: o Virgílio de Dante é agostianiano, mas o Virgílio de Agostinho, absolutamente não o é. Tanto para Agostinho quanto para Dante, Virgílio é o predecessor idealizado (no caso de Agostinho, confundido, estranhamente, com Santo Ambrósio), mas Virgílio não foi o verdadeiro precursor literário nem do bispo africano, nem do poeta florentino.
No caso de Dante, tal figura seria um misto do humanista Brunetto Latini e do poeta florentino Guido Cavalcanti. Para Agostinho, os verdadeiros precursores foram os neoplatonistas Plotino e Porfírio, ambos tendo rejeitado Cristo. Virgílio, conforme já observei, viveu à sombra de Homero e, mais ainda, de Lucrécio. Agostinho leu Lucrécio e, como seria de se esperar, detestava-o, mas fascina-me a noção de Lucrécio não ter estado disponível a Dante, cuja reação à leitura de Lucrécio seria a fúria.
Embora Agostinho, ao lado de Ambrósio e Jerônimo, tenha se tornado um dos "fundadores da Idade Média", conforme os chamou E.K.Rand, é importante ter mente o fato de que o bispo-teólogo começou a carreira em função do que hoje chamamos professor de literatura, e seu texto primordial era Virgílio, assim como o nosso texto central são as obras completas de Shakespeare.
Agostinho inebriava-se nas palavras, sempre fascinado por linguagem figurada, embora, com o passar do tempo, só aprovasse o uso desse tipo de linguagem na Bíblia. Mais até do que Dante (sempre um político, mesmo no exílio), Agostinho era um homem de letras, uma personalidade literária antes mesmo de se tornar figura-chave da Igreja ocidental. Agostinho, o teólogo, pouco me interessa aqui, conquanto salientar-lhe a acuidade psicológica e a perspicácia literária signifique, igualmente, invocar-lhe a originalidade espiritual, mesmo que a aspereza dessa espiritualidade dificulte a sua aceitação.
Os estudos da consciência, Agostinho, com efeito, iniciou com Plotino, mas rompeu, decisivamente, com o neoplatonismo ao entender o autoconhecimento como resultado da memória, e não da intuição. Vemos a nós mesmos, como um processo de continuidade, através do exercício de recriação ensejada pela memória: a autobiografia é, praticamente, inconcebível sem a memória, o que, em grande parte, constitui uma descoberta agostiniana.
Virgílio, presença contínua para Agostinho, da infância à velhice, contribuiu, implicitamente, para essa formulação do papel da memória na construção da consciência individual. Contudo, para Virgílio, e para o Enéas por ele criado, memória implicava nostalgia, ou pesadelo. Virgílio é, por assim dizer, um aperitivo da insistência de Nietzche de que a dor é mais memorável do que o prazer.
Para Agostinho, até o esquecimento constitui parte vital da memória, pois torna-se um mito cristão da memória, no qual as três forças da alma refletem, em nós, a Trindade e sua unidade misteriosa. A noção de "entendimento" foi herdada da filosofia clássica, mas a "vontade" agostiniana, assim como a "memória", é criação de Agostinho, por mais surpreendente que a asserção possa parecer.
Todavia, para se revalorizar a memória, é preciso modificar a visão que se tem do intelecto, e, para Agostinho, o que une a memória a intelecto é a vontade de Deus, atuando na alma como o princípio paulino de caritas, o amor do deus criador por suas criaturas, homens e mulheres. A memória, conforme reiterado nas Confissões, é o agente por meio do qual as outras forças da alma são forjadas à imagem de Deus. Apresento aqui uma amostra das Confissões, Livro 10:
É prodigiosa a força da memória, meu Deus. É um santuário vasto, imensurável. Quem pode sondar-lhe as profundezas? Todavia, é uma faculdade da minha própria alma. Embora seja parte da minha natureza, não consigo entender tudo o que sou...
Chegamos a denominá-la, a memória, mente...
A força da memória é grande, Ó Senhor. É assombrosa, em sua complexidade profunda e incalculável. No entanto, é a minha própria mente: sou eu mesmo. O que, então, sou eu, meu Deus? Qual a minha natureza? Uma vida sempre a variar, cheia de mudanças, dotada de imensa força. As vastas planícies da minha memória e suas inúmeras cavernas e vales estão repletas de incontáveis elementos, de todos os tipos...
Mas em que parte da minha memória estás presente, Ó Senhor? Que cela construíste para ti em minha memória?
Estavas no meu interior, e eu, no mundo exterior. Procurei por ti no mundo exterior e embora desvirtuado, deparei-me com as tuas adoráveis criações. Estavas comigo, mas eu não estava contigo...
Está implícita, nos trechos anteriormente citados, a transição, quase invisível, da memória à vontade, processo denomidado conversão. Não somos capazes de recordar todo o conteúdo da nossa memória, e o que somos mais propensos a esquecer é a felicidade de ter conhecimento de Deus. A memória é força mais poderosa do que o eu, até que eu chegue à seguinte percepção: "Estavas comigo, mas eu não estava contigo". A vontade de conhecer Deus supera a fraqueza que nos faz dele esquecermos. Tal fraqueza envolve um mistério a ela relacionado - o tempo:
O que, então, é o tempo? Sei muito bem , desde que ninguém me pergunte; porém, se perguntado, ao tentar explicar, fico perplexo.
Não podemos entender a eternidade, pois a nossa linguagem está inserida no tempo, e, portanto, como poderemos definir, precisamente, a natureza do tempo? O tempo presente é apenas uma ficção de permanência, um poema, ou um conto; todavia, tudo o que sabemos do passado ou do futuro está contido nesse poema, ou conto, à medida que o escrevemos.
Não vejo a Trindade no trecho notável a seguir, ao contrário de Garry Wills, mas lembro-me dessas palavras sempre que recito um poema em voz alta, o que significa que, embora descrente, penso em Agostinho várias vezes todos os dias, pois quem mais teve essa percepção com respeito à experiência interior de recitar um poema que se tem na memória?
Suponhamos que eu vá recitar um salmo, de memória. No momento incicial, a minha capacidade de expectativa é tomada pela totalidade do salmo. Após ter iniciado, os trechos do salmo por mim removidos da esfera da expectativa, previamente relegados ao passado, passam a ocupar a minha memória, e o escopo da ação por mim sendo realizada é dividido entre as duas faculdades, da memória e da expectativa, uma olhando, em retrospectiva, para o trecho já citado, a outra contemplando o trecho que ainda falta ser recitado.
Mas a faculdade da atenção está presente o tempo todo, e, através dela, aquilo que era futuro flui para o passado. À medida que o fenômeno prossegue, a esfera da memória estende-se, na proporção em que a esfera da expectativa se retrai, até a expectativa ser totalmente absorvida. Isso ocorre no momento em que concluo a recitação, e tudo já fluiu para a esfera da memória.
O que vale para o salmo, como um todo, vale também para as partes, e para cada sílaba. Vale para qualquer ação de caráter mais demorado da qual eu me ocupe e na qual a recitação do salmo represente apenas uma pequena parte. Vale para a vida inteira de um homem, na qual todas as suas ações fazem parte. Vale para toda a História da humanidade, da qual a vida de cada homem faz parte. (Confissões, Livro 11,28)
___________________
Fragmento extraído do livro "Gênio", de Harold Bloom. Editora Objetiva.
(354-430)
Santo Agostinho foi um escritor extraordinário, intelectual formidável, e o mosaico de gênios aqui proposto não pode dispensá-lo, apesar de todo o meu constrangimento. Agostinho defendia a dispersão dos judeus, e não o seu extermínio, mas foi também o primeiro teórico da Inquisição, segundo o biógrafo oficial, Peter Brown. Atualmente, muitos leitores das duas obras mais célebres de Agostinho - Confissões e A cidade de Deus - pendem a uma reação ambivalente, a não ser os crentes dogmáticos.
Garry Wills, em recente estudo sucinto, sugere, com perspicácia, o emprego de Testemunho, em lugar de Confissões, a fim de evitar implicações que, de maneira equivocada, remetam à noção de "confissões verdadeiras". Infelizmente, a estratégia não funciona; as referências a Testemunho, no estudo de Wills, irritam o leitor, já familiarizado com o título original. O tema de Agostinho é a formação de um cristão, conquanto sua história transcenda o que a maioria dos norte-americanos hoje chama "conversão" a Cristo.
A originalidade de Agostinho é responsável pela invenção da autobiografia, mas eu não depositaria ali o seu gênio. O pensamento é impossível sem a memória, e a memória, em sua consciência ampla, pode muito bem depender da leitura. Ainda hoje, Agostinho oferece mais reflexão sobre a memória do que qualquer outro estudioso, e talvez continue a ser o melhor professor de Leitura.
Sobrecarrega-me um pouco tal afirmação, pois prezo Samuel Johnson e Ralph Waldo Emerson, e não gosto de Agostinho, mas ele foi o primeiro grande leitor, na concepção de fendida por Johnson e Emerson, e, de certo modo, ainda é o mais apto, descontando-se sua tendenciosidade, comparável a Freud, embora em direção oposta.
Em uma voga que só agora começa a chegar ao fim, temos sofrido a imposição de "teóricos" da leitura um tanto enfadonhos. Agostinho é apresentado por Brian Stock como o teórico que proveu os fundamentos de uma cultura baseada na leitura, o que me parece irrefutável. Grande parte do entendimento a que pude chegar sobre a minha própria obsessão pela leitura e pela memória advém de Agostinho (às vezes, a contragosto).
Começo com Virgílio, pois em Virgílio tem início Agostinho, que sempre interagiu com o poeta romano. Embora criativa, a leitura que Dante fez de Virgílio foi distorcida. Mas Agostinho leu Virgílio corretamente, o que produz uma fascinante curiosidade: o Virgílio de Dante é agostianiano, mas o Virgílio de Agostinho, absolutamente não o é. Tanto para Agostinho quanto para Dante, Virgílio é o predecessor idealizado (no caso de Agostinho, confundido, estranhamente, com Santo Ambrósio), mas Virgílio não foi o verdadeiro precursor literário nem do bispo africano, nem do poeta florentino.
No caso de Dante, tal figura seria um misto do humanista Brunetto Latini e do poeta florentino Guido Cavalcanti. Para Agostinho, os verdadeiros precursores foram os neoplatonistas Plotino e Porfírio, ambos tendo rejeitado Cristo. Virgílio, conforme já observei, viveu à sombra de Homero e, mais ainda, de Lucrécio. Agostinho leu Lucrécio e, como seria de se esperar, detestava-o, mas fascina-me a noção de Lucrécio não ter estado disponível a Dante, cuja reação à leitura de Lucrécio seria a fúria.
Embora Agostinho, ao lado de Ambrósio e Jerônimo, tenha se tornado um dos "fundadores da Idade Média", conforme os chamou E.K.Rand, é importante ter mente o fato de que o bispo-teólogo começou a carreira em função do que hoje chamamos professor de literatura, e seu texto primordial era Virgílio, assim como o nosso texto central são as obras completas de Shakespeare.
Agostinho inebriava-se nas palavras, sempre fascinado por linguagem figurada, embora, com o passar do tempo, só aprovasse o uso desse tipo de linguagem na Bíblia. Mais até do que Dante (sempre um político, mesmo no exílio), Agostinho era um homem de letras, uma personalidade literária antes mesmo de se tornar figura-chave da Igreja ocidental. Agostinho, o teólogo, pouco me interessa aqui, conquanto salientar-lhe a acuidade psicológica e a perspicácia literária signifique, igualmente, invocar-lhe a originalidade espiritual, mesmo que a aspereza dessa espiritualidade dificulte a sua aceitação.
Os estudos da consciência, Agostinho, com efeito, iniciou com Plotino, mas rompeu, decisivamente, com o neoplatonismo ao entender o autoconhecimento como resultado da memória, e não da intuição. Vemos a nós mesmos, como um processo de continuidade, através do exercício de recriação ensejada pela memória: a autobiografia é, praticamente, inconcebível sem a memória, o que, em grande parte, constitui uma descoberta agostiniana.
Virgílio, presença contínua para Agostinho, da infância à velhice, contribuiu, implicitamente, para essa formulação do papel da memória na construção da consciência individual. Contudo, para Virgílio, e para o Enéas por ele criado, memória implicava nostalgia, ou pesadelo. Virgílio é, por assim dizer, um aperitivo da insistência de Nietzche de que a dor é mais memorável do que o prazer.
Para Agostinho, até o esquecimento constitui parte vital da memória, pois torna-se um mito cristão da memória, no qual as três forças da alma refletem, em nós, a Trindade e sua unidade misteriosa. A noção de "entendimento" foi herdada da filosofia clássica, mas a "vontade" agostiniana, assim como a "memória", é criação de Agostinho, por mais surpreendente que a asserção possa parecer.
Todavia, para se revalorizar a memória, é preciso modificar a visão que se tem do intelecto, e, para Agostinho, o que une a memória a intelecto é a vontade de Deus, atuando na alma como o princípio paulino de caritas, o amor do deus criador por suas criaturas, homens e mulheres. A memória, conforme reiterado nas Confissões, é o agente por meio do qual as outras forças da alma são forjadas à imagem de Deus. Apresento aqui uma amostra das Confissões, Livro 10:
É prodigiosa a força da memória, meu Deus. É um santuário vasto, imensurável. Quem pode sondar-lhe as profundezas? Todavia, é uma faculdade da minha própria alma. Embora seja parte da minha natureza, não consigo entender tudo o que sou...
Chegamos a denominá-la, a memória, mente...
A força da memória é grande, Ó Senhor. É assombrosa, em sua complexidade profunda e incalculável. No entanto, é a minha própria mente: sou eu mesmo. O que, então, sou eu, meu Deus? Qual a minha natureza? Uma vida sempre a variar, cheia de mudanças, dotada de imensa força. As vastas planícies da minha memória e suas inúmeras cavernas e vales estão repletas de incontáveis elementos, de todos os tipos...
Mas em que parte da minha memória estás presente, Ó Senhor? Que cela construíste para ti em minha memória?
Estavas no meu interior, e eu, no mundo exterior. Procurei por ti no mundo exterior e embora desvirtuado, deparei-me com as tuas adoráveis criações. Estavas comigo, mas eu não estava contigo...
Está implícita, nos trechos anteriormente citados, a transição, quase invisível, da memória à vontade, processo denomidado conversão. Não somos capazes de recordar todo o conteúdo da nossa memória, e o que somos mais propensos a esquecer é a felicidade de ter conhecimento de Deus. A memória é força mais poderosa do que o eu, até que eu chegue à seguinte percepção: "Estavas comigo, mas eu não estava contigo". A vontade de conhecer Deus supera a fraqueza que nos faz dele esquecermos. Tal fraqueza envolve um mistério a ela relacionado - o tempo:
O que, então, é o tempo? Sei muito bem , desde que ninguém me pergunte; porém, se perguntado, ao tentar explicar, fico perplexo.
Não podemos entender a eternidade, pois a nossa linguagem está inserida no tempo, e, portanto, como poderemos definir, precisamente, a natureza do tempo? O tempo presente é apenas uma ficção de permanência, um poema, ou um conto; todavia, tudo o que sabemos do passado ou do futuro está contido nesse poema, ou conto, à medida que o escrevemos.
Não vejo a Trindade no trecho notável a seguir, ao contrário de Garry Wills, mas lembro-me dessas palavras sempre que recito um poema em voz alta, o que significa que, embora descrente, penso em Agostinho várias vezes todos os dias, pois quem mais teve essa percepção com respeito à experiência interior de recitar um poema que se tem na memória?
Suponhamos que eu vá recitar um salmo, de memória. No momento incicial, a minha capacidade de expectativa é tomada pela totalidade do salmo. Após ter iniciado, os trechos do salmo por mim removidos da esfera da expectativa, previamente relegados ao passado, passam a ocupar a minha memória, e o escopo da ação por mim sendo realizada é dividido entre as duas faculdades, da memória e da expectativa, uma olhando, em retrospectiva, para o trecho já citado, a outra contemplando o trecho que ainda falta ser recitado.
Mas a faculdade da atenção está presente o tempo todo, e, através dela, aquilo que era futuro flui para o passado. À medida que o fenômeno prossegue, a esfera da memória estende-se, na proporção em que a esfera da expectativa se retrai, até a expectativa ser totalmente absorvida. Isso ocorre no momento em que concluo a recitação, e tudo já fluiu para a esfera da memória.
O que vale para o salmo, como um todo, vale também para as partes, e para cada sílaba. Vale para qualquer ação de caráter mais demorado da qual eu me ocupe e na qual a recitação do salmo represente apenas uma pequena parte. Vale para a vida inteira de um homem, na qual todas as suas ações fazem parte. Vale para toda a História da humanidade, da qual a vida de cada homem faz parte. (Confissões, Livro 11,28)
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Fragmento extraído do livro "Gênio", de Harold Bloom. Editora Objetiva.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Conferência para Zurique
Adolphe Appia
O Misantropo estava sendo representado e, para marcar a pouca importância do ambiente histórico em relação a uma ação tão puramente humana e para, simultaneamente, valorizar ao máximo os personagens, o salão de Celimena era figurado por simples tapeçarias; somente os figurinos, já simplificados, e os móveis, igualmente muito sóbrios, denunciavam a época contemporânea de Molière.
Minha vizinha, visivelmente chocada, murmurava: "Que idéia maluca a de Celimena, arrumar o apartamento deste jeito!". Esta é, parece-me, a perfeita atitude do espectador realista, aquele que quer ver os lugares da ação como cada um os veria se fosse transportado até lá. Personalidades muito refinadas partilham esta opinião; seria importante buscar sua origem, sua fonte profunda, antes de condená-la. Afinal, esta atitude pode ser justificada e o idealismo cênico provavelmente não é para qualquer um.
Em primeiro lugar, a encenação é uma obra, uma arte em si, cuja noção pode ser circunscrita antes de qualquer aplicação? Tem uma existência independente que se trataria simplesmente de adaptar a cada nova peça? Definitivamente, a encenação é a maneira empregada pelas pessoas de teatro para apresentar a nossos olhos uma ação dramática; ela não é nem mesmo uma técnica adotada de forma regular e é a ação dramática que a condiciona: sem esta ação, a encenação é uma noção vazia de sentido; ela não é nada, rigorosamente falando, nada mesmo.
Ora, nossa definição inclui uma incógnita: nossos olhos, cujas exigências variáveis não poderiam ser inteiramente nem implicitamente previstas pelo texto da peça (com ou sem música); o que equivale a dizer que a encenação se encarrega dos elementos que a peça não contém para oferecer-se a nossos olhos. Se, portanto, a ação dramática é a condição da encenação, em contrapartida, são nossos olhos que determinam a encenação e recriam-na; neste sentido, podemos afirmar que nós é que somos a encenação e que, sem nós, a peça não passa de algo escrito; nós somos, portanto, responsáveis por ela e temos o direito de criticar sua exata conveniência, visto que não admitimos ser desfigurados por ela...
A questão assume assim um novo aspecto. Trata-se de saber primeiramente quem somos nós em vista do texto dramático. Não é a peça que devemos interrogar em primeiro lugar, mas a nós mesmos! Este ponto de vista pode parecer novo, no entanto é velho como o mundo. O que é surpreendente é que seja necessário chamar nossa atenção para ele.
Quando servimo-nos do microscópio, modificamos a posição das lentes segundo nossa vista e não segundo a natureza dos objetos que desejamos observar. No teatro acontece o mesmo: a peça nos é dada e cabe-nos adaptarmo-nos a ela. A encenação consiste justamente nesta adaptação.
O mundo exterior não atinge nossos olhos sempre da mesma maneira. Podemos considerá-lo como um espetáculo exterior a nós mesmos: é o que se chama "olhar"; ou então ele penetra em nós à nossa revelia e mescla-se à vida de nossa alma onde exerce, sem nosso conhecimento, uma influência mais ou menos titânica que, por sua vez, é modificada por nossa disposição de momento.
São dois extremos entre os quais oscila nossa visão das coisas e dos seres; um é a maneira realista de observar, o outro a maneira ideal de sentir através da visão. Se, portanto, segundo nossa última definição, somos e queremos ser os criadores da encenação para tal ou tal peça, devemos começar por interrogar-nos sobre o objeto que perseguimos no teatro e sobre aquilo que viemos solicitar-lhe ao entrar na sala de espetáculos.
Pedimos à arte dramática, ao autor da peça, que apresente-nos a vida como um espetáculo que será simplesmente observado - como a natureza para o cientista - ou queremos, no teatro, identificar-nos com os personagens e neles nos encontrar? A emoção dramática é feita de curiosidade e das satisfações que esta oferece ou da simpatia e dos movimentos da alma que ela ocasiona?
Talvez ainda não tenhamos percebido, mas todo o problema da encenação está aqui formulado e sua resolução depende da nossa...Vou mais longe e afirmo que nossa arte dramática como um todo depende do espectador, quer dizer, da qualidade de sua visão.
O espectador! Será que ele é o mesmo em toda parte? Ele é uma entidade? Nosso internacionalismo nivelaria até mesmo a arte dramática? Pode parecer assim àquele que só considera a peça representada, mas vimos que esta não é o primeiro termo do problema da encenação e que não é ela que determina a representação, mas nós.
O gosto por uma ficção, seja ela qual for, é comum a toda a humanidade. Os medrosos e os que desprezam o teatro satisfazem este gosto através da leitura, através das belas artes às quais a imaginação dá vida, ou através de mil outros procedimentos tidos por honestos e morais e cujo verdadeiro alcance escapa-lhes à consciência inquieta. Os que são sinceros confessam seu invencível desejo de sair de si mesmos para se enriquecerem com a visão de espetáculos que a vida cotidiana não lhes oferece: paixões e sofrimentos pelos quais não eram obrigados a sofrer, felicidades e triunfos que os elevam acima de sua mediania rotineira, em uma palavra, ficção animada e representada por seres que são nossos semelhantes.
Mas o prazer dramático é função de reações; um russo e um javanês reagem de formas diferentes, assim como um italiano e um parisiense, ou um turco e um escandinavo etc.; o espetáculo que seu desejo solicita e que eles têm que criar por si - como vimos - será, portanto, muito diferente para cada um deles.
O interesse que um europeu demonstra por um espetáculo do extremo oriente não tem nada em comum com o que os nativos experimentam; um espanhol e um escocês vêem uma tourada com olhos diferentes; um norueguês e um florentino reagem de forma distinta diante de um drama de Ibsen. O internacionalismo ainda não alterou o gênio das raças nem a influência dos climas; não há, felizmente, nada a fazer com a produção artística; o internacionalismo, sem dúvida, facilita sua difusão mas, apesar das aparências, não toca na criação, visto que ele é, por sua essência, industrial.
Se, portanto, por um lado, somos espectadores, os criadores da encenação, por outro, o gênio próprio de cada raça determina a forma do espetáculo, o que chamaremos de forma representativa. E como esta forma inspira e determina, por sua vez, a forma que o autor dramático escolherá, a cadeia parece ininterrupta.
Ora, não é nada disto o que acontece atualmente. As pessoas de teatro conhecem os hábitos de rebanho de seu público e descansam sobre isto. Suportamos sem reclamar a contínua violência que eles perpetram contra nosso bom-senso, nosso gosto, nossa necessidade de harmonia e de justas conveniências estéticas, portanto, contra nossa dignidade e toleramos em cena o que jamais nossas exposições, concertos e conferências ousariam apresentar sem provocar uma explosão de revolta.
E mais: suportamos que imponham-nos uma arte dramática e cênica em total desacordo com nossos atavismos e nosso gênio. Como poderíamos saber quem somos em relação ao teatro e o que dele esperamos? Como o dramaturgo, o encenador poderiam conhecer nossos verdadeiros desejos e satisfazê-los? Colocamo-nos fora da questão e perdemos o direito à crítica, visto que sequer sabemos o que desejamos.
O internacionalismo no teatro é a morte da arte dramática; ele não poderia atingir a obra de arte, dissemos, mas ele seca a fonte de onde ela brota e a responsabilidade por esta perda recai totalmente sobre nós, os espectadores. Será que não teríamos o direito à greve? Não nos faltaria coragem para exercê-lo caso tivéssemos a menor noção das reivindicações a serem feitas! Os autores dramáticos procuram em vão junto a nós sugestões que lhes são indispensáveis e sem as quais eles se lançam no internacionalismo destrutor.
Em resumo: a encenação, por si só, não é nada. É o espectador quem a cria e, através dela, inspira e determina a produção dramática. Em conseqüência, tratar da encenação é observar a nós mesmos a este respeito e tentar distinguir em nosso foro íntimo a origem de nosso gosto pela arte dreamática e a forma que seria conveniente dar a esta arte se queremos concedê-la a nossos atavismos profundos e ao gênio de nossa raça.
Nosso ponto de partida é assim claramente indicado e circunscrito. Partir de nós mesmos é, sem dúvida, garantir uma viagem mais bela e com horizontes mais amplos do que se tomássemos como únicos guias e cicerones a cortina, as coxias, as gambiarras e os refletores de nossos palcos!
Falei de visão realista e visão idealista. Se quisermos especificar estas duas noções apenas do ponto de vista da encenação, é preciso declarar antes de mais nada que a visão realista não procede diretamente do texto da peça (com ou sem música), enquanto a visão idealista inspira-se exclusivamente nele. Explico-me.
Uma ação dramática é colocada pelo autor num meio histórico e geográfico; ou, se for pura fantasia, seu ambiente será indicado em notas à margem do texto. O realista apossa-se então das únicas noções que ele considera como independentes e existindo por si mesmas e é a partir delas que pede satisfação ao espectador. Quando ele as considera realizadas, localiza a ação dramática a posteriori, persuadido de que o justo acordo entre os dois elementos - a peça e a encenação - opera-se automaticamente como na vida real.
O idealista procede de maneira diametralmente oposta; ele só considera o texto da peça; qualquer índice colocado fora do texto está subetido a caução e é no texto que ele se inspirará para a sua encenação. Só depois ele o confrontará com as explicações decorativas colocadas nas margens e decidirá a respeito de sua conveniência.
Para o realista, esta conveniência está na exata reprodução histórica e geográfica do lugar de ação escolhido pelo autor; para o idealista, é uma questão de grau; o realista coloca um pouco brutalmente o texto dramático na realidade de uma ambientação que preexiste a ele; o idealista reúne em torno dos texto os elementos decorativos dos quais ele necessita para ser revelado e rejeita todos aqueles que são supérfluos e que, em conseqüência, correriam o risco de atenuar sua intensidade; repito: para ele, a realidade está no texto da peça; para o realista está no ambiente preestabelecido.
A visão idealista distingue, no teatro, o ser humano de seu ambiente; a visão idealista só considera o meio em sua estreita relação com o estado d'alma dos personagens. O drama Parsifal, para o realista, passa-se na Espanha; para o idealista, está em nós mesmos.
Porém, talvez objetem-me, por que não respeitar um pouco mais os desejos expressos pelo autor? Ele não sabe melhor do que nós o que é preciso para que seu texto seja oferecido a nossos olhos e não estaremos agindo arbitrariamente ao assumir seu lugar? Este ponto é capital pois concerne à nossa responsabilidade no teatro.
Atualmente, a grande maioria dos espectadores é realista; conseqüentemente, o dramaturgo deve levar isto em conta; sua visão está presa à nossa - o mesmo ocorre com a maneira de o pedagogo exprimir-se diante de crianças - e isto de forma tão intensa que, mesmo que o dramaturgo conceba sua obra sem se preocupar com visão realista, a partir do momento em que ele quer levá-la ao palco, recua e violenta seu sonho para contentar-nos e só encontra em nossas cenas, infelizmente, cúmplices complacentes demais com sua covardia ou com sua ignorãncia técnica, pois elas não lhe deixam escolha: todas as suas instalações visam a uma arte cênica realista, quer dizer, a uma arte sem correlação direta e profunda com o texto da peça.
Mas será que é mesmo uma arte? Ousaríamos, sem sorrir, falar de uma arte cênica?
Taine ensina-nos que "a obra de arte tem por finalidade manifestar um caráter essencial e proeminente, portanto, uma idéia importante, mais clara e mais completamente do que o fazem os objetos reais, e que a obra chega a isso empregando um conjunto de partes ligadas, cujas relações ela modifica sistematicamente".
Nossos cenários pintados são, de nossa parte, uma modificação voluntária e sistemática e nossos desejos não almejam, ao contrário, uma realização mais exata ainda? A técnica do pintor de cenário não visa justamente a atenuar o mais possível estas modificações irritantes e dar-nos a ilusão da realidade? Ora, criar a ilusão da realidade é a negação da arte.
A arte dramática é, em essência, uma modificação da vida real, uma concentração sistemática que nossa existência cotidiana não poderia oferecer; e ninguém se arvorará a duvidar de que seja uma arte. Só a encenação está ainda sujeita a caução, ocasionando debates eternos. Ter querido fazer dela uma coisa em si mesma é um erro estético grave; contudo, nós atacamos sempre a técnica do cenário em lugar de deixar-nos dirigir pela própria peça, e nossos olhos nunca estão satisfeitos. Isto no que diz respeito ao espectador. E o autor dramático?
Este infeliz conhece a rigidez inflexível de nossas cenas; conhece também nossa inacreditável tolerância a este respeito e as deformações que ela operou em nosso gosto. A luta lhe parece muito desigual: reformar a cena seria relativamente fácil, mas como contar com o assentimento de um público tão bem adestrado? Sobretudo, como fazê-lo aceitar esta reforma não como uma simples evolução técnica da parte do encenador, mas como uma evolução interior e muito profunda que solicitamos ao próprio espectador?
Eu disse no início: nós é que somos a encenação: e, por conseguinte, o estado de inferioridade em que ela ainda se encontra vem do fato de estarmos deformados demais para sabermos formular nossos desejos e de, como crianças, aceitarmos o inevitável.
Ora, já há uns vinte anos, possuímos um critério incomparável para julgar a qualidade de nosso gosto em matéria de espetáculo e para orientarmo-nos a respeito da natureza da arte dramática: é o cinematógrafo. Nada, absolutamente nada, é-lhe recusado e todo mundo concorda que não há rivalidade possível com as maravilhas que ele pode apresentar a nossos olhos. O que é então que o distingue radicalmente do teatro, mesmo no caso, aliás pouco desejável, em que a palavra lhe seja acrescentada com precisão?
É, evidentemente, a presença efetiva em carne e osso dos atores e o que esta presença comporta de emoção imediata; para todo o resto ele possui meios que tornam as nossas mais exatas ou suntuosas encenações simples brincadeiras de criança. Então por que pedir ao teatro aquilo que ele é incapaz e que nos é oferecido com tanta liberalidade em outro lugar?
A Arte vive de sacrifícios; o pintor renuncia ao relevo e à luz viva; o escultor à cor; o músico ao espaço; o arquiteto à expressão no tempo; o próprio poeta renuncia a oferecer-se diretamente a nossos olhos! - e nós gostaríamos que a arte dramática não renunciasse a nada! Sua existência, fugitiva que fosse, deveria contudo advertir-nos. Não! Sempre e sempre exigimos dela uma espécie de ilusão que lhe é estranha enquanto que ela é onipotente para oferecer-nos a grande e divina ilusão da vida - da vida de nosso corpo e de nossa alma, a única ilusão que vale e a única que a arte pode admitir.
Aí, como em outros pontos, o Homem é a medida de todas as coisas, segundo Pitágoras. Será portanto o Homem, com seu corpo e seu coração, que "medirá" o ambiente desejável à sua presença em cena; e tudo o que ele não mede ou não se preocupa em medir deve ser rejeitado; são as escórias que ainda atrapalham o teatro e que escondem, com demasiada freqüência, o tesouro imcomparável de nossa humanidade.
(falta uma página ao manuscrito. N. da Ed.)
O ator dramático provêm de um erro técnico de nossa parte. Em todo o resto, aceitamos que a obra de arte seja inseparável do procedimento técnico especialmente escolhido e empregado pelo artista. O artista que escolhe especialmente e emprega o corpo e a alma vivos do ator para exprimir-se, coloca-se na dependência do procedimento técnico que este corpo e esta alma vivos acarretam consigo; e, em arte, as exigências técnicas são irredutíveis.
A técnica do dramaturgo dirá respeito, portanto, ao mesmo tempo, à presença efetiva do corpo vivo e à expressão dos movimentos da alma, em correlação uma com a outra. Uma concerne diretamente à forma representativa, a outra diretamente à concepção do drama. Por um lado, o autor deve poder contar com uma justa apropriação do espaço onde serão colocados os personagens de sua peça; por outro, ele tem a obrigação estética de não escolher uma ação cujo ambiente teria uma importância superior à da presença viva do ator.
Ora, uma e outra destas obrigações dizem respeito, em primeiro lugar, ao espectador. Não basta que o encenador esteja submetido ao dramaturgo e que este esteja de acordo com os sacrifícios exigidos pela obra de arte dramática; é preciso ainda que nós estejamos de acordo; e, como a maioria dos espectadores não está disposta a isto, é preciso concluir que isto se deve a obstáculos que importa conhecer.
Todos trazemos certamente em nós o sentimento muito íntimo, muito profundo do que seja a arte dramática; nossa vida o alimenta, especifica-o, e pode-se dizer que nossas almas são um teatro sem igual. Todos nós temos, também, em nossas recordações de teatro, instantes em que a felicidade nos fez estremecer e mergulhou-nos em lágrimas. Schopenhauer, o filósofo artista, garante-nos que a fonte das lágrimas mais puras deve ser buscada na compaixão que nossos próprios sofrimentos inspiram-nos quando não mais sofremos por eles.
E dá como exemplo Ulisses na corte de Alcino, onde, durante o banquete, e para honrar o hóspede desconhecido, um bardo canta as aventuras de Ulisses sem desconfiar de que as exalta diante do próprio herói. Ulisses esconde o rosto e soluça dissimulando-se sob o manto. Schopenhauer não podia escolher melhor seu exemplo, que é eloqüente demais para que não o endossemos.
A emoção dramática, em sua mais pura essência, seria, portanto, o resultado de um encontro entre nosso teatro interior e aquele onde nos encontramos como espectadores. Ora, observemos bem, não se trata aqui de identidade nos motivos dramáticos; e sofrimentos e alegrias que nunca experimentamos podem proporcionar-nos a mesma qualidade de emoção que aqueles que a experiência nos fez conhecer.
Vou mais longe: o simples fato de ver a vida de nossa alma apresentada sob uma forma que a livra das contingências mesquinhas que sempre a diminuem basta para comover-nos em relação a nosso destino, como quer Schopenhauer! O trágico da existência não está tanto nas circunstâncias: ele está muito freqüentemente também na impossibilidade em que nos encontramos de magnificar nossos sentimentos, de alçá-los ao nível de nossa exaltação. Neste sentido, a arte dramática é liberadora. E nós gostaríamos de traí-la arrastando-a nas contingências e nas influências aviltantes do meio em que a debatemos!?
O espelho dos costumes, dizem! Que loucura! Na Paris inteira de Molière, onde encontraríamos um Alceste ou mesmo Preciosas como aquelas que ele nos apresenta em uma síntese tão bufa? Os costumes podem servir de pretexto ou simplesmente de moldura que o gênio destrói a um simples toque. Shakespeare sabia-o muito bem e não atravancava seus dramas com os ouropéis com os quais ainda os empetecamos; para ele, a fraqueza de um personagem diante da obrigação de agir não seria encontrada apenas na Dinamarca.
De tudo isto resulta que remamos em sentido contrário ao prazer dramático quando atravancamos nossas cenas com elementos arbitrários e fortuitos dos quais, ao ir ao teatro, queremos justamente fugir. (E, diga-se de passagem, a vida moderna é rica demais em sugestões puramente visuais para que ousemos invocar isto como desculpa). Um pouco de imaginação, portanto, um pouco de fé, de fé em nós mesmos, em nosso valor e em nossa nobreza bastaria para impressionar os exploradores de nossa preguiça e de nosso descaso. Quem tomar a iniciativa verá desabar rapidamente a armação já bamba de nossa encenação tradicional e, com ela, provavelmente, três quartos de nossa produção dramática. Como dimensionar o alcance de uma tal benfeitoria?
Quando em nosso foro íntimo adquirimos uma convicção, o passo seguinte deve ser simplesmente contrastá-la com as realidades que nos cercam; dito de outra forma, trata-se de experimentá-la. Até aqui evitei cuidadosamente dar exemplos tirados do estado atual do teatro; eles teriam desviado nossa atenção e prolongado o desenvolvimento do meu raciocínio; mas agora a confrontação impõe-se; estamos, sem dúvida alguma, suficientemente armados para aprender a conhecer o inimigo.
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Este texto data de 1925 e foi apresentado por Appia em abril, por ocasião de uma exposição de seus trabalhos no Kunstgewerbemuseum. O presente artigo, traduzido por Fátima Saadi, consta da edição nº 2 da revista "Folhetim"/1998)
Adolphe Appia
O Misantropo estava sendo representado e, para marcar a pouca importância do ambiente histórico em relação a uma ação tão puramente humana e para, simultaneamente, valorizar ao máximo os personagens, o salão de Celimena era figurado por simples tapeçarias; somente os figurinos, já simplificados, e os móveis, igualmente muito sóbrios, denunciavam a época contemporânea de Molière.
Minha vizinha, visivelmente chocada, murmurava: "Que idéia maluca a de Celimena, arrumar o apartamento deste jeito!". Esta é, parece-me, a perfeita atitude do espectador realista, aquele que quer ver os lugares da ação como cada um os veria se fosse transportado até lá. Personalidades muito refinadas partilham esta opinião; seria importante buscar sua origem, sua fonte profunda, antes de condená-la. Afinal, esta atitude pode ser justificada e o idealismo cênico provavelmente não é para qualquer um.
Em primeiro lugar, a encenação é uma obra, uma arte em si, cuja noção pode ser circunscrita antes de qualquer aplicação? Tem uma existência independente que se trataria simplesmente de adaptar a cada nova peça? Definitivamente, a encenação é a maneira empregada pelas pessoas de teatro para apresentar a nossos olhos uma ação dramática; ela não é nem mesmo uma técnica adotada de forma regular e é a ação dramática que a condiciona: sem esta ação, a encenação é uma noção vazia de sentido; ela não é nada, rigorosamente falando, nada mesmo.
Ora, nossa definição inclui uma incógnita: nossos olhos, cujas exigências variáveis não poderiam ser inteiramente nem implicitamente previstas pelo texto da peça (com ou sem música); o que equivale a dizer que a encenação se encarrega dos elementos que a peça não contém para oferecer-se a nossos olhos. Se, portanto, a ação dramática é a condição da encenação, em contrapartida, são nossos olhos que determinam a encenação e recriam-na; neste sentido, podemos afirmar que nós é que somos a encenação e que, sem nós, a peça não passa de algo escrito; nós somos, portanto, responsáveis por ela e temos o direito de criticar sua exata conveniência, visto que não admitimos ser desfigurados por ela...
A questão assume assim um novo aspecto. Trata-se de saber primeiramente quem somos nós em vista do texto dramático. Não é a peça que devemos interrogar em primeiro lugar, mas a nós mesmos! Este ponto de vista pode parecer novo, no entanto é velho como o mundo. O que é surpreendente é que seja necessário chamar nossa atenção para ele.
Quando servimo-nos do microscópio, modificamos a posição das lentes segundo nossa vista e não segundo a natureza dos objetos que desejamos observar. No teatro acontece o mesmo: a peça nos é dada e cabe-nos adaptarmo-nos a ela. A encenação consiste justamente nesta adaptação.
O mundo exterior não atinge nossos olhos sempre da mesma maneira. Podemos considerá-lo como um espetáculo exterior a nós mesmos: é o que se chama "olhar"; ou então ele penetra em nós à nossa revelia e mescla-se à vida de nossa alma onde exerce, sem nosso conhecimento, uma influência mais ou menos titânica que, por sua vez, é modificada por nossa disposição de momento.
São dois extremos entre os quais oscila nossa visão das coisas e dos seres; um é a maneira realista de observar, o outro a maneira ideal de sentir através da visão. Se, portanto, segundo nossa última definição, somos e queremos ser os criadores da encenação para tal ou tal peça, devemos começar por interrogar-nos sobre o objeto que perseguimos no teatro e sobre aquilo que viemos solicitar-lhe ao entrar na sala de espetáculos.
Pedimos à arte dramática, ao autor da peça, que apresente-nos a vida como um espetáculo que será simplesmente observado - como a natureza para o cientista - ou queremos, no teatro, identificar-nos com os personagens e neles nos encontrar? A emoção dramática é feita de curiosidade e das satisfações que esta oferece ou da simpatia e dos movimentos da alma que ela ocasiona?
Talvez ainda não tenhamos percebido, mas todo o problema da encenação está aqui formulado e sua resolução depende da nossa...Vou mais longe e afirmo que nossa arte dramática como um todo depende do espectador, quer dizer, da qualidade de sua visão.
O espectador! Será que ele é o mesmo em toda parte? Ele é uma entidade? Nosso internacionalismo nivelaria até mesmo a arte dramática? Pode parecer assim àquele que só considera a peça representada, mas vimos que esta não é o primeiro termo do problema da encenação e que não é ela que determina a representação, mas nós.
O gosto por uma ficção, seja ela qual for, é comum a toda a humanidade. Os medrosos e os que desprezam o teatro satisfazem este gosto através da leitura, através das belas artes às quais a imaginação dá vida, ou através de mil outros procedimentos tidos por honestos e morais e cujo verdadeiro alcance escapa-lhes à consciência inquieta. Os que são sinceros confessam seu invencível desejo de sair de si mesmos para se enriquecerem com a visão de espetáculos que a vida cotidiana não lhes oferece: paixões e sofrimentos pelos quais não eram obrigados a sofrer, felicidades e triunfos que os elevam acima de sua mediania rotineira, em uma palavra, ficção animada e representada por seres que são nossos semelhantes.
Mas o prazer dramático é função de reações; um russo e um javanês reagem de formas diferentes, assim como um italiano e um parisiense, ou um turco e um escandinavo etc.; o espetáculo que seu desejo solicita e que eles têm que criar por si - como vimos - será, portanto, muito diferente para cada um deles.
O interesse que um europeu demonstra por um espetáculo do extremo oriente não tem nada em comum com o que os nativos experimentam; um espanhol e um escocês vêem uma tourada com olhos diferentes; um norueguês e um florentino reagem de forma distinta diante de um drama de Ibsen. O internacionalismo ainda não alterou o gênio das raças nem a influência dos climas; não há, felizmente, nada a fazer com a produção artística; o internacionalismo, sem dúvida, facilita sua difusão mas, apesar das aparências, não toca na criação, visto que ele é, por sua essência, industrial.
Se, portanto, por um lado, somos espectadores, os criadores da encenação, por outro, o gênio próprio de cada raça determina a forma do espetáculo, o que chamaremos de forma representativa. E como esta forma inspira e determina, por sua vez, a forma que o autor dramático escolherá, a cadeia parece ininterrupta.
Ora, não é nada disto o que acontece atualmente. As pessoas de teatro conhecem os hábitos de rebanho de seu público e descansam sobre isto. Suportamos sem reclamar a contínua violência que eles perpetram contra nosso bom-senso, nosso gosto, nossa necessidade de harmonia e de justas conveniências estéticas, portanto, contra nossa dignidade e toleramos em cena o que jamais nossas exposições, concertos e conferências ousariam apresentar sem provocar uma explosão de revolta.
E mais: suportamos que imponham-nos uma arte dramática e cênica em total desacordo com nossos atavismos e nosso gênio. Como poderíamos saber quem somos em relação ao teatro e o que dele esperamos? Como o dramaturgo, o encenador poderiam conhecer nossos verdadeiros desejos e satisfazê-los? Colocamo-nos fora da questão e perdemos o direito à crítica, visto que sequer sabemos o que desejamos.
O internacionalismo no teatro é a morte da arte dramática; ele não poderia atingir a obra de arte, dissemos, mas ele seca a fonte de onde ela brota e a responsabilidade por esta perda recai totalmente sobre nós, os espectadores. Será que não teríamos o direito à greve? Não nos faltaria coragem para exercê-lo caso tivéssemos a menor noção das reivindicações a serem feitas! Os autores dramáticos procuram em vão junto a nós sugestões que lhes são indispensáveis e sem as quais eles se lançam no internacionalismo destrutor.
Em resumo: a encenação, por si só, não é nada. É o espectador quem a cria e, através dela, inspira e determina a produção dramática. Em conseqüência, tratar da encenação é observar a nós mesmos a este respeito e tentar distinguir em nosso foro íntimo a origem de nosso gosto pela arte dreamática e a forma que seria conveniente dar a esta arte se queremos concedê-la a nossos atavismos profundos e ao gênio de nossa raça.
Nosso ponto de partida é assim claramente indicado e circunscrito. Partir de nós mesmos é, sem dúvida, garantir uma viagem mais bela e com horizontes mais amplos do que se tomássemos como únicos guias e cicerones a cortina, as coxias, as gambiarras e os refletores de nossos palcos!
Falei de visão realista e visão idealista. Se quisermos especificar estas duas noções apenas do ponto de vista da encenação, é preciso declarar antes de mais nada que a visão realista não procede diretamente do texto da peça (com ou sem música), enquanto a visão idealista inspira-se exclusivamente nele. Explico-me.
Uma ação dramática é colocada pelo autor num meio histórico e geográfico; ou, se for pura fantasia, seu ambiente será indicado em notas à margem do texto. O realista apossa-se então das únicas noções que ele considera como independentes e existindo por si mesmas e é a partir delas que pede satisfação ao espectador. Quando ele as considera realizadas, localiza a ação dramática a posteriori, persuadido de que o justo acordo entre os dois elementos - a peça e a encenação - opera-se automaticamente como na vida real.
O idealista procede de maneira diametralmente oposta; ele só considera o texto da peça; qualquer índice colocado fora do texto está subetido a caução e é no texto que ele se inspirará para a sua encenação. Só depois ele o confrontará com as explicações decorativas colocadas nas margens e decidirá a respeito de sua conveniência.
Para o realista, esta conveniência está na exata reprodução histórica e geográfica do lugar de ação escolhido pelo autor; para o idealista, é uma questão de grau; o realista coloca um pouco brutalmente o texto dramático na realidade de uma ambientação que preexiste a ele; o idealista reúne em torno dos texto os elementos decorativos dos quais ele necessita para ser revelado e rejeita todos aqueles que são supérfluos e que, em conseqüência, correriam o risco de atenuar sua intensidade; repito: para ele, a realidade está no texto da peça; para o realista está no ambiente preestabelecido.
A visão idealista distingue, no teatro, o ser humano de seu ambiente; a visão idealista só considera o meio em sua estreita relação com o estado d'alma dos personagens. O drama Parsifal, para o realista, passa-se na Espanha; para o idealista, está em nós mesmos.
Porém, talvez objetem-me, por que não respeitar um pouco mais os desejos expressos pelo autor? Ele não sabe melhor do que nós o que é preciso para que seu texto seja oferecido a nossos olhos e não estaremos agindo arbitrariamente ao assumir seu lugar? Este ponto é capital pois concerne à nossa responsabilidade no teatro.
Atualmente, a grande maioria dos espectadores é realista; conseqüentemente, o dramaturgo deve levar isto em conta; sua visão está presa à nossa - o mesmo ocorre com a maneira de o pedagogo exprimir-se diante de crianças - e isto de forma tão intensa que, mesmo que o dramaturgo conceba sua obra sem se preocupar com visão realista, a partir do momento em que ele quer levá-la ao palco, recua e violenta seu sonho para contentar-nos e só encontra em nossas cenas, infelizmente, cúmplices complacentes demais com sua covardia ou com sua ignorãncia técnica, pois elas não lhe deixam escolha: todas as suas instalações visam a uma arte cênica realista, quer dizer, a uma arte sem correlação direta e profunda com o texto da peça.
Mas será que é mesmo uma arte? Ousaríamos, sem sorrir, falar de uma arte cênica?
Taine ensina-nos que "a obra de arte tem por finalidade manifestar um caráter essencial e proeminente, portanto, uma idéia importante, mais clara e mais completamente do que o fazem os objetos reais, e que a obra chega a isso empregando um conjunto de partes ligadas, cujas relações ela modifica sistematicamente".
Nossos cenários pintados são, de nossa parte, uma modificação voluntária e sistemática e nossos desejos não almejam, ao contrário, uma realização mais exata ainda? A técnica do pintor de cenário não visa justamente a atenuar o mais possível estas modificações irritantes e dar-nos a ilusão da realidade? Ora, criar a ilusão da realidade é a negação da arte.
A arte dramática é, em essência, uma modificação da vida real, uma concentração sistemática que nossa existência cotidiana não poderia oferecer; e ninguém se arvorará a duvidar de que seja uma arte. Só a encenação está ainda sujeita a caução, ocasionando debates eternos. Ter querido fazer dela uma coisa em si mesma é um erro estético grave; contudo, nós atacamos sempre a técnica do cenário em lugar de deixar-nos dirigir pela própria peça, e nossos olhos nunca estão satisfeitos. Isto no que diz respeito ao espectador. E o autor dramático?
Este infeliz conhece a rigidez inflexível de nossas cenas; conhece também nossa inacreditável tolerância a este respeito e as deformações que ela operou em nosso gosto. A luta lhe parece muito desigual: reformar a cena seria relativamente fácil, mas como contar com o assentimento de um público tão bem adestrado? Sobretudo, como fazê-lo aceitar esta reforma não como uma simples evolução técnica da parte do encenador, mas como uma evolução interior e muito profunda que solicitamos ao próprio espectador?
Eu disse no início: nós é que somos a encenação: e, por conseguinte, o estado de inferioridade em que ela ainda se encontra vem do fato de estarmos deformados demais para sabermos formular nossos desejos e de, como crianças, aceitarmos o inevitável.
Ora, já há uns vinte anos, possuímos um critério incomparável para julgar a qualidade de nosso gosto em matéria de espetáculo e para orientarmo-nos a respeito da natureza da arte dramática: é o cinematógrafo. Nada, absolutamente nada, é-lhe recusado e todo mundo concorda que não há rivalidade possível com as maravilhas que ele pode apresentar a nossos olhos. O que é então que o distingue radicalmente do teatro, mesmo no caso, aliás pouco desejável, em que a palavra lhe seja acrescentada com precisão?
É, evidentemente, a presença efetiva em carne e osso dos atores e o que esta presença comporta de emoção imediata; para todo o resto ele possui meios que tornam as nossas mais exatas ou suntuosas encenações simples brincadeiras de criança. Então por que pedir ao teatro aquilo que ele é incapaz e que nos é oferecido com tanta liberalidade em outro lugar?
A Arte vive de sacrifícios; o pintor renuncia ao relevo e à luz viva; o escultor à cor; o músico ao espaço; o arquiteto à expressão no tempo; o próprio poeta renuncia a oferecer-se diretamente a nossos olhos! - e nós gostaríamos que a arte dramática não renunciasse a nada! Sua existência, fugitiva que fosse, deveria contudo advertir-nos. Não! Sempre e sempre exigimos dela uma espécie de ilusão que lhe é estranha enquanto que ela é onipotente para oferecer-nos a grande e divina ilusão da vida - da vida de nosso corpo e de nossa alma, a única ilusão que vale e a única que a arte pode admitir.
Aí, como em outros pontos, o Homem é a medida de todas as coisas, segundo Pitágoras. Será portanto o Homem, com seu corpo e seu coração, que "medirá" o ambiente desejável à sua presença em cena; e tudo o que ele não mede ou não se preocupa em medir deve ser rejeitado; são as escórias que ainda atrapalham o teatro e que escondem, com demasiada freqüência, o tesouro imcomparável de nossa humanidade.
(falta uma página ao manuscrito. N. da Ed.)
O ator dramático provêm de um erro técnico de nossa parte. Em todo o resto, aceitamos que a obra de arte seja inseparável do procedimento técnico especialmente escolhido e empregado pelo artista. O artista que escolhe especialmente e emprega o corpo e a alma vivos do ator para exprimir-se, coloca-se na dependência do procedimento técnico que este corpo e esta alma vivos acarretam consigo; e, em arte, as exigências técnicas são irredutíveis.
A técnica do dramaturgo dirá respeito, portanto, ao mesmo tempo, à presença efetiva do corpo vivo e à expressão dos movimentos da alma, em correlação uma com a outra. Uma concerne diretamente à forma representativa, a outra diretamente à concepção do drama. Por um lado, o autor deve poder contar com uma justa apropriação do espaço onde serão colocados os personagens de sua peça; por outro, ele tem a obrigação estética de não escolher uma ação cujo ambiente teria uma importância superior à da presença viva do ator.
Ora, uma e outra destas obrigações dizem respeito, em primeiro lugar, ao espectador. Não basta que o encenador esteja submetido ao dramaturgo e que este esteja de acordo com os sacrifícios exigidos pela obra de arte dramática; é preciso ainda que nós estejamos de acordo; e, como a maioria dos espectadores não está disposta a isto, é preciso concluir que isto se deve a obstáculos que importa conhecer.
Todos trazemos certamente em nós o sentimento muito íntimo, muito profundo do que seja a arte dramática; nossa vida o alimenta, especifica-o, e pode-se dizer que nossas almas são um teatro sem igual. Todos nós temos, também, em nossas recordações de teatro, instantes em que a felicidade nos fez estremecer e mergulhou-nos em lágrimas. Schopenhauer, o filósofo artista, garante-nos que a fonte das lágrimas mais puras deve ser buscada na compaixão que nossos próprios sofrimentos inspiram-nos quando não mais sofremos por eles.
E dá como exemplo Ulisses na corte de Alcino, onde, durante o banquete, e para honrar o hóspede desconhecido, um bardo canta as aventuras de Ulisses sem desconfiar de que as exalta diante do próprio herói. Ulisses esconde o rosto e soluça dissimulando-se sob o manto. Schopenhauer não podia escolher melhor seu exemplo, que é eloqüente demais para que não o endossemos.
A emoção dramática, em sua mais pura essência, seria, portanto, o resultado de um encontro entre nosso teatro interior e aquele onde nos encontramos como espectadores. Ora, observemos bem, não se trata aqui de identidade nos motivos dramáticos; e sofrimentos e alegrias que nunca experimentamos podem proporcionar-nos a mesma qualidade de emoção que aqueles que a experiência nos fez conhecer.
Vou mais longe: o simples fato de ver a vida de nossa alma apresentada sob uma forma que a livra das contingências mesquinhas que sempre a diminuem basta para comover-nos em relação a nosso destino, como quer Schopenhauer! O trágico da existência não está tanto nas circunstâncias: ele está muito freqüentemente também na impossibilidade em que nos encontramos de magnificar nossos sentimentos, de alçá-los ao nível de nossa exaltação. Neste sentido, a arte dramática é liberadora. E nós gostaríamos de traí-la arrastando-a nas contingências e nas influências aviltantes do meio em que a debatemos!?
O espelho dos costumes, dizem! Que loucura! Na Paris inteira de Molière, onde encontraríamos um Alceste ou mesmo Preciosas como aquelas que ele nos apresenta em uma síntese tão bufa? Os costumes podem servir de pretexto ou simplesmente de moldura que o gênio destrói a um simples toque. Shakespeare sabia-o muito bem e não atravancava seus dramas com os ouropéis com os quais ainda os empetecamos; para ele, a fraqueza de um personagem diante da obrigação de agir não seria encontrada apenas na Dinamarca.
De tudo isto resulta que remamos em sentido contrário ao prazer dramático quando atravancamos nossas cenas com elementos arbitrários e fortuitos dos quais, ao ir ao teatro, queremos justamente fugir. (E, diga-se de passagem, a vida moderna é rica demais em sugestões puramente visuais para que ousemos invocar isto como desculpa). Um pouco de imaginação, portanto, um pouco de fé, de fé em nós mesmos, em nosso valor e em nossa nobreza bastaria para impressionar os exploradores de nossa preguiça e de nosso descaso. Quem tomar a iniciativa verá desabar rapidamente a armação já bamba de nossa encenação tradicional e, com ela, provavelmente, três quartos de nossa produção dramática. Como dimensionar o alcance de uma tal benfeitoria?
Quando em nosso foro íntimo adquirimos uma convicção, o passo seguinte deve ser simplesmente contrastá-la com as realidades que nos cercam; dito de outra forma, trata-se de experimentá-la. Até aqui evitei cuidadosamente dar exemplos tirados do estado atual do teatro; eles teriam desviado nossa atenção e prolongado o desenvolvimento do meu raciocínio; mas agora a confrontação impõe-se; estamos, sem dúvida alguma, suficientemente armados para aprender a conhecer o inimigo.
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Este texto data de 1925 e foi apresentado por Appia em abril, por ocasião de uma exposição de seus trabalhos no Kunstgewerbemuseum. O presente artigo, traduzido por Fátima Saadi, consta da edição nº 2 da revista "Folhetim"/1998)
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Teatro/CRÍTICA
"A lua vem da Ásia"
..........................................
Divertido e trágico diário
Lionel Fischer
"Em 1997, um ano antes de morrer, o escritor mineiro Campos de Carvalho concedeu sua primeira e última entrevista a uma emissora de TV. Após 40 minutos, o entrevistador, desesperado, tentava fazer com que o escritor dissesse algo que fosse além dos três ou quatro monossílabos com que era brindado a cada nova pergunta. E arriscou: 'O senhor é feliz?'. Campos de Carvalho olhou para o alto do estúdio, para os lados, para o chão. Após um minuto e meio de um silêncio avassalador, o escritor finalmente respondeu: 'Não'. O entrevistador, visivelmente constrangido, emendou: 'Se o senhor pudesse mudar alguma coisa na mundo, o que mudaria?". De novo, longo silêncio. E a resposta: 'Nada'".
Este fragmento, extraído do release que me foi enviado, oferece um retrato perfeito de um escritor totalmente avesso à fama e à publicidade. Nascido em Uberaba, em 1916, Campos de Carvalho só escreveu seis livros, sendo que dois deles já foram adaptados para o teatro: "Vaca de nariz sutil" e "O púcaro búlgaro". Mas sua obra mais conhecida é realmente "A lua vem da Ásia", em cartaz no Teatro I do CCBB. Aderbal Freire-Filho atuou como supervisor de dramaturgia, estando a direção a cargo de Moacir Chaves, cabendo a interpretação do monólogo a Chico Diaz, também responsável pela adaptação do texto.
Escrito em forma de diário, o texto narra a trajetória real e imaginária de um suposto insano - na primeira parte, ele está confinado a um hospício; na segunda, sua fantasia o leva a percorrer diversificadas e inusitadas geografias, sempre em busca de um improvável entendimento sobre a vida e a morte, invariavelmente valendo-se de corrosiva ironia para desafiar a lógica por todos aceita.
Simultaneamente engraçado e trágico, pleno de considerações pertinentes sobre uma infinidade de temas inerentes ao mundo em que vivemos, "A lua vem da Ásia" recebeu irrepreensível versão cênica de Moacir Chaves, que consegue materializar no palco, de forma sensível, poética e contundente, o conturbado universo mental do protagonista.
Este é interpretado de forma deslumbrante por Chico Diaz. Ator de vastíssima experiência e igualmente vastos recursos expressivos, Diaz extrai tudo o que é possível do riquíssimo personagem, valorizando tanto as passagens mais engraçadas quanto aquelas em que o trágico e o poético predominam. Sem sombra de dúvida, estamos diante de uma performance que, desde já, tenho a ousadia de afirmar que será um marco na atual temporada.
Com relação à equipe técnica, Fernando Mello da Costa responde por uma cenografia altamente expressiva, em total sintonia com as propostas da direção. A mesma eficiência se faz presente nos figurinos de Maria Diaz Rocha, na iluminação de Renato Machado, nos vídeos de Eder Santos e na trilha sonora original de Alfredo Sertã, cabendo ainda destacar as inestimáveis colaborações de Rose Gonçalves (preparação vocal) e Marcia Rubin (preparação corporal).
A LUA VEM DA ÁSIA - Texto original de Campos de Carvalho. Adaptação e atuação de Chico Diaz. Direção de Moacir Chaves. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 19h.
"A lua vem da Ásia"
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Divertido e trágico diário
Lionel Fischer
"Em 1997, um ano antes de morrer, o escritor mineiro Campos de Carvalho concedeu sua primeira e última entrevista a uma emissora de TV. Após 40 minutos, o entrevistador, desesperado, tentava fazer com que o escritor dissesse algo que fosse além dos três ou quatro monossílabos com que era brindado a cada nova pergunta. E arriscou: 'O senhor é feliz?'. Campos de Carvalho olhou para o alto do estúdio, para os lados, para o chão. Após um minuto e meio de um silêncio avassalador, o escritor finalmente respondeu: 'Não'. O entrevistador, visivelmente constrangido, emendou: 'Se o senhor pudesse mudar alguma coisa na mundo, o que mudaria?". De novo, longo silêncio. E a resposta: 'Nada'".
Este fragmento, extraído do release que me foi enviado, oferece um retrato perfeito de um escritor totalmente avesso à fama e à publicidade. Nascido em Uberaba, em 1916, Campos de Carvalho só escreveu seis livros, sendo que dois deles já foram adaptados para o teatro: "Vaca de nariz sutil" e "O púcaro búlgaro". Mas sua obra mais conhecida é realmente "A lua vem da Ásia", em cartaz no Teatro I do CCBB. Aderbal Freire-Filho atuou como supervisor de dramaturgia, estando a direção a cargo de Moacir Chaves, cabendo a interpretação do monólogo a Chico Diaz, também responsável pela adaptação do texto.
Escrito em forma de diário, o texto narra a trajetória real e imaginária de um suposto insano - na primeira parte, ele está confinado a um hospício; na segunda, sua fantasia o leva a percorrer diversificadas e inusitadas geografias, sempre em busca de um improvável entendimento sobre a vida e a morte, invariavelmente valendo-se de corrosiva ironia para desafiar a lógica por todos aceita.
Simultaneamente engraçado e trágico, pleno de considerações pertinentes sobre uma infinidade de temas inerentes ao mundo em que vivemos, "A lua vem da Ásia" recebeu irrepreensível versão cênica de Moacir Chaves, que consegue materializar no palco, de forma sensível, poética e contundente, o conturbado universo mental do protagonista.
Este é interpretado de forma deslumbrante por Chico Diaz. Ator de vastíssima experiência e igualmente vastos recursos expressivos, Diaz extrai tudo o que é possível do riquíssimo personagem, valorizando tanto as passagens mais engraçadas quanto aquelas em que o trágico e o poético predominam. Sem sombra de dúvida, estamos diante de uma performance que, desde já, tenho a ousadia de afirmar que será um marco na atual temporada.
Com relação à equipe técnica, Fernando Mello da Costa responde por uma cenografia altamente expressiva, em total sintonia com as propostas da direção. A mesma eficiência se faz presente nos figurinos de Maria Diaz Rocha, na iluminação de Renato Machado, nos vídeos de Eder Santos e na trilha sonora original de Alfredo Sertã, cabendo ainda destacar as inestimáveis colaborações de Rose Gonçalves (preparação vocal) e Marcia Rubin (preparação corporal).
A LUA VEM DA ÁSIA - Texto original de Campos de Carvalho. Adaptação e atuação de Chico Diaz. Direção de Moacir Chaves. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 19h.
Teatro/CRÍTICA
"Adultério"
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Festivas traições no Gláucio Gill
Lionel Fischer
Para comemorar os 18 anos de existência da Cia. Atores de Laura, os integrantes da mesma escolheram um tema que nasceu com o homem: o adultério. Ao mesmo tempo, inspiraram-se em Pirandello para criar uma escrita em que realidade e ilusão a todo momento se confundem, para tanto estabelecendo uma estrutura narrativa que constrói e desconstrói a cena, assim gerando no espectador uma permanente dúvida no que concerne à fronteira entre o real e o imaginário.
Dividido em 14 cenas - "Altar", "Triângulo amoroso", "O DVD", "A surra", "Açúcar ou adoçante", "Aula de piano", Casal gay", "Dois policiais", Mamãe chegou", Amante virtual", Monólogo na secretária eletrônica", Jantar romântico", "O ensaio" e "Outro triângulo amoroso" - o texto de autoria do grupo chega à cena (Teatro Gláucio Gill) com dramaturgia final e direção assinadas por Daniel Herz e elenco formado por Ana Paula Secco, Anderson Mello, Leandro Castilho, Marcio Fonseca, Paulo Hamilton e Verônica Reis.
"Dezoito anos não são dezoito dias", diria alguém dotado de acaciana perspicácia. Mas realmente não são. Então, nada mais natural que uma data tão festiva, que traz implícita uma espécie de rito de passagem para a maioridade, fosse comemorada em grande estilo. E é o que ocorre com esse espetáculo tão pertinente quanto divertido.
O texto de Herz aborda, sempre lançando mão de um humor crítico, uma série de situações amorosas em que a traição se materializa. Ao mesmo tempo, como já foi dito, brinca com a platéia num permanente jogo de ilusão e realidade, valendo-se de marcações tão imprevistas quanto criativas. Assim sendo, o resultado só poderia ser um espetáculo delicioso, à altura de um grupo de fundamental importância para o teatro carioca.
Com relação ao elenco, todos os profissionais que estão em cena - em sua maioria, ainda bem jovens - exibem atuações irretocáveis, entregando-se com competência, paixão e extrema alegria à tarefa de dar vida a múltiplos personagens. Para quem os viu, como eu, iniciar suas trajetórias artísticas mal saídos da adolescência, é com imenso prazer que constato seu ininterrupto amadurecimento, o que me faz desejar que sigam em frente sempre com a mesma determinação e seriedade até aqui exibidas.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna e festiva empreitada teatral - Aurélio de Simoni (iluminação), Patrícia Muniz (figurinos), Fernando Mello da Costa e Rostand de Albuquerque (cenografia), Lucas Marcier (trilha sonora), Mauricio Grecco (programação visual), Marcia Rubin (direção de movimento) e Evelyn Dziter - esta última inaugura uma nova categoria, sem dúvida imprescindível: a de consultora psicanalítica!
ADULTÉRIO - Texto e direção de Daniel Herz. Com a Cia. Atores de Laura. Teatro Glaucio Gill. Sábado e domingo, 21h. Segunda, 20h.
"Adultério"
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Festivas traições no Gláucio Gill
Lionel Fischer
Para comemorar os 18 anos de existência da Cia. Atores de Laura, os integrantes da mesma escolheram um tema que nasceu com o homem: o adultério. Ao mesmo tempo, inspiraram-se em Pirandello para criar uma escrita em que realidade e ilusão a todo momento se confundem, para tanto estabelecendo uma estrutura narrativa que constrói e desconstrói a cena, assim gerando no espectador uma permanente dúvida no que concerne à fronteira entre o real e o imaginário.
Dividido em 14 cenas - "Altar", "Triângulo amoroso", "O DVD", "A surra", "Açúcar ou adoçante", "Aula de piano", Casal gay", "Dois policiais", Mamãe chegou", Amante virtual", Monólogo na secretária eletrônica", Jantar romântico", "O ensaio" e "Outro triângulo amoroso" - o texto de autoria do grupo chega à cena (Teatro Gláucio Gill) com dramaturgia final e direção assinadas por Daniel Herz e elenco formado por Ana Paula Secco, Anderson Mello, Leandro Castilho, Marcio Fonseca, Paulo Hamilton e Verônica Reis.
"Dezoito anos não são dezoito dias", diria alguém dotado de acaciana perspicácia. Mas realmente não são. Então, nada mais natural que uma data tão festiva, que traz implícita uma espécie de rito de passagem para a maioridade, fosse comemorada em grande estilo. E é o que ocorre com esse espetáculo tão pertinente quanto divertido.
O texto de Herz aborda, sempre lançando mão de um humor crítico, uma série de situações amorosas em que a traição se materializa. Ao mesmo tempo, como já foi dito, brinca com a platéia num permanente jogo de ilusão e realidade, valendo-se de marcações tão imprevistas quanto criativas. Assim sendo, o resultado só poderia ser um espetáculo delicioso, à altura de um grupo de fundamental importância para o teatro carioca.
Com relação ao elenco, todos os profissionais que estão em cena - em sua maioria, ainda bem jovens - exibem atuações irretocáveis, entregando-se com competência, paixão e extrema alegria à tarefa de dar vida a múltiplos personagens. Para quem os viu, como eu, iniciar suas trajetórias artísticas mal saídos da adolescência, é com imenso prazer que constato seu ininterrupto amadurecimento, o que me faz desejar que sigam em frente sempre com a mesma determinação e seriedade até aqui exibidas.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna e festiva empreitada teatral - Aurélio de Simoni (iluminação), Patrícia Muniz (figurinos), Fernando Mello da Costa e Rostand de Albuquerque (cenografia), Lucas Marcier (trilha sonora), Mauricio Grecco (programação visual), Marcia Rubin (direção de movimento) e Evelyn Dziter - esta última inaugura uma nova categoria, sem dúvida imprescindível: a de consultora psicanalítica!
ADULTÉRIO - Texto e direção de Daniel Herz. Com a Cia. Atores de Laura. Teatro Glaucio Gill. Sábado e domingo, 21h. Segunda, 20h.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Teatro/CRÍTICA
"Estilhaços"
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Imprescindíveis contatos no Universo
Lionel Fischer
No início, segundo dizem, era o Verbo. E aqui também. Projetado sobre duas telas brancas, lemos o diálogo entre um casal de jovens, que finalmente se separa. Tudo se dá via internet. E como tudo que se dá via internet, orkut, msn, facebooks etc., as palavras são quase sempre abreviadas e quando não o são, constatamos inacreditáveis agressões ao idioma - tão inacreditáveis que torna-se impossível conter o riso. Mas qual teria sido a razão que levou o autor/diretor Eduardo Wotzik a inserir essa curiosa conversa, já que tudo o que se segue se apóia em palavras? Palavras, diga-se de passagem, ausentes de bizarras mutilações e plenas de conteúdo? Bem, talvez consiga encontrar uma resposta satisfatória no decorrer desta crítica.
Inaugurando um novo espaço cênico, o Espaço I do Museu do Universo, no Planetário da Gávea, "Estilhaços" reúne 45 crônicas sobre vários aspectos do mundo de hoje, levantando questões éticas, morais e políticas. Mas se o olhar do autor prioriza o humor crítico sobre os temas que aborda, em contrapartida, em algumas passagens - e de forma imprevista - o riso se estanca, a respiração fica como que suspensa e o coração começa a bater mais acelerado. Essa alternância de climas é um dos grandes trunfos da presente montagem, que tem elenco formado por Analu Prestes, Clarisse Derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França.
Disse acima que tentaria encontrar uma explicação para o diálogo projetado na tela. É possível que Eduardo Wotzik tenha pretendido enfatizar a importância das palavras, sua inesgotável capacidade de nos gerar possíveis transformações através do que expressam. Estaria, portanto, estabelecendo um contraponto entre o mundo contemporãneo, que cada vez mais prioriza a redução, a preguiça e a descrença no poder das palavras, e um outro, o que se materializa na cena, e que defende justamente o inverso. E certamente por enfatizar a importância das palavras é que Wotzik criou uma encenação em que o enfático é a tônica.
Sábia solução, sem dúvida, pois do contrário as 45 crônicas apresentadas, ainda que excelentes, não produziriam no espectador o impacto que causam - ele certamente haveria de optar pela leitura das mesmas. Ou então tudo se resumiria a uma espécie de sarau num bar, regado a petiscos. Mas não: ao se apropriarem inteiramente das palavras, a ponto de julgarmos que são de sua autoria, e além disso proferí-las sempre com indispensável vigor, os atores conseguem encontrar (com a participação da direção, evidentemente) o único "lugar" possível para compartilhar suas dúvidas e eventuais certezas com a platéia.
E por estarem sempre misturados ao público, "emergindo" subitamente de diversificados locais, tive a sensação - e como eu, provavelmente muitos também a tiveram - de que aquelas palavras também eram minhas, já que estavam intimamente ligadas à minha vida. Assim, é como se tivesse me tornado autor de um texto que não escrevi, mas que já existia dentro mim em estado embrionário, à espera apenas de um canal que o libertasse. Para mim, em sua essência, "Estilhaços" é isso: a possibilidade que me é oferecida de entrar em profundo contato comigo mesmo e, portanto, com o mundo ao qual pertenço.
No tocante ao elenco, estamos diante de excelentes profissionais, com vastíssima experiência e maravilhosas contribuições a esta milenar e imprescindível arte, através da qual o homem discute suas questões essenciais. Mas aqui não há, no sentido estreito do termo, personagens a representar. Então, como explicar a contundência cênica do quarteto de intérpretes? Acho que pelo mesmo fenômeno que se deu comigo: porque todos também conseguiram se tornar "autores" de um texto que não escreveram. Assim, só me resta manifestar minha irrestrita admiração por Analu Prestes, Clarisse Derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França, e desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem esta montagem imprescindível.
Na equipe técnica, José Dias assina uma cenografia deslumbrante, em total sintonia com as propostas da direção, criando um espaço que, propositadamente, não identifica um lugar teatral - os espectadores se sentam em cubos de fiberglass, tendo a rodeá-los passarelas brancas. A mesma eficiência se faz presente na iluminação de Paulo César Medeiros, estruturada a partir de quatro calhas de lâmpadas fluorescentes. Perfeitamente irmanadas, cenografia e iluminação contribuem de forma decisiva para a criação de um espaço propositamente indefinido, mas certamente impregnado de magia.
ESTILHAÇOS - Texto e direção de Eduardo Wotzik. Com Analu Prestes, Clarisse derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França. Espaço I do Museu do Universo, no Planetário da Gávea. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Estilhaços"
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Imprescindíveis contatos no Universo
Lionel Fischer
No início, segundo dizem, era o Verbo. E aqui também. Projetado sobre duas telas brancas, lemos o diálogo entre um casal de jovens, que finalmente se separa. Tudo se dá via internet. E como tudo que se dá via internet, orkut, msn, facebooks etc., as palavras são quase sempre abreviadas e quando não o são, constatamos inacreditáveis agressões ao idioma - tão inacreditáveis que torna-se impossível conter o riso. Mas qual teria sido a razão que levou o autor/diretor Eduardo Wotzik a inserir essa curiosa conversa, já que tudo o que se segue se apóia em palavras? Palavras, diga-se de passagem, ausentes de bizarras mutilações e plenas de conteúdo? Bem, talvez consiga encontrar uma resposta satisfatória no decorrer desta crítica.
Inaugurando um novo espaço cênico, o Espaço I do Museu do Universo, no Planetário da Gávea, "Estilhaços" reúne 45 crônicas sobre vários aspectos do mundo de hoje, levantando questões éticas, morais e políticas. Mas se o olhar do autor prioriza o humor crítico sobre os temas que aborda, em contrapartida, em algumas passagens - e de forma imprevista - o riso se estanca, a respiração fica como que suspensa e o coração começa a bater mais acelerado. Essa alternância de climas é um dos grandes trunfos da presente montagem, que tem elenco formado por Analu Prestes, Clarisse Derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França.
Disse acima que tentaria encontrar uma explicação para o diálogo projetado na tela. É possível que Eduardo Wotzik tenha pretendido enfatizar a importância das palavras, sua inesgotável capacidade de nos gerar possíveis transformações através do que expressam. Estaria, portanto, estabelecendo um contraponto entre o mundo contemporãneo, que cada vez mais prioriza a redução, a preguiça e a descrença no poder das palavras, e um outro, o que se materializa na cena, e que defende justamente o inverso. E certamente por enfatizar a importância das palavras é que Wotzik criou uma encenação em que o enfático é a tônica.
Sábia solução, sem dúvida, pois do contrário as 45 crônicas apresentadas, ainda que excelentes, não produziriam no espectador o impacto que causam - ele certamente haveria de optar pela leitura das mesmas. Ou então tudo se resumiria a uma espécie de sarau num bar, regado a petiscos. Mas não: ao se apropriarem inteiramente das palavras, a ponto de julgarmos que são de sua autoria, e além disso proferí-las sempre com indispensável vigor, os atores conseguem encontrar (com a participação da direção, evidentemente) o único "lugar" possível para compartilhar suas dúvidas e eventuais certezas com a platéia.
E por estarem sempre misturados ao público, "emergindo" subitamente de diversificados locais, tive a sensação - e como eu, provavelmente muitos também a tiveram - de que aquelas palavras também eram minhas, já que estavam intimamente ligadas à minha vida. Assim, é como se tivesse me tornado autor de um texto que não escrevi, mas que já existia dentro mim em estado embrionário, à espera apenas de um canal que o libertasse. Para mim, em sua essência, "Estilhaços" é isso: a possibilidade que me é oferecida de entrar em profundo contato comigo mesmo e, portanto, com o mundo ao qual pertenço.
No tocante ao elenco, estamos diante de excelentes profissionais, com vastíssima experiência e maravilhosas contribuições a esta milenar e imprescindível arte, através da qual o homem discute suas questões essenciais. Mas aqui não há, no sentido estreito do termo, personagens a representar. Então, como explicar a contundência cênica do quarteto de intérpretes? Acho que pelo mesmo fenômeno que se deu comigo: porque todos também conseguiram se tornar "autores" de um texto que não escreveram. Assim, só me resta manifestar minha irrestrita admiração por Analu Prestes, Clarisse Derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França, e desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem esta montagem imprescindível.
Na equipe técnica, José Dias assina uma cenografia deslumbrante, em total sintonia com as propostas da direção, criando um espaço que, propositadamente, não identifica um lugar teatral - os espectadores se sentam em cubos de fiberglass, tendo a rodeá-los passarelas brancas. A mesma eficiência se faz presente na iluminação de Paulo César Medeiros, estruturada a partir de quatro calhas de lâmpadas fluorescentes. Perfeitamente irmanadas, cenografia e iluminação contribuem de forma decisiva para a criação de um espaço propositamente indefinido, mas certamente impregnado de magia.
ESTILHAÇOS - Texto e direção de Eduardo Wotzik. Com Analu Prestes, Clarisse derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França. Espaço I do Museu do Universo, no Planetário da Gávea. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
Kallias ou Sobre a Beleza
Friedrich Schiller
Quando se diz que uma pessoa está belamente vestida? Quando nem a roupa – através do corpo – nem o corpo – através da roupa – ferem algo em sua liberdade; quando a roupa se afigura como se nada tivesse a ver com o corpo e, no entanto, satisfaz à perfeição o seu fim. A beleza ou, antes, o gosto, considera todas as coisas como fins em si e simplesmente não tolera que uma sirva de meio para a outra ou suporte o jugo.
No mundo estético, todo ser natural é um cidadão livre que tem os mesmos direitos em relação ao mais nobre, e não lhe é permitido ser coagido, nem sequer por causa do todo, tendo simplesmente de consentir com o todo. Nesse mundo estético, que é um mundo totalmente diferente da mais perfeita república platônica, também o casaco que eu trago no corpo me exige respeito pela sua liberdade; e ele me pede, como um criado envergonhado, que eu não deixe ninguém perceber que ele me serve.
Em contrapartida, ele também me promete usar sua liberdade tão modestamente que a minha nada sofrerá com isso; e se ambos mantêm a palavra, então todo mundo dirá que estou belamente vestido. Se, pelo contrário, o casaco aperta, então ambos perdemos, o casaco e eu, em nossa liberdade.
Por isso todos os tipos de roupa totalmente justas e totalmente largas são igualmente pouco belas; pois se não levamos em conta que ambas limitam a liberdade de movimentos, o corpo, com roupa justa, mostra sua figura apenas ao custo da roupa e, com roupa larga, o casaco esconde a figura do corpo, inflando-se com sua figura e reduzindo o seu dono a seu mero portador.
Uma bétula, um pinheiro, um choupo são belos se se erguem de modo esguio; um carvalho, se verga; a causa está em que, abandonados a si mesmos, este ama a orientação curva e aqueles, ao contrário, a orientação reta. Mas se o carvalho se mostra esguio e a bétula curvada, então ambos não são belos, pois suas orientações traem uma influência estranha, heteronomia. Ao contrário, se o choupo é vergado pelo vento, então o achamos de novo belo, pois manifesta sua liberdade através de seu esguio movimento oscilante.
____________________
Este pequeno fragmento foi extraído do livro “Kallias ou Sobre a Beleza”, que exibe a correspondência entre Schiller e Körner no período janeiro-fevereiro de 1793. Jorge Zahar Editor. Tradução e introdução de Ricardo Barbosa.
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Diretor:
figura decorativa ou tirano?
Afinal, o que ele faz?
Domingos Oliveira
Segundo o bom Truffaut, na Noite Americana, o diretor é um homem que responde a perguntas. Realmente é impressionante a quantidade de questões que temos de responder no decurso de um ensaio. O que que faço? Que luz acende? Qual é o som? A que horas é o próximo ensaio? Será que eu tenho jeito? E mil outras coisas. Impressionante também a rapidez com que essas perguntas são feitas. Se você hesitar nas respostas, a peça não estréia. Isso faz com que um bom diretor seja um homem intuitivo, confiante em seus palpites e intuições, menos racional do que parece. Um bom diretor raramente pensa duas vezes. Confia na primeira resposta, possui uma comovente irresponsabilidade.
Sem dúvida, ele é o organizador daquele caos. Para o qual deve ter um plano inicial, um projeto. Mesmo que seja o de fomentar o citado caos. Somente os anjos, disse Gaudi, conseguem construir uma catedral sem projeto.
Objetivamente, não há dúvida de que ele representa a platéia. É uma pessoa que foi eleita pelos atores e a equipe para representar essa função, sem a qual o fenômeno teatral não se cristaliza. É ao diretor que se pergunta, durante os ensaios, se está bom ou ruim, se ele gosta ou não. É à platéia que, durante os espetáculos, tacitamente se fará a mesma pergunta.
É também um provocador. Os artistas possuem segredos e valores ocultos. É preciso cutucá-los com vara curta para romper essa bolsa criativa.
É evidente que, desde a primeira leitura, um diretor deve ter uma resposta interna quanto ao texto que vai montar. Quando um diretor lê o texto que o agrada, ele vê um espetáculo. Durante algum tempo acreditei que todas as pessoas faziam isso ao lerem uma peça de teatro.
Depois constatei que não. Apenas as vocações de diretor possuem esse tipo de imaginação. Cuidado, porém! Pois essa resposta interna, por mais acabada e inspirada que seja, serve apenas como início.
A distância que vai entre a imaginação de um autor (convertida em texto) e um espetáculo no palco é, como sempre entre a intenção e o gesto, enorme. O embate com o real é violentíssimo. Da coerência de uma cabeça criadora (o autor), o texto é jogado sobre a mesa da primeira leitura, entre muitas cabeças criadoras (diretor, atores, equipe). Como um cristão entre as feras. O diretor é aquele que acha belo esse fenômeno. Que é capaz de harmonizá-lo. Transformar diferenças em somas. Não se trata de evitar que as feras briguem, não se trata de realizar acordos políticos. Trata-se de criar alianças em torno de um mesmo fim.
Escalar uma equipe, escolher as pessoas, eis a tarefa que demanda mais talento. Dado o texto e uma vez escolhidas as pessoas, a sorte está lançada. Se a equação humana fechar corretamente, tudo serão prazeres e facilidades. Se houver uma rachadura, nada poderá evitar o desastre. É portanto numa fase anterior ao início dos trabalhos que o destino de uma direção fica determinado. Na hora de escolher as pessoas é preciso que o diretor recolha toda sua sabedoria, reze a seus mais fiéis deuses. É preciso que ele tenha consciência de que é nesta hora que a maior parte de seu trabalho está sendo feito.
Claro que um diretor deve também saber lidar com seus atores (e equipe). Resumindo uma velha teoria: nunca fui a favor de muita conversa. Com o cenógrafo, figurinista, ainda vai. Com os atores, jamais. Ensaio é para ensaiar, não para conversar. Cuidado com a teorização. Muitos atores exigirão teorias loga na primeira leitura. Discursos imensos sobre a peça, o autor, a época, os personagens. Evite fazer esse discurso imenso, evite mesmo um mínimo discurso. Por quê? Porque a teorização é o grande recurso do qual o ator lança mão para não trabalhar.
Os atores não gostam que se fale com eles. O diálogo, de modo geral, só é produtivo quando franco. A psicologia dos atores é delicada demais, frágil demais para suportar a franqueza. Não estou propondo a mentira como método de trabalho, absolutamente. Mas tente a comunicação através de meios não-verbais. Climas, olhares, jogos, propostas de ensaio. Provoque a criatividade, não alimente discussões. Palavras são coisas perigosas, coisas de intelectual. Palavras são coisas civilizadas. E os atores são bárbaros.
Convém aqui lembrar uma função secundária do diretor. Ele é o pai dos atores. Rarissimamente você não é requisitado para esta posição espúria. Os atores expões seus problemas mais íntimos para você, exigem ser amados, têm ciúmes uns dos outros, te acompanham ao bar, isto para não falar de amores. Já disse Freud que a civilização começa com o assassinato do pai, de modo que você deve tomar todo cuidado que puder, usando para isso todos os anos de análise que tiver. Contorne esse ponto com violência, se não quiser ficar louco. Ou seja, berre rotineiramente: "Não sou pai de ninguém, aqui é tudo gente grande!". Mesmo que você esteja convencido da falsidade desta afirmação.
O diretor deve saber esperar. Não imponha suas convicções, isso cria resistências. Esperar é o segredo. Espere o dia em que os atores chegarão às mesmas conclusões a que você já chegou, faz muito tempo, mas com a certeza absoluta de que se trata de conclusões deles!
Resta comentar que é uma boa e bela profissão. Inclusive porque contém a hora de ir embora. Lembre sempre a seus atores que você está ali por pouco tempo! Que aproveitem avaramente a sua presença, posto que, alguns dias depois da estréia, você vai embora. Quando um espetáculo está em cena, todas as noites, diante do público, ele pertence aos atores. Mesmo que você, como diretor, tente o contrário. Neste momento é inevitável o sentimento do pai. Como acontece sempre, chega a hora em que os filhos crescem e vão embora.
O diretor fica numa posição bem desconfortável, diante dos atores, depois da estréia. Quando suas opiniões são confrontadas, dia a dia, com a reação do público. Ele passa a ser tratado, nos camarins, com uma certa complacência delicada, a mesma que seria devida a um intruso querido. E dificilmente consegue ser levado a sério, como nos ensaios. Por outro lado, ele próprio se pergunta até que ponto tem direito de interferir num processo tão violento quanto o que os atores enfrentam diante do público.
Antes de continuar, eu gostaria de esclarecer que tenho pelos atores o mais pleno respeito, apesar de todas as observações feitas neste livro quanto a seu tipo de comportamento. Como diretor, sei que são eles que vão estar lá em cima, sobre as tábuas. E que minha função é apenas ajudá-los a permanecer lá com a dignidade necessária. Eles entregarão, com generosidade, seu corpo e alma ao público, todas as noites. Eles viverão, todas as noites, a solidão imensa do ator. Oscar Wilde dizia que o modelo de todas as artes, como forma, é a música. Como sentimento, é a arte do ator.
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Fragmento extraído do livro "Do tamanho da vida - reflexões sobre o teatro". Coleção Documentos (Minc/INACEN)
figura decorativa ou tirano?
Afinal, o que ele faz?
Domingos Oliveira
Segundo o bom Truffaut, na Noite Americana, o diretor é um homem que responde a perguntas. Realmente é impressionante a quantidade de questões que temos de responder no decurso de um ensaio. O que que faço? Que luz acende? Qual é o som? A que horas é o próximo ensaio? Será que eu tenho jeito? E mil outras coisas. Impressionante também a rapidez com que essas perguntas são feitas. Se você hesitar nas respostas, a peça não estréia. Isso faz com que um bom diretor seja um homem intuitivo, confiante em seus palpites e intuições, menos racional do que parece. Um bom diretor raramente pensa duas vezes. Confia na primeira resposta, possui uma comovente irresponsabilidade.
Sem dúvida, ele é o organizador daquele caos. Para o qual deve ter um plano inicial, um projeto. Mesmo que seja o de fomentar o citado caos. Somente os anjos, disse Gaudi, conseguem construir uma catedral sem projeto.
Objetivamente, não há dúvida de que ele representa a platéia. É uma pessoa que foi eleita pelos atores e a equipe para representar essa função, sem a qual o fenômeno teatral não se cristaliza. É ao diretor que se pergunta, durante os ensaios, se está bom ou ruim, se ele gosta ou não. É à platéia que, durante os espetáculos, tacitamente se fará a mesma pergunta.
É também um provocador. Os artistas possuem segredos e valores ocultos. É preciso cutucá-los com vara curta para romper essa bolsa criativa.
É evidente que, desde a primeira leitura, um diretor deve ter uma resposta interna quanto ao texto que vai montar. Quando um diretor lê o texto que o agrada, ele vê um espetáculo. Durante algum tempo acreditei que todas as pessoas faziam isso ao lerem uma peça de teatro.
Depois constatei que não. Apenas as vocações de diretor possuem esse tipo de imaginação. Cuidado, porém! Pois essa resposta interna, por mais acabada e inspirada que seja, serve apenas como início.
A distância que vai entre a imaginação de um autor (convertida em texto) e um espetáculo no palco é, como sempre entre a intenção e o gesto, enorme. O embate com o real é violentíssimo. Da coerência de uma cabeça criadora (o autor), o texto é jogado sobre a mesa da primeira leitura, entre muitas cabeças criadoras (diretor, atores, equipe). Como um cristão entre as feras. O diretor é aquele que acha belo esse fenômeno. Que é capaz de harmonizá-lo. Transformar diferenças em somas. Não se trata de evitar que as feras briguem, não se trata de realizar acordos políticos. Trata-se de criar alianças em torno de um mesmo fim.
Escalar uma equipe, escolher as pessoas, eis a tarefa que demanda mais talento. Dado o texto e uma vez escolhidas as pessoas, a sorte está lançada. Se a equação humana fechar corretamente, tudo serão prazeres e facilidades. Se houver uma rachadura, nada poderá evitar o desastre. É portanto numa fase anterior ao início dos trabalhos que o destino de uma direção fica determinado. Na hora de escolher as pessoas é preciso que o diretor recolha toda sua sabedoria, reze a seus mais fiéis deuses. É preciso que ele tenha consciência de que é nesta hora que a maior parte de seu trabalho está sendo feito.
Claro que um diretor deve também saber lidar com seus atores (e equipe). Resumindo uma velha teoria: nunca fui a favor de muita conversa. Com o cenógrafo, figurinista, ainda vai. Com os atores, jamais. Ensaio é para ensaiar, não para conversar. Cuidado com a teorização. Muitos atores exigirão teorias loga na primeira leitura. Discursos imensos sobre a peça, o autor, a época, os personagens. Evite fazer esse discurso imenso, evite mesmo um mínimo discurso. Por quê? Porque a teorização é o grande recurso do qual o ator lança mão para não trabalhar.
Os atores não gostam que se fale com eles. O diálogo, de modo geral, só é produtivo quando franco. A psicologia dos atores é delicada demais, frágil demais para suportar a franqueza. Não estou propondo a mentira como método de trabalho, absolutamente. Mas tente a comunicação através de meios não-verbais. Climas, olhares, jogos, propostas de ensaio. Provoque a criatividade, não alimente discussões. Palavras são coisas perigosas, coisas de intelectual. Palavras são coisas civilizadas. E os atores são bárbaros.
Convém aqui lembrar uma função secundária do diretor. Ele é o pai dos atores. Rarissimamente você não é requisitado para esta posição espúria. Os atores expões seus problemas mais íntimos para você, exigem ser amados, têm ciúmes uns dos outros, te acompanham ao bar, isto para não falar de amores. Já disse Freud que a civilização começa com o assassinato do pai, de modo que você deve tomar todo cuidado que puder, usando para isso todos os anos de análise que tiver. Contorne esse ponto com violência, se não quiser ficar louco. Ou seja, berre rotineiramente: "Não sou pai de ninguém, aqui é tudo gente grande!". Mesmo que você esteja convencido da falsidade desta afirmação.
O diretor deve saber esperar. Não imponha suas convicções, isso cria resistências. Esperar é o segredo. Espere o dia em que os atores chegarão às mesmas conclusões a que você já chegou, faz muito tempo, mas com a certeza absoluta de que se trata de conclusões deles!
Resta comentar que é uma boa e bela profissão. Inclusive porque contém a hora de ir embora. Lembre sempre a seus atores que você está ali por pouco tempo! Que aproveitem avaramente a sua presença, posto que, alguns dias depois da estréia, você vai embora. Quando um espetáculo está em cena, todas as noites, diante do público, ele pertence aos atores. Mesmo que você, como diretor, tente o contrário. Neste momento é inevitável o sentimento do pai. Como acontece sempre, chega a hora em que os filhos crescem e vão embora.
O diretor fica numa posição bem desconfortável, diante dos atores, depois da estréia. Quando suas opiniões são confrontadas, dia a dia, com a reação do público. Ele passa a ser tratado, nos camarins, com uma certa complacência delicada, a mesma que seria devida a um intruso querido. E dificilmente consegue ser levado a sério, como nos ensaios. Por outro lado, ele próprio se pergunta até que ponto tem direito de interferir num processo tão violento quanto o que os atores enfrentam diante do público.
Antes de continuar, eu gostaria de esclarecer que tenho pelos atores o mais pleno respeito, apesar de todas as observações feitas neste livro quanto a seu tipo de comportamento. Como diretor, sei que são eles que vão estar lá em cima, sobre as tábuas. E que minha função é apenas ajudá-los a permanecer lá com a dignidade necessária. Eles entregarão, com generosidade, seu corpo e alma ao público, todas as noites. Eles viverão, todas as noites, a solidão imensa do ator. Oscar Wilde dizia que o modelo de todas as artes, como forma, é a música. Como sentimento, é a arte do ator.
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Fragmento extraído do livro "Do tamanho da vida - reflexões sobre o teatro". Coleção Documentos (Minc/INACEN)
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Múltipla Escolha
1. No século XVIII, durante o período colonial, os palcos norte-americanos eram dominados por:
a) Peças inglesas
b) Pantomimas
c) Óperas-balada
d) Operetas
e) nenhuma das respostas anteriores
2. O século XIX marcou a estréia das extravaganzas. Algumas de suas características se encontram abaixo relacionadas?
a) Enredos não necessariamente consistentes
b) Profusos efeitos de palco
c) Os atores eram invariavelmente cômicos
d) Tudo acontecia numa atmosfera extravagante
e) Dois itens estão corretos
3. Ainda no século XIX, surgiram as operetas, gênero criado pelo violoncelista alemão Jacques Offenbach, radicado na França. Em relação às extravaganzas, o que foi que mudou?
a) As melodias eram contagiantes
b) O estilo era operístico
c) A comicidade marcava as tramas
d) Sátira política e insinuações sexuais eram constantes
e) Todas as respostas estão corretas
4. O burlesco começou em Londres, e parodiava peças de Shakespeare, operetas ou óperas sérias populares em Londres. Quando o gênero foi exportado para os Estados Unidos, em 1840, fez enorme sucesso. Pois bem: dentre suas muitas contribuições ao teatro, algumas se encontram abaixo relacionadas?
a) Sacudiu a moral da época
b) Instituiu o formato em três atos
c) Mudou o papel da mulher no palco
d) Reforçou o apelo sexual
e) Todas as respostas estão certas
5. No início do século XX, a Broadway já contava com 33 teatros. Em 1903, Frank L. Baum escreveu o roteiro e as letras das músicas de um musical infantil que se tornaria um clássico. Qual seria?
a) O mágico de Oz
b) Florodora
c) A garota de Utah
d) A viúva alegre
e) Nenhuma das respostas anteriores
6. Shuffle along (1921), musical só com atores negros, revelou uma estrela. Seu nome consta da relação que se segue?
a) Josephine Baker
b) Laura Hamilton
c) Elizabeth Wingfield
d) Mariana Jones
e) O item correto é o C
7. A década de 50 dá início ao que se costuma chamar de “musical show” - grandes histórias contadas com canções memoráveis e coreografias modernas. Dentre os maiores sucessos do período, três se encontram abaixo citados. Você saberia identificá-los?
a) The king and I
b) My fair lady
c) West side story
d) The silence
e) Os ítens a, b e c estão corretos
8. Nos anos 70, Stephen Sondheim introduziu com muito sucesso o chamado “musical conceito”. Em quem consistia a novidade?
a) Shows construídos em torno de uma idéia
b) Valorização da história
c) Barateamento das produções
d) Só atores politizados eram admitidos
e) Todas as respostas estão erradas
9. Os mega-musicais ingleses ditaram a moda nos anos 80, tendo por características pouco peso intelectual, muitos efeitos especiais e marketing pesado. Dos musicais abaixo relacionados, dois fizeram um sucesso estrondoso. Você conseguiria...?
a) Cats
b) The phantom of the opera
c) Woman of the year
d) My one and only
e) Os ítens a e b estão corretos
10. Nos anos 90, os mega-musicais já não atraíam o mesmo público, o que inevitavelmente gerava prejuízos. É então que surge o chamado “musical de empresa”, patrocinado por empresas de entretenimento. Alguma das citadas esteve efetivamente envolvida com a produção de musicais?
a) Coca-Cola
b) Disney
c) IBM
d) Ford
e)Nenhuma das respostas anteriores
11. Da mesma forma que a tragédia, a comédia também se originou nas festas celebradas em louvor a Dionísio. Pois bem: que predicados possuía este deus?
a) Era o deus do vinho e da fecundidade
b) Era o deus do vinho e da fartura
c) Era o deus da fecundidade e da sorte
d) Era o deus da guerra e do amor
e) Nenhuma das respostas anteriores
12. Em sua estrutura definitiva, a comédia se firmou cerca de cem anos depois da tragédia, no século V ªC. E em sua evolução tiveram grande importância os fliacos e as falofórias. Então, vamos por partes: você sabe quem ou o que eram os fliacos?
a) Instrumentos de sopro
b) Tambores gigantescos
c) Eunucos muito afinados
d) Atores ambulantes
e) Nenhuma das respostas anteriores
13. E quanto as falofórias?
a) Escravas núbias
b) Sacerdotisas do templo
c) Procissões dionisíacas
d) Cantigas ancestrais
e) Nenhuma das respostas anteriores
14. Os primeiros atores costumavam se apresentar em qual das opções?
a) Toscos palcos de madeira
b) Do lado oeste da Acrópole
c) À beira-mar
d) Na entrada de Atenas
e) Nenhuma das respostas anteriores
15. Nas procissões dionisíacas se transportava o falo. Qual era a sua simbologia?
a) Felicidade conjugal
b) Procriação
c) Virilidade
d) Coragem
e) O item b está correto
16. Como terminavam as procissões dionisíacas?
a) Com o sacrifício de um bode
b) Com uma bebedeira generalizada
c) Com orgias desenfreadas
d) Com lutas entre desafetos
e) Nenhuma das respostas anteriores
17. Os desfiles em homenagem a Dionísio contavam com a participação de três grupos: as caneforas, os falóforos e os comastas. Vamos ao primeiro deles: qual a sua função?
a) Levar objetos para o sacrifício
b) Entoar cânticos delirantes
c) Fazer a apologia do corpo
d) Recordar vitórias em batalhas
e) Só um item está correto
18. E quanto aos falóforos?
a) Zelavam pela ordem
b) Empunhavam lanças
c) Protegiam as canéforas
d) Constituíam a elite militar de Atenas
e) Nenhuma das respostas anteriores
19. E no que diz respeito aos comastas?
a) Eram representantes da aristocracia
b) Integravam a elite sacerdotal
c) Eram os responsáveis pelos cânticos
d) Pertenciam à casa real
e) Nenhuma das respostas anteriores
20. Os figurinos, no teatro grego, indicavam algo mais do que a classe social a qual pertenciam os personagens?
a) Indicavam o sexo
b) Indicavam o prestígio
c) Indicavam o estado emocional
d) Indicavam a idade
e) Nenhuma das respostas anteriores
21 COMMEDIA DELL’ARTE
a) Forma de teatro cômico originária da Itália
b) Espetáculo com diálogo improvisado
c) Comédia com temas ligados à arte
d) Montagens com cenografia definida
e) Duas respostas estão corretas
22 DRAMA DA RESTAURAÇÃO
a) Peças centradas na restauração do espaço cênico
b) Textos montados para a criadagem palaciana
c) Dramaturgia inglesa após a restauração da Monarquia (1660 a 1700)
d) Montagens assistidas por nobres e aristocratas da corte de Charles II
e) Nenhuma das respostas anteriores
23 FARSA
a) Gênero com muitas pretensões intelectuais
b) Humor centrado em atividades físicas e efeitos visuais
c) Ausência total de violência e ritmo acelerado
d) Casamento, leis e negócios jamais são abordados
e) Duas respostas estão corretas
24 MASCARADA
a) Forma espetacular e luxuosa de divertimento teatral
b) Foi criada na Itália renascentista, chegando mais tarde à França e Inglaterra
c) Era apresentada apenas uma vez para nobres e aristocratas
d) Combinava poesia, música, figurinos elaborados e grandes efeitos de maquinaria
e) Todas as respostas estão corretas
25 PANTOMIMA
a) Originalmente, um entretenimento etrusco
b) Gênero criado em Roma
c) A narração era cantada pelo coro
d) A ação ocorria sob a forma de danças
e) Três itens estão corretos
26 SÁTIRA
a) Gênero que utiliza técnicas de comédia
b) Visa expor criticamente certas situações
c) Jamais foi utilizada por Molière
d) Bernard Shaw tinha horror à sátira
e) Dois itens estão corretos
27 TEATRO DA CRUELDADE
a) Gênero criado por presidiários de San Quentin
b) Teatro baseado em magias e ritos
c) Antonin Artaud abominava o gênero
d) Antonin Artaud foi o criador do gênero
e) Nenhuma das respostas anteriores
28 TEATRO POBRE
a) Criado por palestinos na Faixa de Gaza
b) Iniciativa de uma Ong norueguesa
c) Idealizado pelo polonês Jerzy Grotowski
d) Teatro que dispensava cenários luxuosos
e) Os itens C e D estão corretos
29 TEATRO ÉPICO
a) Estruturado em torno de epopéias
b) Visava mais ao intelecto do que ás emoções
c) Peças episódicas com canções narrativas
d) Gênero criado por Bertolt Brecht
e) Três itens estão corretos
30 TEATRO DO ABSURDO
a) Dramatização do absurdo e futilidade da existência
b) Gênero que dispensa a ação lógica
c) Textos que exibem comportamentos inapropriados
d) Gênero criado nos anos 50
e) Todas as respostas estão corretas
31. A partir da Revolução Francesa, os grandes artistas começaram a assumir uma posição crescentemente hostil à sociedade do seu tempo - até então, a tendência dominante era a celebração da ordem existente, de origem divina e corporificada na aristocracia. Mais adiante, com o advento da Revolução Industrial, foram criados mecanismos coletivos de domínio sobre o indivíduo, que encontram seu apogeu de opressão na era da tecnologia. Pois bem: você acredita que as duas Revoluções possam ter contribuído para o posterior surgimento do Teatro de Protesto?
a) Não: o Teatro de Protesto é anterior a ambas
b) Não: o Teatro de Protesto remonta à Grécia Antiga
c) Não: o Teatro de Protesto foi criado por Plauto
d) Os itens a e b estão corretos
e) Sim
32. Considerado o expoente máximo do teatro naturalista e tido como o pai do teatro moderno, o norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) escreveu textos memoráveis. E é de sua autoria um drama duplo, com um total de 10 atos. Ele se encontra na lista abaixo?
a) Romersholm / Hedda Gabler
b) Um inimigo do povo / O construtor
c) O pato selvagem / Peer Gynt
d) Imperador / Galileu
e) Nenhuma das respostas anteriores
33. Mais do que qualquer outro dramaturgo, o sueco August Strindberg (1849-1912) escreve-se a si próprio, e o eu que continuamente expressa é o do moderno homem alienado, arrastando-se entre o céu e a terra, desesperadamente tentando arrancar alguns absolutos de um universo abandonado. Uma de suas peças mais célebres se encontra abaixo relacionada?
a) O sonho
b) O bravo soldado Scheik
c) A morte do caixeiro viajante
d) Rei Lear
e) O item a está correto
34. O russo Anton Tchecov (1860-1904) escreveu, dentre muitas obras-primas, uma em que retratava a decadência da aristocracia rural e a ascensão da burguesia. Você conseguiria identificá-la na relação que se segue?
a) Tio Vânia
b) O jardim das cerejeiras
c) A gaivota
d) Platonov
e) Nenhuma das respostas anteriores
35. Partidário de um teatro francamente doutrinário em substituição à tradição romântica, o irlandês George Bernard Shaw (1856-1950) escreveu o seguinte, no prefácio de uma de suas peças: “O drama de puro sentimento deixou de estar nas mãos do dramaturgo; foi conquistado pelo compositor musical...e não existe, francamente, futuro algum para qualquer drama que não seja o drama de pensamento”. Pois bem: você saberia indicar qual de suas peças, abaixo relacionadas, teve como prefácio o texto acima relacionado?
a) A profissão da srª Warren
b) Major Bárbara
c) Volta a Matusalém
d) Homem e superhomem
e) Nenhuma das respostas anteriores
36. Autor cuja obra completa expusemos no nº 170 dos Cadernos de Teatro, o alemão Bertolt Brecht (1898-1956) escreveu, aos 25 anos, uma de suas peças mais célebres, ambientada em Chicago e estruturada ao longo de 11 cenas. Qual seria?
a) Baal
b) Galileu, Galilei
c) Na selva das cidades
d) Aquele que diz sim, aquele que diz não
e) A alma boa de Setsuã
37. Embora cumulado de honrarias em vida, o italiano Luigi Pirandello (1867-1936) julgava-se incompreendido e pouco apreciado. Quando a crítica se manifestou desfavoravelmente a uma de suas peças, declarou o seguinte: “A Itália terá de expiar a vergonha de não ter me compreendido e me tratado injustamente”. Depois de qual texto ele escreveu o transposto acima?
a) Assim é, se lhe parece
b) Vestir os nus
c) Lázaro
d) Seis personagens em busca de um autor
e) Os gigantes da montanha
38. O norte-americano Eugene O’Neill(1888-1953) é considerado o pioneiro do moderno teatro americano. Autor de textos memoráveis, dentre eles Além do horizonte, O imperador Jones e Longa jornada noite adentro, O’Neill teve duas fortes influências. Elas se encontram na relação abaixo?
a) Ibsen
b) Strindberg
c) Tragédia grega
d) Shakespeare
e) Três ítens estão corretos
39. O francês Antonin Artaud (1896-1948) foi escritor, poeta, ator e diretor. Mas não passou à imortalidade em função de nenhuma de suas realizações no campo do fazer teatral, e sim graças a um livro que teria influência decisiva sobre o teatro do século XX. O livro está abaixo relacionado?
a) A arte da encenação
b) O teatro e seu duplo
c) O ator: elemento essencial da cena
d) Em busca de um teatro pobre
e) Nenhuma das respostas anteriores
40. Ladrão confesso e homossexual assumido, o francês Jean Genet (1910-1986) passou grande parte de sua vida na cadeia. Ainda assim, sempre contou com a simpatia da maior parte dos intelectuais franceses, dentre eles Jean-Paul Sartre. Dos textos abaixo, três são de sua autoria. Você consegue identificá-los?
a) As criadas
b) O balcão
c) Os negros
d) Roberto Zucco
e) Os itens a, b e c estão corretos
41. “Um mundo que pode ser explicado pelo raciocínio, por mais falho que seja este, é um mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e de luz o homem se sente um estranho. Seu exílio é irremediável, porque foi privado da lembrança de uma pátria perdida tanto quanto da esperança de uma terra de promissão futura. Esse divórcio entre o homem e sua vida, entre o ator e seu cenário, em verdade constitui o sentimento do Absurdo”. Este pensamento foi formulado por um dos maiores escritores do século passado, também autor de peças notáveis. Seu nome consta da lista abaixo?
a) Albert Camus
b) Bertolt Brecht
c) Ariano Suassuna
d) Gabriel García Márquez
e) Nenhuma das respostas anteriores
42. Existem muitas formas de se definir o Teatro do Absurdo, muitos modos de encarar o gênero. Algo relativo a ele se encontra relacionado abaixo?
a) Tentativa de chocar o espectador, assustando-o
b) Humor desenfreado e isento de lógica
c) Sensação de que certezas inabaláveis desapareceram
d) Textos fragmentados com estrutura cinematográfica
e) Nenhuma das respostas anteriores
43. O irlandês Samuel Beckett é um dos expoentes do Teatro do Absurdo. Duas de suas peças mais famosas estão na lista que se segue. Você saberia apontá-las?
a) Fim de jogo
b) O amante de madame Vidal
c) Os fuzis da senhora Carrar
d) O interrogatório
e) Esperando Godot
44. Em sua primeira peça, A paródia, Arthur Adamov fez uma tentativa de dialogar com a neurose, de tornar concretos certos estados psicológicos. Na segunda, A invasão, enveredou por um caminho completamente diverso, tentando retratar:
a) personagens reais em situações reais
b) a angústia física decorrente da solidão
c) a insuportável ausência de Deus
d) embates amorosos de um casal paranóico
e) nenhuma das respostas anteriores
45. Decidido a aprender inglês, o romeno Eugène Ionesco comprou uma apostila: “Eu copiava frases inteiras com o objetivo de decorá-las. Mas, ao relê-las atentamente, o que aprendi não foi inglês, mas algumas verdades surpreendentes: que, por exemplo, há sete dias na semana, que o chão é embaixo e o teto no alto etc. Mais adiante, com o aparecimento de Mr. e Mrs. Smith, as lições se tornaram mais complexas - Mrs. Smith informa ao marido que eles têm vários filhos, que moram nas redondezas de Londres, que Mr. Smith trabalha num escritório, que o casal tem uma empregada chamada Mary..”. Uma vez concluído o manual, Ionesco escreveu sua primeira e talvez mais famosa peça:
a) Calígula
b) Noites brancas
c) A cantora careca
d) Desejo sob os olmos
e) A mandrágora
46. Ladrão confesso, assíduo freqüentador de prisões e homossexual assumido, o francês Jean Genet teve em Jean-Paul Sartre um de seus maiores admiradores. Uma de suas obras mais famosas foi apresentada em São Paulo, em inesquecível versão assinada por Victor Garcia. Qual seria?
a) Alto controle
b) As criadas
c) O balcão
d) Os negros
e) Os biombos
47. Jean Tardieu é o autor cuja obra apresenta a maior gama de experimentações - ele chegou a escrever uma peça na qual não aparece nenhum personagem. Na realidade, quase todos os seus textos são mais esquetes do que propriamente peças em um ato. Mesmo assim, algumas delas continuam a ser encenadas com freqüência. Dos textos abaixo, qual marcou sua estréia na cena parisiense?
a) Quem está aí?
b) A polidez inútil
c) Oswaldo e Zenaide
d) Havia multidões no solar
e) Só eles o sabem
48. Um dos mais poderosos autores do Teatro do Absurdo, o espanhol Fernando Arrabal deixou uma obra que tem, como uma de suas principais características, a presença de personagens que vêem a situação humana com olhos infantis. E sua crueldade advém do fato de que não compreenderam, ou sequer notaram, a existência de uma lei moral. Também como crianças, eles sofrem as crueldades do mundo como flagelos incompreensíveis. Pois bem: os três textos abaixo são de autoria de Arrabal?
a) Piquenique no front
b) Cemitério de automóveis
c) Fando e Lis
d) Só os dois primeiros
e) Sim
49. Maior dramaturgo inglês do Teatro do Absurdo, Harold Pinter escreveu peças memoráveis, inclusive algumas concebidas para o rádio. Em uma delas, só dois personagens falam, enquanto o terceiro permanece mudo!? Qual seria?
a) O quarto
b) O monta-carga
c) Festa de aniversário
d) O inoportuno
e) Uma ligeira dor
50. Em sua peça de estréia, o norte-americano Edward Albee elegeu como tema central a incapacidade de comunicação - o protagonista tenta desesperadamente estabelecer contato tanto com um cachorro quanto com outra pessoa, mas fracassa em ambas as tentativas. Este texto está abaixo relacionado?
a) A história do zoológico
b) O sonho americano
c) Um equilíbrio delicado
d) A morte de Bessie Smith
e) Nenhuma das respostas anteriores
51. O teatro brasileiro surgiu em S. Vicente com o objetivo de ser uma espécie de escola de catequese espiritual, artística e religiosa. Foi criado por iniciativa do provincial da Missão Jesuíta. Pois bem: seu nome consta da relação abaixo?
a) Orlando Damasceno
b) Fernando Meirelles
c) Manuel da Nóbrega
d) Constâncio Ferreira
e) Nenhuma das respostas anteriores
52. O provincial da Missão Jesuíta efetivamente criou o teatro brasileiro. Mas ele não ensaiava os “atores” e não escrevia textos, função exercida por:
a) Padre José de Anchieta
b) Cônego Martins Otacílio
c) Monsenhor Flávio Alcântara
d) Conselheiro Demóstenes Fiúza
e) Nenhuma das respostas anteriores
53. O primeiro teatro a existir no Rio de Janeiro chamava-se Teatro dos Índios de
S. Lourenço. Algumas das características desse espaço estariam abaixo relacionadas?
a) Tablado cercado por festões vegetais
b) Duas cortinas vermelhas como pano de boca
c) Camarote lateral para os padres da Companhia de Jesus
d) Os itens a, b e c estão corretos
e) Não
54. Em 1584, durante os festejos de S. Sebastião, realizou-se no Rio de Janeiro, no adro da Igreja da Misericórdia, uma representação solene do Auto da Pregação Universal, de José de Anchieta. Esse evento de gala foi prestigiado por um dos mais importantes personagens da História do Rio de Janeiro. Quem teria sido?
a) Cacique Araribóia
b) Estácio de Sá
c) Mem de Sá
d) Antônio Gusmão
e) Nenhuma das respostas anteriores
55. Na segunda metade do século XVIII surgem, no Brasil, as primeiras casas de espetáculos. E em 1794 o País recebe, pela primeira vez, a visita de uma companhia européia, liderada por um ator de renome. Se nome consta da relação abaixo?
a) Antônio José de Almeida
b) Antônio José de Paula
c) José Antônio Ferreira
d) José Antônio Nepomuceno
e) Nenhuma das respostas anteriores.
56. Em 1729, para celebrar o casamento do Príncipe do Brasil com a Infanta de Castela, foram encenadas na Bahia seis comédias, duas delas abaixo citadas. Quais seriam?
a) Fineza contra fineza, de Calderón de la Barca
b) El desdén com el desdén, de Moreto
c) No digas nada, autor anônimo
d) La muerte del infante, autor anônimo
e) Os itens a e b estão corretos
57. O pernambucano Luís Álvares Pinto (1719-1789) foi o primeiro autor brasileiro a ser encenado. Sua obra de estréia chamava-se:
a) Amor mal correspondido
b) Trapaças do amor
c) Galanteios fugidios
d) Paixões impossíveis
e) Nenhuma das respostas anteriores
58. A transferência da família real portuguesa para o Brasil teve repercussão sobre a vida teatral, o mesmo ocorrendo com a música e o drama lírico. Em 1813, abria suas portas no Rio um teatro que viria a se tornar de granhde importância para a cidade. Você saberia identificá-lo?
a) Teatro João Caetano
b) Teatro Carlos Gomes
c) Real Teatro S. João
d) Real Teatro S. Bartolomeu
e) Nenhuma das respostas anteriores
59. Três nomes da primeira geração romântica contribuíram decisivamente para imprimir feições nacionais ao teatro brasileiro. Seus nomes constam da relação abaixo?
a) Gonçalves de Magalhães
b) Martins Pena
c) João Caetano
d) Carlos Gomes
e) Os itens a, b e c estão corretos
60. Um dos maiores escritores brasileiros, autor de romances e contos memoráveis, também chegou a namorar o palco, para o qual escreveu algumas comédias, sendo a mais conhecida Quase ministro. Mas sua produção dramatúrgica não pode sequer ser comparada à sua produção literária. Quem seria esse “monstro” das letras que fracassou como autor teatral?
a) José de Alencar
b) Machado de Assis
c) Joaquim Manuel de Macedo
d) França Júnior
e) Nenhuma das respostas anteriores.
61. Em uma de suas peças mais famosas, Henrik Ibsen (1828-1906) coloca na boca do protagonista uma frase que se tornou célebre: “O homem mais forte do mundo é o que está mais só”. Que peça foi essa?
a) Casa de boneca
b) Peer Gynt
c) Hedda Gabler
d) O inimigo do povo
e) O pato selvagem
62. Stanislavski (1863-1938) influenciou de forma definitiva o trabalho do ator. Por quê?
a) Foi um dos maiores intérpretes de sua época
b) Cantava, dançava e representava com igual desenvoltura
c) Demonstrou o potencial expressivo do sapateado
d) Concebeu teorias sobre a arte de representar até hoje seguidas
e) Nenhuma das respostas anteriores
63. Embora a maior parte de sua obra se dirija ao público infantil, Maria Clara Machado também escreveu textos para adultos. Um deles é protagonizado por um casal idoso, envolvido numa atividade desconcertante. Você consegue identificar este texto?
a) Os embrulhos
b) As interferências
c) Tribobó-City
d) Um tango argentino
e) O boi e o burro a caminho de Belém
64. A primeira montagem de Vestido de noiva (1943), de Nelson Rodrigues, direção de Ziembinski, é considerada um marco na encenação brasileira. Você saberia apontar a razão?
a) Até então, os atores apenas liam os textos em cena
b) Pela primeira vez foi utilizado um palco giratório
c) O palco foi dividido em três planos de atuação
d) Personagens masculinos foram interpretados por atrizes
e) Nenhuma das respostas anteriores
65. Um dos maiores sucessos do antigo Teatro Ipanema, hoje Rubens Corrêa, foi a peça O arquiteto e o imperador da Assíria, de Fernando Arrabal. A montagem revelou ao público um jovem ator que se tornaria um dos mais importantes do país. Quem era esse ator?
a) Antonio Fagundes
b) Pedro Paulo Rangel
c) Marco Nanini
d) José Wilker
e) Otávio Augusto
66. Após brilhante trajetória no teatro inglês, o encenador Peter Brook foi para Paris, onde fundou um grupo reunindo atores de todo o mundo, com o objetivo de pesquisar novas formas de linguagem. Dentre outros, dois espetáculos desta nova fase causaram grande impacto. Quais seriam?
a) Os Iks
b) Claudinha está lá fora
c) O interrogatório
d) Mahabharata
e) Confissões de adolescente
67. Em seu texto À margem da vida, Tennesse Williams impôs à narrativa uma estrutura não convencional. Em que consistia ela?
a) A trama se passava sempre num tempo futuro
b) Todas as cenas eram baseadas no Teatro Nô
c) Várias passagens não continham texto algum
d) O personagem Tom narrava e vivia a história
e) Nenhuma das respostas anteriores
68. O ator e diretor Carlos Wilson, o popular Damião, estudou e deu aulas no Tablado durante muitos anos. A ele devemos algumas iniciativas que, com o tempo, haveriam de virar uma verdadeira coqueluche. Você identificaria alguma abaixo?
a) Criou o primeiro grupo experimental do Rio
b) Adaptou para o palco vários poemas épicos de Brecht
c) Adaptou para o palco clássicos da literatura brasileira
d) Fez teatro com e para adolescentes
e) Duas respostas estão corretas
69. Embora jamais tenha conseguido êxito em sua carreira como diretor, já que todos os espetáculos que encenou fracassaram, ainda assim Antonin Artaud é um dos principais nomes do teatro no século XX. Por que razão?
a) Após se aposentar, virou excelente crítico teatral
b) Escreveu O teatro e seu duplo
c) Propôs um “teatro da crueldade”
d) Combateu fervorosamente o naturalismo
e) Três respostas estão corretas
70. Um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, Plínio Marcos possibilitou a Tônia Carrero, na pele de uma prostituta, um dos melhores desempenhos de sua carreira. A peça estaria abaixo relacionada?
a) Abajur lilás
b) Quando as máquinas param
c) Dois perdidos numa noite suja
d) Barrela
e) Nenhuma das respostas anteriores
71. Em uma de suas peças mais famosas, Henrik Ibsen (1828-1906) coloca na boca do protagonista uma frase que se tornou célebre: “O homem mais forte do mundo é o que está mais só”. Que peça foi essa?
a) Casa de boneca
b) Peer Gynt
c) Hedda Gabler
d) O inimigo do povo
e) O pato selvagem
72. Stanislavski (1863-1938) influenciou de forma definitiva o trabalho do ator. Por quê?
a) Foi um dos maiores intérpretes de sua época
b) Cantava, dançava e representava com igual desenvoltura
c) Demonstrou o potencial expressivo do sapateado
d) Concebeu teorias sobre a arte de representar até hoje seguidas
e) Nenhuma das respostas anteriores
73
. Tida por alguns como incompreensível, Esperando Godot, de Samuel Beckett, foi recebida com entusiasmo por uma platéia que, teoricamente, não teria condições de apreender os conteúdos propostos pelo autor. Você sabe que platéia era essa e onde aconteceu a montagem?
. Tida por alguns como incompreensível, Esperando Godot, de Samuel Beckett, foi recebida com entusiasmo por uma platéia que, teoricamente, não teria condições de apreender os conteúdos propostos pelo autor. Você sabe que platéia era essa e onde aconteceu a montagem?
a) Índios Sioux, planície do Arizona
b) Publicitários belgas, em Bruxelas
c) Presidiários de San Quentin, São Francisco
d) Prostitutas italianas, Roma
e) Seguidores do bispo Macedo, Del castilho
74. Uma das maiores atrizes nacionais de todos os tempos, Cacilda Becker cunhou uma frase que se tornou célebre. Ela estaria relacionada abaixo?
a) O teatro é o reino da sensibilidade
b) Não nos peçam para dar a única mrcadoria que temos para vender
c) Encenar dramalhões é conspurcar a Arte
d) Nelson Rodrigues é maior do que Shakespeare
e) Entrei para o teatro pensando em fugir de mim mesma
75. Um dos maiores críticos teatrais brasileiros, já falecido, estudou no Tablado, ali atuou como ator e diretor, e foi um dos fundadores da CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). Você sabe quem foi?
a) Henrique Oscar
b) Paulo Francis
c) Martin Gonçalves
d) Armindo Blanco
e) Yan Michalski
76. O maior sucesso carioca da temporada de 99 foi um musical baseado na vida e trajetória artística de uma de nossas mais festejadas compositoras e intérpretes. O espetáculo consta da relacão que se segue?
a) Dolores
b) Crioula
c) Somos irmãs
d) Chiquinha Gonzaga
e) nenhuma das respostas anteriores
77. Um dos maiores diretores teatrais da segunda metade do século XX, o argentino Victor Garcia morreu na miséria, em Paris, ainda muito jovem. Esteve no Brasil em duas ocasiões, encenando espetáculos memoráveis. Quais seriam?
a) Fim de partida e Esta noite se improvisa.
b) Hamlet e A noite do iguana
c) O balcão e Cemitério de automóveis
d) Senhorita Júlia e As lágrimas amargas de Petra von Kant
e) Nenhuma das respostas anteriores
78. Autor de Fedra, Jean Racine (1639-1699) é considerado o maior trágico do classicismo francês. O que objetivou, fundamentalmente?
a) Expressar o desespero dos adolescentes apaixonados
b) Retratar os grandes mitos da cultura francesa
c) Modificar o comportamento das classes abastadas
d) Expressar o choque das paixões em versos alexandrinos
e) nenhuma das respostas anteriores
79. Ele ficou conhecido como o “Molière italiano”. Escreveu, dentre outras, as peças Arlequim, servidor de dois amos e Mirandolina. Quem seria?
a) Carlo Goldoni
b) Maximo Cavaliere
c) Domenico Scarlatti
d) Antonio Sachi
e) nenhuma das respostas anteriores
80. De autoria de Jorge de Andrade, A moratória é considerada uma das grandes peças da dramaturgia brasileira. Qual o seu tema?
a) A falta de moral das classes dominantes
b) A crise cafeeira do final dos anos 20
c) A perseguição aos judeus do interior do Paraná
d) A queda da bolsa em 1929
e) Nenhuma das respostas anteriores
81. Um dos principais grupos brasileiros, o Oficina tem sua trajetória associada sobretudo ao nome do encenador José Celso Martinez Corrêa. No entanto, antes dele, outros diretores estiveram à frente do grupo. Na lista abaixo, um deles está relacionado. Você conseguiria identificá-lo?
a) Aderbal Freire-Filho
b) Augusto Boal
c) Sérgio Britto
d) Gerald Thomas
e) Dois ítens estão corretos
82. Um dos maiores sucessos de Procópio Ferreira, Deus lhe pague foi montada recentemente no Rio de Janeiro, tendo como protagonista um ator que, até então, se destacara quase que exclusivamente como comediante. Quem seria?
a) Francisco Milani
b) Chico Anísio
c) Jô Soares
d) Benvindo Sequeira
e) Agildo Ribeiro
83. Um dos fundadores do Tablado está na relação abaixo e foi dele a direção de O moço bom e obediente, primeiro espetáculo exibido no teatrinho do Patronato da Gávea. Você saberia identificá-lo?
a) Anibal Machado
b) Martim Gonçalves
c) Jorge Leão Teixeira
d) João Sérgio Marinho Nunes
e) Oswaldo Neiva
84. No mesmo ano de sua fundação, 1951, o Tablado encenou mais dois espetáculos. Quais seriam?
a) O pastelão e a torta
b) A moça da cidade
c) A sombra do desfiladeiro
d) Nossa cidade
e) A interferências
85. Levado à cena no Tablado em 1953, um dos textos abaixo marca a estréia de Maria Clara Machado como dramaturga. Você sabe qual é?
a) O boi e o burro no caminho de Belém
b) O rapto das cebolinhas
c) Pluft, o fantasminha
d) O Chapeuzinho vermelho
e) A bruxinha que era boa
86. E já que tocamos em estréia: você saberia dizer quando e em que peça Maria Clara Machado atuou como atriz pela primeira vez no Tablado?
a) 1954, Nossa cidade
b) 1955, O baile dos ladrões
c) 1958, O jubileu
d) 1951, O moço bom e obediente
e) 1953, A via sacra
87. Figuras de inestimável importância para o Tablado, colaboradoras fiéis de Maria Clara Machado “desde sempre”, Eddy Rezende Nunes e Vânia Velloso Borges atuaram na primeira versão de Pluft, o fantasminha, em 1955. Em que papéis, respectivamente?
a) Pluft e Julião
b) Maribel e Pluft
c) Sebastião e Tio Gerúndio
d) Julião e Maribel
e) Maribel e Mãe Fantasma
88. Sobrinha de Maria Clara Machado - de quem foi aluna e assistente durante 10 anos -, professora no Tablado, Cacá Mourthé é a atual diretora dos espetáculos infantis da casa. Das montagens abaixo relacionadas, todas assinadas por ela, você saberia identificar qual marcou sua estréia como encenadora?
a) O gato de botas
b) A gata borralheira
c) Pluft, o fantasminha
d) A Bela Adormecida
e) A coruja Sofia
89. Um dos maiores iluminadores do teatro brasileiro começou sua carreira no Tablado, de forma muito curiosa. Ainda adolescente, jogava peladas na pracinha em frente ao patronato e a bola seguidamente quebrava um vidro da casa. Foi então que Maria Clara o convidou a entrar para o Tablado - ao que parece, ao menos naquele momento, visando tão somente preservar o patrimônio da instituição. Você sabe quem foi o peladeiro que virou iluminador?
a) Maneco Quinderé
b) Aurélio de Simoni
c) Paulo Cesar Medeiros
d) Jorginho de Carvalho
e) Renato Machado
90. A figurinista Kalma Murtinho e a cenógrafa Anna Letycia, dois expoentes em suas atividades, começaram no Tablado, onde ainda colaboram com frequência. Você saberia apontar as montagens que marcaram a estréia de cada uma delas na casa?
a) A escola das viúvas
b) A bruxinha que era boa
c) O matrimônio
d) O embarque de Noé
e) O rapto das cebolinhas
91. Em 1971, o Tablado levou à cena um de seus maiores sucessos, o musical Tribobó City. Esta montagem marcou o início de uma maravilhosa parceria entre Maria Clara Machado e um músico que viria a assinar a autoria, arranjos e direção musical de vários espetáculos no Tablado. Você sabe quem é ele?
a) Carlos Lyra
b) Egberto Gismonti
c) Ubirajara Cabral
d) Cecília Conde
e) Reginaldo de Carvalho
92. Fundador e diretor do Asdrúbal Trouxe o Trombone - o mais marcante grupo jovem das décadas de 70 e 80 - Hamilton Vaz Pereira foi aluno de Maria Clara Machado e estreiou como ator no Tablado. Em que montagem?
a) Camaleão na lua
b) Maroquinhas Fru-Fru
c) Maria Minhoca
d) Os embrulhos
e) O pastelão e a torta
93.Logo após sua chegada ao Brasil, em 1553, o padre jesuíta José de Anchieta começa a encenar autos com os nativos. Com que finalidade?
a) Torná-los mais cultos
b) Evitar confrontos armados
c) Estimular a antropofagia
d) Convertê-los à doutrina cristã
e) Nenhuma das respostas anteriores
94 No século XVII, nada houve de significativo no campo teatral. Entretanto, no século XVIII, sob a influência da política do despotismo esclarecido do Marquês de Pombal, são construídos teatros na Bahia, Rio de Janeiro, Vila Rica, Recife, São Paulo e Porto Alegre. Com lotação em torno de 300 lugares, esses teatros ficaram conhecidos como:
a) Casa de Ópera
b) Teatro Real
c) Espaço Lírico
d) Sala Imperial
e) Casa de Artes
95. No século XIX, foi construído no Rio de Janeiro o primeiro teatro de grande porte, o Real Teatro de São João. Em seus alicerces foram usadas pedras antes destinadas para a catedral, o que levou o povo a encarar o fato como um sacrilégio e a vaticinar triste sina para este teatro profano, que acabou sendo por três vezes devorado pelo fogo. Este teatro ainda existe, só que com outro nome. Qual seria?
a) Teatro Dulcina
b) Teatro Serrador
c) Teatro Carlos Gomes
d) Teatro João Caetano
e) Nenhuma das respostas anteriores
96. Ao longo do século XIX, os espetáculos teatrais dividiam-se em três partes. Você saberia identificá-las?
a) Tragédia ou ópera / balé / farsa
b) Tragédia / ópera / balé
c) Tragédia / pantomima / balé
d) Ópera / concerto de câmera / tragédia
e) Só um ítem está correto
97. Visando terminar com o hábito de sempre se contar com atores estrangeiros para compor os elencos, João Caetano cria a primeira Companhia de Teatro Brasileira, em 1833, estreando com o seguinte texto:
a) Antonio José ou O poeta e a inquisição
b) O conde de Monte Cristo
c) O príncipe amante da liberdade ou A independência da Escócia
d) Os três mosqueteiros
e) Othelo
98. Por muitos considerado o “pai do teatro de costumes” no Brasil, Martins Pena (1815-1848) criou personagens que, apesar de não terem grande densidade psicológica, simbolizavam diferentes tipos sociais de nosso país. Observador astuto e crítico mordaz de sua época, abordou diversos temas. Algum está presente na relação abaixo?
a) Corrupção nos serviços públicos
b) Contrabando de escravos
c) Exploração do sentimento religioso
d) Casamentos por encomenda
e) Todas as respostas estão corretas
99. Em 1846, a opereta francesa estréia no Brasil, fazendo sucesso arrebatador. O gênero constituía-se de uma peça musicada, de assunto cômico e sentimental, com estrofes cantadas e partes faladas. Tal êxito gerou adaptações e paródias, algo como a nacionalização do gênero, que desembocou no...
a) Teatro Experimental
b) Teatro Cômico
c) Teatro de Revista
d) Teatro de Variedades
e) Teatro Lírico-Farsesco
100. O carioca Renato Viana (1894-1953) é figura de proa na história do teatro brasileiro. Autor, diretor e professor, organizou vários grupos teatrais, fundou a Escola de Arte Dramática de Porto Alegre (1942) e dirigiu a Escola de Teatro Martins Pena. Viana estréia como autor, em 1918, com...
a) Voragem
b) Vertigem
c) Ausência
d) A culpa
e) O medo
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