sábado, 7 de novembro de 2009

Iluminação
Alguns teóricos e suas idéias

Hamilton F. Saraiva


Bom profissional de iluminação deverá se interessar um pouco mais pelas teorias e idéias dos chamados teóricos, pelo menos os destes últimos dois séculos, dos quais enfocaremos os que se detiveram em observações notáveis para a iluminação. Não se trata aqui de elaborar um "receituário" de pretensões estéticas ou de uma condensação reducionista. Talvez esta linha deva funcionar como um "abridor de apetites" para a leitura de outras obras que tratam individualmente cada um deles, em profundidade.

Eu havia pensado em citá-los de outra forma, arrolando-os em grupos de ilusionistas e não ilusionistas, mesclando-os em experiências semelhantes ou destacando as antagônicas, comparando-os quando algo em comum se apresentasse para as idéias que expediam. Mas acabei desistindo, por achar que o entendimento se faria menos claro.


ANTOINE, André (1858-1943). Francês.

Sua teoria é a do Teatro Naturalista. Imaginou uma "quarta parede", colocando-a simbolicamente diante do palco, no lugar do pano de boca, através da qual o espectador iria surpreender a vida como se estivesse espiando por um buraco de fechadura. Antoine elimina as anti-naturais falas quilométricas e usa cenários e luzes realistas. Em 1885, ele cria em Paris o Théâtre Libre, no início da fase naturalista.

A pesquisa de Antoine é inseparável da introdução da eletricidade na prática teatral. Ele teve consciência imediata da utilidade da luz como meio de acentuar o efeito real e, tomando essa diretriz, revelou o potencial dessa nova ferramenta. A iluminação de Antoine não pretendia nada de subjetivo, não desejava criar clima emocional e as cores só eram usadas quando representavam as cores da realidade. Não havia setorizações, nem focos independentes e, muito menos, luzes de baixo para cima, anti-naturais, que eram as luzes da ribalta, usadas até aquela época.


APPIA, Adolphe (1862-1928). Suíço.

Foi cenógrafo, diretor e crítico de arte. Criador do cenário tridimensional, anti-realista, de jogos complexos de planos inclinados, que modificam o volume da cena e permitem grande flexibilidade de evoluções, em substituição ao cenário clássico de duas dimensões, o que conseguiu com o uso perfeito de trainéis e praticáveis. Appia jogava com a formas, as luzes e as sombras, como Craig viria a fazer mais tarde. Visava dar relevo à figura do ator porque o achava o principal elemento do teatro. Suprimiu a ribalta para o espectador se sentir incluído no espetáculo, inclusive com o movimento das luzes.

Appia queria um ritmo musical em cena e chegou a publicar Músicas da mise-en-scène. Em 1891, apresentou as obras de Wagner e, em 1895, escreveu A encenação do drama wagneriano, verdadeiro tratado das técnicas de iluminação cênica moderna, sendo considerado o grande mago da luz. Há uma afirmação da estética simbolista de Appia a respeito da luz: "Ela pode substituir o cenário; é o meio dinâmico da expressão emocional e é, no espaço, o que os sons são no tempo: expressão perfeita da vida".

O inglês Gordon Crag foi seu colaborador direto, absorvendo com propriedade as idéias do mestre. Dentro delas, alinhamos também o pensamento de Robert Edmond Jones (1887-1954), cenógrafo e diretor norte-americano que foi aluno de Reinhardt:

"Um texto é um organismo vivo e a luz faz parte dessa vida. Iluminar consiste não só em projetar luz sobre o objeto, mas, sobretudo, sobre o sujeito. Os objetos que se iluminam têm linhas, volumes, contornos e portanto correspondem à forma física do drama. O Subjeto (ou subtexto, se nos socorrermos em Stanislavski) que se ilumina é a própria essência, o espírito do drama. Iluminar-se os atores e a cena é necessário, mas precisamos também iluminar o próprio texto. revelá-lo. Usa-se a luz como se usam as palavras (e portanto ela adquire, como arte de duração, o relevo rítmico da música) para elucidar idéias e emoções. A luz torna-se elemento de expressão. A luz tem de ser lúcida".

Appia não chegou a conhecer os fantásticos recursos da técnica moderna de iluminação, mas previu-os, teorizando uma estética nova para uma nova luz, lembrando que na pintura não existe uma luz verdadeira. Para o grande teórico suíço, a cena poderia ser assim definida: "A cena é um espaço vazio e de dimensões arbitrárias. É mais ou menos iluminada. Os objetos que lá se colocam esperam uma luz que os torne visíveis. Esse espaço não está, portanto, senão em potência (latente) tanto para o espaço como para a a luz - eis dois elementos essensiais de nossa síntese, o espaço e a luz, que a cena contém em potência e por definição".


ARTAUD, Antonin (1896-1948). Francês.

"O espírito do texto sim, mas a sua letra não". Assim Artaud queria um texto: antiliterário, o espelho do inconsciente coletivo. Segundo ele, o espectador deveria ficar ofegante, sentir na pele, gritar, mas não por um texto produzir sentido ou mensagem. As sensações deveriam emergir do acontecimento teatral, sobretudo no Teatro da Crueldade, sendo o fato apoiado na direção. Artaud era adepto da teoria da catarse (envolvimento emocional). Ele exigia a substituição do palco por uma grande sala sem divisão entre público e atores, num mágico ritual de integração. Afirmava, em 1920, que "os equipamentos luminosos de hoje em uso nos teatros não bastam mais". De suas teorias, poderíamos dizer que, mais tarde, surgiu o que Grotowski denominou "encontro".

No seu Primeiro Manifesto sobre o Teatro da Crueldade, Artaud pede que, para o espetáculo ritualístico, haja um deslumbramento da luz; mudanças bruscas da iluminação e uma maior ação física da luz, que possa despertar calor e frio. No ítem A luz - As iluminações, Artaud especifica o que deseja: "Os aparelhos luminosos dos teatros não bastam mais. Como a ação particular da luz sobre o espírito passa a fazer parte do jogo dramático, novos efeitos e vibrações luminosas devem ser procurados, novos modos de difundir a iluminação em ondas, ou por camadas, ou uma fusilaria de flechas incendiárias. A gama colorida dos aparelhos em uso deve ser revista de cabo a rabo. A fim de produzir qualidade de tons particulares, deve-se reintroduzir na luz elementos de corpo, densidade, opacidade, com o objetivo de produzir calor, frio, raiva, medo etc.".

Qual seria esse equipamento, tão especial, requerido por Artaud? O laser atenderia em parte às suas pretensões ou haveria necessidade de uma luz estroboscópica em vibrações tais a provocar uma reação mediúnica especial? Ou seria a holografia? Assim como Artaud desejava que os atores dessem gritos sobre-humanos, talvez estivesse em suas cogitações uma luz que transcendesse a percepção normal do ser humano.
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Artigo extraído - e aqui reduzido - da revista Cadernos de Teatro nº 152/1998.

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