sábado, 12 de agosto de 2023

 Teatro/Crítica


"Restos na Escuridão _ Engenharia Reversa"


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Montagem imperdível no Porão da Laura


Lionel Fischer


"Um trabalho de investigação, um estudo cênico sobre o reverso da cena. Todos os elementos, materialidades, intuições que constituem a criação teatral de trás para frente. Tudo aquilo que não aparece de forma mais explícita e que vai constituir o teatro. É um trabalho a partir de três textos do dramaturgo irlandês Samuel Beckett ("Cadência", "Passos" e "Não Eu"), mas é uma dramaturgia de ator, uma dramaturgia de ensaio".

Extraído do ótimo release que me foi enviado, o trecho acima explicita as premissas essenciais de "Restos na Escuridão - Engenharia Reversa", em cartaz no Porão da Casa de Cultura Laura Alvim (Sala Rogério Cardoso). Fábio Ferreira e Carolina Virgüez respondem pela dramaturgia, cabendo ao primeiro a direção do espetáculo. Carolina é a única intérprete em cena.

Tão logo fica evidente que algo se iniciou, a atriz nos dá a seguinte informação: isto não é uma peça, isto não é um espetáculo. E em poucas palavras tenta resumir os objetivos que nortearam o processo de criação. Mas logo suas informações se fundem com lembranças dos ensaios, sendo tal fusão realizada com tamanha maestria que só mais adiante nos damos conta de que fomos conduzidos para um outro lugar. E são muitos os deslocamentos propostos, sempre imprevistos e invariavelmente fascinantes.   

E nesse momento, faço a opção de não entrar em maiores detalhes sobre o que assisti, pois fatalmente acabaria revelando algo que meus leitores (se é que os possuo) merecem usufruir presencialmente. Seja como for, torna-se imperioso destacar a excelente dramaturgia, assim como o belíssimo desenho cênico criado por Fabio Ferreira. Com relação a Carolina Virgüez, a atriz exibe uma vez mais seus excepcionais recursos expressivos e sua deslumbrante capacidade de entrega. Para mim, é sempre um privilégio vê-la em cena. E certamente não são poucos os que pensam como eu.

Finalmente, gostaria de ressaltar as maravilhosas contribuições de toda a equipe técnica, sem dúvida indispensáveis para a materialização deste espetáculo imperdível, um dos melhores da atual temporada - Fabio Ferreira (instalação cênica), Renato Machado (iluminação), Cleber de Oliveira (visagismo), Luiza Marcier (figurino), Felipe Storino (trilha sonora), Paulo Mantuano (direção de movimento) e Jaqueline Priston (preparação vocal).

RESTOS NA ESCURIDÃO - ENGENHARIA REVERSA  - Texto de Fábio Ferreira e Carolina Virgüez. Direção de Fabio Ferreira. Performance de Carolina Virgüez. Porão da Casa de Cultura Laura Alvim (Sala Rogério Cardoso). Sexta e sábado, 19h. Domingo, 18h.




   


terça-feira, 11 de julho de 2023

Teatro / Crítica


"Kafka e a boneca viajante"


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Humor e lirismo no CCBB


"Referência obrigatória na literatura mundial do século XX, o escritor Franz Kafka (1883-1924) teria vivido, já no fim da vida, uma história curiosa. Ao caminhar por uma praça perto de sua casa, encontrou uma menina que chorava por ter perdido sua boneca. Sensibilizado pelo sofrimento da criança, ele passou a escrever cartas à menina como se fossem enviadas pela boneca, em que descrevia suas incríveis aventuras pelo mundo. A bela e intrigante história já foi contada em livros, contos e peças, mas até hoje não há provas de que realmente tenha acontecido – as cartas jamais foram encontradas, tampouco a dona da boneca".

O trecho acima, extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Leila Grimming, sintetiza o contexto em que se dá "Kafka e a boneca viajante", em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil. Projeto idealizado por Felipe Heráclito Lima, o texto de Rafael Primot é uma adaptação do romance homônimo do catalão Jordi Serra I Fabra. João Fonseca assina a direção do espetáculo, que tem elenco formado por Alessandra Maestrini (Brígida, a boneca), Carol Garcia (Rita, a menina), André Dias (Sr. K (Kafka) e soldadinho de chumbo) e Lilian Valeska (Dora / Gaivota).

Como expresso no parágrafo inicial, não há nada que comprove que Kafka tenha escrito cartas para uma menina desolada pela perda de sua boneca. Mas poderia tê-lo feito, já que nutria particular afeição por missivas ("Carta ao Pai", "Cartas a Milena" e "Cartas a Felice"). Seja como for, o que importa ressaltar é o excelente trabalho dramatúrgico de Rafael Primot, pleno de humor, delicadeza e lirismo - há muito não testemunhava tamanho encanto por parte de uma plateia, seja durante o espetáculo ou ao seu término.  

Mas é claro que tal encanto também se deve à belíssima encenação de João Fonseca, cuja atmosfera nos remete à dos contos de fada e ao mesmo tempo enfatiza o prazer do jogo teatral, a alegria de estar em cena, a indispensável cumplicidade entre quem faz e quem assiste. Sem dúvida, um dos grandes destaques da atual temporada.

Com relação ao elenco, já disse incontáveis vezes que este país pode carecer de tudo, menos de grandes intérpretes. No presente caso, Alessandra Maestrini nos presenteia, mais uma vez, com uma interpretação extraordinária, tanto nas passagens faladas quanto naquelas em que o canto predomina. Lilian Valeska também exibe atuação impecável, o mesmo ocorrendo com Carol Garcia - a atriz apresenta aqui a melhor performance de sua carreira. André Dias está irrepreensível nos dois personagens que interpreta. 

No tocante à equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os envolvidos neste projeto deslumbrante - Tony Lucchesi (direção musical), Marcia Rubin (direção de movimento), Nello Marrese (cenário), Paulo Cesar Medeiros (iluminação), João Pimenta (figurino) e Everton Soares (visagismo).

KAFKA E A BONECA VIAJANTE - Texto de Rafael Primot. Direção de Josão Fonseca. Com Alessandra Maestrini, Carol Garcia, Lilian Valeska e André Dias. Centro Cultural Banco do Brasil. Quinta a sábado, 19h30. Domingo, 18h.

  

segunda-feira, 26 de junho de 2023

 

 

‘1º FESTIVAL DE TEATRO AMIR HADDAD’É REALIZADO NO RIO DE JANEIRO

Celebrando os 86 anos de Amir Haddad, evento reúne um recorte de peças do encenador e diretor teatral a preços populares e uma extensa programação cultural gratuita na Casa do Tá na Rua, na Lapa.

Uma das maiores referências do teatro nacional, o diretor e encenador Amir Haddadteráseus 86 anos celebrados com a mesma maestria que imprime em seus trabalhos. A famosa comemoração que acontece a cada 02 de julhoentre amigos será, este ano, extensiva a todos. Entre 03 e 16 de julho acontece o 1º Festival de Teatro Amir Haddad, evento realizado no Centro Cultural Casa do Tá na Rua, na Lapa, que vai reunir uma programação cultural vasta ao longo de 13 dias. Idealizado e com curadoria assinada porMáximo Cutrim, ator e integrante do Tá na Rua, com patrocínio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/SMCe realizado pelo Instituto Tá Na Rua, o Festival exibirá espetáculos dirigidos por Amir com ingressos a preços populares(inteira a R$ 20), além de uma gama de atividades artísticas gratuitas.

O Festival trará uma seleção cuidadosa de peças teatrais de diversos gêneros, estilos e formatos, todas dirigidas e/ou supervisionadas por Amir, com diversos atores em trabalhos de muita importânciapra cena teatral brasileira. Dentre eles estáAndrea Beltrãocom sua“Antígona;Pedro Cardosocom“Recém-Nascido”; Cláudia Abreuem“Virgínia;Clarice Niskierapresentará em repertório“A Alma Imoral”, “A esperança na caixa de chicletes pingpong”e“Coração de Campanha;Gilson de Barroscom“Riobaldo” (trilogia “Grande Sertão, Veredas”);Vanessa Gerbelliem “Sombras no final da escadaria”; Lorena da Silva em “A mulher ideal”; o Teatro Universitário Carioca (TUCA) com “Re-acordar”, o Grupo Tá Na Ruacom “Geografia Popular” e “Zaratrusta”, comViviane Mosé, que se apresentará com o próprio Amir interpretando Zaratustra, de Nietzsche.

“Com uma brilhante trajetória no teatro, Amir é um dos grandes nomes da cena teatral brasileira onde, com seu trabalho inovador e impactante, influenciou gerações de artistas e apaixonados por teatro. Estar à frente desse festival com apenas 26 anos é uma grande honra e responsabilidade. Sou natural de São Luís (MA), e nos últimos oito anos tenho me dedicado integralmente a estar ao lado de Amir, aprendendo todos os dias. Me sinto preparado e amparado para estar vivendo esse momento, e a ideia é cravar de vez o legado e a importância de sua obra na vida cultural do Brasil. E como nada se faz sozinho, muito menos no teatro, conto com o direcionamento leal da nossa coordenadora e matriarca Maria Helena e todos os meus colegas de grupo”, reitera Máximo Cutrim.

Dono de uma mente inquieta e com abordagem visionária, Amir dirigiu espetáculos de grande diversidade temática e estilística, explorando desde clássicos da dramaturgia universal até obras contemporâneas de autores nacionais e internacionais. O Festival realizauma homenagem ao legado de Amir em vida, numa oportunidade de celebrar sua contribuição à cultura brasileira. Para o aniversariante homenageado, comemorara nova idade recebendo um festival de teatro que leva o seu nome lhe causou surpresa.

“Eu nem sei ao certo associar uma coisa à outra, mas o que me espanta muito é, ao fazer um levantamento dos espetáculos do panorama teatral do Rio de Janeiro e do Brasil, no geral, é que tenha tantos espetáculos com a minha assinatura. E a maioria deles monólogos, porque é muito difícil montar uma peça, mas com os melhores atores e atrizes do país. Ver tudo assim, reunido, em quantidade, qualidade e diversidade da minha produção cultural é o maior barato, porque dá uma perspectiva da minha produção, e com o sentimento de potência e vigor físico, mental e intelectual muito grande dos quais eu ainda sou possuidor”, celebra.

Aos 66 anos de atividade profissional, passa longe qualquer possibilidade de retiro ou aposentadoriapara Amir.“Eu trabalho intensamente. Eu nunca fiz outra coisa da minha vida, eu vivo e sempre vivi do teatro, sou muito grato por ter escolhido essa profissão. O teatro não me negou nada e eu me dei por inteiro. Eu gostaria que este Festival produzisse uma reativação da vida cultural brasileira e carioca e, mais ainda, restabelecesse o nível de inquietação e interesse pelo teatro. Porque de repente fica parecendo que o teatro é uma atividade morta e ultrapassada, quando, na verdade, é a única forma de manifestação viva que nós temos. Passada a pandemia, só nos resta a presença. E a presença é o teatro”, sentencia.

Além das apresentações teatrais, o festival também contará com uma série de atividades paralelas relacionadas à trajetória de Amir, como oficinas, conversas, exibição de filmes, performances musicais e uma exposição imersiva. Durante duas semanas, o Centro Cultural Casa do Tá Na Rua será espaço de aprendizado, troca de ideias e interação entre artistas, estudantes, amantes do teatro e toda a comunidade interessada. Os ingressos para as peças, a preços populares, e as oficinas gratuitas serão disponibilizados ao públicono Sympla: https://www.sympla.com.br/produtor/festivalamirhaddad. As demais atividades terão suas senhas distribuídas no proporio local, uma hora antes do início. Aprogramação completa do Festival pode ser conferida abaixo e no perfil @festivalamirhaddad.

Amir não vê tanta diferença no seu fazer artístico em relação a outras fases. “Não existe um padrão para 86 anos, a variedade é muito grande, o que temos é a vida de cada um. Mas eu estou desta maneira: poderoso, ereto, forte, viril, criativo e energizado. E tem outros com a mesma idade que já engoliram a dentadura. Eu sou uma pessoa muito intensa, com muita vida, nunca tive pausa ou intervalos, sempre precisei viver intensamente. Continuo fazendo as coisas que sempre quis e gosto de fazer, e o que me chega às mãos pra fazer, como se tivesse 16, 19 anos. Graças a Deus sempre tive oportunidade de trabalhar, sou uma pessoa permanentemente interessada no mercado e por quem o mercado se interessa. Eu tenho o que dizer - e tem gente que se interessa em ouvir.O teatro é matéria de salvação”, finaliza.

 

 

SERVIÇO:

1º FESTIVAL DE TEATRO AMIR HADDAD

Local: Centro Cultural Casa do Tá na Rua

Endereço: Av. Mem de Sá, 35, Lapa – Rio de Janeiro

Quando:  03 a 16 de julho - nos dias 08 e 09 de julho não haverá programação -

Programação Gratuita – A partir das 16h

Espetáculos Teatrais - Sempre às 20h - Ingressos R$ 20 (inteira)

Informações e Programação Completa: https://www.instagram.com/festivalamirhaddad/

Classificação Indicativa: Livre

 

FICHA TÉCNICA:

Direção: Amir Haddad

Idealização e Curadoria: Máximo Cutrim

Coordenação: Maria Helena da Cruz

Direção de Produção: Maria Ines Vale Produções

Direção Criativa: Criação Máxima e Noix

Produção Executiva: Ísis Martins

Direção de Marketing: Evandro Castro Neto

Programação Visual: Farpa/ Leandro Felgueiras

Grupo Tá Na Rua: Renata Batista, Máximo Cutrim, Evandro Castro, Rozan Borges, Luciana Pedroso, Carol Eller, Daniel Ávila, Marcelo Evangelista, Maria Clara Coelho e Giovanna Cherly.

Cenografia e Direção de palco:  Ana Paula Casares

Iluminação e Operação de luz: Paulo Denizot

Figurino: Renata Batista

Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Assessoria – Gisele Machado e Bruno Morais

Vídeo: Fabio Pereira e Evandro Castro Neto

Fotografia: Marcos Batista e Mariana Pêgas

Foto de Divulgação / Fotógrafo: Vidafodona

Ass. de foto: Lara Pazini / Gaffer: Stirling

Assistentes de Produção: Raphael Pena e Maíra Athayde

Coordenação Técnica: Guilherme Penedo

Operação de Som: Jackson Marques

Exposição:

Clélio de Paula - Tecnologia 3D

Chico Couto - Montagem de Vídeo

Isadora Figueira - Curadoria

Ana Paula Casares - Cenografia

Cinemateca do MAM - que Digitalização de Acervo

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Prêmio Cesgranrio de Teatro 2022

     Indicados do Segundo Semestre


FIGURINO

João Pimenta - "Ficções"

Ligia Rocha, Marco Pacheco e Jemina Tuany - "Marrom, o musical"

Rocio Moure - "Órfãos"


CENOGRAFIA

Artur Luanda Ribeiro e André Curti - "Enquanto você voava, eu criava raízes"

Bia Junqueira - "Ficções"

Natália Lana - "Órfãos"


ILUMINAÇÃO

Artur Luanda Ribeiro - "Enquanto você voava, eu criava raízes"

Bernardo Lorga - "Tráfico"

Paulo César Medeiros - "Ficções"


ATOR

Amaury Lorenzo - "A Luta"

Robson Torinni - "Tráfico"

Thelmo Fernandes - "Dignidade"


ATOR EM TEATRO MUSICAL

Tauã Delmiro ("As metades da laranja - Uma comédia musical"

Tiago Barbosa (Clube da esquina - Os sonhos não envelhecem"


CATEGORIA ESPECIAL

Elenco de "Sem palavras"

João Roberto Faria (livro "Teatro e escravidão no Brasil"

Kenia Dias - direção de movimento de "Sem palavras"


ATRIZ

Deborah Evelyn - "Três mulheres altas"

Denise Fraga - "Eu de você"

Vera Holtz - "Ficções"


ATRIZ EM TEATRO MUSICAL

Letícia Soares - "Marrom, o musical"

Lilian Valeska - "Marrom, o musical"

Marya Bravo - "Clube da esquina - Os sonhos não envelhecem"


DIREÇÃO MUSICAL e TRILHA SONORA

Federico Puppi - "Enquanto você voava, eu criava raízes"

Federico Puppi - "Ficções"

Guilherme Terra - "Marrom, o musical"


TEXTO NACIONAL INÉDITO

Marcio Abreu e Nadja Naira - "Sem palavras"

Rodrigo Portella - "Ficções"


DIREÇÃO

Artur Luanda Ribeiro e André Curti - "Enquanto você voava, eu criava raízes"

Marcio Abreu - "Sem palavras"

Rodrigo Portella - "Ficções"


ESPETÁCULO

"Enquanto você voava, eu criava raízes"

"Ficções"

"Sem palavras"

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terça-feira, 31 de janeiro de 2023

 Teatro/CRÍTICA


"Narcisa"


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Sensível e oportuna montagem


Lionel Fischer


"A peça joga luz sobre a trajetória da poeta romântica fluminense Narcisa Amália (1852-1924). Comparada a Gonçalves Dias e Castro Alves e primeira mulher a tornar-se jornalista profissional no Brasil, Narcisa teve memória e obras sujeitas ao sistemático silenciamento das vozes femininas na história literária brasileira. Tendo seu talento reconhecido por Machado de Assis e todo o meio literário de sua época, Narcisa foi também abolicionista, republicana, defensora ferrenha dos direitos da mulher e da educação. Seu único livro de poesias (Nebulosas) foi escrito aos 20 anos".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, haverá de causar espanto nos que porventura saibam muito pouco - ou quase nada - sobre esta mulher extraordinária, poeta de primeira grandeza. Mas como tudo - ou quase tudo - nesta vida pode ser remediado, nada mais oportuno do que uma ida à Sala Multiuso do Sesc Copacabana para assistir "Narcisa". 

Última produção da Cia. de Teatro Baú da Baronesa, a montagem tem dramaturgia de Cilene Guedes, estando a direção a cargo de Joana Lebreiro (Gabriela Estevão assina a codireção). No elenco, Cilene Guedes, Gabriela Estevão, Jacyara de Carvalho e Nina Pamplona. 

Além do já citado no parágrafo inicial, julgo oportuno mencionar outras atividades de Narcisa Amália. Foi tradutora de contos e ensaios de autores franceses, como a escritora George Sand (pseudônimo masculino de Amandine Aurore Lucile Dupin); fundou o jornal Gazetinha, de conteúdo feminista; publicou as obras "Miragem", "Romance da mulher que amou" e "A mulher do século XIX". 

Enfim, atuou em várias frentes e com o mesmo êxito. Em vista disso, como aceitar que Narcisa Amália possa ter tido um final de vida tão trágico? Vítima de um diabetes, estava cega, pobre e praticamente impossibilitada de se locomover. Mas ainda teve forças para redigir o seguinte: 

Eu diria à mulher inteligente...molha a pena no sangue do teu coração e insufla nas tuas criações a alma enamorada que te anima. Assim deixarás como vestígio ressonância em todos os sentidos.

Mesclando documentos históricos e trechos de obras literárias, e tendo como fio condutor a história da vida de Narcisa Amália, a ótima dramaturgia de Cilene Guedes ganhou excelente versão de Joana Lebreiro. Impondo à cena uma dinâmica plena de criatividade, humor e sofisticação, à encenadora também deve ser creditado o mérito suplementar de haver extraído irretocáveis atuações do elenco, em total sintonia com as propostas da direção.

Com relação à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Marieta Spada (direção de arte), Cláudia Castelo Branco (trilha sonora) e Ana Luzia de Simoni (iluminação).

NARCISA - Dramaturgia de Cilene Guedes. Direção de Joana Lebreiro. Com Cilene Guedes, Gabriela Estevão, Jacyara de Carvalho e Nina Pamplona. Sala Multiuso do Sesc Copacabana. Quinta a domingo, 19h.




terça-feira, 17 de janeiro de 2023

 Teatro/CRÍTICA


"Como posso não ser Montgomery Clift?"


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Conturbada jornada de um ícone do cinema


Lionel Fischer


"A peça se passa no momento em que, exausto do assédio e pressão dos meios de comunicação e da indústria cinematográfica, Clift decide abandonar o cinema para voltar ao teatro e realizar o sonho de montar A Gaivota, de Tchecov. Monty, como era conhecido na intimidade, enfrenta as sequelas do acidente de carro que desfigurou seu rosto, além dos conflitos com a sua homossexualidade, a conturbada vida familiar e as relações com os colegas de profissão".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, explicita o contexto em que se dá "Como posso não ser Montgomery Clift?", de autoria do espanhol Alberto Conejero López. Após cumprir temporada em São Paulo, a montagem está em cartaz no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto. Fernando Philbert responde pela direção, estando a interpretação a cargo de Gustavo Gasparani - Claudio Gabriel, Cesar Augusto e Isaac Bernat fazem ótimas participações em áudio.

Possuidor de grande talento, Montgomery Clift exibiu atuações primorosas em filmes como "Um lugar ao sol", "A um passo da eternidade", "Os deuses vencidos" e "Julgamento em Nuremberg", dentre outros. Além disso, era um homem belíssimo. Reunia, portanto, os predicados essenciais não apenas para triunfar em Hollywood, mas também para trilhar uma longa e bem sucedida carreira. 

No entanto, dois outros "predicados" agiram no sentido inverso. O primeiro, até certo ponto tolerável, era o ocasional excesso de bebida. Já o segundo, a homossexualidade, era encarada como gravíssima doença. Muitos atores, inclusive, escondiam suas preferências sexuais para poderem continuar trabalhando. Não foi o caso de Montgomery Clift.

O texto nos mostra o ator na fase final de sua vida. Dentre suas muitas recordações, às vezes vivenciadas, destacam-se sua conturbada relação com a mãe, a grande amizade com Elizabeth Taylor e o desejo de voltar ao teatro interpretando Treplev, personagem de "A Gaivota", de Tchecov. Mas a potência maior do texto reside na capacidade do autor de empreender pertinentes  reflexões sobre a profissão do ator, sobretudo quando inserido na  indústria cinematográfica.

Com relação ao espetáculo, Fernando Philbert impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, cabendo destacar a maestria com que explora a ótima cenografia de Natália Lana - uma banheira, ao centro, sugere um túmulo e em torno dela estruturas de spots remetem a um estúdio cinematográfico - e também sua parceria com Gustavo Gasparani.

Para aqueles que me acompanham (se é que alguém me acompanha) ao longo desses 35 anos de exercício da crítica teatral, é bem provável que já tenham se deparado com os muitos elogios que venho dedicando a Gustavo Gasparani. Portanto, para não correr o risco de ser ou parecer monótono, limito-me a agradecer à vida o privilégio de ter assistido a mais uma ótima performance deste ator de exceção.

No complemento da ficha técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de Fernando Yamamoto (tradução),  Marieta Spada (figurino), Márcio Mello (visagismo), Vilmar Olos (iluminação) e Marcelo Alonso Neves (trilha sonora). Gostaria também de parabenizar Thiago Tafuri (operador de som) e Denys Lima (operador de luz) pela precisão e sensibilidade com que executam suas funções.

COMO POSSO NÃO SER MONTGOMERY CLIFT? - Texto de Alberto Conejero López. Direção de Fernando Philbert. Com Gustavo Gasparani. Espaço Cultural Municipal Sergio Porto. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h.