segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Pinteresco"

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Esquetes de Pinter em ótima versão


Lionel Fischer


Ator, diretor, poeta e roteirista, o inglês Harold Pinter (1930-2008) foi também um dos maiores dramaturgos do século XX, com suas obras inseridas no que se convencionou chamar de Teatro do Absurdo - os outros pilares do gênero são Samuel Beckett e Eugène Ionesco. Além disso, era um incômodo ativista político, um verdadeiro pacifista, e suas posições contra as guerras do Golfo e do Iraque, por exemplo, tornaram-no alvo de muitos ataques por parte das correntes conservadoras que, como se sabe, privilegiam a bestialidade em detrimento da razão. 

Autor de obra vasta e diversificada, Harold Pinter também escreveu muitos esquetes, em sua maior parte produzidos para o teatro de revista. O presente espetáculo reúne os seguintes: "Tess", "Esse é seu problema", "Preto e branco", "Problemas no trabalho", "Ponto de ônibus", "Nova ordem mundial", "Oferta especial", "O último a sair", "Noite", "Coletiva de imprensa", "Só isso" e "Afora isso".

Com tradução assinada por Jacqueline Laurence e Ísio Ghelman, e direção a cargo de Ary Coslov, "Pinteresco" (Teatro Solar de Botafogo) chega à cena com elenco formado por Alice Borges, Leonardo Franco, Marina Vianna e Savio Moll.

Como destaca Ary Coslov no programa distribuído ao público, mesmo nestes textos curtos estão presentes os principais temas do autor, como incomunicabilidade, solidão, memória, ambiguidade, iminência de desastre etc. Mas as surpresas ficam por conta de algumas características raramente trabalhadas em suas peças mais longas, como um surpreendente senso de humor e abordagem de temas políticos.   

Por tratar-se de Harold Pinter, não julgo oportuno perder tempo tecendo considerações sobre as obras aqui encenadas, ainda que alguns esquetes sejam mais interessantes do que outros - esta desigualdade é inerente a praticamente todos os espetáculos estruturados a partir de esquetes, mesmo quando assinados por um gênio. Vamos, pois, ao espetáculo.

Como de hábito, Ary Coslov impõe à presente montagem uma premissa da qual jamais abre mão: priorizar as idéias do autor, ao invés de partir para incócuas mirabolâncias formais. Isto significa, na prática, uma dinâmica cênica crua e objetiva, essencialmente apoiada no jogo entre os atores e, não custa nada lembrar, valorizando ao máximo o insólito de muitas situações e as conhecidas pausas propostas por Pinter, indispensáveis para o estabelecimento dos muitos climas emocionais em jogo. E por ser um excelente ator, nada mais natural que Ary Coslov consiga extrair ótimas atuações de seus intérpretes.

Maravilhosa comediante, Alice Borges exibe mais uma vez sua voz magnífica, afora um impecável trabalho corporal. Marina Vianna, de temperamento mais voltado para o drama, conseque aqui materializar um insuspeitado potencial para o humor. Savio Moll está inteiramente à vontade e convincente nos muitos personagens que encarna, o mesmo aplicando-se a Leonardo Franco - com relação a este último, gostaria de destacar a capacidade do ator de trabalhar num registro, digamos, econômico, sempre na medida justa, tanto no que se refere ao texto como ao universo gestual. Franco me dá sempre a sensação de que sabe exatamente o que é preciso fazer e o faz com grande competência.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Jacqueline Laurence e Ísio Ghelman (tradução), Marcos Flaksman (cenografia), Aurélio de Simoni (iluminação), Ary Coslov (trilha sonora) e Kika Lopes, responsável pelos lindíssimos figurinos.

PINTERESCO - Textos de Harold Pinter. Direção de Ary Coslov. Com Alice Borges, Leonardo Franco, Marina Vianna e Savio Moll. Teatro Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h.

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