sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"O futuro por metade: variações cênicas sobre uma mesma conferência"

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Deliciosas variantes no Sesc


Lionel Fischer


Poeta, contista, escritor e jornalista (e também biólogo), o moçambicano Mia Couto fez uma intervenção em 2007, em Maputo, quando se celebrava Ibsen, um dos primeiros dramaturgos a escrever uma obra ("Casa de bonecas") reivindicando uma nova posição para as mulheres numa sociedade eminentemente machista. Tal intervenção, intitulada "O futuro por metade", serviu como ponto de partida para o presente e original espetáculo.

A originalidade em questão se deve à forma como o projeto foi estruturado. O texto de Mia Couto, se reduzido à sua máxima essência, nos diz o seguinte: "É fácil (embora se vá tornando raro) ser-se solidário com os outros. Difícil é sermos os outros". A partir desta incontestável premissa, os diretores Oscar Saraiva, André Paes Leme, Vítor Lemos e Alexandre Mello criaram variantes em cima do texto de Mia Couto ("Cá entre nós", "Bulhufas", "Partidas: para onde este bilhete nos leva?" e "O futuro é mulher"), sendo a terceira norteada por bilhetes entregues às duas atrizes, Helena Varvaki e Julia Morales. O resultado pode e deve ser conferido na Sala Multiuso do Espaço Sesc.

Num mundo em que a solidão e o individualismo imperam, nada mais difícil do que interessar-se pelo outro. Quanto a tornar-se o outro, ainda que tal simbiose não deva ser entendida literalmente, trata-se de tarefa quase utópica, ainda que imprescindível. E a presente montagem empreende divertidas, dramáticas e pertinentes reflexões sobre o tema, valendo-se de diversificadas tramas - não julgo procedente aqui explicitá-las, posto que isso privaria o espectador de deliciosas surpresas.

Ainda assim, cabe ressaltar a riqueza do material dramatúrgico e sobretudo a forma como foi materializado na cena, cujo despojamento só faz ressaltar os conteúdos propostos e a ótima contracena que as duas atrizes estabelecem. Posso estar enganado, evidentemente, mas me parece que os encenadores objetivaram não apenas criar variantes (ótimas, por sinal) em cima do mesmo tema, mas também enfatizar que, sendo o teatro a arte do encontro, como o define Peter Brook, tal encontro depende fundamentalmente do elo que se estabelece entre quem faz e quem assiste. Sem isso, o fenômeno teatral inexiste, por mais faustosa que venha a ser uma produção. E aqui esse encontro se dá de forma ao mesmo tempo simples e visceral.

Julia Morales é uma jovem atriz que reúne todas as condições para trilhar brilhante carreira como intérprete - tem presença, carisma, ótima voz e grande expressividade corporal. Quanto a Helena Varvaki, trata-se de uma profissional completa, sob todos os pontos de vista, e cuja trajetória artística se caracteriza pela seriedade de suas escolhas e a consciência que certamente possui de que o teatro não pode ser reduzido a uma espécie de couvert de inevitáveis pizzas. Helena Varvaki jamais empresta seu talento a algo que não considere significativo e por isso é tão importante para o teatro carioca.

Com relação à equipe técnica, considero irrepreensíveis as contrbuições de todos os profissionais envolvidos nesta original e oportuna empreitada teatral - Flavio Souza (cenário e figurino), Renato Machado (iluminação) e Flávio Pereira, responsável pelo charmosíssimo projeto gráfico.

O FUTURO POR METADE: VARIAÇÕES CÊNICAS SOBRE UMA MESMA CONFERÊNCIA - Texto de Mia Couto. Direção de Alexandre Mello, André Paes Leme, Oscar Saraiva e Vítor Lemos. Com Helena Varvaki e Julia Morales. Sala Multiuso do Espaço Sesc. Quinta, sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h.  









  

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