terça-feira, 31 de janeiro de 2023

 Teatro/CRÍTICA


"Narcisa"


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Sensível e oportuna montagem


Lionel Fischer


"A peça joga luz sobre a trajetória da poeta romântica fluminense Narcisa Amália (1852-1924). Comparada a Gonçalves Dias e Castro Alves e primeira mulher a tornar-se jornalista profissional no Brasil, Narcisa teve memória e obras sujeitas ao sistemático silenciamento das vozes femininas na história literária brasileira. Tendo seu talento reconhecido por Machado de Assis e todo o meio literário de sua época, Narcisa foi também abolicionista, republicana, defensora ferrenha dos direitos da mulher e da educação. Seu único livro de poesias (Nebulosas) foi escrito aos 20 anos".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, haverá de causar espanto nos que porventura saibam muito pouco - ou quase nada - sobre esta mulher extraordinária, poeta de primeira grandeza. Mas como tudo - ou quase tudo - nesta vida pode ser remediado, nada mais oportuno do que uma ida à Sala Multiuso do Sesc Copacabana para assistir "Narcisa". 

Última produção da Cia. de Teatro Baú da Baronesa, a montagem tem dramaturgia de Cilene Guedes, estando a direção a cargo de Joana Lebreiro (Gabriela Estevão assina a codireção). No elenco, Cilene Guedes, Gabriela Estevão, Jacyara de Carvalho e Nina Pamplona. 

Além do já citado no parágrafo inicial, julgo oportuno mencionar outras atividades de Narcisa Amália. Foi tradutora de contos e ensaios de autores franceses, como a escritora George Sand (pseudônimo masculino de Amandine Aurore Lucile Dupin); fundou o jornal Gazetinha, de conteúdo feminista; publicou as obras "Miragem", "Romance da mulher que amou" e "A mulher do século XIX". 

Enfim, atuou em várias frentes e com o mesmo êxito. Em vista disso, como aceitar que Narcisa Amália possa ter tido um final de vida tão trágico? Vítima de um diabetes, estava cega, pobre e praticamente impossibilitada de se locomover. Mas ainda teve forças para redigir o seguinte: 

Eu diria à mulher inteligente...molha a pena no sangue do teu coração e insufla nas tuas criações a alma enamorada que te anima. Assim deixarás como vestígio ressonância em todos os sentidos.

Mesclando documentos históricos e trechos de obras literárias, e tendo como fio condutor a história da vida de Narcisa Amália, a ótima dramaturgia de Cilene Guedes ganhou excelente versão de Joana Lebreiro. Impondo à cena uma dinâmica plena de criatividade, humor e sofisticação, à encenadora também deve ser creditado o mérito suplementar de haver extraído irretocáveis atuações do elenco, em total sintonia com as propostas da direção.

Com relação à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Marieta Spada (direção de arte), Cláudia Castelo Branco (trilha sonora) e Ana Luzia de Simoni (iluminação).

NARCISA - Dramaturgia de Cilene Guedes. Direção de Joana Lebreiro. Com Cilene Guedes, Gabriela Estevão, Jacyara de Carvalho e Nina Pamplona. Sala Multiuso do Sesc Copacabana. Quinta a domingo, 19h.




terça-feira, 17 de janeiro de 2023

 Teatro/CRÍTICA


"Como posso não ser Montgomery Clift?"


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Conturbada jornada de um ícone do cinema


Lionel Fischer


"A peça se passa no momento em que, exausto do assédio e pressão dos meios de comunicação e da indústria cinematográfica, Clift decide abandonar o cinema para voltar ao teatro e realizar o sonho de montar A Gaivota, de Tchecov. Monty, como era conhecido na intimidade, enfrenta as sequelas do acidente de carro que desfigurou seu rosto, além dos conflitos com a sua homossexualidade, a conturbada vida familiar e as relações com os colegas de profissão".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, explicita o contexto em que se dá "Como posso não ser Montgomery Clift?", de autoria do espanhol Alberto Conejero López. Após cumprir temporada em São Paulo, a montagem está em cartaz no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto. Fernando Philbert responde pela direção, estando a interpretação a cargo de Gustavo Gasparani - Claudio Gabriel, Cesar Augusto e Isaac Bernat fazem ótimas participações em áudio.

Possuidor de grande talento, Montgomery Clift exibiu atuações primorosas em filmes como "Um lugar ao sol", "A um passo da eternidade", "Os deuses vencidos" e "Julgamento em Nuremberg", dentre outros. Além disso, era um homem belíssimo. Reunia, portanto, os predicados essenciais não apenas para triunfar em Hollywood, mas também para trilhar uma longa e bem sucedida carreira. 

No entanto, dois outros "predicados" agiram no sentido inverso. O primeiro, até certo ponto tolerável, era o ocasional excesso de bebida. Já o segundo, a homossexualidade, era encarada como gravíssima doença. Muitos atores, inclusive, escondiam suas preferências sexuais para poderem continuar trabalhando. Não foi o caso de Montgomery Clift.

O texto nos mostra o ator na fase final de sua vida. Dentre suas muitas recordações, às vezes vivenciadas, destacam-se sua conturbada relação com a mãe, a grande amizade com Elizabeth Taylor e o desejo de voltar ao teatro interpretando Treplev, personagem de "A Gaivota", de Tchecov. Mas a potência maior do texto reside na capacidade do autor de empreender pertinentes  reflexões sobre a profissão do ator, sobretudo quando inserido na  indústria cinematográfica.

Com relação ao espetáculo, Fernando Philbert impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, cabendo destacar a maestria com que explora a ótima cenografia de Natália Lana - uma banheira, ao centro, sugere um túmulo e em torno dela estruturas de spots remetem a um estúdio cinematográfico - e também sua parceria com Gustavo Gasparani.

Para aqueles que me acompanham (se é que alguém me acompanha) ao longo desses 35 anos de exercício da crítica teatral, é bem provável que já tenham se deparado com os muitos elogios que venho dedicando a Gustavo Gasparani. Portanto, para não correr o risco de ser ou parecer monótono, limito-me a agradecer à vida o privilégio de ter assistido a mais uma ótima performance deste ator de exceção.

No complemento da ficha técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de Fernando Yamamoto (tradução),  Marieta Spada (figurino), Márcio Mello (visagismo), Vilmar Olos (iluminação) e Marcelo Alonso Neves (trilha sonora). Gostaria também de parabenizar Thiago Tafuri (operador de som) e Denys Lima (operador de luz) pela precisão e sensibilidade com que executam suas funções.

COMO POSSO NÃO SER MONTGOMERY CLIFT? - Texto de Alberto Conejero López. Direção de Fernando Philbert. Com Gustavo Gasparani. Espaço Cultural Municipal Sergio Porto. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h.