quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"O beijo no asfalto - O Musical"

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Surpreendente e oportuna montagem



Lionel Fischer



Um dos melhores e mais encenados textos de Nelson Rodrigues, "O beijo no asfalto" parte de um fato um tanto inusitado. Casado - e bem casado - com Selminha, Arandir está com o sogro Aprígio na Praça da Bandeira quando um lotação (na época, 1960, os ônibus eram assim chamados) atropela um homem. Arandir corre para socorrê-lo e o homem, já agonizante, lhe pede um beijo, ao que parece na boca. Arandir atende esse desejo. Só que o fato é testemunhado por Amado Ribeiro, repórter sem nenhum caráter que escreve para um jornal sensacionalista. A partir daí, e graças à perversa manipulação do ocorrido pelo repórter, a vida de Arandir e de toda a sua família entre em total colapso.

Eis, em resumo, o enredo da presente obra, aqui convertida em musical. Contando com direção de João Fonseca, "O beijo no asfalto - O Musical" está em cartaz no Teatro das Artes, após cumprir temporada no Teatro Sesc Ginástico. Idealizador do projeto e responsável pelas canções originais, às quais se mesclam outras muito conhecidas, Claudio Lins integra o elenco ao lado de Laila Garin, Gracindo Jr., Yasmin Gomlevsky, Thelmo Fernandes, Claudio Tovar, Jorge Maya, Janaína Azevedo, Gabriel Stauffer, Pablo Áscoli, Juliane Bodini, Ricardo Souzedo e Juliana Marins.

Muitos e relevantes são os temas aqui tratados por Nelson Rodrigues. Vamos a dois deles, começando pela ética jornalística. Do que vive Amado Ribeiro? De notícias. Mas como escreve em um jornal sensacionalista, notícias comuns não satisfazem o voraz apetite dos seus leitores, não vendem jornal, como ele próprio afirma. Então, ele não hesita em converter um ato de aparente misericórdia em algo capaz de destruir a vida de Arandir - e aqui cumpre ressaltar que, tanto naquela época como hoje, dois homens se beijando em público (mesmo que um esteja agonizando) constitui gravíssima ofensa à moral e aos bons costumes. 

Outra questão interessante diz respeito à hipocrisia. Por mais abjetos que sejam nossos impulsos, por mais espúrios que sejam nossos desejos, nada disso parece ter a menor importância se conseguimos simular que detemos o monopólio de todas as virtudes. Se conseguimos sugerir que somos como a límpida superfície de um lago, pouco importa que em sua profundeza se acumulem vastas camadas de lodo. O essencial é que este lodo jamais venha à tona. E caso venha, que se dê em âmbito privado, sem nenhuma possibilidade de se tornar público. Podemos estar com lama até o pescoço, mas se conseguimos manter limpas as unhas nas pontas dos dedos...são os dedos que todos enxergam. A alma, jamais - ou quase nunca.  

Obra impecável do ponto de vista dramatúrgico, exibindo personagens maravilhosamente construídos, diálogos brilhantes e uma ação que prende a atenção do espectador desde o início, "O beijo no asfalto " não perdeu nenhuma de suas muitas qualidades ao ser transformada em musical. São excelentes as composições de Claudio Lins e muito apropriadas as inserções de outras tantas canções muito conhecidas.

Com relação ao espetáculo, em sua maior parte a direção de João Fonseca exibe alguns dos muitos predicados do ótimo encenador - marcas diversificadas e criativas, precisão dos tempos rítmicos e grande comunicação com a plateia. Minha única ressalva diz respeito não ao humor com que são trabalhadas muitas passagens - afinal, estamos diante de uma tragicomédia -, mas a uma deslocada visão humorística de algumas cenas inegavelmente dramáticas. Vamos apenas a dois exemplos.    

Selminha é levada à força pelo policial Aruba para uma casa obscura. Ali é interrogada com virulência por Amado Ribeiro e pelo delegado Cunha, que dela pretendem obter a confirmação de algo que lhes interessa. Pois bem: lá pelas tantas, o excelente ator Jorge Maya, que interpreta Aruba, reaparece do nada vestido como uma espécie de entidade em delírio carnavalesco. A plateia ri, naturalmente. Mas tal riso esvazia por completo a dramaticidade desta passagem, que culmina com a humilhação imposta por Amado e Cunha a Selminha, obrigada a ficar nua e ameaçada, como mais tarde fica-se sabendo, de ter os seios queimados com cigarro. 

Outro momento de discutível humor - aí não sei se proposital ou por ter sido mal concebido - ocorre durante uma tensa discussão entre Arandir e Selminha, já perto do final. Tentando demonstrar a pureza de sua atitude, Arandir evoca a cena do beijo; nesse momento entra Pablo Áscoli, que já interpretara o Morto, e se atira aos pés de Arandir. Mas a maneira como o ator entra e em seguida se joga ao solo (evidentemente que aprovadas pela direção) provocam intenso riso na plateia, esvaziando por completo a dramaticidade da cena. 

Com relação ao elenco, Claudio Lins trabalha muito bem as principais características de Arandir, que são sua pureza e integridade. Laila Garin vive de forma intensa a apaixonada e frágil Selminha. Na pele de Aprígio, Gracindo Jr. exibe desempenho sóbrio e extremamente digno. Yasmin Gomlevsky torna verossímel a intensa paixão de Dália pelo cunhado Arandir. Amado Ribeiro tem a abjeção de seu caráter extremamente valorizada por Thelmo Fernandes. Na pele do delegado Cunha, Claudio Tovar exibe bons momentos, mas acredito que o personagem, de uma maneira geral, devesse expressar mais virulência do que humor. 

Jorge Maya, por razões que desconheço, impõe comicidade a praticamente todas as suas intervenções - algumas se justificam, mas não todas. Janaína Azevedo está irrepreensível na pele da alcoviteira vizinha D. Matilde. Gabriel Stauffer (Werneck), Pablo Áscoli (o Morto e outras participações bem realizadas), Juliane Bodini (Viúva), Ricardo Souzedo (Pimentel e Comissário Barros) e Juliana Marins (D. Judith e Vizinha) colaboram de forma eficiente para o bom êxito do espetáculo.

No que diz respeito ao canto, todos se saem muito bem neste quesito, mas torna-se impossível não conferir especial destaque a Laila Garin (impecável tanto nas canções mais apaixonadas quanto naquelas em que a dramaticidade predomina), Janaína Azevedo (brilhante ao interpretar a canção da vizinha fofoqueira) e, creio que para surpresa geral da nação, Gracindo Jr (o ator exibe não apenas bela voz, mas interpretações em total sintonia com as canções escolhidas para o personagem).

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta surpreendente e oportuna empreitada teatral - Claudio Lins (trilha original), Délia Fischer (direção musical), Claudio Tovar (figurinos), Nello Marrese (cenografia), Luiz Paulo Nenén (iluminação), Sueli Guerra (direção de movimento), Carlos Esteves (engenheiro de som), Heberth Souza (programações eletrônicas e orquestrações), Augusto Ordine (arranjos vocais), Janaína Azevedo (preparação vocal) e Marcia Elias (visagismo). 

Com relação aos excelentes músicos, cito a todos, pois não sei particularizar os que tocaram na sessão de ontem - Evelyne Garcia/Heberth Souza (piano e regência), Matias Correa/Pedro Aune (baixo), Claudio Lima (bateria e percussão), Wanderson Cunha/Bebeto Germano (trombone) e Alex Freitas/Raphael Nocchi (sax, clarinete e flauta).

O BEIJO NO ASFALTO - O MUSICAL - Texto de Nelson Rodrigues. Direção de João Fonseca. Com Claudio Lins, Layla Garin e grande elenco. Teatro das Artes. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.



“SELEÇÃO BRASIL EM CENA” PROMOVE CICLO DE LEITURAS DRAMATIZADAS COM 12 PEÇAS INÉDITAS


Ciclo de leituras dramatizadas aconteceem três unidades do CCBB (Rio, Brasília e Belo Horizonte),entre 21 de novembro e 06 de dezembro, com entrada franca

Os três grandes vencedores serão anunciados no dia 06 de dezembro
e terão suasobras encenadas a partir de março de 2016

No Rio, as leituras serão dirigidas por César Augusto, Guilherme Leme Garcia e Victor Garcia Peralta


Entre os dias 21 de novembro e 06 de dezembro, a 7ª edição do concurso nacional de dramaturgia Seleção Brasil em Cenaapresenta o ciclo de leituras dramatizadasdas12 peças finalistas, sendo todas inéditas. Com patrocíniodoBanco do Brasil, as leituras serão realizadas nasunidades do CCBB participantes – Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília – com entrada franca.O site do projeto (www.selecaobrasilemcena.com.br) recebeu 265 textos de 13 estados e do Distrito Federal. O gênero infantojuvenil foi incluído nesta edição.

No Rio, as leituras serão dirigidas por César Augusto, Guilherme Leme Garcia e Victor Garcia Peralta. Na capital mineira, foram convidados Cida Falabella, Eid Ribeiro e Marcelo Bones. Em Brasília, o ciclo será conduzido por Fernando Guimarães, da dupla Irmãos Guimarães; Jonathan Andrade e Adair de Oliveira.Cada diretor convidado ficará responsável por conduzir quatro leituras, que serão feitas com alunos de teatro da cidade.
Durante o ciclo de leituras dramatizadas, os diretores convidados e o público vão eleger os três grandes vencedores. O resultado será divulgado no dia 06 de dezembro no site do concurso. Os autores terão como prêmio suas montagens patrocinadas pelo Banco do Brasil nos teatros das unidades do CCBB do Rio, Belo Horizonte e Brasília, a partir de março do ano que vem.   Nesta edição, as inscrições foram feitas somente pelo site do projeto. O sistema de cadastramento on-line vai gerar um banco de textos – as peças finalistas ficarão disponíveis para leitura.
As 12 peças selecionadassão de três estados (um aBahia, três de São Paulo e oito do Rio): A tropa, de Gustavo Pinheiro; Algum lugar onde nunca estive, de Bernardo Florim; Com as mãos vazias, de EdihLongo;Elas, de João Rodrigo Ostrower; Maioridade, de Flávio Goldman;Mandíbula, de Roberval Tamanho;Na real, de Rogério Corrêa; Obra do acaso, de Flavio Freitas; Princípios transgredíveis para amores precários, de ThalesParadela; Projeto Stockton, de CarolRainatto;Sobre cordeiros, navalhas e dentes-de-leão, André Luis Silva; e Um caminho para Sara, de Thales Paradela.



Os jurados da 7ª edição– Os inscritosforam avaliados por uma comissão julgadoraformada por profissionais do setor de artes cênicas do Rio, Belo Horizonte e Brasília. O júri só conheceu os nomes dos autores após a escolha dos 12 finalistas.O júri é formado por: Beatriz Radunsky (jornalista, curadora,gestora cultural e idealizadora de projetos culturais), Felipe Vidal (diretor teatral, ator, dramaturgo e tradutor), João Coelho (produtor e gestor cultural), Luciana Eastwood Romagnolli (jornalista, crítica e pesquisadora de teatro), Sérgio Coelho Pinheiro (ator, autor e diretor teatral, promotor cultural e produtor), Sergio Fonta (escritor, ator e diretor), ShalaFelippi (jornalista, atriz, diretora, roteirista e diretora de imagens), Sergio Maggio (crítico, curador e pesquisador teatral) e Soraya Belusi (jornalista, pesquisadora e crítica teatral).
Oficinas e banco de textos Como parte do projeto de estimular o fomento à nova dramaturgia, a formação de plateia e a visibilidade de novos criadores, o Seleção Brasil em Cena promove “Oficinas de dramaturgia” ministradas por importantes dramaturgos brasileiros. Nesta edição, as oficinas acontecerão em São Paulo (SP), Campinas (SP), Palmas (TO) e no Rio de Janeiro (RJ).

A história do projeto Desde sua criação em 2006, o Seleção Brasil em Cenajá recebeu mais de 1.400 textos de autores de todo o Brasil. As leituras dramatizadas foram dirigidas por expressivos nomes do teatro brasileiro contemporâneo: Moacir Chaves, Ivan Sugahara, Gilberto Gawronski, Stella Miranda, Paulo de Moraes, André Paes Leme, Inez Viana, entre outros. Ao longo de seis edições, quase 300 atores indicados por escolas de teatro participaram das leituras e encenações.

Os vencedores das edições anterioresA tragédia de Ismene, dePedro de Senna (1ª edição), ganhoumontagem dirigida por Moacir Chaves. É samba na veia, é Candeia, de Eduardo Riecche (2ª edição),foi indicado ao Shell 2009 na categoria“melhor texto” eagraciado com o prêmio de “melhor direção musical”. Em 2011,Tempo de solidão, de Márcia Zanellatto(3ª edição) foi eleito um dos dez melhores do ano pelo jornal “O Globo”. Em 2012, Não me diga adeus, de Juliano Marciano (4ª edição) foi indicado ao Shell de“melhor direção musical”.

Na 5ª edição, o Seleção Brasil em Cenapassou a incluir apresentações no CCBB de Brasília. Arresolvido(etapa Rio), de Ronaldo Ventura, cumpriu uma segunda temporada no Teatro Glaucio Gill; e Sexton (etapa Brasília), de Helena Machado e Juliana Shimitz, participou do Festival Internacional Cena Contemporânea, em Brasília.Camélia, de Ronaldo Ventura e Casarão ao vento, de Francisco Alves, foram os vencedores da 6ª etapa.

Os finalistas que se destacaram na cenaAs leituras dramatizadas trazem visibilidade aos novos autores e podem se desdobrar em oportunidades de trabalho. Na 1ª edição, trêsdramaturgos tiveram os direitos de seus textos comprados por Stella Miranda, Carlos Maciel e Louise Cardoso. Velha é a mãe,de Fabio Porchat (finalista da 1ª edição), foi montado sob de direção de João Fonseca e Louise Cardoso no elenco.Quatro faces do amor, de Eduardo Bak (finalista 2ª Edição) ganhou temporada profissional; e Bandeira de retalhos, de autoria do músico e dramaturgo Sérgio Ricardo (finalista da 3ª edição), foi encenado pelo grupo Nós do Morro.


 Seleção Brasil em Cena (números das seis edições anteriores)
Ano de criação: 2006
Número de edições: 6
Espetáculos premiados com montagem(Rio e Brasília): 8
Público (leituras, oficinas e espetáculos no Rio e Brasília: 21 mil
Textos inscritos: 1.411
Textos finalistas: 72
Leituras Dramatizadas (Rio e Brasília): 96
Diretores: 22
Estudantes de teatro: 297
Oficinas de dramaturgia: 21
Dramaturgos ministrantes: 5
Cidades onde foram ministradas as oficinas: 20
Participantes das oficinas: 420
Regiões onde foram ministradas as oficinas: Norte, Nordeste, Centro-Oeste,
Sudeste e Sul

SERVIÇO –PROGRAMAÇÃO CCBB RIO
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66 - Centro)
Informações: (21) 3808-2020.
Entrada franca. Distribuição de senhas uma hora antes.

Dia 21/11 (sábado)
Teatro III – Capacidade: 85 lugares.
14h – Na real, de Rogério Corrêa. Classificação etária: 18 anos.        
15h30 – Obra do acaso, de Flavio Freitas. Classificação etária:16 anos.

Dia 22/11 (domingo)
Teatro III – Capacidade: 85 lugares.
14h – A tropa, de Gustavo PinheiroClassificação etária: 14 anos.
15h30 – Sobre cordeiros, navalhas e dentes-de-leão, André Luis Silva. Classificação etária: 12 anos.
Dia 28/11 (sábado)
Teatro III – Capacidade: 85 lugares.
14h – Princípios transgredíveis para amores precários, de Thales Paradela. Classificação etária:12 anos.
15h30 –Maioridade, de Flávio Goldman. Classificação etária:12 anos.

Dia 29/11 (domingo)
Teatro III – Capacidade: 85 lugares.
14h – Com as mãos vazias, de Edih Longo. Classificação etária: 12 anos.
15h30 – Mandíbula, de Roberval Tamanho. Classificação etária: 16 anos.
Dia 05/12 (sábado)
Teatro I – Capacidade: 175lugares.
14h – Algum lugar onde nunca estive, de Bernardo Florim. Classificação etária: 14 anos.
15h30 – Projeto Stockton, de Carol Rainatto. Classificação etária: 16 anos.
Dia 06/12 (domingo)
Teatro I – Capacidade: 175 lugares.
14h – Um caminho para Sara, de Thales Paradela. Classificação etária: Livre.
15h30 – Elas, de João Rodrigo Ostrower. Classificação etária: 12 anos.






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Festival Juventude da Maré

O Parque das Ruínas, em Santa Teresa (RJ), recebe no dia 29 de novembro, domingo, o Festival Juventude da Maré com espetáculos dos grupos teatrais de jovens moradores da comunidade da Zona Norte do Rio de Janeiro, integrantes do Teatro do Oprimido na Maré. ENTRADA FRANCA
 
Depois de dois anos de atuação no Complexo de Favelas da Maré, já tendo realizado dezenas de apresentações em circulação dentro e fora da Maré, além de três edições do #OcupaJovem, o Projeto Teatro do Oprimido na Maré chega, no dia 29 de novembro, ao Parque das Ruínas, em Santa Teresa, com o Festival Juventude da Maré apresentando das 8h às 18h as produções artísticas e os espetáculos dos três grupos teatrais formados por jovens moradores da Maré. Pela manhã, acontece a abertura da Exposição Visões da Maré sobre a trajetória de dois anos do projeto e um espaço infanto-juventil. Na parte da tarde, os grupos apresentam seus espetáculos cujo argumento, texto e músicas foram concebidos pelos próprios jovens, em processo colaborativo com direção e realização do Centro de Teatro do Oprimido. O Festival prestigia ainda outros artistas da Maré, que foram convidados a apresentarem pequenas cenas nos intervalos entre os espetáculos.
 
– Essas peças contam histórias de vida, histórias reais desses jovens, como por exemplo o preconceito que existe no mercado de trabalho em relação ao morador de favela, a segregacão espacial, o machismo, a questão de gênero, a exploracão laboral, o castramento de sonhos e tantas outras do dia-a-dia da juventude da Maré  – comenta o sociólogo Geo Britto, coordenador geral e idealizador do Teatro do Oprimido na Maré.
 
A discussão sobre a temática de cada peça segue mesmo depois do término da apresentação. É nesse momento que inicia o Teatro Fórum, que leva para além do palco as questões da sociedade que precisam ser mudadas. Assim, para fortalecer o diálogo entre o oprimido e o opressor o espectador entra em cena. Uma das principais características do Teatro do Oprimido é essa participação. O Curinga (como Augusto Boal denomina o especialista na metodologia do Teatro do Oprimido) pergunta aos espectadores como eles resolveriam o impasse da peça. Mas não basta o espectador dizer o que faria, ele tem que subir no palco e mostrar. Neste momento um espectador substitui o ator na cena interpretando a alternativa pensada. Em seguida o público discute se aquela alternativa colabora na solução do problema. Muitas alternativas podem existir e outros espectadores entram em cena. Nesse momento a improvisação é que vale.
 
A trajetória do Teatro do Oprimido na Maré
 
As atividades do Teatro do Oprimido na Maré acontecem semanalmente com a participação da juventude local onde esta por meio do teatro faz a leitura estética da realidade em que vive, buscando conhecer, debater, propor e intervir com novas formas de atuação comunitária na Maré a partir da metodologia do Teatro do Oprimido, internacionalmente reconhecido como transformador da realidade social das pessoas envolvidas.
 
Nos primeiros meses de atuação na Maré, em início de 2014, o Teatro do Oprimido na Maré realizou oficinas demonstrativas do método em toda comunidade. Dessas oficinas jovens, entre 15 e 20 anos, todos moradores da Maré, se candidataram para a formação de três grupos de Teatro do Oprimido (os chamados GTOs). Nos meses seguintes, esses jovens receberam treinamento na metodologia do Teatro do Oprimido, participaram de aulas de musicalização, cenografia, pintura, poesia e de cultura digital. No início de 2015 os grupos Maré 12, Marear e Marémoto, acompanhados de um diretor musical, um cenógrafo e um Curinga, começaram a conceber seus espetáculos cujos temas são ligados ao cotidiano da juventude. A escolha da temática, a concepção do texto e músicas das peças foram dos próprios jovens. Atualmente 36 jovens integram os três grupos.
 
Realizado pelo Centro de Teatro do Oprimido, o Teatro do Oprimido na Maré conta com o patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental, da SENAD - Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas/Ministério da Justiça por meio do Programa Viva Jovem e da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro por meio do Projeto do Ponto LapaMaré da Rede Carioca de Ponto de Cultura.
 
Para conhecer mais a respeito do Teatro do Oprimido na Maré acesse www.ctorio.org.br/ctomare.
 

FESTIVAL JUVENTUDE DA MARÉ
Data: Domingo, dia 29 de novembro, das 8h às 19h
Local: Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas – Rua Murtinho Nobre 169, Santa Teresa - Rio de Janeiro – tels. (21) 2215-0621 e 2224-3922
Classificação: LIVRE
ENTRADA FRANCA

 
08:00h – Abertura da “Exposição Visões da Maré” (Pátio de Entrada e Ruínas)
Sinopse: A exposição apresenta vídeos do processo de dois anos de atuação do Teatro do Oprimido na Maré e bandeiras confeccionadas pelos jovens do projeto através de traços e cores, estruturando linhas e experimentando matizes, usando como base telas de tecido. Em ‘Bandeiras da Realidade’ o Complexo da Maré, de origem nordestina e expressividade carioca, de grande extensão territorial e disputa política, com conflitos de diferentes níveis em contraste com uma festividade inerente, foi traduzido pelos jovens cada um criando uma bandeira que representasse a realidade da Maré. Em ‘Bandeira do Desejo’, a partir das bandeiras individuais uma nova reflexão foi gerada e uma nova bandeira criada, desta vez uma bandeira coletiva, contendo os sonhos dos jovens para a Maré do amanhã. De 29 de novembro até 6 de dezembro.

09:00h às 11:00h – Contação de Histórias “A galinha que criava um ratinho” (Lona)
Sinopse: Um galo e uma galinha que não tinham pintinhos começam a criar um ratinho. Um dia, a galinha precisa sair e pede ao galo e ao ratinho para tomarem cuidado com a raposa que ronda o lugar. A raposa faminta bate à porta, e o galo, distraído e preguiçoso, pede para o ratinho atender. Ainda bem que a mamãe galinha usa a cabeça em vez de arrancar as penas para resolver a confusão que se forma.
Com a contadora de histórias Mariana Rosa, a partir do texto de Maria Clara Machado.

13:45h – Performance “Não a Redução da Maioridade Penal” (Entrada do Parque das Ruínas)
Sinopse: A performance discute a redução pela maioridade penal.
Com o elenco do Centro de Teatro do Oprimido e convidados

14:00h – Espetáculo do GTO Marear “A resposta só é não?” (Teatro)
Sinopse: Diogo, morador da Maré consegue um emprego numa multinacional. Porém, ao descobrirem sua origem, é demitido. A peça aborda o preconceito que existe no mercado de trabalho em relação ao morador de favela e a segregacão especial.
Elenco/GTO Marear: Carina Santos, David Carvalho, Gabriel Horsth, Gabriel Affonso, Gustavo Glauber, Jessica Vasconcelos, Joyce Vasconcelos, Kamyla Galdeano, Kíscila Tasciane, Luciana Nunes, Guta Almeida, Matheus Affonso, Luiz Fernandes, Rodrigo Machado, Tailane Santos, Lene Santos e Dayane Souza | Texto e Músicas: Criação coletiva do GTO Marear | Direção: Janna Salamandra e Alessandro Conceição / Centro de Teatro do Oprimido | Direção Musical: Roni Valk | Direção de Imagem e Cenário: Cachalote Mattos | Figurino: Nivea Nascimento | Maquiagem: Wellington Leão | Adereços: Mauro Soh

15:00h – Cena “Verniz: Mataram meu filho” (Galeria)
Sinopse: Resultado de uma pesquisa com mulheres negras do Complexo da Maré, todas marginalizadas num contexto violento e nada democrático que é a favela, o monólogo é baseado em fatos reais e inspirado na trajetória de vida da mãe do ator. A cena apresenta um conto que descreve o genocídio do jovem negro e favelado e as relações familiares que passam por esse contexto.
Direção, texto e atuação: Gabriel Horsth

15:30h – Espetáculo do GTO Maremoto “Marcha Borboleta” (Lona)
Sinopse: Depois do ensaio, Léo e Duda se despedem com o combinado de convidarem seus pais para a grande estreia da peça. Mas Léo se depara com a irredutível ideia do pai de que somente o trabalho de mecânico garantirá seu futuro e na casa de Duda, todas as tarefas domésticas devem ser feitas e refeitas impedindo que ela possa sair. Mas e o sonho de Léo e Duda fazerem teatro? A peça aborda a exploracão laboral e o castramento de sonhos.
Elenco/GTO Maremoto: Kyara Elane, Bárbara Assis, Max Waldorf, Nanny Cunha, Patrick Torres, Jeferson Luciano, Anderson Oliveira, Lucas Brynner, Cynara Farias, Milena Vital e Vinicius Alves | Texto e Músicas: Criação coletiva do GTO Marémoto | Direção: Claudete Felix e Flavio Sanctum / Centro de Teatro do Oprimido | Direção Musical: Roni Valk e John Silva | Direção de Imagem: Cachalote Mattos | Assistente de Curinga: Marcela Farfan | Cenário: Zitto Bedat | Figurino: Kelly Régis | Maquiagem: Wellington Leão | Adereços: Mauro Soh |Assistentes de Produção: Aislan Loyola e Thaynara Oliveira | Camareiras: Luana Silva, Sandra Mendes e Vânia Florisbela

16:30h – Cena “Vai” (Ruínas)
Sinopse: A descoberta de que nossos pais, avós e bisavós tem codificado o nordeste em suas histórias nos levou a um questionamento: Por que nós, moradores da Maré e filhos de nordestinos, nos esquecemos daquela região de nosso país? Vai é o resultado de uma pesquisa cênica a fim de problematizar os caminhos que nos constroem, porém nos perdemos neles. Numa narrativa fantástica, uma família nordestina vai em busca de um lugar chamado Maré.
Direção de Arte e Musical: Rodrigo Sousa e Wallace Lino | Elenco/Grupo Trocas Marginais: Paulo Victor Lino, Marcos Diniz, Marllon Araújo, Gabriel Affonso, Gabriel Hortsh, Guirlherme Sousa, Barbara Assis, Matheus Mello, Kamylinha Galdeano, Juliana Targino, André Souza e Romário Zodic.

17:00h – Espetáculo do GTO Maré 12 “Em uma família” (Área superior do Parque das Ruínas)
Sinopse: Ana tem 15 anos e sonha jogar futebol e tocar berimbau. Porém seu pai diz que futebol é pra homem. Ela quer sair e se divertir, o pai responde que filha tem que ajudar a mãe na faxina, ser boa dona-de-casa para ser uma verdadeira mulher. A peça aborda o machismo que uma jovem sofre dentro da própria família.
Elenco/GTO Maré 12: Aparecida dos Anjos, Gabriela Guedes, Nara Gomes Freire, Nayla Gomes Freire, Maiara Mendonça, Jhenifer Melo, Maiara Fernandes e Kissila Tasciane | Texto e Músicas: Criação coletiva do GTO Maré 12 | Direção: Monique Rodrigues, Alessandro Conceição e Claudete Felix / Centro de Teatro do Oprimido | Direção Musical: Roni Valk | Direção de Imagem e Cenário: Cachalote Mattos | Figurino e Maquiagem: Wellington Leão | Adereços: Mauro Soh | Assistentes de Produção: Aislan Loyola e Thaynara Oliveira | Camareiras: Luana Silva, Sandra Mendes e Vânia Florisbela
18:00h – Coquetel de encerramento com música e maculelê (Área superior do Parque das Ruínas)
 
Ficha técnica
 
Coordenação Geral: Geo Britto
Coordenação Artística: Helen Sarapeck
Curingas: Alessandro Conceição, Claudete Félix, Flávio Sanctum e Monique Rodrigues
Assistente de Curinga: Janna Salamandra
Coordenador de Avaliação: Mario Miranda
Assistentes de Avaliação: Juliana Marques (Estatística) e Paula Beatriz Albuquerque (Documentação)
Facilitadores de Cultura Digital: Adriano Belisário e Surian dos Santos 
Design Gráfico: Alexandre de Castro
Website: Marcelo Paes de Carvalho
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Produção: Amaury Silva
Patrocínio: Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental; SENAD - Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas/Ministério da Justiça por meio do Programa Viva Jovem; Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro por meio do Projeto do Ponto LapaMaré da Rede Carioca de Ponto de Cultura
Realização: Centro de Teatro do Oprimido
 
Atendimento à Imprensa
 
Ney Motta | contemporânea comunicação
assessoria de imprensa
21 2539-2873 e 98718-1965


sábado, 14 de novembro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Autobiografia Autorizada"

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Humor e lirismo na Casa da Gávea



Lionel Fischer



A noite de ontem foi muito especial para mim. Com indesculpável atraso, resolvi assistir "Autobiografia Autorizada", em cartaz na Casa da Gávea após cumprir bela temporada nos Correios e percorrer inúmeras cidades no país. Mas ao chegar ao referido espaço constatei a presença de poucos espectadores, certamente por que, no mesmo horário, o Brasil estaria jogando com a Argentina pelas eliminatórias da Copa do Mundo.

Então, perguntei a Paulo Betti se ele não preferia cancelar a sessão, pois havia a possibilidade de o Brasil jogar bem (o que não acorreu e parece que jamais ocorrerá) e a gritaria se instalar nas redondezas, prejudicando o espetáculo. Paulo me disse que não cancelaria a apresentação, mesmo com a possibilidade de foguetórios. E enfatizou, sempre sorridente e com enorme simpatia, que o fato de ali estarem poucas pessoas não alterava nada: "O teatro é isso, não é? Um dia representamos para muitos, um dia representamos para poucos". 

Efetivamente, o teatro é isso. O verdadeiro artista não permite que sua disponibilidade para se doar esteja atrelada ao número de espectadores. E certamente os poucos que estiveram, ontem, na Casa da Gávea, de lá saíram tão gratificados como eu, pois ali se materializou a melhor definição de teatro que conheço, proferida pelo maior encenador vivo, o inglês Peter Brook: "O teatro é a arte do encontro".

Paulo Betti está comemorando 40 anos de uma belíssima carreira, tendo realizado um total de 117 trabalhos como ator em teatro, cinema, TV, diretor e narrador. E poderia ter escolhido um belo texto de autor consagrado para festejar uma data tão especial. Mas optou por escrever sobre si mesmo, sobre sua família, sobre sua infância e adolescência. E para aqueles que, apressadamente, possam imaginar que na origem de tal iniciativa repousaria uma discutível dose de vaidade, gostaria de dizer que considero abençoados os que se envaidecem de suas trajetórias, desde que as mesmas, naturalmente, contenham tanta poesia, humor e humanidade, como a de Paulo Betti.

Optando por uma estrutura narrativa que mescla confissões e materializações de pessoas vitais, o belíssimo texto de Paulo Betti encontra justa correspondência na brilhante direção de Betti em parceria com Rafael Ponzi, que valoriza, com a mesma intensidade e lirismo, tanto as passagens mais dramáticas quanto aquelas em que o humor predomina. E se a isto somarmos a deslumbrante performance de Paulo Betti, o resultado só poderia ser um dos mais expressivos espetáculos da atual temporada, que deve ser prestigiado de forma incondicional pelo público.

Na equipe técnica, considero igualmente irretocáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Mana Bernardes (cenário), Letícia Ponzi (figurino), Dani sanchez e Luiz Paulo Neném (iluminação) Pedro Bernardes (trilha sonora)  e Miriam Weitzman (direção de movimento).

AUTOBIOGRAFIA AUTORIZADA - Texto de Paulo Betti. Direção de Betti e Rafael Ponzi. Com Paulo Betti. Casa da Gávea. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.








sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Banho de sol"

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Várias leituras dificultam conexão



Lionel Fischer



"Primeiro trabalho da Companhia Doêrro - criada em 2014 - a trama abre ao público a possibilidade de várias interpretações. O espetáculo é uma sequência de solos curtos, que abordam a solidão através de linguagens teatrais diferentes". 

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a essência de "Banho de sol", que tem direção e dramaturgia assinadas por Helena Almeida e Ruy Carvalho, também intérpretes do espetáculo em cartaz no Teatro Café Pequeno.

Como se sabe, o teatro é uma arte fundamentalmente libertária, e portanto pode e deve abrigar uma infinidade de temas e linguagens. No entanto, há que se levar em consideração, como sustenta Peter Brook (maior encenador vivo), que o teatro é essencialmente "a arte do encontro". Ou seja: há que existir algum elo entre quem faz e quem assiste, independentemente da linguagem, tema ou espaço em que se dê a representação. 

No presente caso, estamos diante de um espetáculo que, como consta do trecho do release acima mencionado, permite várias interpretações. Isto, em princípio, nada tem de grave. Mas é óbvio que, dentre várias possibilidades, deve existir ao menos uma com a qual o espectador possa estabelecer uma conexão minimamente satisfatória. Não foi o que me aconteceu, pelas razões que explicito em seguida.

Inicialmente, vemos um homem que, após grande período de imobilidade, começa a proferir palavras intercaladas com uma oração. Este homem, ao longo do espetáculo, empreende uma espécie de partitura, que o leva a repetir gestos e a arrumar e a rearrumar obsessivamente seus pertences - a partir de um certo ponto, seu estado emocional vai se tornando cada vez mais exacerbado, o que o leva a se auto-agredir ou ser agredido por alguém que não vemos. Quem é esse homem? 

Também no início, um vulto de mulher permanece um bom tempo imóvel. De repente, ela começa a falar, mas a iluminação impede que vejamos seu rosto, somente seu vestido. Ela faz uma sôfrega confissão acerca de sua própria personalidade e de como se comporta na vida. Mas o fato de, ao menos durante esta longa fala, não vermos seu rosto, talvez indique que não se trata de alguém em particular, mas da condição feminina. Seria isso?

A partir daí, o homem - como já dito - segue sua partitura. Quanto à mulher, ela basicamente canta trechos de canções infantis. Os dois personagens jamais se encontram (ou tem brevíssimo contato) e talvez a proposta não seja a de mostrar o que está ocorrendo entre duas pessoas que possam ter vivido uma história, mas sim a de enfatizar a solidão humana. Será que esta seria a leitura mais próxima do pretendido? Sinceramente, não sei. 

Seja como for, é inegável a seriedade do projeto, assim como torna-se imperioso destacar o excelente trabalho corporal de Ruy Carvalho e a grande capacidade de entrega de Helena Almeida, assim como a beleza dos figurinos de Júlia Faria (Mulher) e Florência Santángelo (Homem), dos objetos de cena e da iluminação, feita pelos atores com supervisão de Bruno Peixoto.  

BANHO DE SOL - Dramaturgia e direção de Helena Almeida e Ruy Carvalho. Companhia Doêrro. Com Helena Almeida e Ruy Carvalho. Teatro Café Pequeno. Quarta e quinta, 21h.



  







sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Nine - um musical felliniano"

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Montagem imperdível no Clara Nunes



Lionel Fischer



"Guido Contini, diretor de cinema conhecido internacionalmente, está em uma grave crise criativa, sem saber como desenvolver o seu próximo projeto. Para fugir das tensões, ele resolve passar alguns dias em uma SPA em Veneza, onde encontra - em diferentes planos, como realidade, memória, fantasia, sonho - todas as mulheres de sua vida: a mãe, a esposa, a amante, a musa de seus filmes, a prostituta e a sua produtora."

Extraído do ótimo release que me foi enviado, o trecho acima contextualiza "Nine - um musical felliniano", de Maury Yeston (composições e letras) e Arthur Kopit (texto). Baseado no filme 
"8  1/2", de Fellini, lançado em 1963, "Nine" estreou na Broadway em 1982, obtendo extraordinário sucesso. Agora, após cumprir excelente temporada em São Paulo, "Nine" pode ser assistido até o próximo domingo no Teatro Clara Nunes.

Contando com direção artística de Charles Möeller e Claudio Botelho (este também responsável pela versão brasileira), "Nine" traz no elenco Totia Meireles, Carol Castro, Malu Rodrigues, Leticia Birkheuer, Karen Junqueira, Sonia Clara, Myra Ruiz, Agata Matos, Camila Marotti, Laís Lenci, Lola Fanucchi, Priscila Esteves, Luiz Felipe Mello e Nicola Lama, este vivendo o protagonista Guido.

Como sempre ocorre com puristas de plantão, imagino que quase todos poderão ter torcido seus desgraciosos narizes e levantado argumentos poderosíssimos do tipo "mas o filme de Fellini tinha isso, o filme de Fellini tinha aquilo..." e assim por diante. Diante de colocações de tamanha relevância, limito-me humildemente em enfatizar o óbvio: é totalmente pueril se tentar estabelecer comparações entre linguagens diferentes. Até por que, no presente caso, o protagonista não está mergulhado em questões estéticas e existenciais, como no filme, e sim vivendo embates com mulheres fundamentais de sua vida - e tudo isso, diga-se de passagem, acontecendo basicamente dentro de sua cabeça. Isto posto, sigamos adiante.

Não hesito em afirmar que os norte-americanos Yeston e Kopit produziram um material de altíssima qualidade e que este, em sua versão nacional, manteve-se deslumbrante. Em seu trigésimo quinto espetáculo, a dupla Möeller e Botelho reafirma sua excelência, presente em todos os segmentos desta montagem deliciosa e imperdível. 

Com relação à dinâmica cênica, os diretores criaram marcações impregnadas de vigor e teatralidade, além de conseguirem extrair ótimo rendimento de todo o elenco. Em participações mais centradas no canto, Agata Matos, Camila Maroti, Laís Lenci,  Lola Fanucchi e Priscila Esteves exibem vozes belíssimas, além de corpos igualmente belos e forte presença cênica. Na pele da esposa Luisa, Carol Castro destaca-se pela intensidade de sua performance. Karen Junqueira, a diva Claudia, valoriza muito o solo que lhe cabe. Letícia Birkheuer interpreta com correção a crítica Stephanie, com idêntico resultado quando canta. 

Totia Meireles (a produtora Lili La Fleur) é uma presença fascinante, tanto nas passagens faladas quanto naquelas em que nos brinda com sua bela voz. A mesma excelência se faz presente em Malu Rodrigues (a amante Carla) e em Myra Ruiz (a prostituta Sarraghina) - esta última protagoniza a passagem coreográfica mais brilhante do espetáculo. Luiz Felipe Mello, de apenas 9 anos de idade, canta muito bem e é uma figura encantadora em cena. Quanto a Nicola Lama, este vive Guido Contini de forma arrebatadora, exibindo forte presença cênica, grande carisma, voz poderosa e notável capacidade de materializar toda a angústia e fragilidade do protagonista, assim como seu irresistível humor. Sem dúvida, uma performance deslumbrante.

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta sedutora e imperdível empreitada teatral - Alonso Barros (coreografia), Rogério Falcão (cenografia), Lino Villaventura (figurinos), Ademir Moraes Jr. (desenho de som), Paulo Cesar Medeiros (iluminação), Beto Carramanhos (visagismo) e Paulo Nogueira (direção musical e regência). Cabe também destacar a excelência dos músicos Paulo Nogueira (regente e piano 1), Rodrigo Hyppolito (piano 2 e regente substituto), Douglas Andrade (bateria/percussão), Mauro Domenech (baixo acústico), Helena Imasato (violino), Watson Clis (violoncelo), Paulo Jordão (trompete), Douglas Freitas (trombone) e Mauro Oliveira (reed/multi-madeiras).

NINE- UM MUSICAL FELLINIANO - Texto de Arthur Kopit, música e letras de Maury Yeston. Versão brasileira de Claudio Botelho. Direção de Botelho e Charles Möeller. Com Nicola Lama, Carol Castro, Totia Meireles e grande elenco. Teatro Clara Nunes. Hoje e amanhã, 21h. Domingo, 19h.







terça-feira, 3 de novembro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Talk Radio"

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Sombria e pertinente visão da América



Lionel Fischer



"O locutor de rádio Barry Champlain comanda, todas as madrugadas, um programa onde responde aos telefonemas de seus ouvintes - pessoas estranhas, solitárias e problemáticas. O programa aborda assuntos polêmicos, como legalização de drogas, homossexualismo, racismo, preconceitos, diferenças religiosas e patologias do comportamento humano. Ao mesmo tempo, a peça mostra os bastidores do programa e a tumultuada relação de Barry com seus colegas de emissora".

Extraído, e um pouco editado, do release que me foi enviado, o trecho acima resume o contexto em que se dá "Talk Radio", do norte-americano Eric Bogosian. Maria Maya responde pela direção do espetáculo (Teatro Solar de Botafogo), estando o elenco formado por Leonardo Franco (Barry Champlain), Alexandre Varella (Dan, ouvintes), Bernardo Mendes (Kent), Marcelo Aquino (Stu, ouvintes), Mariana Consoli (ouvintes), Raul Franco (ouvintes) e Stela Maria Rodriygues (Linda).

Escrito em 1987, este texto poderia soar um tanto defasado, em função da era digital. Mas acredito que o rádio jamais perdeu ou perderá sua força, e menos ainda quando pessoas, como no presente caso, podem conversar com alguém sem nenhuma intermediação. E mais: sabendo que também estão sendo ouvidas por outras pessoas, o que deve gerar algum consolo para os que padecem de solidão ou que julgam que suas opiniões ou desabafos não merecem ser levados a sério. Mas será que Barry leva a sério seus ouvintes?

Em alguns poucos casos, sim, mas na maioria, não. De uma maneira geral, o apresentar se vale dos telefonemas para expor, de forma virulenta e sarcástica, seu desprezo pelas opiniões emitidas e valorizar as próprias. No entanto, se fosse apenas isso, a peça se resumiria em expor uma forte, irônica, virulenta e carismática personalidade, quando na realidade o autor pretendeu muito mais. Em meu entendimento, o que está em causa não são as patologias individuais, mas a patologia de uma nação. 

Posso estar enganado, evidentemente, mas acredito que os ouvintes que telefonam - e não raro inventam histórias - não são tão importantes enquanto indivíduos e sim como integrantes de uma coletividade que, resguardada pelo anonimato, constitui uma das mais graves ameaças a qualquer sociedade: a maioria silenciosa. 

Neste sentido, ao dar voz àqueles que em princípio jamais seriam escutados, o que Barry pretende não é se compadecer com eventuais infortúnios ou desancar os que defendem valores diferentes dos seus, mas fundamentalmente fazer emergir o que jamais vem à tona, exibindo o lodo que se esconde sob a superfície supostamente límpida de uma sociedade que, da forma mais descarada, ainda insiste em ser tomada como exemplo.

Bem escrito, contendo ótimos personagens e exibindo uma ação que prende a atenção do espectador desde o início, "Talk Radio" recebeu segura versão cênica de Maria Maya, tanto nas passagens em que Barry se relaciona com seus ouvintes quanto naquelas em que o foco recai na emissora, durante os intervalos comerciais. A única ressalva que faço à encenadora diz respeito à iluminação de Adriana Ortiz, com a qual, evidentemente, Maria Maya concordou.

Que a luz que incide sobre o apresentador, enquanto o programa está no ar, seja basicamente sombria, até aí tudo bem. Mas por que manter a mesma e imutável atmosfera soturna quando vemos os ouvintes? Será que algum tipo de contraste não tornaria essas relações mais vivas e expressivas? Será que a apropriada utilização da cor não contribuiria para enfatizar ainda mais os diversificados climas emocionais em jogo? Enfim...fica a sugestão.

Com relação ao elenco, Leonardo Franco exibe uma das melhores performances de sua carreira, conseguindo materializar na cena as principais características de uma personalidade controversa e fascinante. No que diz respeito a Alexandre Varella, Bernardo Mendes, Marcelo Aquino, Mariana Consoli, Raul Franco e Stela Maria Rodriygues (por sinal, cada vez mais linda), todos contribuem de forma decisiva para o êxito desta poderosa e mais do que pertinente empreitada teatral.

No complemento da ficha técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de Leonardo Franco (tradução), José Dias (cenografia), João Paulo Mendonça (produtor musical), Marina Beltrão (visagismo), Verônica Machado (preparação vocal) e Cynthia Reis (direção de movimento).

TALK RADIO - Texto de Eric Bogosian. Direção de Maria Maya. Com Leonardo Franco, Alexandre Varella, Bernardo Mendes, Marcelo Aquino, Mariana Consoli, Raul Franco e Stela Maria Rodriygues. Teatro Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.