quinta-feira, 7 de maio de 2009

O teatro na formação estética da criança

Angelita Parodi

O seminário deveria começar pelo tema: "O teatro na formação estética da criança". Embora não pudesse ser tratado de forma expressa e distinta, por dificuldades surgidas no dia para o qual estava programado, este tema operou como idéia diretriz em todo o desenvolvimento do seminário, já que um criterioso respeito à importância da educação estética através do teatro determinou a colocação e em parte a solução dos problemas implicados nos restantes temas. Os pontos propostos para este tema foram:

1) A importância da educação estética para o desenvolvimento da personalidade: a educação pela arte;

2) O teatro como obra de arte e como síntese de diversas expressões artísticas: plástica, música, palavra etc.;

3) Possibilidades que o teatro oferece: a) como espetáculo para a criança, b) como atividade artística realizada pela própria criança para o desenvolvimento de uma personalidade integrada;

4) A formação do gosto através do espetáculo teatral e o teatro como veículo de moralização e socialização.

Reconhecimento

O primeiro ponto proposto implica no reconhecimento de que a experiência estética é um aspecto fundamental da experiência humana e que a personalidade requer, para seu desenvolvimento integral, o cumprimento de tal tipo de experiência. A formação do gosto, a experiência estética em geral, não podem se dar ao acaso, e na verdade requerem um esforço educativo, uma seleção consciente daqueles estímulos que, por intermédio do Belo, introduzirão paulatinamente a criança no mundo dos valores. A arte proporciona a ocasião mais pura de uma experiência estética, e nisto reside seu valor educativo. Hegel afirmou que a virtude própria da Arte é poder dar das idéias mais elevadas, dos mais altos interesses do espírito, uma expressão sensível e acessível a todos. Assim, a educação pela arte não terá somente que fazer do futuro homem um esteticista, mas também e sobretudo permitir o seu acesso àqueles valores, interesses e idéias mais elevadas.

Síntese

O segundo ponto situa o teatro no quadro geral das artes; o teatro é em parte complexo, é uma síntese de diversas expressões artísticas: plástica, música, movimento rítmico, palavra, ação - unidas todas elas, em geral, por uma trama ou fio argumental que é uma transposição idealizada de experiências, desejos, aspirações, sonhos, angústias, frustrações etc. Por sua capacidade de comunicação, é talvez uma forma privilegiada de arte, porque se dirige a todas as potencialidades anímicas: a sensibilidade, a imaginação, o entendimento, e porque o homem se reconhece sobretudo através da ação, em suas lutas, vitórias e fracassos, em suas transgressões e sanções, e sempre em sua relação com os outros. O teatro para crianças, que deve ser entendido como uma arte, acentua o caráter de ficção e de jogo, e é talvez uma das formas artísticas que oferece maiores possibilidades para o desenvolvimento de uma personalidade integrada, à qual alude o terceiro ponto.

Aspectos

Neste sentido, cabe considerá-lo em seus dois aspectos; a) como espetáculo para a criança, oferece-lhe a oportunidade de projetar-se na ação dramática, de participar por via imaginária e afetiva nos mais saudáveis princípios e nos mais elevados sentimentos da humanidade, como já o expressáramos a propósito da arte em geral, e também de lograr um possível efeito catártico com relação a certas emoções; b) como atividade realizada pela própria criança, pensamos que deve ser entendido não como um produto a ser exibido, mas como um recurso educativo que tem por finalidade o desenvolvimento sem bloqueios dos mecanismos de expressão, seja pela linguagem ou pela ação, e favorecer a integração da criança ao obrigá-la a abandonar o exclusivo ponto de vista egocêntrico e a ver-se a si mesma, e a ver os outros, em suas relações com os demais. Tudo isso sem prejuízo da função meramente recreativa da qual todo homem, e com maior razão a criança, tem necessidade.

Resumo

O quarto ponto resume as linhas gerais do tema. Na educação estética da criança o teatro há de contribuir para a moralização e integração do indivíduo, buscando lograr uma personalidade harmoniosa em seu duplo sentido: coerente consigo mesmo e em relação positiva com o meio social, disposta a fazer prevalecer nele os valores compatíveis com a felicidade do grupo. Se nos dizem que isto é tarefa dos educadores e não do homem de teatro, recordaremos que todo homem é um educador potencial - em sentido positivo ou negativo - frente a uma criança, e que, portanto, quem se dedica ao teatro para crianças tem o dever inevitável de assumir não só as responsabilidades de homem de teatro, mas também as de educador.
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Extraído da revista "Duende", da Associação Uruguaia de Teatro para a Infância e a Juventude. Abril de 1978 - palestra realizada durante um seminário sobre teatro infantil realizado em setembro de 1977, em Montevidéu. Este artigo está publicado na revista Cadernos de Teatro nº 78/1978, edição já esgotada.




















August Strindberg

Robert Brustein

Aparentemente, Strindberg seria o espírito mais revolucionário do Teatro de Protesto. Na realidade, essa distinção deve caber a Ibsen, mas Strindberg é, certamente, o mais inquieto e experimental. Toda sua carreira foi de fato uma busca da pedra filosofal da verdade última através da experimentação em diversos empreendimentos. No seu teatro, em que quase cada uma de suas novas obras constitui um novo começo, uma arrancada para novos caminhos, Strindberg fez experiências com as peças poéticas byronianas, as tragédias naturalistas, as comédias de boulevard, o teatro fantástico de Maeterlinck, as crônicas shakespearianas, as peças oníricas expressionistas e as obras de câmara, em forma de sonata.

Em suas atitudes políticas e religiosas, ele percorre a inteira gama da crença e descrença, com escalas no positivismo, ateismo, socialismo, beatismo luterano, catolicismo, hinduismo, budismo e misticismo swendenborguiano. Nos seus estudos científicos, vai de Darwin ao ocultismo, do naturalismo ao super-naturalismo, da física à metafísica, da química à alquimia.

Strindberg oscila entre a afirmação e a negação, cedendo finalmente a um melancólico fatalismo que nunca se encontra em Ibsen. Na verdade, enquanto Ibsen abre caminho para uma forma trágica helênica, sua rebelião nunca deixará de ser vigorosa e constante. Strindberg, finalmente, atinge uma disposição de espírito trágica, segundo o modelo grego, mas suas rebelião é parcialmente dissipada pelo esforço de aceitação e compreensão.

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Prefácio à Senhorita Júlia
(Texto de Strindberg que consta do programa de estreia da peça)

Se falo da caracterização, não espero ser ouvido pelas atrizes que preferem parecer bonitas a parecerem verdadeiras, no papel que interpretam. Mas o ator poderia interrogar-se sobre a vantagem ou desvantagem que haverá para ele em se revestir, graças à caracterização, de um caráter abstrato, tal como uma máscara. Imaginemos que um ator, com um lápis de carvão, marque entre os olhos um traço violentamente colérico, e suponhamos que em determinado momento a rubrica o obriga a soltar uma gargalhada. Imagine-se que esgar atroz! E poderá uma testa falsa, lisa como uma bola de bilhar, franzir-se quando a personagem se encoleriza? Num moderno drama psicológico, em que os mais imperceptíveis estados de alma se devem refletir mais no rosto que nos gestos ou movimentos, valeria a pena experimentar uma forte luz lateral, sobre um pequeno palco, com atores não caracterizados ou, pelo menos, com a caracterização reduzida ao mínimo.

Se, além disso, evitássemos a orquestra à vista do público, com as suas lâmpadas incômodas e os rostos voltados para a sala, se o chão da platéia se pudesse elevar de modo que o olhar do espectador se erga acima dos joelhos do ator e se, enfim, pudéssemos obter o obscurecimento total da sala no decorrer da representação, e antes de mais um pequeno palco e uma pequena sala, talvez então se assistisse ao nascimento de uma nova arte dramática, e o teatro pudesse de novo tornar a ser um prazer para o público culto. E enquanto se espera que assim aconteça, dever-se-á sem dúvida armazenar peças e preparar o repertório do futuro.

Fiz uma experiência. Se falhou, temos tempo para recomeçar.
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 68/1976, edição já esgotada.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A expressão corporal
na Arte e na Vida

Nelly Laport

A Expressão Corporal não foi inventada por ninguém. Ela nem mesmo é privilégio exclusivo do ser humano. O arreganho furioso do gato diante do cão que o enfrenta; o sacudir alegre da cauda do cachorro diante da chegada do dono, são formas animaios de Expressão Corporal. É que, como um computador programado inteligentemente, cada indivíduo em cada espécie animal carrega, desde o nascimento, as informações básicas que lhe permitem "reagir", comportar-se de maneira a garantir a sobrevivência.

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A Expressão Corporal é uma dessas formas de reação, de comportamento do ser vivo em sua relação com os outros seres, na intercomunicação não verbal e, portanto, anterior à própria existência da palavra. E, portanto, uma forma de comunicação. Entre os seres humanos, algumas atitudes, algumas expressões denotam claramente o estado de ânimo do indivíduo. Assim é que ombros caídos, cabeça pendente são sinais de desânimo, tanto quanto olhos brilhantes e faces coloridas costumam denotar vivacidade e disposição alegre. A prática da observação adquirida na própria vida de relação nos ensina a distinguir e interpretar cada uma dessas expressões. Mas há também as várias formas de andar, de estar de pé e de sentar-se. De falar, de gesticular, de olhar, de tonalidade da voz. Tudo que o ser humano realiza na realidade de todo o dia exige uma Expressão Corporal que pode denotar um especial estado de espírito.

Distinções

Através da Expressão Corporal consegue-se, a maioria das vezes, distinguir o sexo do indivíduo. Muitas vezes sua idade e, com alguma prática, a sua classe social. Tudo isto, é claro, não em suas nuances e minúcias, mas de uma forma bastante significativa e suficiente para nos ajudar a orientar a nossa própria conduta. A Expressão Corporal transcende os simples objetivos práticos da nossa vida de relação. Ela é resultado de toda uma interação, de um conjunto de ações e reações, do crescimento, do amadurecimento e da conscientização gradativa da pessoa em torno de seus objetivos, de sua forma de encarar a vida, da construção do seu caráter.

Significado

Estudá-la é, porém, uma forma de tomar conhecimento do seu significado, da sua importância, do lugar que ocupa no relacionamento de todo o dia. E se cada indivíduo, cada pessoa, assume no mundo um papel que lhe é deseignado pelos acontecimentos, pela posição do seu nascimento, pela própria adoção consciente, então, a Expressão Corporal é muito para que cada um assuma a sua própria personalidade. É por isso que, quando procuramos nos conscientizar do papel da Expressão Corporal, temos que primeiramente saber quem somos, o que somos, o que desejamos ser.

Desempenho

Em geral, não devemos nos preocupar em desempenhar um papel, a não ser que a nossa profissão seja justamente a de ator. O que precisamos é desempenhar o nosso papel, aquele que nos cabe por herança familiar, por escolha e pelo esforço que realizamos para ser ou para nos transformarmos em algo melhor. A partir da consciência de si mesmo, do papel que temos a desempenhar na vida e do desejo constante de aperfeiçoamento é que se pode tirar real proveito da Expressão Corporal.

Origem

No que diz respeito à Expressão Corporal no teatro, a sua função é importante e enriquecedora. Sua origem pode ser situada no proto-teatro, nas danças e representações rituais dos selvagens. A bem dizer, a Expressão Corporal no teatro precede mesmo à própria palavra, ao próprio diálogo. Os rituais dos quais nasceu o teatro, em muitos casos, dispensava a palavra. Mas, ao que sabemos, desde as primeiras manifestações do que hoje se chama teatro e que, de acordo com a tradição, tearia aparecido na Grécia, a Expressão Corporal sempre esteve presente na atuação dos atores, embora no teatro grego os personagens usassem máscaras, vestimentas características e coturnos destinados a aumentar a estatura dos atores. Além disso, utilizavam-se de instrumentos próprios para aumentar o volume da voz, sabendo-se que as representações eram feitas em recinto amplo e aberto. Essas práticas para facilitar a visão e a audição da platéia não podiam deixar de prejudicar as nuances da Expressão Corporal do ator, que teria de recorrer aos gestos largos e às expressões mais óbvias.

Demônio

Mais tarde, com os mimos e as pantomimas, que obtiveram enorme popularidade em Roma, a Expressão Corporal atingiu grandes virtualidades. A queda do Império Romano e o advento do cristianismo provocou a perseguição aos atores, principalmente os mímicos, que eram considerados instrumentos do demônio. A Expressão Corporal voltou à cena com os funâmbulos, saltimbancos e histriões, reaparecidos na Idade Média e atingiu novo auge com a Commedia dell' Arte. Goldoni e Molière foram os continuadores mais importantes das conquistas cênicas da Commedia dell' Arte. O ator tornara-se novamente um profissional, tolerado mas ainda não muito benquisto pela sociedade. O próprio Molière, quando de sua morte, teve seu sepultamento impedido em cemitério cristão.

Evolução

A Expressão Corporal continuava sua evolução através do modo de atuação dos atores, com suas características próprias no Classicismo de Racine, requinte para aristocratas; no teatro de Shakespeare, ecumênico socialmente, pois tanto era levado na corte para a própria rainha, quanto para a plebe no Teatro Globo. Mas na Inglaterra da época ainda não se aceitava a mulher como atriz. Assim, as Julietas, as Desdêmonas e as Ladies Macbeth eram interpretadas por homens.

Conquista

Depois a lenta conquista de um status para a profissão e a evolução dos gêneros com Beaumarchais, Schiller, Victor Hugo e o Romantismo, e a teorização do desempenho em "Paradoxos sobre o ator", de Diderot. Em 1837, o ator brasileiro João Caetano, em suas "Lições Dramáticas", chama a atenção para a importância da Expressão Corporal: "Ninguém poderá dizer bem o papel que estudou sem que de antemão tenha aprendido todas as dificuldades do gesto". E continua com uma série de observações sobre o uso do corpo como auxiliar da expressão dramática que, até certo ponto, podem ser consideradas surpreendentes na data em que foram feitas. Pois, André Antoine, ainda em 1903, queixava-se da inexpressividade, da pomposidade, do uso de padrões estereotipados na gesticulação dos atores daquela época, na França. Dizia mesmo que tais atores apenas usavam dois instrumentos na atuação: a voz e a fisionomia. O resto dos seus corpos não participava da ação.

Pioneirismo

Para Antoine, sem dúvida o fundador do teatro moderno, a movimentação do ator é o seu mais intenso meio de expressão. Foi o primeiro a enfatizar a conscientização da Expressão Corporal como um dos meios mais poderosos e intensos da linguagem interpretativa. Com Stanislavski foi salientado o trabalho de dependência do corpo com respeito à alma. Na criação de um papel o ator deveria trabalhar principalmente o seu fluxo interior que criaria a vida do personagem. Isto, é certo, sem esquecer a configuração física externa, que deveria, entretanto, reproduzir o resultado do trabalho criador de suas emoções.

Discordância

Por fim Meyerhold, anteriormente associado a Stanislavski no Teatro de Arte de Moscou, discordou do método psicológico deste e preconizou um outro que denominou de Bio-Mecânica, que tem como objetivo a suprema formação física e social do ator. A missão mais importante do ator seria o domínio absoluto e o uso correto de todos os movimentos do seu corpo. Das experiências de Meyerhold e seus discípulos derivam praticamente todas as correntes avançadas do teatro contemporâneo, bastanto citar, entre as principais, a de Erwin Piscator - que preparou o advento do Teatro Épico, de Bertolt Brecht; o Teatro Total americano e inglês, que tem em Peter Brook sua figura exponencial e, até mesmo, o Teatro do Absurdo descendente das teorizações de Antonin Artaud. Ultimamente o nome de Jerzy Grotowski e seu Teatro Pobre ganhou enorme dimensão. Suas teorizações têm conquistado o apaluso de importantes personalidades do teatro de todo o mundo. Entretanto, a prática do seu método de exercícios físicos, destinados a conquistar o extremo domínio da Expressão Corporal, é, ao nosso ver, excessivamente complexa e extenuante.

Laboratório

Não podemos deixar de nos referir, também, a certos tipos de trabalhos preparatórios, de experiências de grupos de atores, denominados de Laboratórios e destinados a criar o clima propício a integração de cada um nos respectivos papéis. Em alguns casos esses trabalhos tendem a assumir o aspecto de psicodramas, realizados, entretanto, sem a assistência do terapeuta psicodramatista. Esses tipos de experiência podem, em certos casos, desencadear processos neuróticos e, até mesmo, psicóticos em personalidades mais suscetíveis. O psicodrama é um processo de terapia grupal que envolve problemas pertencentes a áreas complexas que somente um especialista com extenso período de treinamento está apto a enfrentar e resolver.

Função

Em resumo, em nosso entender, a Expressão Corporal no teatro tem a função de denotar todas as peculiaridades físicas do personagem, criando uma realidade teatral adequada aos propósitos do espetáculo, de acordo com a concepção original do diretor. Em caso de espetáculos exclusivamente mímicos a técnica a seguir será, obviamente, outra, obedecendo a critérios próprios desse gênero. Em princípio, porém, o treinamento básico, os exercícios físicos, destinados à conquista de uma virtuosidade necessária à representação, são os mesmos.

Princípios

Agora vamos passar a examinar alguns princípios teóricos e práticos cujo conhecimento é indispensável ao treinamento destinado à obtenção de uma Expressão Corporal mais livre, espontânea e adequada a uma personalidade autêntica.

SENTIDO CINESTÉSICO (Percepção do Movimento)

O senso cinestésico é aquele que lhe informa o que seu corpo está realizando no espaço, através da sensação ou percepção do movimento nos seus músculos, tendões e articulações. Assim é que, se você estica o braço você sabe que ele está estendido porque o seu senso cinestésico lhe transmite essa informação. Por outro lado, a memória desses movimentos realizados, de suas diversas formas, é muito mais sensorial, cinestésica, do que propriamente intelectual. Desenvolvendo-se esse tipo de percepção, facilita-se a memorização dos movimentos porque a lembrança cinestésica é global, enquanto que a memória intelectual é feita por partes, é dividida em momentos.
Quando o estudante consegue perceber todas as informações que o seu senso cinestésico pode lhe proporcionar, o que é resultado de estudo e treinamento adequados, o seu próprio auto-conhecimento é grandemente aumentado. Ele percebe quando está usando mais tensão do que a necessária ou quando, pelo contrário, a que está utilizando é insuficiente. Também tem consciência de que sua postura reflete o estado de espírito que ele deseja representar. Se ele realmente treinou devidamente todos os movimentos de forma correta, relembrará quais aqueles que são adequados a determinada postura e estará apto a recriá-los em sua essência. Isto também o ajudará quando em dificuldade emocional, pois já terá aprendido como se comporta o seu corpo ao experimentar determinadas emoções.
Em todo caso, as seguintes perguntas são fundamentais:

1) Sua respiração foi afetada pela emoção?
2) Qual é o centro de tensão em seu corpo?
3) A emoção o faz sentir-se descontraído e expansivo ou fechado e concentrado?

Se o estudante estiver em condições de responder a estas questões, poderá, provavelmente, recriar essa emoção quando quiser. Em qualquer caso, para o ator ou para o estudante da técnica de Expressão Corporal, é da maior importância saber como a emoção o afeta fisicamente.

POSTURA (Equilíbrio Corporal)

O centro de gravidade ou equilíbrio no corpo humano está localizado na região pélvica. As pernas são a estutura que suporta o centro e os pés vem a ser a base desse suporte. A posição ideal é quando se mantém cada parte móvel uma acima da outra para que a linha central de gravidade e o sentido de gravidade passem pela perna e pelos pés. A manutenção de uma postura adequada pode ser conseguida através de um exercício consciente, da prática constante dessa postura até que ela se transforme num hábito e se incorpore definitivamente à maneira de ser, física, da pessoa. Portanto, a correção da postura depende apenas de um esforço próprio.

Finalidade

Os exercícios físicos são utilizados para a seguinte finalidade:

1) Coordenação, flexibilidade, força e resistência;
2) Aperfeiçoar a percepção cinestésica de forma que a pessoa passe a ter consciência permanente das suas ações e gestos;
3) Os exercícios físicos não devem ser encarados como um divertimento ou uma tarefa. Não se deve iniciar exercícios, executá-los por algum tempo e depois esquecê-los. Os exercícios devem ser considerados sempre como um desafio estimulante. Todo mundo pode sempre esticar-se mais um pouco e saltar um pouco mais alto.
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Artigo publicado na revista Cadernos de Teatro nº 66/1975, edição já esgotada.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Play"

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Verdades e mentiras em ótimo espetáculo


Lionel Fischer


Lançado em 89, o filme "Sexo, mentiras e videotape", do norte-americano Steven Soderbergh, fez enorme sucesso, tendo sua original narrativa estruturada em cima de conturbadas relações amorosas, traições e depoimentos femininos sobre experiências sexuais gravados em vídeo.
Em "Play", de Rodrigo Nogueira, livremente inspirada no filme, os temas são os mesmos, mas há uma diferença. No filme, o homem gravava depoimentos de mulheres em vídeo por não conseguir mais manter relações sexuais "ao vivo". No texto de Nogueira, o personagem Jonas é convertido em um artista envolvido em um projeto, que não se chega a saber exatamente qual seja, mas que de certa forma se insere na realidade dos personagens.
Em cartaz no Teatro Solar de Botafogo, "Play" chega à cena com direção de Ivan Sugahara e elenco formado por Rodrigo Nogueira (João), Ana (sua esposa, Daniela Galli), Cyntia (amante de João, Maria Maya) e Jonas Gadelha (Jonas, o que filma as mulheres).
Para os que não assistiram ao filme e tampouco a esta montagem, vamos sintetizar o enredo. Este gira em torno de um triângulo amoroso. João é casado com a reprimida Ana, mas a trai com a sensual cunhada Cyntia. E a presença de Jonas, amigo de João, contribui para desestabilizar essas relações, tanto através de sua presença como dos vídeos que grava.
Estamos diante de um texto que, sem dúvida, exibe muitas qualidades, ainda que inspirado em outra obra. E dentre essas qualidades destacamos a agilidade dos diálogos, a pertinência dos temas abordados e os ótimos personagens, em total sintonia com algumas das questões mais relevantes de nossa época no que tange a relações amorosas, dentre elas a conveniência ou não do estabelecimento de limites entre intimidade e sexo.
Como ressalva, apontamos somente uma certa insistência do autor, em algumas passagens, de criar diálogos excessivamente picotados, cujo objetivo certamente é exibir uma dificuldade de entendimento, um medo de entrega, mas que às vezes soa forçado, por demais "construído", por demais "cerebral" - e a tal ponto que, eventualmente, temos a sensação de que os personagens ou são meio surdos ou não dominam o mesmo idioma.
Com relação ao espetáculo, Ivan Sugahara impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, criando marcas inventivas e diversificadas, quase sempre impregnadas de um sentimento de urgência e de nervosidade, e invariavelmente tentando materializar um dos principais objetivos da peça, assim como do filme: criar na platéia uma permanente dúvida a respeito do que é real ou fictício.
No que diz respeito ao elenco, Rodrigo Nogueira tem seus melhores momentos nas passagens em que o humor predomina, embora não deixe de ser convincente nas demais. Daniela Galli faz de forma irretocável a retraída Cyntia, o mesmo aplicando-se a Maria Maya (sensual, algo perversa e muito manipuladora) e a Jonas Gadelha, muito seguro na pele do enigmático homem que filma.
Com relação aos vídeos, três deles nos mostram atrizes anônimas e os outros dois exibem depoimentos emocionantes e emocionados de Cyntia e Ana - ou seriam de Maria Maya e de Daniela Galli? Com a palavra, a platéia...- embora não tenhamos nenhuma dúvida quanto a resposta, optamos por não revelá-la.
Na equipe técnica, Rui Cortez responde por cenário efigurinos totalmente em consonância com o contexto, sendo igualmente irrepreensíveis a iluminação de Renato Machado, a preparação corporal de Cristina Amadeo e a trilha sonora de André Abujamra.

PAY - Texto de Rodrigo Nogueira. Direção de Ivan Sugahara. Com Rodrigo Nogueira, Daniela Galli, Maria Maya e Jonas Gadelha. Teatro Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h30.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Cyrano de Bergerac"

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Obra-prima em versão amadorística


Lionel Fischer


Autor dramático francês, Edmond Rostand (1868-1918) especializou-se em escrever dramas românticos em verso. Mas de seus sete textos, apenas dois ainda são encenados com relativa frequência: "L'Aiglon" (1900), que estreou protagonizado por Sarah Bernhrardt, e sobretudo "Cyrano de Bergerac" (1898), este último levado às telas com grande sucesso, com o papel principal sendo interpretado por Gerad Depardieu.
Agora, o público carioca tem a oportunidade de conferir o belíssimo texto "Cyrano de Bergerac", em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim. O poeta Ferreira Gullar assina a traduação e a adptação, estando a direção a cargo de Renato Carrera. No elenco, Oddone Monteiro (Cyrano), Márcia Méll (Roxana), Rodrigo Phavanello (Cristiano), Ricardo Tostes (Ragueneau), Breno Pessurno (De Guiche), Eduardo Salles (Le Bret), Heitor Cassiano (Valvert/Cadete), Bruno Seixas (Lignière/Cadete), Thalita Rocha (Lise/Irmã Marta), Fátima Esteves (Aia/Madre), Antonio Rossano (Montfleury/Capuchinho/Cadete), Luciana Cazz (Cuigy/Cadete), Márcio Maia (Carbon), Felipe Bondaroski (Cadete) e Bruno Barros (Bellerose/Cadete).
Por tratar-se de um enredo bastante conhecido, não julgamos imperioso aqui reproduzí-lo. Mas algumas considerações sobre esta versão tornam-se imprescindíveis, dada a gravidade do que acontece na cena. Exceção feita à ótima tradução de Gullar e de sua adaptação não menos notável, tudo o mais - ou quase tudo - merece ser seriamente questionado, o que tentaremos fazer a seguir tentando ao máximo, como de hábito, manter o respeito pelos profissionais envolvidos no projeto, que certamente se empenharam muito para que desse certo.
Antes de mais nada, cumpre registrar que, por tratar-se de um texto em versos, tal premissa exige um elenco minimamente capaz de dizê-los com a naturalidade inerente à prosa, pois a intenção do autor foi a de criar uma trama plausível, repleta de emoção e poesia, e não uma espécie de poema dramatizado, com suaves pitadas teatrais. Em absoluto: Rostand escreveu uma peça de teatro, com ótimos personagens e ações absolutamente convincentes.
No entanto, o despreparo dos atores é de tal magnitude que além de não conseguirem conferir um mínimo de credibilidade aos papéis que interpretam, ainda por cima erram o texto a todo momento, evidenciando uma insegurança e um nervosismo que em muito ultrapassam o que seria tolerável em uma estréia.
Quanto à direção de Renato Carrera, o espetáculo começa de forma atabalhoada, confusa, com o elenco aos gritos pela platéia sem nenhuma justificativa para assim agir. E quando a montagem ganha o palco, apenas uma ou duas passagens revelam um desenho cênico minimamente coerente com a narrativa. Mas também cabe registrar que nem Peter Brook, tendo à sua disposição um elenco ainda tão fraco - ao menos para encarar o presente desafio - conseguiria conferir algum interesse à materialização desta obra-prima.
Com relação à equipe técnica, podem ser considerados corretos o cenário de Maurílio Dias, os figurinos de Guilherme Tavares e a iluminação de Rogério Wiltgen - se bem que, por razões inexplicáveis, em várias passagens os atores se colocam justamente fora do foco principal que sobre eles recai.

CYRANO DE BERGERAC - Texto de Edmond Rostand. Tradução e adaptação de Ferreira Gullar. Direção de Renato Carrera. Com Oddone Monteiro, Márcia Mell, Rodrigo Phavanello e outros. Casa de Cultura Laura Alvim. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Max Reinhardt
fala do Ator

Creio na imortalidade do teatro. É o melhor refúgio para aqueles que guardaram
sua infância no bolso e fugiram com esse tesouro escondido para continuar "brincando"
até o fim de suas vidas.

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Quando se fala do teatro e isto é, sem dúvida, o que esperais de um homem de teatro como eu, temos que colocar o ator na primeira e na última linha, já que só a ele e a mais ninguém pertence o teatro. Ao fazer esta afirmação somente tenho em vista os atores profissionais, como penso, antes de tudo, no ator como poeta e criador. Todos os grandes autores dramáticos são atores natos, hajam ou não exercido tal profissão com maior ou menor êxito. Penso no ator como diretor, como músico, arquiteto, pintor e, certamente, por último, no ator-espectador, pois o talento dramático do espectador é quase tão decisivo como o do ator.

Desejo

O espectador deve intervir também a fim de que nasça o verdadeiro teatro, que é a arte mais completa, mais poderosa, mais direta e que reúne todas as demais. Em cada ser humano existe, consciente ou inconscientemente, o "desejo de transformação". Todos trazemos em nós mesmos as possibilidades de todas as paixões, de todos os destinos, de todas as formas de vida. Nada do que é humano deixa de ter eco em nós. Não fosse assim, não poderíamos nem na vida nem na arte compreender aos demais. Porém, o que herdamos: a educação, as experiências individuais, que não fecundam e não desenvolvem senão uma pequena parte dos milhares de germes que em nós existem. Os demais debilitam-se pouco a pouco e terminam morrendo.

Pobreza

A vida burguesa é estrita, limitada e muuito pobre em matéria emotiva. Nesta pobreza encontram-se virtudes, entre as quais se penetra e se avança dificultosamente. O ser normal sente, em geral "uma vez" na vida o êxtase do amor; "uma vez" na vida a transbordante alegria da liberdade e do ódio; enterra "uma vez" com profunda dor um ser amado e, finalmente, morre, ele mesmo "uma vez". Porém, isto é pouquíssimo para as nossas potencialiddaes inatas de amor, de ódio, de felicidade, de dor. Todos os dias exercitamos nossos músculos e nossos membros para que se fortifiquem e para evitar que se atrofiem. Porém, nossos órgãos espirituais, criados sem dúvida para serem empregados na vida, ficam inativos, sem exercício e perdem com o tempo, sua faculdade de funcionamento. É do funcionamento completo desses órgãos que depende não só nossa saúde espíritual e moral, como também nosso corpo.

Explosões

Sentimos sem a menor dúvida como nos satisfaz uma gargalhada, como nos alivia um soluço, como nos apazigua um acesso de cólera. Buscamos até inconscientemente essas explosões. Diz-se que os ciumentos buscam ardentemente o sofrimento. É porque temos uma necessidade absoluta de sentir emoções e de manifestá-las. Nossa educação certamente trabalha em sentido contrário. Seu primeiro mandamento pode expressar-se assim: "Dissimula o que se passa contigo, não deves deixar perceber nada de tua agitação, de tua fome, de tua sede, procura ocultar toda alegria, toda a dor e toda a ira; é necessário afogar tudo que é primitivo e que tende a manifestar-se".

Freios

Eis como se formam os "freios" de que tanto se fala em nossos dias - a doença da moda - o histerismo e toda essa vã comédia que, em suma, enche a nossa vida. Paixões, sentimentos, emoções, nada disso existe hoje em dia. Dispusemo-nos a substituí-los por uma série de expressões formalistas de um valor geralmente reconhecido e aceito pela sociedade de que fazemos parte. Essa sociedade é tão rígida e nos aprisiona tão estreitamente, que todo movimento espontâneo fica excluído quase que completamente. Do mesmo modo que nossa roupa, que se fabrica em série para todos os tamanhos, temos duas ou três dezenas de fórmulas triviais que se aplicam em todas as ocasiões.

Convenções

Possuímos expressões faciais convencionais para expressar simpatia, prazer, dignidade, o sorriso estereotipado da figura. Perguntamos a nossos semelhantes: "Como está?, sem nos preocuparmos com a resposta ou mesmo sem verdadeiro interesse. E dizêmo-lo sempre com um tom regulado tão perfeitamente que se poderia fixar suas notas, invariavelmente repetidas ao infinito, para expressar a satisfação de nos encontrarmos com eles, enquanto que no fundo o fato nos é absolutamente indiferente, quando não desagradável. O código social corrompeu até o ator, o homem cuja missão é a de expressar sentimentos. Quando se educam gerações ensinando-as a conter suas emoções, já não resta nada, em suma, para reprimir ou liberar.

Enamorados

Como é possível que o comediante, profundamente preso às ficções da vida burguesa, possa à noite dar esse salto prodigioso a fim de converter-se num rei louco, cujas paixões tudo transtornam?. Como é possível que faça crer ao espectador que está se matando por ciúmes ou se suicidando por amor? Uma das características de nosso teatro atual é que nele quase não existem enamorados. Quando um ator diz em cena "amo-te", em muitos teatros se fará um fundo musical a fim de expressar um estado de espírito poético. Substitui-se, deste modo, a vibração da alma por uma vibração de violinos, sem a qual não se poderia distinguir um "amo-te" de um "como vai".

Mulheres

Em geral as mulheres são mais expressivas e mais impulsivas, por se encontrarem mais próximas da natureza que o homem. Em tempos passados, quando os atores estavam distanciados ainda da sociedade burguesa, e vagavam como boêmios pelo mundo, indubitavelmente, desenvolviam-se entre eles personalidades mais poderosas e mais originais. Suas paixões eram mais impetuosas, seus acessos mais violentos. Nenhum interesse entorpecia seu livre curso. Eram comediantes de corpo e alma. Hoje em dia "a carne" está sempre bem disposta, porém, a alma é débil e os interesses estão divididos. No entanto, todas essas considerações e todas essas regras desapareceram ante o milagre do gênio. Mas os gênios são poucos e muitos são os teatros.

Crianças

São as crianças que refletem mais claramente a essência do gênio, quase todas elas são gênios natos. Sua faculdade de assimilação é única e as tendências criadoras, que se manifestam em seus jogos, são geralmente geniais. Elas querem descobrir o mundo por si mesmas e criá-lo novamente (recriá-lo). Instintivamente, recusam assimilar a vida pela instrução, segundo a fórmula de "uma colherada por hora". Não querem absorver a experiência dos outros. Transformam-se com a rapidez do relâmpago e fazem tudo de acordo com os seus desejos. Seu poder de imaginação é avassalador. Isto é um simples sofá? Pois sim, é uma estrada de ferro e eis que, em seguida, a locomotiva ronca, silva e roda, elas se põem a contemplar, através dos vidros das janelas, de um lado e do outro dos vagões, enquanto vem o guarda, severo, que revisa os bilhetes. De repente, o trem se detém na estação...

Ideal

É o Teatro. Teatro ideal, modelo de arte dramática. Isso explica o fenômeno de que, tanto no teatro como no cinema, as crianças são sempre os melhores atores. Fossem elas favorecidas pelas circunstâncias, seriam todas crianças prodígios. Justamente nos jogos infantis é onde melhor se poderia estudar os principais fundamentos do teatro. As decorações e os acessórios que as crianças utilizam, mesmo sob a forma de coisas, são transformadas logo por sua imaginação soberana. Apesar disso, quanta realidade, que surpreendente naturalismo, que improvisações geniais, que pouco espaço reservado à objetividade do drama, e tudo acompanhado de uma clara consciência, que nunca as abandona, de que tudo que ocorre ali não é senão um jogo.

Erro

Sucede o meso com o ator. É um erro supor que o comediante possa esquecer o espectador, se é precisamente nos momentos de maior turbação, ao sentir milhares de pessoas suspensas, apaixonadas e trêmulas em seus próprios lábios, que essa consciência lhe dá força para libertar-se inteiramente e para despojar-se dos últimos véus que cobrem os recantos mais secretos de sua alma. Também para a criança aquilo é um jogo, porém, um jogo praticado com uma seriedade profunda e que exige a presença de "espectadores" submissos, mudos, atentos, que seguem o desenvolvimento desse jogo e que lhes emprestam concurso.

Nascimento

A arte dramática nasceu durante a primeira infância da humanidade. O homem, reduzido a viver uma existência breve entre uma multidão composta de seres inteiramente diferentes de si mesmos, tão próximos a eles e ao mesmo tempo tão distantes, sentiu uma imperiosa necessidade de passear por meio da imaginação, de uma forma a outra, de um destino a outro, de uma paixão a outra: foram esses seus primeiros ensaios de vôo para além da estreiteza de sua existência material. Se é certo que fomos criados à imagem de Deus, deve haver em nós algo do divino impulso criador.
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O presente artigo, aqui resumido, consta do nº 59/1973 da revista Cadernos de Teatro, edição já esgotada.







































































































Teatro/CRÍTICA

"Mau humor"

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Hilários destemperos de uma estressada


Lionel Fischer


Vinícius de Moraes julgava a beleza fundamental. Não concordo inteiramente com o poeta, mas em contrapartida ouso afirmar que a vida, levada sem humor, torna-se simplesmente intolerável. Ao mesmo tempo, tenho plena consciência de que eventuais estados de mau humor são inevitáveis.
No presente caso, porém, estamos diante de uma mulher completamente estressada e com um vastíssimo repertório de situações que a levam a ficar de mau humor. E é justamente sobre tal repertório que ela fala compulsivamente com a platéia, o que a impede de "começar o espetáculo" - trata-se, naturalmente, de um artifício teatral, pois o texto foi concebido visando que o espetáculo jamais comece.
Com texto e direção assinados por Lucília de Assis e interpretação a cargo de Carmen Frenzel, "Mau humor" está em cartaz no Teatro Municipal Café Pequeno.
Como já foi dito, a única personagem desfila um vastíssimo repertório de situações que a deixam fora de controle, a maioria comuns a todos nós - e aqui a autora Lucília de Assis revela um olhar agudo e pertinente sobre a ralidade, mas sempre extraindo delicioso humor dos ininterruptos enfurecimentos da personagem.
Mas esta não se torna sedutora - apesar de seus destemperos - apenas em função do que diz, mas também pela notável capacidade de Carmen Frenzel de se relacionar com a platéia, evidenciando extraordinária vocação para o improviso.
Na noite em que assistimos ao espetáculo, por exemplo, a atriz conseguiu "implicar" com toda a platéia e, não contente, inventou relações "constrangedoras" entre alguns dos espectadores, que a todas reagiram com extremo bom humor. E isso graças, como já foi dito, à fantástica capacidade da atriz de lidar com o inesperado, de aproveitar todas as brechas para criar piadas muito engraçadas sobre temas completamente díspares. Sem dúvida, Carmen Frenzel é uma excelente comediante, que ainda tem a seu favor ótimo domínio vocal e corporal, e um carisma que converte a platéia em cúmplice. Assim, recomendamos aos mau humorados de plantão uma ida urgente ao Café Pequeno.
Com relação à direção, Lucília de Assis cria marcas engraçadas e diversificadas, mas é óbvio que teve o bom senso de dar total liberdade à atriz para agir em função da receptividade do público. Alexandre Dacosta assina uma música correta, a mesma correção presente na iluminação de Tadeu Freire.

MAU HUMOR - Texto e direção de Lucília de Assis. Interpretação de Carmen Frenzel. Teatro Municipal Café Pequeno. Terças e quartas às 21h.