Teatro/CRÍTICA
"Intimidade indecente"
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Deliciosas reflexões sobre o amor e a passagem do tempo
Lionel Fischer
"Mariano e Roberta formam um casal sessentão desgastado pela mesmice da rotina. O desejo esfriou, o sexo falta e a implicância sobra. Ávidos por novas experiências, entendem que não há mais porque ficar juntos. Acontece que, como num efeito bumerangue, a vida insiste em devolver um ao outro. E é nessas idas e vindas que, aos poucos, os dois descobrem-se os maiores cúmplices. O sentimento, ainda vivo e sólido, faz com que se entendam mais do que qualquer outra pessoa de fora. Assim, conforme os anos vão passando, resistem cada vez menos à presença um do outro em suas vidas novamente".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pelos assessores de imprensa João Pontes e Stella Stephany, o trecho acima resume o enredo de "Intimidade indecente", de Leilah Assumpção, em cartaz no Teatro dos 4. Guilherme Leme Garcia assina a direção da montagem, estando o elenco formado por Eliane Giardini e Marcos Caruso.
Autora de 16 peças teatrais, com especial destaque (além da presente obra) para "Fala baixo senão eu grito", "Boca molhada de paixão calada" e "Vejo um vulto na janela, me acudam que eu sou donzela", Leilha Assumpção também escreveu para a televisão, assinando em parceria com Daniel Más a novela "Um sonho a mais" e a minissérie "Avenida paulista". No caso específico de "Intimidade indecente", estamos diante de uma comédia dramática que se inicia de forma inusitada (o casal se separando) e aos poucos vai esmiuçando todas as contradições e impasses que em geral caracterizam uma longa relação matrimonial.
Entretanto, como explicitado no parágrafo inicial, Mariano e Roberta não conseguem se desligar completamente e à medida que envelhecem a antiga cumplicidade ganha novos e imprevistos contornos, tornando evidente que, apesar de tudo que aconteceu, ambos nasceram um para o outro - não detalho os "novos e imprevistos contornos" porque isto privaria o espectador de deliciosas surpresas.
Bem escrita, contendo ótimos personagens e reflexões mais do que pertinentes sobre o amor e a passagem do tempo, "Intimidade indecente" recebeu ótima versão cênica de Guilherme Leme Garcia. Abstendo-se de inócuas mirabolância formais, o encenador concentrou-se basicamente em extrair o máximo potencial dos dois intérpretes, sendo totalmente bem sucedido neste quesito - mas isto não significa que a cena careça de marcações expressivas que potencializam tanto as passagens mais dramáticas quanto aquelas em que o humor predomina.
Mesmo correndo o risco de ser ou parecer monótono, reafirmo agora o que já disse várias vezes ao longo dos últimos 34 anos de exercício da crítica teatral: este país pode carecer de tudo, menos de intérpretes extraordinários. E Eliane Giardini e Marcos Caruso estão totalmente inseridos nesta seleta categoria. Portanto, me parece desnecessário detalhar seus maravilhosos e já mais do que reconhecidos recursos expressivos, o que os faz valorizar ao máximo todas as possibilidades dos excelentes personagens que interpretam. Mas gostaria de destacar dois momentos - apenas dois, dentre muitos - em que ambos deixam claro porque são intérpretes deslumbrantes.
Há um momento em que Eliane Giardini começa a cantar, bem baixinho, uma canção infantil. O "normal" seria que a platéia a escutasse. Mas eis que muitos espectadores começam a cantar com ela, materializando um coral pleno de encantamento. Como se consegue isso? No tocante a Marcos Caruso, em dado momento (precedido de muitos risos) o ator subitamente pergunta à sua parceira: "Você sabe o que é solidão?". Pois bem: o teatro emudece completamente e o silêncio se prolonga (por muito tempo) até o ator dar seguimento à sua fala. Como se consegue isso? Só perguntando aos sempre caprichosos deuses do teatro, que certamente abençoam Eliane Giardini e Marcos Caruso desde que pisaram em um palco pela primeira vez...
Com relação à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo a inestimável contribuição de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Aurora dos Campos (cenografia), Tomás Ribas (iluminação) e Aline Meyer (direção musical).
INTIMIDADE INDECENTE - Texto de Leilah Assumpção. Direção de Guilherme Leme Garcia. Com Eliane Giardini e Marcos Caruso. Teatro dos 4. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.